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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba abr. 2015
Características de personalidade e dependência nicotínica em universitários
Personality traits and nicotine dependence in college students
Características de personalidad y nicotina depedencia en estudiantes universitarios
Ângela Tamye Lopes Fujita1, I; Tatiana de Cássia NakanoI; Regina de Cássia RondinaII
IPontifícia Universidade Católica de Campinas
IIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
RESUMO
Os traços de personalidade podem exercer papel importante no hábito tabagista. Objetivou-se investigar diferenças em características de personalidade entre estudantes universitários fumantes e não fumantes. Participaram 93 universitários de instituição particular do Ensino Superior do interior de São Paulo com idades entre 18 e 25 anos. Desses, 40 eram fumantes (28 com dependência leve e 12 com dependência moderada) e 53 não fumantes. Foi aplicado um questionário de dados sociodemograficos, Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina e Bateria Fatorial de Personalidade. Os resultados revelaram médias significativamente mais altas para dependentes de nicotina na faceta busca por novidades e no fator abertura, enquanto que não fumantes obtiveram médias significativamente mais altas nas facetas vulnerabilidade, pró-sociabilidade, confiança nas pessoas e empenho. Foi encontrada associação significativa com dependência nicotínica apenas na faceta confiança nas pessoas. Espera-se que os resultados possam ser utilizados para aperfeiçoar a atuação de psicólogos na área do tabagismo.
Palavras-chave: personalidade; tabagismo; universitários, modelo dos cinco grandes fatores da personalidade.
ABSTRACT
Personality traits may play an important role in the smoking habit. This study aimed to investigate differences in personality traits among college smokers and nonsmokers. The sample was composed by 93 students from private higher education institution in São Paulo state, aged between 18 and 25 years. Of these, 40 were smokers (28 with low dependency and 12 with moderate dependency) and 53 nonsmokers. A questionnaire on sociodemographic data, Fagerstrom Test for Nicotine Dependence and Battery Factor Personality was applied. The results revealed significantly higher scores for smokers on searching for news and openness while nonsmokers had significantly higher scores on the vulnerability, pro-sociality, trust and commitment. Significant association was found with nicotine dependence only on confidence in people. It is hoped that the results can be used to improve the performance of psychologists in the smoking area.
Keywords: personality; smoking; university, big five model of personality.
RESUMEN
Los rasgos de personalidad pueden jugar un papel importante en el hábito de fumar. Este estudio tuvo como objetivo investigar las diferencias en los rasgos de personalidad entre los fumadores y los no fumadores de la universidad. Participaron 93 estudiantes de instituciones de educación superior privada en el estado de São Paulo, con edades comprendidas entre 18 y 25 años. De éstos, 40 eran fumadores (28 con depedencia leve y 12 con dependencia moderada) y 53 no fumadores. Un cuestionario sobre datos sociodemográficos, Test de Fagerström para la dependencia de la nicotina y La Bateria Fatorial de Personalidad se aplicó. Los resultados revelaron medias significativamente más altas para fumadores en la faceta búsqueda de noticias y el factor de apertura, mientras que los no fumadores tenían puntuaciones significativamente más altas en la vulnerabilidad, prosocialidad, confianza en las personas y compromiso. Se observó asociación significativa con la dependencia de la nicotina sólo en la faceta confianza en las personas. Se espera que los resultados se pueden utilizar para mejorar el rendimiento de los psicólogos en la zona de fumadores.
Palabras-clave: personalidad; fumar; universidad, big five modelo de personalidad.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, WHO, 2011), o tabagismo é uma das maiores ameaças à saúde pública. Em média, mais de cinco milhões de pessoas morrem por ano devido a doenças relacionadas ao tabagismo. Devido a esses dados alarmantes, as pesquisas sobre os fatores envolvidos no comportamento de fumar avançaram.
Além dos efeitos neurológicos da nicotina, os fatores de risco de natureza social, familiar e individual que podem predispor o indivíduo à dependência também vêm sendo estudados. Evidências empíricas mostram que fumantes, ex-fumantes e não fumantes diferem quanto à personalidade (Munafo, Zetteler & Clarck, 2006; Terracciano & Costa, 2004) e indicam poder preditivo dos traços de personalidade para comportamentos de abuso de substância, dentre os quais se inclui o tabagismo (Turiano, Whiteman, Hampson, Roberts, & Mroczek, 2012).
Ainda que diferenças de personalidade entre usuários de drogas e não usuários sejam geralmente pequenas, esses efeitos podem ter importantes implicações clínicas, devido ao grande número de pessoas envolvidas, notadamente no tabagismo, segundo Terracciano, Löchenhoff, Crum, Bienvenu e Costa (2008). Para os autores, por meio desse tipo de investigação torna-se possível compreender a etiologia da dependência, propondo políticas preventivas e programas de cessação, de maneira a justificar a importância do investimento em pesquisas nessa área.
Entre os diversos modelos teóricos criados para explicar esse construto, a pesquisa da personalidade ganhou novo ímpeto e direção a partir do estabelecimento de um consenso sobre sua estrutura, pelo modelo fatorial baseado em cinco fatores, chamado de Big Five (Prinzie, Stams, Dekovic, Reijntjes, & Belsky, 2009). Ao longo das duas últimas décadas, tal modelo, elaborado por McCrae e Costa (1985), tornou-se o mais utilizado para descrever a estrutura de traços de personalidade, dada a possibilidade de sua replicação em diferentes métodos de coleta de dados, bem como em diversas línguas e culturas (Rammstedt, Goldberg, & Borg, 2010). No Brasil, a situação não se mostra diferente, podendo-se verificar o aumento nos estudos sobre os cinco grandes fatores, que vem despertando, cada vez mais, interesse dos pesquisadores brasileiros ao longo dos anos (Silva & Nakano, 2011).
O modelo dos Cinco Grandes Fatores (CGF) é composto por cinco dimensões de personalidade, segundo definição da literatura (Ávila & Stein, 2006; Nunes & Hutz, 2006; Nunes, Hutz, & Nunes, 2010; Santos, Sisto & Martins, 2003; Vasconcellos & Hutz, 2008): Neuroticismo (que se refere a um nível crônico de desajustamento e instabilidade emocional), Extroversão (que se relaciona com a forma como uma pessoa interage com as demais, indicando o quanto uma pessoa é comunicativa, falante, ativa, assertiva, responsiva), Realização (que representa o grau de organização, persistência, controle e motivação de uma pessoa para alcançar objetivos), Abertura à Experiência (que compreende uma série de comportamentos exploratórios e o reconhecimento da importância de ter novas experiências) e Socialização (refere-se a características de relacionamento interpessoal direcionadas aos outros, destacando tipos de interação que vão da compaixão ao antagonismo).
A literatura revela um número extenso de estudos que versam sobre a relação entre os traços de personalidade e tabagismo. Estudos indicam escores de fumantes maiores no fator Neuroticismo em comparação aos de não fumantes (Grekin, Sher & Wood, 2006; Spielberger & Jacobs, 1982; Terracciano & Costa, 2004; Terracciano, Löckenhoff, Crun, Bienvenu, & Costa, 2008), indicando poder preditivo desse traço para mudanças no comportamento de fumar (Cosci et al., 2009; Goodwin & Bono, no prelo; Littlefied & Sher, 2012). Pesquisas longitudinais verificaram que baixos escores em Socialização atuam como preditores para mudanças de hábitos tabagistas durante tratamentos de cessação (Seeds, 2013), assim como para o desenvolvimento do comportamento de fumar durante a adolescência (Leeuw, Sholte, Sargent, Vermulst, & Engels, 2010), além de indicar tendência a se envolver em comportamentos de risco (Hong & Paunonen, 2009; Mundim- Masimi, 2009).
A literatura também é extensa sobre a associação entre tabagismo e busca de sensação, conceito compatível com a faceta busca por novidades também advindo da teoria do traço (Zuckermann, 1994). A literatura indica que fumantes apresentam maiores escores em busca de sensação do que não fumantes (Carton, Jouvent, & Wildlgcher, 1994; Etter, 2010; Zuckerman, Ball, & Black, 1990;), além de apresentar valor preditivo para desenvolvimento do comportamento de fumar (Hampson, Tildesley, Andrews, Barckley, & Peterson, 2013; Spillane, Smith, & Khaler, 2010) e para maiores chances de recaída no processo de cessação (Kahler, Spillane, Metrik, Leventhal, & Monti, 2009). Pesquisas também indicam que fumantes obtém maiores escores em Abertura a experiência (Coan, 1973), que indica valor preditivo do fator à dependência do tabaco (Grekin et al., 2006), ao sucesso na cessação do tabagismo (Leung, Au, Lam, & Chan, 2013) e ao aumento de consumo de substâncias psicoativas na meia idade (Turiano et al., 2012).
Considerando-se que estudos mostram dados alarmantes sobre uso de drogas lícitas entre jovens universitários (Silva, Marlbergier, Stempliuk, & Andrade, 2006), aliado ao resultado de pesquisas epidemiológicas, que apontam que grande parcela da população inicia o hábito no ingresso no Ensino Superior, a presente pesquisa foi conduzida junto a essa população. Some-se a esse quadro a constatação, de acordo com a pesquisa especial do tabagismo realizado em âmbito nacional em 2008, de que, entre fumantes diários e ex-fumantes diários, a faixa etária de iniciação predominante foi de 17 a 19 anos (Instituto Nacional de Câncer & Organização Pan-Americana da Saúde, 2011).
Diante dos dados encontrados na literatura científica nacional e internacional, o presente estudo teve como objetivo investigar a existência de diferenças de características de personalidade em universitários (fumantes e não fumantes), considerando-se ainda o nível de dependência.
Método
Participantes
A amostra geral deste estudo foi composta por 93 estudantes matriculados em uma instituição particular de Ensino Superior, escolhidos por conveniência. Desses, 81 estavam matriculados no curso de graduação, sendo três em Psicologia, três em Fisioterapia, três em Ciências Biológicas, dois em Farmácia, um em Enfermagem, um em Jornalismo, um em Engenharia Civil e um em Publicidade. Essa amostra apresentou média de 21,02 anos de idade (DP=1,56), com mínima de 18 anos e máxima de 25 anos, constituída em 80,6% por pessoas do sexo feminino (n=75).
Os participantes foram divididos em dois grupos: fumantes e não fumantes. Os participantes não fumantes eram, na maioria, do sexo feminino (n=46), com apenas sete sujeitos do sexo masculino. Todos tinham idade entre 18 a 25 anos e estavam matriculados no curso de Psicologia (n=53). O grupo de fumantes foi composto por 36 mulheres e quatro homens. A maioria dos estudantes fumantes estava matriculada no curso de Psicologia (70%).
Instrumentos
A Ficha de Identificação (FI) é um instrumento utilizado para coletar dados sociodemográficos da amostra (idade, sexo, nome e ano de curso universitário, categoria de dependência tabagista, uso de produtos fumígenos e frequência de outra substância psicoativa utilizada).
O Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina (TFDN) trata-se de um questionário composto por seis itens que classifica o grau de dependência à nicotina como baixa (pontuação entre 0 e 4), média (pontuação 5) ou elevada (entre 6 e 10). A análise da consistência interna do instrumento na amostra considerada apontou um alfa de Cronbach de 0,82. Já para os itens individualmente, a consistência interna apresentou alfa de Cronbach de 0,24 (item 1), 0,65 (item 2), 0,62 (item 3), 0,72 (item 4), 0,72 (item 5), 0,74 (item 6).
A Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) é um instrumento psicológico construído para a avaliação da personalidade a partir do Modelo dos Cinco Grandes Fatores, que inclui as seguintes dimensões: Neuroticismo (N1 – vulnerabilidade; N2 – instabilidade emocional; N3 – passividade ou falta de energia; N4 – depressão), Extroversão (E1 – comunicação; E2 – altivez; E3 – dinamismo; E4 – interações sociais), Socialização (S1 – amabilidade; S2 – pró- sociabilidade; S3 – confiança nas pessoas), Realização (R1 – competência; R2 – ponderação ou prudência; R3 – empenho ou comprometimento), Abertura (A1 – abertura a ideias; A2 – liberalismo; A3 – busca por novidades). É composta por 126 itens respondidos em escala Likert de sete pontos, na qual o participante indica seu grau de concordância com cada frase.
A aplicação dura aproximadamente 30 minutos, objetivando avaliar adultos a partir do Ensino Médio. Estudos de validade foram realizados com diversos instrumentos e por duas estratégias. A primeira parte envolveu a aplicação da BFP com outros instrumentos que avaliavam o mesmo construto ou construtos associados (inteligência, orientação profissional, personalidade, bem-estar social). A segunda envolveu a recuperação de informações dos estudos de validação de cada uma das cinco escalas separadamente pela validade convergente. Todos os resultados mostraram-se favoráveis para a população brasileira. Na amostra estudada, a consistência interna apresentou Alfa de Cronbach na razão de 0,69 para Neuroticismo, 0,82 para Extroversão, 0,53 para Socialização, 0,58 para Realização e 0,68 para Abertura.
Procedimentos
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovado sob número CAAE 152407130.0.0000.5481. Os participantes foram recrutados com autorização dos diretores dos cursos envolvidos na pesquisa, sendo a coleta de dados condicionada à disponibilidade dos professores em ceder espaço de aula para a coleta de dados. Naquelas classes em que houve autorização, a pesquisadora entrou em sala de aula, apresentou os objetivos da pesquisa e convidou os estudantes a participarem. Aqueles que concordaram assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), receberam as instruções e responderam aos testes. A coleta de dados foi realizada individualmente, quando havia apenas um indivíduo interessado em participar da pesquisa, e em grupo, quando havia dois sujeitos ou mais.
Para aqueles que verbalizaram ser fumantes, foi entregue e solicitado o preenchimento da FI e dos instrumentos TFDN e a BFP. Aos demais participantes, que declararam-se não tabagistas foram entregues a FI e a BFP.
Dessa forma, o grupo fumante foi composto apenas pelos participantes que assinalaram a classificação fumante regular, fumante ocasional ou ex-fumante, e o grupo não fumante, por participantes que assinalaram a classificação não fumante. Os participantes que compõem o Grupo 2 (fumantes, n=40) foram aqueles que assinalaram na Ficha de Identificação serem fumantes regulares ou ocasionais, e o Grupo 1 (não fumantes, n=53) foi composto por sujeitos que assinalaram a classificação não fumante na Ficha de Identificação. Esse critério é o mesmo utilizado por Halty, Hüttner, Oliveira Netto, Santos, e Martins (2002).
Os resultados foram codificados, tabulados e submetidos à análise estatística utilizando-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). O nível de significância adotado foi de 5%. A estatística descritiva de cada grupo foi estimada (por meio das médias e desvios padrão). Devido ao número reduzido de participantes e ausência de distribuição normal, foi utilizado teste estatístico não paramétrico. Para verificar a influência das variáveis grupo (fumante e não fumante) e dependência nicotínica, nos fatores e facetas de personalidade, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Esse teste estatístico também foi utilizado para verificar a influência da variável dependência de nicotina nos fatores e facetas de personalidade.
Resultados
A primeira análise realizada visou comparar o desempenho dos fumantes ao dos não fumantes. Inicialmente, as médias e desvios padrão para cada grupo foram estimadas para cada fator e faceta. Os resultados são apresentados na Tabela 1.
Tomando-se os dois grupos, o teste de Mann- Whitney revelou diferença entre as médias na faceta vulnerabilidade (N1), pró-sociabilidade (S2), confiança nas pessoas (S3), empenho (R3) e busca por novidade (A3), assim como nos fatores Socialização e Abertura. Conforme apresentado na Tabela 1, não fumantes obtiveram médias maiores em N1, S2, S3, Socialização e R3. Já os fumantes obtiveram médias maiores em A3 e Abertura.
Uma segunda análise, visando a comparar os participantes do grupo de fumantes de acordo com o grau de dependência (dependência leve, n=28; dependência moderada, n=12) foi realizada. Salienta-se que a classificação do grau de dependência foi calculada pelo (TFDN). Nota-se que, na presente amostra, não foram encontrados casos de indivíduos com dependência elevada. Os resultados encontram-se na Tabela 2.
Novamente o teste Mann-Whitney foi utilizado e indicou que somente as diferenças encontradas na faceta confiança nas pessoas (S3), pertencente ao fator Socialização mostraram-se significativas (U=82,000; Z=2,541; p=0,011). Nota-se que o grupo de fumantes com dependência leve apresentou maior média nessa faceta em comparação com a média do grupo com dependência moderada.
Discussão
Os resultados do trabalho apontaram para a existência de diferenças significativas em dois fatores (Socialização e Abertura) e cinco facetas da personalidade entre os grupos de fumantes e não fumantes. Fumantes obtiveram escores menores em vulnerabilidade, pró-sociabilidade, confiança nas pessoas, empenho e socialização, e escores maiores em busca por novidades e abertura a experiência.
Analisando-se separadamente cada um dos cinco fatores, vemos que, em relação ao fator Neuroticismo, foi encontrada diferença na faceta vulnerabilidade, que avalia o nível de fragilidade de uma pessoa, além de verificar quão intensamente uma pessoa vivencia sofrimento emocional segundo a percepção de como os outros a aceitam (Nunes et al., 2010). Tal resultado foi inesperado, levando-se em conta que a maioria das pesquisas revela uma tendência de escores maiores em Neuroticismo por parte de fumantes do que por parte não fumantes (Grekin et al., 2006; Spielberger & Jacobs, 1982; Terracciano & Costa, 2004; Terracciano et al., 2008), que seria preditivo para mudanças no comportamento de fumar (Cosci et al., 2009; Goodwin & Bono, no prelo; Littlefied & Sher, 2012), tendo-se encontrado, no presente estudo, resultado oposto, com fumantes apresentando menores índices nesse fator.
Em relação ao fator Socialização, os resultados da presente pesquisa vão de encontro dos achados da literatura, haja vista que diversos estudos sugerem uma interação entre esse fator e o comportamento de fumar. Assim como no estudo aqui apresentado, em que fumantes obtiveram menor índice nesse fator, o estudo de Seeds (2013) apontou para maior pontuação nesse fator por pessoas bem sucedidas na cessação do hábito em comparação a pessoas que apresentaram recaídas. Do mesmo modo, Leeuw et al. (2010) observaram valor de predição do fator para desenvolvimento do comportamento de fumar em adolescentes. Estudos com referenciais teóricos que não os Cinco Grandes Fatores de Personalidade também comprovam a relação, como a pesquisa desenvolvida por Becoña et al. (2013), na qual foi observado que fumantes apresentaram maiores escores no padrão histriônico, o qual está negativamente correlacionado ao traço Socialização. A pontuação baixa em Socialização também foi associada a uma maior tendência em se envolver em comportamentos de risco, inclusive o tabagismo (Hong & Paunonen, 2009; Mundim-Masimi, 2009).
Ainda no fator Socialização, os baixos escores obtidos pelos fumantes em pró-sociabilidade e em confiança nas pessoas assemelham-se aos obtidos no estudo de Nunes, Nunes, Cunha, e Hutz (2009), no qual foi observada uma relação entre a pontuação baixa nessas facetas e o consumo de substâncias psicoativas, e aos apresentados por Natividade, Aguirre, Bizarro, e Hutz (2012), que também relataram escores menores em Socialização e em pró-sociabilidade em alcoolistas. Em contrapartida, o estudo de Aguirre (2009) não apresentou os mesmos resultados para essas duas facetas que compõe o fator Socialização, tendo-se constatado diferença estatisticamente significativa apenas em amabilidade (subfaceta de Socialização), na qual fumantes obtiveram escores menores do que não fumantes. Comparando com os dados aqui apresentados, ainda que as diferenças nessa faceta não sejam significativas entre os dois grupos estudados, a Socialização, conforme anteriormente comentado, também mostrou-se mais baixa nos fumantes.
O grupo dos fumantes também apresentou escores maiores na faceta busca por novidades, uma das facetas que compõem o fator Abertura. Segundo Nunes et al. (2010), essa faceta é composta por itens que descrevem a preferência por vivenciar novos eventos e ações. Busca de sensação é um traço de personalidade que descreve a tendência a buscar sensações e experiências que sejam novas, variadas, complexas e intensas, assim como descreve uma disposição a se envolver em situações de risco por prazer (Zuckermann, 1994). A similaridade observada nas descrições desses dois traços nos permite comparar os resultados da busca por novidade com pesquisas investigativas da relação entre busca de sensação e tabagismo.
Tomando-se como referencial a busca de sensação, os resultados aqui encontrados são condizentes com os achados da literatura. As pesquisas mostram que fumantes apresentam maiores escores em busca de sensação do que os não fumantes (Carton et al., Etter, 2010; Zuckerman et al., 1990), comprovando o valor preditivo do traço no desenvolvimento do hábito tabagista (Hampson et al., 2013; Spillane et al., 2010), e que maiores escores nesse traço indicam maiores chances de recaída durante tratamento de cessação do tabagismo (Kahler et al., 2009).
Altos escores em Abertura a experiência também foram encontrados em outros estudos. No estudo de Coan (1973), fumantes também apresentaram escores maiores no fator em comparação a não fumantes. Estudos longitudinais também indicam a relação entre o fator e o tabagismo. De acordo com a literatura, altos escores no fator atuam como preditores para a dependência ao tabaco (Grekin et al., 2006), assim como para o aumento do consumo de substâncias psicoativas na meia idade (Turiano et al., 2012). Por outro lado, baixo escore em Abertura a experiência é preditivo para o sucesso na cessação do tabagismo (Leung et al., 2013).
Na amostra aqui estudada, o fator Realização não diferiu nos grupos de fumantes e não fumantes. Diferenças significativas foram encontradas somente na faceta empenho / comprometimento, na qual fumantes obtiveram escores menores. Tal faceta descreve uma tendência a um alto nível de exigência pessoal e detalhismo em atividades profissionais e acadêmicas (Nunes et al., 2010). Essa ausência de diferença significativa é oposta aos achados apresentados na literatura internacional.
O estudo de Hames e Parker (2008) apontou para diferenças estatísticas apenas nessa dimensão na comparação entre fumantes e não fumantes, sendo que os primeiros obtiveram escores menores do que os outros. Raynor e Levine (2009) também verificaram que pessoas com escores maiores em Realização tendem a fumar menos do que pessoas com altos escores no fator. Há também pesquisas que indicam associação entre os fatores Realização e Socialização e o tabagismo. Spielberger, Reheiser, Foreyt, Poston, e Volding (2004), por exemplo, constataram que usuários de produto sem tabaco obtiveram escores maiores do que não fumantes na escala de Neuroticismo e escores significativamente menores em Socialização e Realização. Já o grupo de fumantes não apresentou nenhuma diferença significativa nessas dimensões em comparação aos outros dois grupos.
Uma segunda análise, considerando o nível de dependência dos participantes (leve ou moderada), identificou diferenças significativas somente na faceta confiança nas pessoas, que compõe o fator Socialização, com médias menores apresentadas pelos participantes com dependência moderada. Poucos são os estudos que analisam a influência da variável nível de dependência de nicotina que consideram o modelo dos cinco grandes fatores de personalidade. Entre os encontrados, os resultados apontam para diferenças significativas em Abertura (Shadel, Niaura, Goldstein, & Abrams, 2000) ou nenhuma diferença entre grupos de fumantes com dependência leve e moderada (Shadel, Cervone, Niaura, & Abrams, 2004).
Apesar de observarmos algumas semelhanças entre os resultados desta e de outras pesquisas, os resultados aparentemente não são consensuais. Sobre esse aspecto, Patton, Barnes, e Murray (1997) pontuam que tal dado pode advir do fato de que fumantes diferem com relação aos motivos pelos quais fumam, sendo que podem ser influenciados tanto por diferenças individuais quanto por fatores situacionais que interagem com essas diferenças. Assim, pessoas com altos escores em Extroversão, as quais precisam de constante estímulo (Eysenck, 1964), provavelmente fumarão mais em situações entediantes, enquanto que pessoas com altos escores em Neuroticismo fumarão mais em situações estressantes, devido à redução do stress resultante do uso da nicotina. Como consequência, é importante a realização de estudos que considerem outras variáveis para uma maior compreensão do hábito tabagista.
Nesse mesmo sentido, Shadel et al. (2000) sugerem que a razão para que a relação entre tabagismo e características de personalidade seja tão inconsistente é que as concepções de personalidade que têm sido investigadas não seriam coerentes com visões contemporâneas das dimensões de personalidade, citando, como exemplo, os cinco grandes fatores de personalidade, que, segundo os autores, seria um modelo teórico mais condizente com as transformações culturais que ocorreram desde que o modelo tridimensional de personalidade foi criado, composto pelos fatores de extroversão, neuroticismo e psicoticismo.
Seguindo esse pressuposto, é interessante observar que a literatura mostra resultados diferentes de acordo com o modelo teórico de personalidade adotado. Pesquisas com base no modelo tridimensional de personalidade (Extroversão, Neuroticismo e Psicoticismo) apresentaram diferenças significativas nos dois primeiros fatores (Munafò et al., 2006), ou ainda nas três dimensões (Spielberger & Jacobs, 1982). Já nas pesquisas com base no modelo das cinco grandes dimensões de personalidade, três estudos não indicaram diferenças significativas em Neuroticismo e Extroversão (Aguirre, 2009; Hong & Paunonen, 2009; Mundim-Masimi, 2009), outros apontaram diferenças significativas em Neuroticismo, Socialização e Realização (Spielberger et al., 2004; Terracciano & Costa, 2004), em Neuroticismo, Abertura e Realização (Grekin et al., 2006) e em Neuroticismo e Realização (Terracciano et al., 2008).
Isso sugere que os resultados das pesquisas do modelo dos cinco grandes fatores, incluindo os do presente estudo, continuam controversos e não apresentam consenso acerca do número exato de traços de personalidade que influenciam o tabagismo, mas certamente apresentam semelhanças que ampliam o entendimento da relação.
A partir dos resultados encontrados, foi possível verificar que os dados de personalidade encontrados no grupo de indivíduos fumantes endossam dados de outras pesquisas conduzidas com populações clínicas, tais como dependentes químicos e alcoólatras. Tal constatação permite o levantamento da hipótese de que fumantes também podem ser considerados grupos clínicos, com perfil de personalidade diferenciado daquele encontrado na população em geral. Podem também indicar que múltiplos aspectos de interação social e dimensão interpessoal podem desempenhar um papel importante na manutenção do hábito.
Apontamos também algumas limitações do estudo. Convém ressaltar a especificidade da amostra composta apenas por estudantes de uma única universidade, a maioria matriculada no curso de Psicologia. O número de participantes foi reduzido (n=93), em especial o número da amostra de fumantes (n=40), sem pareamento entre os sexos, havendo mais mulheres (n=75) do que homens. A avaliação do TFDN resultou em uma amostra de fumantes apenas com nível de dependência leve e moderada, de maneira que, talvez, a limitação na variabilidade do nível de dependência, marcada pela ausência de participantes com nível de dependência grave, possa ter influenciado os resultados da análise da influência dessa variável. Atenção também deve ser dado ao caráter transversal do estudo, característica que não permite inferências de causalidade, de maneira que estudos de natureza prospectiva devem ser incentivados. Ressalta-se também a ausência de aleatorização dos grupos, assim como o fato de ter sido utilizada uma medida de autorrelato para classificação dos participantes, sujeita a distorções ou desejabilidade social.
Tais limitações dificultam a comparação deste com outros estudos, devendo este ser considerado exploratório. Sugere-se que novos estudos, que comparem fumantes e não fumantes, sejam realizados em amostras maiores e menos específicas, utilizando a BFP ou outros instrumentos baseados no modelo do Big Five, de forma a confirmar ou não os resultados obtidos.
Ainda que os resultados devam ser interpretados com cautela, devido aos motivos apontados, a constatação de que a identificação de características individuais associadas ao tabagismo e à dependência nicotínica pode contribuir com ações preventivas e terapêuticas é importante, podendo subsidiar a elaboração de estratégias de intervenção para características específicas do perfil de cada fumante, visando melhorar seu grau de eficácia, uma vez que os fumantes não constituem um grupo homogêneo.
Referências
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Recebido em março de 2014
1ª reformulação em agosto de 2014
2ª reformulação em setembro de 2014
Aprovado em outubro de 2014
Sobre as autoras
Ângela Tamye Lopes Fujita: é Mestre em Psicologia pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da PUC-Campinas.
Tatiana de Cássia Nakano: é docente do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da PUC-Campinas.
Regina de Cássia Rondina: é docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.
1Endereço para correspondência: R. Major Sólon, 880, Ed. Zenite, apto 143, Cambuí, 13024-091, Campinas-SP. E-mail: tamylf@hotmail.com