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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.14 no.1 Itatiba abr. 2015
Escala de Sentido de Competência Parental (PSOC): estudos psicométricos1
Parenting Sense of Competence Scale (PSOC): Psychometric studies
Escala de Sentido de Competencia Parental (PSOC): estudios psicométricos
Maria João Seabra-Santos2; Sofia Major; Mariana Pimentel; Maria Filomena Gaspar; Natália Antunes; Vanessa Roque
Universidade de Coimbra
RESUMO
O objetivo desta pesquisa consistiu em reforçar os estudos de validade e de precisão da escala de Sentido de Competência Parental (PSOC) com pais de crianças portuguesas, em uma amostra de 436 pais de crianças com 3 a 6 anos. A análise fatorial confirmatória confirmou o ajustamento dos dados a um modelo de dois fatores (Satisfação e Eficácia). As duas subescalas apresentaram bons índices de consistência interna. Os resultados mostraram-se negativamente correlacionados ao nível de atividade motora das crianças e positivamente com o bem-estar psicológico dos pais. Pais de crianças com problemas de comportamento externalizantes apresentaram resultados mais baixos. Não se observaram diferenças em função da idade da criança, mas os pais de meninos, mais velhos e mais escolarizados reportaram sentir-se menos eficazes. O nível de satisfação correlacionou-se positivamente à escolaridade dos pais. Os resultados documentaram as boas características psicométricas da PSOC portuguesa.
Palavras-chave: psicometria; questionários; parentalidade; eficácia; satisfação.
ABSTRACT
The main goal of this research was to reinforce validity and reliability studies of the Parenting Sense of Competence scale (PSOC) with parents of Portuguese children. The study was based on a sample of 436 parents of 3 to 6 year old children. CFA confirmed the data adjustment to a bi-factorial model (Satisfaction and Efficacy). Both subscales had good internal consistency. Results were negatively correlated with children's activity level and positively with parents' well-being. Parents of children with externalizing behavior problems scored lower. There were no differences according to children's age but parents of boys, older and parents who were more educated rated themselves as having lower levels of efficacy, while parent's education was positively correlated with satisfaction level. Results documented the good psychometric properties of the PSOC Portuguese version.
Keywords: psychometrics; questionnaires; parenting; efficacy; satisfaction.
RESUMEN
El objetivo principal de esta investigación fue reforzar los estudios de validez y fiabilidad de la escala de Sentido de Competencia Parental (PSOC) con padres de niños portugueses. Se realizó el estudio con base en una muestra de 436 padres con niños de entre 3 y 6 años. El AFC confirmó el ajuste de los datos a un modelo de dos factores (Satisfacción y Eficacia). Las dos subescalas mostraron buenos índices de consistencia interna. Los resultados reflejaron que índices más elevados en la PSOC correlacionan negativamente con el nivel de actividad motora de los niños y positivamente con el bienestar psicológico de los padres. Los padres de hijos con trastornos de conducta externalizante tuvieron resultados más bajos. No se han encontrado diferencias en función de la edad del niño, pero sí se encontró que los padres de varones, padres de más edad y con mayor nivel académico tienden a percibirse como menos eficaces. Por su parte, el nivel de satisfacción correlaciona positivamente con el nivel académico de los padres. Los resultados indicaron que la PSOC portuguesa tiene buenas características psicométricas.
Palabras-clave: psicometría; cuestionarios; parentalidad; eficacia; satisfacción.
Para muitas pessoas ser mãe ou pai assume um valor fundamental na satisfação global com a vida (Guidubaldi & Cleminshaw, 1985). No entanto, se a parentalidade pode ser encarada como gratificante e luminosa, sendo vista como uma das tarefas que mais preenche a vida de um ser humano (Knauth, 2000), é igualmente considerada como uma das mais complexas e difíceis, dados os desafios intelectuais, emocionais e físicos que coloca a mães e pais (Coleman & Karraker, 2000; Holden, 2010; Meunier & Roskam, 2009).
A partir da década de 1980, os estudos sobre parentalidade começaram a destacar a importância das cognições parentais no desempenho do papel de mãe ou pai. Mais especificamente, as pesquisas colocaram em evidência a forte relação entre a autoestima dos pais e o bem-estar e práticas educativas parentais (Dekovic et al., 2010; Rogers & Mathews, 2004) e o comportamento das próprias crianças (Cunningham, 2007; Meunier & Roskam, 2009). Assim, demonstrou-se que, quando os adultos se sentem confiantes no seu papel parental, têm maior probabilidade de usar práticas educativas efetivas que, por sua vez, desencadeiam processos de desenvolvimento positivos nos filhos (Guilmore & Cuskelly, 2008). Por conseguinte, a avaliação do sentido de competência parental reveste-se de particular importância, quer na investigação, quer em contextos aplicados da prática psicológica. Assim, o presente estudo visa a adaptação e a análise das características psicométricas da escala Parenting Sense of Competence (Sentido de Competência Parental, PSOC) aplicada a pais de crianças portuguesas.
O sentido de competência parental tem sido operacionalizado em dois componentes distintos, mas correlacionados: o sentimento de autoeficácia percebido e a satisfação derivada da parentalidade (Ohan, Leung, & Johnston, 2000). A autoeficácia refere-se à avaliação individual que cada um faz acerca de suas capacidades e competências enquanto pai ou mãe para desempenhar esse papel e as dificuldades que acarreta (Johnston & Mash, 1989). São as perceções e expectativas que cada ser humano tem acerca de suas competências como pai ou mãe (Jones & Prinz, 2005) e em relação à capacidade para influenciar o comportamento e o desenvolvimento dos filhos (Coleman & Karraker, 2000). No seu sentido mais subjetivo, a competência parental diz respeito à qualidade do afeto associado à parentalidade ou ao grau de satisfação derivado desse papel (Johnston & Mash, 1989). Essa dimensão tem a ver com o modo como os pais encaram as suas responsabilidades parentais e o que as mesmas significam para si (Sabatelli & Waldron, 1995).
Em 1978, Guibaud-Wallston e Wandersman (citados por Johnston & Mash, 1989) desenvolveram a escala Parenting Sense of Competence (PSOC), com o objetivo de avaliar as duas vertentes do sentido de competência parental de pais de bebês: valorização/prazer e competências/ conhecimento. Partindo dos trabalhos iniciais desses autores, Johnston e Mash (1989) efetuaram estudos sobre as qualidades psicométricas da PSOC aplicada a pais de crianças de 4 a 9 anos de idade (297 mães e 215 pais). A análise fatorial realizada evidenciou a presença de dois fatores, explicando, no conjunto, 36% da variância, e apresentando correlação de 0,22. O primeiro fator (composto por nove itens) refletia a dimensão mais afetiva do sentido de competência parental, definindo uma subescala de Satisfação com a parentalidade. O segundo fator (constituído por sete itens) representava a dimensão mais instrumental do conceito e definia uma subescala de Eficácia sentida no exercício do papel parental. O item 17 apresentava saturações inferiores a 0,40 em ambos os fatores, não sendo incluído no cálculo do resultado total de nenhuma das subescalas (Johnston & Mash, 1989). Tanto o total como as subescalas de Satisfação e de Eficácia revelavam, no estudo de Johnston e Mash (1989), bons índices de consistência interna (alfa de Cronbach de 0,79, 0,75 e 0,76, respetivamente) e os resultados mostravam-se negativa e significativamente correlacionados aos resultados do Child Behavior Checklist (CBCL), de Achenbach, um questionário preenchido pelos pais e que visa avaliar os problemas internalizantes e externalizantes em crianças e adolescentes.
A estrutura bifatorial da PSOC evidenciada no estudo de Johnston e Mash foi comprovada por outras pesquisas (Ngai, Wai-Chi, & Holroyd, 2007; Ohan et al., 2000; Suwansujarid, Vatanasomboon, Gaylord, & Lapvongwatana, 2013). Outros estudos (Gilmore & Cuskelly, 2008; Rogers & Mathews, 2004), inclusive um português (Ferreira, Veríssimo, Santos, Fernandes, & Cardoso, 2011), apontaram para a presença de um terceiro fator além dos anteriormente identificados. Esse terceiro fator (Interesse), composto por um número reduzido de itens (2 ou 3 itens), reflete o nível de envolvimento com o papel parental. Os índices de consistência interna obtidos nesses vários estudos oscilaram entre 0,70 e 0,80 para as subescalas de Satisfação e de Eficácia, sendo próximos de 0,60 para a subescala de Interesse (Gilmore & Cuskelly, 2008; Rogers & Mathews, 2004).
Nas pesquisas realizadas com amostras da população em geral, algumas variáveis demográficas, como o sexo, o nível de escolaridade e a idade do progenitor, tiveram impacto nos resultados. Os pais registaram resultados mais elevados na Satisfação do que as mães (Gilmore & Cuskelly, 2008; Johnston & Mash, 1987; Rogers & Mathews, 2004), e elas, resultados mais elevados na Eficácia do que os pais (Gilmore & Cuskelly, 2008); o nível de satisfação aumentou com o nível escolar (Gilmore & Cuskelly, 2008); e pais (homens) mais velhos avaliaram-se como menos eficazes do que pais mais novos (Gilmore & Cuskelly, 2008). No que diz respeito a características da criança, não foram encontradas diferenças em função da idade (Gilmore & Cuskelly, 2008; Johnston & Mash, 1989), mas sim do sexo, fazendo os pais de meninas uma avaliação mais favorável de sua eficácia do que os pais de meninos (Ohan et al., 2000). Porém, esse efeito revelou-se pouco consensual, não sendo encontrado em outros estudos (Johnston & Mash, 1989; Rogers & Mathews, 2004). Tal como na pesquisa inicial de Johnston e Mash, também em outras se observou uma relação negativa entre os resultados na subescala de Satisfação e comportamentos problemáticos das crianças (Ohan et al., 2000). Foram igualmente demonstradas relações negativas entre a PSOC e estados emocionais de depressão, ansiedade e stress nos pais (Hassall, Rose, & McDonald, 2005; Hill & Rose, 2009; Rogers & Mathews, 2004). Uma maior satisfação com a parentalidade mostrou-se correlacionada a um maior uso de práticas educativas positivas (McEachern et al., 2012; Ohan et al., 2000) e menor uso de práticas educativas negativas (Rogers & Mathews, 2004).
A escala PSOC tem sido utilizada em diversas pesquisas com amostras clínicas de pais de crianças em idade pré-escolar com problemas de comportamento do tipo externalizante, sustentando-se a ideia de que a presença desse tipo de problemas está relacionada a níveis mais baixos de sentido de competência parental (Johnston, 1996), sendo o efeito mais saliente na subescala de Satisfação do que na de Eficácia (Pimentel, 2008). Os resultados mostraram uma evolução positiva na sequência de programas de treino parental (Azevedo, Seabra-Santos, Gaspar, & Homem, 2013; Daley & O'Brien, 2013; Fernandes, Ferreira, Veríssimo, Santos, & Cardoso, 2012), podendo mediar as mudanças ocorridas no comportamento materno na sequência da participação em tal programa (Dekovic et al., 2010).
Sendo a escala PSOC o instrumento mais utilizado internacionalmente para avaliar o sentido de competência parental (Jones & Printz, 2005), e tendo dado lugar a estudos em países tão diversos como a Austrália (Gilmore & Cuskelly, 2008; Rogers & Mathews, 2004), o Canadá (Johnston & Mash, 1989; Ohan et al., 2000), a China (Ngai et al., 2007), a Tailândia (Suwansujarid et al., 2013) e Portugal (Ferreira et al., 2011; Pimentel, 2008), torna-se essencial: 1. reforçar os estudos de validade e de precisão desse instrumento com pais de crianças portuguesas; 2. analisar o modo como os resultados variam em função de variáveis demográficas. Esses são os objetivos da presente pesquisa.
Método
Participantes
A amostra foi constituída por 436 sujeitos pertencentes à população geral, com filhos de idades entre 3 e 6 anos (M=4,23; DP=0,90) que frequentassem jardins- de-infância escolhidos por conveniência, da rede pública e privados (sobretudo instituições particulares de solidariedade social), no norte, centro e sul de Portugal Continental (distritos de Viana do Castelo, Porto, Aveiro, Coimbra e Portalegre), em áreas com diferentes graus de urbanidade. No que diz respeito às crianças, registou-se um número parecido de meninas (n=225; 52%) e de meninos (n=211; 48%). Os questionários foram respondidos majoritariamente pelas mães (82%), e em alguns casos pelos pais (11%), por ambos os progenitores (4%), ou por outros adultos significativos, sobretudo avós (3%). As mães tinham idades entre 23 e 50 anos (M=35,42; DP=5,26), e um número médio de anos de escolaridade de 13,68 (DP=4,26), enquanto os pais tinham idades entre 27 e 55 anos (M=36,56; DP=4,82), e o número médio de anos de escolaridade era de 13,35 (DP=3,73). Os progenitores eram majoritariamente casados, ou viviam em união estável (84%). O nível socioeconômico das famílias, avaliado em função das profissões e do nível escolar dos pais (de acordo com uma adaptação da classificação de Almeida, 1988), revelou-se baixo em 24% das famílias, médio em 50% e elevado em 26%. A maioria das famílias tinha apenas um (45%) ou dois filhos (44%).
Instrumentos
Todos os participantes responderam a um breve questionário sociodemográfico concebido para este estudo, destinado a recolher informações necessárias à caracterização da amostra. Nele eram solicitados dados sobre a criança (tais como sexo e idade), sobre a mãe e o pai (idade, estado civil, habilitações e profissão) e sobre a família (número e idade dos filhos). A partir de um certo momento da coleta (n=190, 44% da amostra), foi incluída uma pergunta sobre o bem-estar psicológico do respondente, em que se pedia para classificar, em uma escala de cinco pontos, de muito mau até muito bom.
A Escala de Sentido de Competência Parental (PSOC; Guibaud-Wallston & Wandersman, 1978, citados por Johnston & Mash, 1989) é um instrumento de autorresposta constituído por dezessete afirmações sobre as quais os sujeitos se devem posicionar em uma escala Likert de cinco pontos, que varia entre "Concordo plenamente"; e "Discordo totalmente"; (Beck, Daley, Hastings, & Stevenson, 2004). O tempo necessário para responder ao instrumento é de cerca de 10 a 15 minutos. O resultado total e os resultados para cada uma das subescalas obtêmse somando as cotações dos itens que entram na respetiva composição, após a inversão de alguns, de modo que um resultado mais elevado corresponde sempre a um maior sentido de competência parental. Foi pedido aos pais que respondessem ao inventário pensando em um de seus filhos em particular (criança de idade pré-escolar).
A Escala de Atividade de Werry-Weiss-Peters (Routh, 1978) é um inventário de heterorresposta com 27 itens, que avalia o nível de atividade da criança em contexto familiar em diversas situações do dia a dia (por exemplo, durante as refeições, vendo televisão, desenhando, brincando). A frequência com que certos comportamentos ocorrem é assinalada numa escala Likert que pode assumir os valores 0 ("Não ou raramente";), 1 ("Sim, algumas vezes";) e 2 ("Sim, muitas vezes";). O resultado total representa uma medida geral de atividade obtida pelo somatório de todos os itens. Essa escala tem sido utilizada em diversas investigações na área dos problemas de comportamento, nomeadamente da hiperatividade e déficit de atenção em idade pré-escolar (Sonuga-Barke, Daley, Thompson, Laver-Bradbury, & Weeks, 2001; Thompson et al., 2009). Demonstrou boa estabilidade teste-reteste (r=0,85) (Thompson et al., 2009) e capacidade para discriminar crianças hiperativas de crianças sem este problema (Barkley, 1988). Em Portugal, tem sido usada em estudos com amostras clínicas de crianças em idade pré-escolar (Azevedo et al., 2013). No presente estudo, a escala WWP foi respondida por 26% da amostra (n=115), revelando uma consistência interna elevada (α=0,88).
Procedimentos de tradução da escala PSOC e de coleta dos dados
A escala foi traduzida de inglês para português por dois psicólogos com conhecimentos sólidos de língua inglesa e do domínio em questão, sendo um especialista em avaliação psicológica. A tradução foi revista por um professor de inglês nativo, com excelente domínio da língua portuguesa, e seguida de retrotradução por tradutora profissional. A comparação das versões original e de chegada permitiu atestar a validade da tradução.
A participação no estudo foi voluntária e anônima, salvaguardando-se os princípios éticos de investigação em Psicologia. Às direções dos jardins-de-infância participantes foi endereçado um pedido formal de autorização para a coleta de dados. Após a aprovação das direções, foram entregues aos pais os questionários do estudo, em envelopes fechados, acompanhados de uma carta em que se esclareciam os objetivos da investigação e se solicitava o seu consentimento, informado por escrito. Os pais que se disponibilizaram a participar (cerca de 48% do total de pais abordados) devolveram os questionários preenchidos, também em envelope fechado. Não foram incluídos na amostra protocolos com itens por responder (17 no total, cerca de 4% dos questionários preenchidos). A coleta de dados na subamostra clínica foi precedida por um pedido formal à Comissão Nacional de Proteção de Dados (Comitê de Ética em Pesquisa de Portugal), o qual foi aprovado.
Análise de Dados
O tratamento estatístico dos dados foi efetuado com recurso ao IBM SPSS Amos version 20 para realizar os estudos de análise fatorial confirmatória (AFC), através do método de estimação de máxima verosimilhança. Utilizaram-se, como índices de ajustamento do modelo, o Chi-Square Goodness-of-Fit Test (χ2), a razão do χ2 pelos graus de liberdade (χ2/gl), o Goodness of Fit Index (GFI), o Comparative Fit Index (CFI) e o Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA) com o intervalo de confiança (IC) a 90% (Jackson, Gillaspy, & Purc-Stephenson, 2009; Marôco, 2010). Considerou-se como referência para um bom ajustamento do modelo o χ2 apresentar um valor reduzido associado a um nível de significância superior a 0,05 e a razão χ2/df ser inferior a 2 (Marôco, 2010), bem como um valor acima de 0,90 para o CFI e GFI e inferior a 0,10 para o RMSEA (Byrne, 2010; Marôco, 2010). O programa IBM SPSS Statistics 20 foi utilizado para as demais análises estatísticas. Nomeadamente, a consistência interna da escala PSOC e as respectivas subescalas foram avaliadas pelo coeficiente alfa de Cronbach e por correlações item-total. Foram calculados coeficientes de correlação de Pearson entre os resultados da PSOC e os da Escala de Atividade de Werry-Weiss-Peters e autorrelato de bem-estar, com os quais se esperava obter, respectivamente, correlações negativas e positivas. O teste t de Student foi utilizado para comparar as características da amostra normativa com as de uma amostra clínica, assim como os respectivos resultados na PSOC. Finalmente, avaliou-se o efeito de algumas variáveis nos resultados por análise de variância ou teste t (para variáveis categoriais) e por correlações de Pearson (para variáveis contínuas).
Resultados
Validade fatorial
Com base na literatura disponível, foram efetuadas análises fatoriais exploratórias prévias. Usando os 17 itens da escala foram extraídos cinco componentes com eigenvalues superiores à unidade, porém só os dois primeiros explicavam mais do que 10% da variância. Foram, então, forçadas soluções de dois fatores (Johnston & Mash, 1989; Ngai et al., 2007; Ohan et al., 2000; Suwansujarid et al., 2013) e de três fatores (Ferreira et al., 2011; Gilmore & Cuskelly, 2008; Rogers & Mathews, 2004), seguidas de rotação varimax. Em qualquer uma das soluções os itens congregavam-se nos fatores esperados de acordo com a literatura. Porém, na solução trifatorial, o terceiro fator, no qual saturavam somente três itens, apresentava um coeficiente alfa baixo (igual a 0,59). Optou-se, então, por prosseguir com os estudos de AFC para um modelo de dois fatores correlacionados: Satisfação (9 itens) e Eficácia (7 itens). O modelo foi testado com e sem a inclusão do item 17. O ajustamento não se revelou melhor com o item 17 do que sem ele, e, do ponto de vista do conteúdo, esse item não se enquadra muito claramente em nenhum dos dois fatores, pelo que se optou por excluí- lo das análises subsequentes, à semelhança do que foi feito em outros estudos (Ohan et al., 2000; Rogers & Mathews, 2004).
Os estudos iniciais de AFC realizados com os 16 itens da PSOC apontaram para valores de cargas fatoriais estandardizadas entre 0,26 e 0,68 para a subescala de Satisfação e entre 0,35 e 0,59 para a subescala de Eficácia. No entanto, os valores dos índices de ajustamento do modelo foram considerarados inadequados: χ2(103)=390,48, p<0,001; χ2/gl=3,79; CFI=0,79; GFI=0,89; RMSEA=0,08 (IC=0,07-0,09). A análise dos índices de modificação indicou a necessidade da integração de seis correlações entre os erros de diversos itens, tais como o 12 (e12) e 14 (e14) (r=0,37), que se traduziu numa melhoria do ajustamento do modelo: χ2(97)=239,48; p<0,001; χ2/gl=2,47; CFI=0,90; GFI=0,93; RMSEA=0,06 (IC=0,05-0,07). Todas as cargas fatoriais estandardizadas dos dezesseis itens se situaram acima de 0,30 (exceção para o item 8), de 0,20 a 0,72 para a subescala de Satisfação e de 0,34 a 0,60 para a subescala de Eficácia. Conforme ilustrado na Figura 1, os dois fatores apresentaram correlação de 0,39 (p<0,001).
Consistência interna
Os valores da consistência interna são de 0,76, 0,75 e 0,72, respectivamente para o total (16 itens), subescala de Satisfação (9 itens) e subescala de Eficácia (7 itens). Os valores das correlações entre cada item e o total da respectiva subescala são todos superiores a 0,30 (sendo superiores a 0,40 para 11 dos 16 itens, como apresentado na Tabela 1), e a retirada de nenhum deles contribuiria para aumentar o coeficiente alfa da respetiva subescala.
Validade convergente e divergente
Os coeficientes de correlação entre a PSOC e a Escala de Atividade de Werry-Weiss-Peters mostram uma associação negativa significativa de grau moderado (Cohen, 1988) entre o sentido de competência parental e o nível de atividade das crianças, r(113)=-0,41; p<0,01. A correlação é maior com a subescala de Satisfação, r(113)=-0,40; p<0,01, sendo fraca com a de Eficácia, r(113)=-0,21; p<0,05. Os coeficientes de correlação entre a PSOC e o bem-estar psicológico autoavaliado pelos pais traduzem associações positivas significativas e moderadas, quer para o resultado total, r(188)=0,46; p<0,01, quer para as subescalas de Satisfação, r(188)=0,39 p<0,01, e de Eficácia, r(188)=0,35; p<0,01.
Validade de critério baseada na diferenciação de grupos
Para analisar a capacidade da escala PSOC para diferenciar o sentido de competência parental de pais da população em geral (amostra normativa do presente estudo) com o de pais de crianças com características clínicas recorreu-se a uma subamostra de outro estudo (Seabra-Santos, Gaspar, Azevedo, & Homem, 2012). Essa subamostra, que será designada como "clínica";, foi composta por 59 mães de crianças sinalizadas por pediatras, pedopsiquiatras ou psicólogos por possuírem problemas de comportamento externalizantes. As amostras são equivalentes quanto ao número de anos de escolaridade completados pelos respondentes, t(458)=0,96; p>0,05. Porém, verifica-se que na amostra normativa a média de idades dos respondentes (M=35,53; DP=5,22) é um pouco superior à da amostra clínica (M=33,97; DP=5,83); t(449)=2,17; p<0,05. No que diz respeito às características das crianças, a média de idades é equivalente nas duas amostras, t(498)=0,88; p<0,05, mas a amostra clínica tem um número proporcionalmente maior de meninos do que de meninas (1:1 na amostra normativa, e 4:1 na amostra clínica).
A comparação entre as médias dos resultados na escala PSOC mostraram existir diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos. Assim, os pais da população em geral obtiveram pontuações mais elevadas do que os da amostra clínica, quer no que toca ao resultado total da PSOC, t(493)=4,91; p<0,01, quer considerando separadamente as subescalas de Satisfação, t(493)=5,01; p<0,01, e de Eficácia, t(493)=2,43; p<0,01.
Análise dos resultados em função de variáveis demográficas
Nesse ponto, os resultados da PSOC e das suas subescalas foram analisados em função de características da criança e do respondente (excluindo, nesse caso, as situações em que mãe e pai responderam em conjunto). Na análise dos resultados em função da idade da criança não foram incluídos os casos de pais de crianças com 6 anos, por serem em número reduzido nessa amostra (composta por crianças em idade pré-escolar). Na faixa etária considerada (de 3 a 5 anos) não se evidenciaram diferenças significativas entre os resultados da PSOC em função da idade das crianças, nem para o total da Escala, F(2, 403)=0,36; p>0,05, nem para a subescala de Satisfação, F(2, 403)=0,44; p>0,05, ou para a de Eficácia, F(2, 403)=0,09; p>0,05.
A análise dos resultados em função do sexo das crianças revelou não existirem diferenças estatisticamente significativas quanto ao sentido de competência parental, t(434)=-0,52; p>0,05, e ao nível de satisfação, t(434)=0,87; p>0,05, dos pais de meninos se comparados aos de meninas. Porém, estes relataram sentir-se mais eficazes com as suas filhas do que com os seus filhos, t(434)=-2,19; p<0,05.
Os resultados totais na PSOC não mostraram variar em função da idade, nem do nível de escolaridade, nem do número de filhos do respondente. Porém, os níveis de satisfação com a parentalidade reportados apresentaram uma correlação positiva estatisticamente significativa com o número de anos de escolaridade completados, r(395)=0,24, p<0,01, enquanto os níveis de eficácia apresentaram correlações negativas significativas, quer com a idade dos respondentes, r(386)=-0,11; p<0,05, quer com o número de anos de escolaridade que completaram, r(395)=-0,19; p<0,01.
Discussão
Este artigo propôs-se a desenvolver estudos psicométricos que pudessem sustentar a utilização da escala PSOC em Portugal. O trabalho foi iniciado por uma tradução cuidadosa do instrumento para português. Os diversos estudos de análise fatorial exploratória realizados apontaram para a pertinência de uma solução de dois fatores (Satisfação e Eficácia). Em comparação com a solução de três fatores, esta solução comporta a vantagem de possibilitar a comparação dos resultados de futuros estudos que venham a utilizar a versão portuguesa da PSOC com os de outras pesquisas internacionais recentes, igualmente assentes em uma versão de dois fatores (Beck et al., 2004; Daley & O'Brien, 2013). A AFC permitiu apoiar o ajustamento dos dados ao modelo de dois fatores, validando a opção igualmente adotada em diversos outros estudos (Ngai et al., 2007; Ohan et al., 2000; Suwansujarid et al., 2013), incluindo o original de Johnston e Mash (1989), com índices de ajustamento a alcançarem valores aceitáveis (Byrne, 2010; Marôco, 2010). Estudos futuros poderão tentar reforçar o terceiro fator defendido por outras investigações (Ferreira et al., 2011; Gilmore & Cuskelly, 2008; Rogers & Matthews, 2004) pela inclusão de novos itens relacionados ao envolvimento com o papel parental (Interesse). Porém, uma vez que o construto avaliado por esse terceiro fator representa algo de diferente do sentido de competência ou autoestima parental (Rogers & Matthews, 2004), a escala resultante será necessariamente mais heterogênea.
As subescalas de Satisfação e de Eficácia, bem como a escala total, apresentam bons índices de consistência interna, com valores superiores a 0,70, tendo todos os itens correlações com o total superiores a 0,30, tal como é recomendado por vários autores (Almeida & Freire, 2007; Kline, 1998). No futuro, é de todo o interesse que o estudo da precisão da escala seja aprofundado pela análise da respectiva estabilidade temporal.
Os resultados mostraram que, numa amostra normativa, pais de crianças com níveis mais elevados de atividade motora estão menos satisfeitos e sentem-se menos eficazes no seu papel parental, o que vai no mesmo sentido de outros estudos com pais de crianças da população em geral (Johnston & Mash, 1989; Ohan et al., 2000; Rogers & Matthews, 2004). Por outro lado, o bem-estar psicológico subjetivamente avaliado pelos pais apresenta uma associação positiva com o seu sentido de competência parental, tal como verificado por Rogers e Matthews (2004). Note-se, porém, que a avaliação do bem-estar psicológico no presente estudo é frágil, uma vez que assenta na resposta a uma única questão. As correlações entre esses vários construtos e a PSOC põem em destaque associações mais fortes com a subescala de Satisfação do que com a de Eficácia, o que também está de acordo com outras pesquisas (Johnston & Mash, 1989; Ohan et al., 2000; Rogers & Matthews, 2004).
A comparação dos resultados obtidos pela amostra normativa e por uma amostra constituída por pais de crianças com problemas de comportamento de tipo externalizante apoiou os resultados da literatura segundo os quais crianças mais desafiantes poderão suscitar nos seus pais níveis mais baixos de sentido de competência parental (Johnston, 1996; Pimentel, 2008). É plausível que estes pais se sintam mais cansados e irritáveis, vejam as tarefas ligadas à parentalidade como mais desafiantes e ponham em causa as suas capacidades para lidar com os seus filhos de um modo confiante e sensível (Cooklin, Giallo, & Rose, 2012). Nesse sentido, Liss, Schiffrin, Mackintosh, Miles-McLean, e Erchull (2013) constataram também que os pais que encaram a parentalidade como desafiante tendem a sentir-se menos satisfeitos e eficientes no seu papel parental. Esse efeito poderá ser perspetivado de modo bidirecional, na medida em que baixos níveis de satisfação e de sentido de eficácia podem, por seu turno, ocasionar nos pais um sentimento de incapacidade e uma atitude de desmobilização face à tentativa de controlar o comportamento da criança, atitude que tende a agravar esse comportamento. Inversamente, níveis mais elevados de sentido de competência parental poderão motivar os pais a persistir nos seus objetivos face à criança e a ser mais consistentes no seu comportamento em relação a ela (Dekovic et al., 2010). Estudos futuros dos itens poderão ajudar a compreender se alguns aspectos do sentido de competência parental são mais diferenciadores em populações normativas e clínicas do que outros.
Não foram identificadas diferenças nos resultados da PSOC em função da idade da criança, o que apoia outros estudos (Gilmore & Cuskelly, 2008; Johnston & Mash, 1989). Contudo, observou-se que os pais de meninas se sentem mais eficazes no seu papel parental do que os pais de meninos, o que vai ao encontro dos resultados do estudo de Ohan et al. (2000), embora não de outras pesquisas (Johnston & Mash, 1989; Rogers & Mathews, 2004). Como explicações possíveis para esse resultado, pode-se supor que os pais percecionam o comportamento dos seus filhos rapazes como desafiando mais as suas competências parentais (Ohan et al., 2000). Esse aspecto pode estar relacionado ao fato, amplamente documentado na literatura, de que os meninos são avaliados por pais e professores como tendo mais comportamentos problemáticos do que as meninas, não só em amostras clínicas (Herrera & Little, 2005), mas também em amostras normativas (Berg-Nielsen, Solheim, Belsky, & Wichstrom, 2012). Investigações futuras poderão contribuir para um esclarecimento mais completo desse tópico.
Demonstrou-se que pais mais escolarizados se sentem mais satisfeitos com a parentalidade, o que está de acordo com os resultados do estudo de Gilmore e Cuskelly (2008). Indo também ao encontro dos resultados dessa pesquisa, verificou-se que são os pais mais velhos os que se sentem menos eficazes a lidar com os seus filhos. A esse dado junta-se a constatação de uma relação negativa entre o nível de escolaridade dos pais e o sentido de eficácia parental. Embora essas correlações sejam de magnitude baixa, poderão sinalizar uma tendência, por parte desses pais, que têm mais conhecimentos sobre o que são práticas parentais corretas e eficazes, para possuírem uma expectativa mais elevada, ou um maior sentido de responsabilidade (Meunier & Roskam, 2009) em relação ao seu próprio desempenho parental, que poderão avaliar como sendo menos eficaz do que o desejável. Esses pais poderão sentir-se menos capazes de pôr em prática aquilo que Sharon Hayes em 1996 designou de "maternidade intensiva"; (termo adaptado para "parentalidade intensiva"; por Liss et al., 2013), que consiste num modo de funcionamento familiar altamente orientado para a criança e para os seus presumíveis interesses e valorizado pela nossa sociedade.
O principal contributo do presente estudo foi colocar em destaque as boas características psicométricas da escala PSOC, quando respondida por pais portugueses de crianças em idade pré-escolar. Essa vantagem soma-se aos aspectos positivos inerentes às escalas de autorresposta em geral, isso é, a facilidade de administração, economia de tempo e de recursos e a possibilidade de serem preenchidas por pessoas diferentes (Major & Seabra-Santos, 2013). Em relação a este último aspecto é importante salientar uma limitação deste estudo, que consistiu em incluir na mesma amostra mães e pais, o que pode confundir os resultados, uma vez que se demonstrou (Gilmore & Cuskelly, 2008; Johnston & Mash, 1989; Rogers & Matthews, 2004) que as perspetivas de ambos os progenitores podem ser diferentes quanto à eficácia, e sobretudo quanto à satisfação com a parentalidade. Essa verificação, que pode estar relacionada com a diferença de papéis tradicionalmente atribuídos a cada um na educação das crianças (mais lúdico no caso do pai, mais instrumental no caso da mãe), não pôde ser comprovada na presente pesquisa. Estudos futuros, recorrendo a amostras com um maior número de pais-homens, mais difíceis de recrutar, poderão permitir fazer análises separadas para mães e pais e, dessa forma, ajudar a esclarecer as diferenças que foram identificadas em outras pesquisas (Meunier & Roskam, 2009; Murdock, 2013).
Outra limitação da presente investigação é assentarse unicamente em medidas de autorrelato, especialmente vulneráveis a efeitos de desiderabilidade social. Estudos futuros poderão fazer uso de medidas mais isentas, como, por exemplo, a observação direta (Cunningham, 2007; Meunier & Roskam, 2009). Quanto às instruções, e de acordo com a sugestão de Gilmore e Cuskelly (2008), sugere- se que sejam completadas de modo a ficar claro se as respostas devem levar em consideração um filho específico, ou se, pelo contrário, devem ter como referência a experiência de parentalidade em geral, o que pode dar lugar a respostas diferentes.
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Recebido em maio de 2014
Reformulado em setembro de 2014
Aprovado em outubro de 2014
Sobre os autores
Maria João Seabra-Santos: é Doutora em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e professora Auxiliar na mesma Faculdade.
Sofia Major: é Doutora em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e professora Auxiliar Convidada na mesma Faculdade.
Mariana Pimentel: é Mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
Maria Filomena Gaspar: é Doutora em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e professora Associada na mesma Faculdade.
Natália Antunes:é Mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e aluna do programa de Doutorado inter-universitário em Psicologia Clínica (FPCEUC-FPUL).
Vanessa Roque: é Mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
1As autoras agradecem às Mestres Silvana Martins e Susana Eugénio pelo apoio prestado na coleta de dados. Este trabalho foi parcialmente apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pelo FEDER-COMPETE através do projeto financiado PTDC/PSI-PED/102556/2008.
2Endereço para correspondência: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, R. do Colégio Novo, partado 6153, 3001-802, Coimbra, Portugal. E-mail: seabramj@fpce.uc.pt