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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.3 Itatiba dez. 2015

 

 

Evidências de validade da versão portuguesa do Índice de Reatividade Interpessoal para Casais1

 

Validity evidence of the Portuguese version of the Interpersonal Reactivity Index for Couples

 

Evidencia de validad de la versión portuguesa del Índice de Reactividad Interpersonal en Parejas

 

 

Joana Coutinho2, I; Ana BeiramarI; Carla SilvaI; Alberto LemaI; Vânia LimaII; Randolph GraceIII; Patrícia Oliveira-SilvaI,II; Óscar GonçalvesI,IV; Adriana SampaioI

IUniversidade do Minho
IIUniversidade Católica Portuguesa
IIIUniversity of Canterbury
IVNortheastern University

 

 


RESUMO

Este estudo teve como principal objetivo traduzir e adaptar para língua portuguesa o Índice de Reatividade Interpessoal para Casais (IRIC), analisando as propriedades psicométricas da versão portuguesa. Esse é um instrumento de avaliação da empatia em casais, que resultou da adaptação de uma das mais usadas escalas de empatia, o Índice de Reatividade Interpessoal de Davis, para o contexto das relações íntimas. O IRIC avalia dimensões de empatia cognitiva (tomada de perspetiva) e emocional (preocupação empática), importantes para a estabilidade e satisfação das relações conjugais. A escala original foi traduzida para português e administrada a 148 sujeitos que estavam numa relação amorosa há pelo menos um ano. A maioria dos sujeitos eram mulheres com uma média de idades de 27 anos. Os resultados revelam uma estrutura fatorial semelhante à escala original, valores adequados de consistência interna (alfa de Cronbach=0,82) e bons níveis de validade externa com uma escala de ajustamento diádico.

Palavras-chave: relações conjugais; empatia; empatia cognitiva; empatia emocional.


ABSTRACT

The main objective of this study was to translate and adapt the Interpersonal Reactivity Index for Couples (IRIC) to Portuguese, and analyze the psychometric properties of the Portuguese version. This instrument that assesses empathy in couples, resulted from the adaptation of one of the most widely used empathy scales – Davis´s Interpersonal Reactivity Index – for the context of intimate relationships. The IRIC assesses dimensions of cognitive (perspective taking) and emotional (empathic concern) empathy, both essential for stable and satisfactory marital relationships. The original scale was translated to Portuguese and administered to 148 participants involved in an intimate relationship with a minimum duration of one year. Most of the participants were women, with a mean age of 27 years old. Our results revealed the Portuguese version has a factorial structure similar to the original version, adequate internal consistency values (Cronbach’s a=.82), and good external validity with a scale of dyadic adjustment.

Keywords: marital relationships; empathy; cognitive empathy; emotional empathy.


RESUMEN

El principal objetivo de este estudio fue traducir y adaptar a la lengua portuguesa el Índice de Reactividad Interpersonal para Parejas (IRIP), analizando las propiedades psicométricas de la versión portuguesa. Este es un instrumento de evaluación de empatía en parejas, que resultó de la adaptación de una de las más usadas escalas de empatía, el Índice de Reactividad de Davis, para el contexto de las relaciones íntimas. El IRIP evalúa dimensiones de empatía cognitiva (toma de perspectiva) y emocional (preocupación empática), importantes para la estabilidad y satisfacción de las relaciones conyugales. La escala original fue traducida al portugués y administrada a 148 sujetos que mantenían una relación amorosa desde hace por lo menos un año. La mayoría de los sujetos eran mujeres con una edad media de 27 años. Los resultados revelaron una estructura factorial semejante a la escala original, valores adecuados de consistencia interna (Cronbach’s a=.82) y buenos niveles de validación externa con una escala de ajustamiento diádico.

Palabras-clave: relaciones maritales; empatía; empatía cognitiva; empatía emocional.


 

 

A empatia é um conceito amplamente estudado na Psicologia, havendo um considerável debate em torno da sua definição e medição (Batson, 1987; Decety & Jackson, 2004; Eisenberg & Strayer, 1987; Ickes, 1997). Um dos autores com mais importantes contribuições para o conceito da empatia foi Carl Rogers. A teoria centrada no cliente desenvolvida por Rogers (1959) baseia- -se no papel mediador da empatia para desenvolver o próprio potencial individual de cada um e das relações interpessoais. Assim, a necessidade de ressonância emocional e cognitiva é determinante para construir relações pessoais gratificantes, incluindo as maritais de Rogers (1977). Mais recentemente, vários autores têm oferecido possíveis modelos teóricos e definições de empatia. De acordo com uma possível definição do construto, a empatia corresponde ao processo pelo qual infere-se os estados internos de outra pessoa e experiencia-se um estado semelhante no próprio indivíduo em nós proprios, mantendo ao mesmo tempo uma distinção entre o self e o outro (Singer, Critchley, & Preuschoff, 2009). A grande maioria dos intrumentos de avaliação da empatia partem de uma concepção multidimensional desse construto, que inclui desde componentes mais básicos de natureza afetiva, tais como o contágio emocional e a capacidade de partilhar os estados afetivos do outro (Davis, 1983), até componentes de natureza cognitiva e abstratos, como a capacidade de identificar e compreender os estados mentais do outro (Hogan, 1969). Ela é crucial enquanto ferramenta de navegação no mundo social, ao permitir que a antecipação dos comportamentos dos vários atores com quem se interage e, desse modo, adaptar o nosso comportamento às diferentes interações sociais (Coutinho, Oliveira-Silva, & Decety, 2014).

A empatia é particularmente relevante no contexto das relações íntimas, contribuindo para relacionamentos amorosos estáveis e satisfatórios, à medida que permite a um dos elementos compreender e partilhar o ponto de vista e as emoções do outro (Cohen & Strayer, 1996; Hansson, Jones, & Carpenter, 1984; Vansteenwegen, 1998; Waldinger, Schulz, Hauser, Allen, & Crowell, 2004), fazendo com que este se sinta validado e compreendido. Inversamente, a sua ausência tende a estar associada à percepção de incompreensão por parte do parceiro que, por sua vez, tende a conduzir a conflitos e mesmo à dissolução da relação tal como empiricamente demonstrado (Duncan & Jowett, 2010; Long, 1993; Waldinger et al., 2004). O contexto das relações amorosas é particularmente crítico a esse respeito, pois é uma situação em que os indivíduos esperam do parceiro suporte, validação e compaixão.

Desse modo, a avaliação das competências empáticas de ambos os elementos do casal revela-se necessária, quer para pesquisadores que procuram compreender os processos que possibilitam a criação e manutenção de relações íntimas saudáveis (Gable & Reis, 2001; Gonzaga, Keltner, Londahl, & Smith, 2001; Roberts & Greenberg, 2002; Snyder & Lopez, 2002), quer para os clínicos e terapeutas de casal que, na sua prática diária, procuram identificar e resolver os problemas conjugais. Torna-se, por isso, essencial avaliar a empatia diádica (Pistrang, Picciotto, & Baker, 2001), a qual está positivamente relacionada a facetas centrais da conjugalidade, como a satisfação e interação conjugal, a resolução de problemas conjugais, ajustamento diádico, o significado da união para o casal e as dificuldades no estabelecimento dessa conjugalidade. No campo de pesquisa dos relacionamentos íntimos e amorosos e da conjugalidade, dois conceitos ocupam maior destaque na investigação: a satisfação conjugal e o ajustamento diádico. Genericamente, o primeiro refere-se ao bem-estar no relacionamento, isto é, ao grau de congruência entre as expectativas sobre o relacionamento e o seu reflexo no casal (Bradbury, Fincham, & Beach, 2000; Perlin, 2006), sendo medido por meio da Escala de Satisfação Conjugal (Pick de Weiss & Andrade Palos, 1988). A segunda dimensão, tida como central nos estudos da conjugalidade, é o ajustamento diádico, o qual se define por um processo contínuo de ajuste e procura de coerência no funcionamento do casal, sendo determinado pela Escala de Ajustamento Diádico (Spanier, 1976). Essa medida foi usada no presente estudo como forma de avaliar a validade convergente.

Na tentativa de criar uma medida de empatia diádica, Péloquin e Lafontaine (2010) adaptaram uma das mais amplamente usadas medidas de autorrelato da empatia, o Índice de Reatividade Interpessoal – IRI (Davis, 1980; 1983) para o contexto das relações íntimas, com o objetivo de avaliar a forma como a empatia se expressa dentro das relações de casal. No seu trabalho, Peloquin e Lafontaine salientaram as diferenças entre empatia geral e empatia diádica (Long, 1993; Long & Andrews, 1990; Rusbult, Verette, Whitney, Slovik, & Lipkus, 1991), defendendo que a predisposição geral para ser empático depende do grau de envolvimento com os destinatários da interação ou os alvos da empatia. Assim, a empatia geral pode ser definida como as tendências empáticas no contexto social geral não específico a uma relação em particular, ao passo que a empatia diádica se refere à empatia expressa relativamente ao parceiro amoroso (Long, 1990). Apesar de ambos estarem associados à satisfação e manutenção da relação, a empatia geral e a empatia diádica não são conceitos sobrepostos, e contribuem por meio de mecanismos diferentes para o ajustamento relacional (Long & Andrews, 1990; Rusbult et al., 1991). Evidência a favor dessa distinção é o fato de, quer membros de casais em conflito, quer membros de casais coesos, envolverem- -se em interações menos negativas com estranhos do que com o parceiro (Birchler, Weiss, & Vincent, 1975). Tal sugere que apesar de a pessoa poder possuir as competências interpessoais, elas poderão não ser usadas de modo efetivo ou consistente com o seu parceiro amoroso. Ao invés disso, pode ser mais difícil empatizar com o parceiro quando se está pessoalmente envolvidos no problema ou situação, o que ocorre na relação amorosa, em oposição aos contextos sociais gerais nas quais os indivíduos são externos à situação em causa (Pistrang et al., 2001). Todos esses argumentos fundamentam a necessidade de avaliar as disposições relacionais (empatia diádica) e as disposições gerais (empatia geral), de modo separado.

A necessidade de investigar os processos emocionais positivos que permitem manter um clima de confiança, respeito e aceitação entre os parceiros, e não apenas os processos negativos, tem sido enfatizada por autores, como Roberts e Greenberg (2002). Por outro lado, a investigação sobre a empatia nas relações amorosas tem seguido uma de duas tradições. A primeira, na qual se tem inserido a maioria da pesquisa (Simpson, Orina, & Ickes, 2003; Thomas, Fletcher, & Lange, 1997), tem investigado a acurácia empática usando paradigmas experimentais focados na acurácia da compreensão cognitiva dos pensamentos e emoções do parceiro durante uma interação específica (Ickes, 2001). A segunda tradição, que investiga a empatia diádica como uma qualidade global usando medidas de autorrelato, tem recebido menos atenção. Daí a necessidade que o presente estudo pretende colmatar de validar instrumentos de empatia de casal disposicional, em oposição à avaliação da adequação da perceção dos pensamentos e sentimentos do parceiro numa situação em particular.

O IRI é composto por 26 itens organizados em quatro subescalas independentes, cada uma com sete itens, duas cognitivas e duas emocionais. A escala cognitiva da Tomada de Perspetiva avalia a tendência para adotar os pontos de vista de outras pessoas de forma espontânea. A escala de Fantasia mede a tendência a identificar- -se com personagens de ficção. Na escala emocional, a Preocupação Empática avalia a capacidade de experienciar sentimentos de compaixão e preocupação pelo outro. Finalmente, a escala de Desconforto Pessoal, que avalia sentimentos de ansiedade, apreensão e desconforto em contextos interpessoais tensos.

Na adaptação da IRI para casais, Peloquin e LaFontaine (2010) reformularam os itens do questionário para que eles se orientassem especificamente para o parceiro. Assim, palavras gerais, como “as pessoas” ou “alguém”, presentes nos itens do IRI, foram substituídas por palavras específicas da relação, como “o meu companheiro/a” ou “na minha relação com o meu companheiro”. As subescalas Fantasia e Desconforto Pessoal presentes no IRI foram eliminadas por se tratarem de escalas focadas no self e não estarem, por isso, orientadas para o parceiro. A versão original da IRIC desenvolvida por Peloquin e Lafontaine (2010) revelou possuir boas qualidades psicométricas. Os autores demonstraram a estabilidade de uma estrutura fatorial composta por duas subescalas: Tomada de Perspetiva diádica e Preocupação Empática diádica. Demonstraram também evidência de validade convergente e preditiva e qualidades psicométricas comparáveis às da escala IRI de empatia geral (Davis, 1980). Os autores verificaram, contudo, que os valores de consistência interna da subescala Preocupação Empática diádica eram mais baixos do que os da subescala Tomada de Perspetiva diádica. O presente estudo teve como principal objetivo adaptar para a língua portuguesa o IRIC e analisar as qualidades psicométricas da versão portuguesa. Com este estudo, procurou-se assim colmatar a ausência de instrumentos de autorrelato da empatia para casais disponíveis em língua portuguesa, os quais podem ser úteis, quer em contexto de investigação quer em contexto clínico.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 148 indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e 66 anos (média de 27,04 anos, DP=10,12), dos quais 63% eram mulheres. O número mínimo de indivíduos a incluir foi determinado com base nas recomendações de Hair, Anderson, Tatham, Black (2005), de incluir um N de cinco sujeitos por item (que, nesse caso, corresponderia a um mínimo de 65 participantes). Para serem incluídos no estudo, os indivíduos tinham que estar, no momento da avaliação, envolvidos numa relação íntima (casamento, união estável ou namoro) há pelo menos um ano. Relativamente ao estado civil, 51,2% eram solteiros; 40,2% casados; 3,7% viviam em união estável e 4,9% eram divorciados. Relativamente ao grau de escolaridade, essa é uma amostra em que a maioria dos sujeitos (56%) tem qualificação superior/universitária; 34,5% tem o ensino médio e apenas 9,5% o ensino fundamental. Trinta e cinco por cento dos participantes têm filhos, sendo que 12,2% dos sujeitos têm 1 filho; 20,7% têm 2 filhos e 2,4% têm 3 filhos. A maioria dos sujeitos, 90,2% (n=74) nunca esteve em tratamento por problemas psicológicos ou psiquiátricos.

Instrumentos

Questionário sociodemográfico. Questionário que permitiu descrever a amostra de um modo semelhante ao estudo original. Continha elementos, como o sexo, idade, escolaridade, profissão, estado civil e presença/ ausência de tratamentos psicológicos ou psiquiátricos. Esse questionário continha ainda informação acerca da relação (duração, coabitação, número de filhos, etc.).

Índice de Reatividade Interpessoal (IRI; Davis, 1980; versão portuguesa de Limpo, Alves, & Crato, 2010). Questionário de autorrelato que avalia as dimensões cognitiva e afetiva da empatia. É constituído por 28 afirmações, as quais o sujeito deve responder numa escala Likert de 5 pontos, desde o zero (não me descreve mesmo nada) até o 4 (descreve-me muito bem). Essa medida divide-se em quatro subescalas, cada uma incluindo 7 itens: Tomada de Perspetiva (tendência para ver coisas sob o ponto de vista do outro); Preocupação Empática (sentimentos de preocupação pelo infortúnio dos outros); Fantasia (tendência para se identificar com personagens fictícias e imaginar os seus sentimentos e ações) e Desconforto Pessoal (sentimentos pessoais de ansiedade e dificuldade em situações interpessoais de tensão). Os itens de cada subescala são somados para obter o escore total da subescala. Escores elevados no IRI representam maiores níveis de empatia, enquanto escores mais baixos representam menores níveis de empatia. A versão portuguesa dessa escala revelou possuir adequada validade e consistência interna. Foi administrada a escala total, mas, para o cálculo da validade convergente com a medida em estudo no presente trabalho (IRIC), foram usadas apenas as escalas Preocupação Empática e Tomada de Perspetiva.

Índice de Reatividade Interpessoal para Casais (IRIC). Instrumento utilizado para avaliar a empatia emocional e cognitiva em relações íntimas. É constituído por 13 itens que, tal como no IRI, são avaliados numa escala Likert de 5 pontos desde o zero (não me descreve mesmo nada) até ao 4 (descreve-me muito bem). Escores de cada subescala são obtidos somando os respetivos itens, sendo que escores elevados representam maior empatia na relação do casal, e escores mais baixos representam menor empatia na relação do casal. Divide-se em duas subescalas: Preocupação empática e Tomada de perspetiva.

Escala de Ajustamento Conjugal. (R-DAS; Spanier, 1976), versão portuguesa de Pereira (2003) – Instrumento utilizado para avaliar o ajustamento e satisfação conjugal. É composto por 14 itens, divididos em três subescalas: Consenso (6 itens), Satisfação (5 itens) e Coesão (3 itens). Exemplos de itens: “Com que frequência discute com o seu companheiro? Com que frequência considerou o divórcio ou o fim da sua relação? Com que frequência você e o seu companheiro(a) participam juntos em atividades fora da família?”. O sujeito responde aos itens numa escala Lickert. O escore total varia entre 0 e 69, com escores maiores a indicar maior satisfação na relação. A escala demonstrou adequada fidedignidade e capacidade para diferenciar casais clínicos e não clínicos, com um ponto de corte de 48, abaixo do qual um casal é considerado como estando em distress. Essa medida foi usada para avaliar a validade de construto.

Procedimentos

O estudo começou pelo processo de tradução da escala original. O questionário foi inicialmente traduzido para português, tendo recebido o título “Índice de Reatividade Interpessoal para Casais (IRIC)”. Seguidamente, foi feita a retroversão para o inglês dessa primeira tradução por um indivíduo bilíngue. Foi também realizado um processo de reflexão falada entre especialistas da área de forma a discutir diferenças de interpretação dos itens por falantes de língua portuguesa.

Para recolher a amostra, foi utilizado um método de conveniência. A participação no estudo foi voluntária e foi garantido o anonimato dos sujeitos que preencheram os questionários por meio de um código numérico, estando o acesso aos dados limitado aos pesquisadores do estudo. Após lhes terem sido explicados os objetivos e procedimentos do estudo, os participantes assinaram o consentimento informado, de acordo com os procedimentos éticos do IRB da Universidade do Minho e da Declaração de Helsínki (1975, revista em 1983). Os instrumentos foram aplicados na seguinte sequência: questionário sociodemográfico, IRI, IRIC e R-DAS. No seu processo de administração, participaram seis investigadores, os quais estiveram presentes durante a aplicação da bateria. Os sujeitos preencheram questionários que compunham a bateria de avaliação de forma individual, face a face com o investigador, não tendo havido aplicações em grupo.

A análise estatística das qualidades psicométricas do estudo foi feita utilizando o programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Sciences) versão 20.0. A análise foi iniciada pela distribuição das respostas para cada um dos itens por meio do cálculo dos coeficientes de assimetria e curtose. Após testada a adequação da amostra para análise fatorial, esta foi realizada usando método de extração dos eixos principais com rotação oblimin. Após a análise fatorial exploratória, foi realizada uma extração com dois fatores. Os itens foram distribuídos pelas duas subescalas em função dos respetivos valores de saturação. Finalmente, os valores de consistência interna das subescalas resultantes foram avaliados por meio do cálculo do alfa de Cronbach. A validade convergente foi analisada por meio do cálculo dos valores de correlação bivariada com medidas de empatia geral (IRI) e de satisfação conjugal (DAS). Os procedimentos estatísticos adotados para cada uma dessas análises serão descritos em maior detalhe abaixo, à medida que os resultados psicométricos são relatados, uma vez que, apesar das sucessivas fases de análise psicométrica serem distintas, elas dependem dos resultados das fases anteriores.

 

Resultados

Análise preliminar

Antes de realizar a análise fatorial, foi examinada, para todos os itens da escala, a distribuição das respostas. Para todos os 13 itens, as cinco categorias de resposta estavam preenchidas e, para a grande maioria dos itens, os coeficientes de assimetria e curtose variavam no intervalo entre -1 e +1. Para aqueles itens cujos coeficientes não estavam dentro do referido intervalo (itens 1, 4 e 8), apenas o item 8 apresenta valores de curtose acima do considerado satisfatório (maiores que 2). Assim, apenas o item 8 apresentava problemas com base na sua sensibilidade para as diferentes posições que o sujeito pode ter em relação ao item.

Validade de construto

Para avaliar a validade de construto da escala, as respostas aos 13 itens foram sujeitas a uma análise fatorial exploratória para determinar o número adequado de fatores a reter. Foi usado o método de extração dos eixos principais com rotação oblimin, de modo a permitir a correlação entre os fatores, tal como havia sido feito pelos autores da escala original. Antes de prosseguir para a análise fatorial, foi garantido que a matriz de correlação era adequada para esse tipo de análise. Assim, foi verificado que, tal como é exigido para essa análise, a medida de Kaiser-Meyer-Olkin de adequação da amostra era 0,91 (superior a 0,60) e o teste de Esfericidade de Bartlet era significativo (χ2=472,78, p<0,001).

A análise fatorial exploratória resultou em quatro fatores com eigenvalues superiores a 1, no entanto, os fatores 3 e 4 possuíam apenas 2 e 1 item, e explicavam 12% e 8% da variância respetivamente. Assim, e atendendo também ao fato de os autores da escala original terem apontado uma estrutura fatorial com dois fatores como sendo a ideal para esse instrumento, essa solução fatorial não pareceu ser a mais adequada. Desse modo, a análise foi feita com a extração de dois fatores, os quais explicavam 54% da variância total. Para analisar a distribuição dos itens pelas subescalas, seguiu-se as recomendações de Almeida e Freire (1997) e Pasquali (2001), segundo as quais são considerados significativos valores de saturação nos fatores iguais ou superiores a 0,30. Com exceção do item 9, nenhum dos itens foi excluído por meio desse critério, ou seja, todos tinham um valor de saturação superior a 0,30 em pelo menos um fator. O item 9 tem um valor de saturação de 0,1 em mais de um fator, pelo que foi decidido incluí-lo na subescala considerada estar mais associada a esse item, do ponto de vista teórico: Preocupação Empática. A distribuição dos itens pelos fatores na versão portuguesa da escala é relativamente semelhante à da versão original. Os resultados dessa solução forçada de 2 fatores colocavam apenas problemas em 3 itens que, na versão original, saturavam na subescala Preocupação Empática e na versão portuguesa saturavam na subescala Tomada de perspetiva: itens 1, 4 e 11. Decidiu-se, no entanto, manter esses itens na subescala Preocupação empática por se associarem teoricamente a esta e pelo fato de, na análise fatorial exploratória, o item 1 ter saturado na escala Tomada de perspetiva, e os itens 4 e 11 terem ficaram soltos. A versão portuguesa da escala com os itens que compõem cada um dos fatores é apresentada na Tabela 1.

 

 

Validade convergente

A medida de empatia geral (IRI) e de satisfação conjugal (DAS) foi utilizada para analisar a validade convergente do IRIC. Foi usada uma correlação bivariada para comparar a pontuação total da IRIC com medidas de empatia geral. Encontrou-se correlações estatisticamente significativas entre o escore total do IRIC e do IRI e também ao nível das subescalas, tal como se pode ver na Tabela 2. A subescala Tomada de perspetiva diádica apresentou uma correlação maior com a mesma subescala do IRI (r=0,62), do que com a subescala Preocupação empática (r=0,23). O mesmo se verificou para a subescala Preocupação empática diádica, que apresentou uma correlação maior com a mesma subescala do IRI (r=0,53) do que com Tomada de perspetiva (r=0,42).

Relativamente à associação da versão portuguesa do IRIC com a Escala de Ajustamento Diádico, a evidência para a validade seria dada uma vez mais pela existência de correlações positivas com essa medida. O teste de Pearson mostrou que existe uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre o escore total da IRIC e o da DAS (r=0,41). Foram também encontradas correlações positivas e significativas entre as subescalas da DAS e as subescalas da IRIC, tal como demonstrado na Tabela 2.

 

 

Fidedignidade

Para determinar a consistência interna do IRIC total e das suas subescalas, foi calculado o alfa de Cronbach. Os resultados indicaram que a IRIC possui elevada consistência interna (α=0,82 um valor próximo do que foi obtido no estudo original). As duas subescalas têm também elevada consistência interna: Tomada de Perspetiva α=0,85 e Preocupação Empática α=0,67.

O valor da consistência interna da subescala Preocupação Empática diminuía com a inclusão do item 8 (Quando vejo o meu companheiro a ser tratado de forma injusta, por vezes não sinto muita pena), o qual pertence na versão original a essa subescala. Decidiu-se, por isso, eliminar esse item, sendo que o valor de 0,67 acima apresentado é o que resulta dessa eliminação. De notar que o item 8 foi o único que havia apresentado valores de curtose acima do considerado satisfatório, quando da análise de sensibilidade, o que também contribuiu para a exclusão desse item da versão portuguesa da escala.

 

Discussão

Este estudo traduziu e validou para língua portuguesa um questionário que permite avaliar a empatia no contexto diádico das relações íntimas. Foram verificadas que as características psicométricas da versão portuguesa desse instrumento são adequadas, sugerindo que essa versão constitui uma medida apropriada para avaliar a empatia em casais. A estrutura fatorial composta por duas subescalas (Tomada de Perspetiva e Preocupação Empática) mantém-se na versão portuguesa com os dois fatores a explicar 54% da variância e com adequados valores de consistência interna. Verificou-se, no entanto, que a escala Preocupação Empática apresentou valores relativamente mais baixos de consistência interna, tendo sido a única em que foram introduzidas alterações face à escala original (eliminação do item 8).

Esses resultados são consistentes com o estudo de Peloquin e Lafontaine (2010), que também encontraram valores de consistência interna mais baixos para a escala Preocupação empática do que para a escala Tomada de perspetiva. De notar que alguns autores (Sijtsma, 2009) defendem que o alfa de Cronbach pode ser uma medida que subestima a verdadeira consistência interna de uma escala, por exigir pressupostos raramente cumpridos nos dados, sugerindo, por isso, medidas alternativas de consistência como o coeficiente H (Hancock & Mueller, 2001), que, contrariamente ao alfa de Cronbach, não é afetado pelo número de itens de uma escala, o que é particularmente problemático para medidas com poucos itens, como é o caso do IRIC.

Em termos de validade convergente, o comportamento da escala foi igualmente satisfatório. Ambas as subescalas de empatia diádica se correlacionaram com as respetivas subescalas de empatia geral do IRI. Tomada de perspetiva apresentou uma correlação mais forte com a mesma escala do IRI e o inverso aconteceu com a preocupação empática diádica que se apresentou mais fortemente correlacionada com a respetiva escala do IRI.

Correlações positivas também foram encontradas entre ambas as escalas do IRIC e o escore total de ajustamento diádico e, particularmente, do escore da escala de coesão e satisfação. Esses dados são consistentes com os de Duncan e Jowett (2010), que verificaram que o nível de empatia percebida estava positivamente associado à satisfação conjugal numa amostra de 149 casais heterossexuais. A relação consistente entre o IRIC, enquanto medida de empatia expressa no contexto da relação de casal, e a satisfação e estabilidade conjugal, salienta o papel que ambas as dimensões avaliadas pelo IRIC (empatia cognitiva e emocional), desempenham no ajustamento e satisfação do casal (Davis & Oathout, 1987). Essa relação comprova a relevância clínica do uso desse instrumento em contextos clínicos e é consistente com os resultados de outros autores (Busby & Gardner, 2008; Davis & Oathout, 1987; Long & Andrews, 1990; Long, Angera, Carter, Nakamoto, & Kalso, 1999). Outros estudos encontraram também relação da empatia diádica com outras variáveis de ajustamento relacional, tais como satisfação sexual (Larson, Anderson, Holman, & Niemann, 1998) ou perdão após a transgressão do parceiro (Fincham, Paleari, & Regalia, 2002).

Por fim, a análise da distribuição das respostas dos sujeitos aos diferentes itens demonstrou que os itens que o compõem são sensíveis e não se afastam marcadamente da distribuição normal, com exceção do item 8, o qual foi eliminado. Colocou-se a hipótese de que possam ter ocorrido problemas de interpretação da tradução desse item (Quando vejo o meu companheiro a ser tratado de forma injusta, por vezes não sinto muita pena). Assim, em futuros estudos de replicação da validação do IRIC com novas amostras, pretende-se melhorar essa tradução por forma a testar o comportamento psicométrico do item com uma tradução melhorada (Nem sempre sinto muita pena do meu companheiro quando ele é tratado de forma injusta).

Uma limitação deste estudo prende-se com a inclusão de indivíduos de uma faixa etária relativamente jovem e, na sua grande maioria, com um nível de educação superior, o que limita a generalização dos nossos resultados para outras populações. Torna-se, por isso, necessário replicar esses resultados que apontam para boas propriedades psicométricas do IRIC em populações de idosos, indivíduos menos diferenciados do ponto de vista sociocultural, envolvidos em relações com pessoas do mesmo sexo, casais em conflito, etc. Importa ainda notar que, apesar de o envolvimento numa relação afetiva com uma duração de pelo menos um ano ter sido um critério de inclusão, cerca de metade dos indivíduos da amostra não estavam numa relação de casamento pelo que será importante, no futuro, analisar os resultados psicométricos dessa escala em amostras compostas exclusivamente por indivíduos casados, com filhos e uma duração de relacionamento de décadas, etc.

Há ainda que apontar com limitação, as críticas tipicamente apontadas às medidas de autorrelato em geral, como sejam os riscos de desejabilidade social no preenchimento, de não compreensão total das instruções e ainda os défices na capacidade introspetiva do sujeito que, naturalmente, podem condicionar a avaliação. No entanto, tal como já referido na introdução, no campo de pesquisa da empatia em casais, a maioria dos estudos tem seguido uma tradição de avaliar a acurácia empática por meio de paradigmas experimentais de interação real entre os parceiros. Apesar dessa linha de pesquisa ser muito útil, torna-se também necessário investir em nível de escalas validadas de avaliação da empatia de casal disposicional, capazes simultaneamente de diferenciar os seus componentes.

Apesar de ser grande o leque de medidas de empatia geral para adultos, foi encontrada apenas uma medida especificamente destinada à empatia diádica: a escala de tomada de perspetiva diádica desenvolvida por Long (1990). Existem algumas medidas de funcionamento marital que também incluem subescalas de empatia (e.g., Barrett-Lennard Relationship Inventory; Barrett-Lennard, 1962; Wampler & Powell, 1982; Relationship Evaluation Questionnaire; Busby, Holman, & Taniguchi, 2001), contudo elas têm recebido pouca atenção empírica e não se demonstraram capazes para distinguir componentes emocionais e cognitivos da empatia. Considerando evidência que sugere que a empatia cognitiva e emocional pode desempenhar papel distinto no ajustamento relacional (Davis & Oathout, 1987), era central a existência de uma medida multidimensional de empatia diádica. Este estudo pretendeu assim colmatar uma lacuna existente na literatura. A principal contribuição do presente estudo foi assim a de tornar disponível, em língua portuguesa, o único questionário que permite avaliar, quer aspetos cognitivos, quer aspetos emocionais da empatia em casais. Esse é um questionário simples e que pode ser rapidamente respondido pelos sujeitos, quer no contexto de terapia de casal, quer no contexto de investigação, permitindo contribuir para o avanço dos estudos acerca dos processos empáticos que promovem o desenvolvimento de relações íntimas estáveis e satisfatórias.

O estudo e a mensuração da empatia tem se constituído importante na área das relações conjugais (Long, 1993; Pistrang et al., 2001; Rusbult et al., 1991; Waldinger et al. 2004). Essa mensuração tem também importantes implicações clínicas. Por exemplo, a terapia de casal comportamental integrativa (IBCT; Christensen, Jacobson, & Babcock, 1995; Jacobson, Christensen, Prince, Cordova, & Eldridge. 2000) salienta a importância da empatia para a resolução de conflitos e para a satisfação do casal. Ser mais empático face ao parceiro facilita a emergência de mudanças emocionais e cognitivas positivas mesmo em situações de tensão marcadas por mágoa, conflito e frustração face ao companheiro.

 

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recebido em outubro de 2014
reformulado em maio de 2015
aprovado em junho de 2015

 

 

Sobre os autores

Joana Coutinho: é doutorada em psicologia clínica pela Universidade do Minho, é investigadora do Laboratório de Neuropsicofisiologia da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga, Portugal.
Ana Beiramar, Carla Silva, Alberto Lema: são alunos do mestrado integrado em psicologia da Escola de Psicologia da Universidade do Minho.
Vânia Lima: é doutorada em psicologia clínica pela Universidade do Minho, é Professora Auxiliar da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal.
Randoplh Grace: é doutorado em Psicologia pela Universidade de New Hampshire (USA), é Professor de Psicologia na Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia.
Patrícia Oliveira-Silva: é doutorada em psicologia clínica pela Universidade do Minho, é professora auxiliar da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal e colabora como investigadora no Laboratório de Neuropsicofisiologia da Escola de Psicologia da Universidade do Minho
Óscar F. Gonçalves: é doutorado em psicologia clínica pelo programa Counseling, School and Consulting Psychology pela Universidade de Massachusetts, EUA é professor catedrático da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, co-diretor do Laboratório de Neuropsicofisiologia da mesma escola e professor adjunto da Northeastern University, Boston, EUA.
Adriana Sampaio: é doutorada psicologia clínica pela Universidade do Minho e mestre em medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, é Professora Auxiliar e Diretora do Laboratório de Neuropsicofisiologia da Escola de Psicologia da Universidade do Minho.


1Este projeto foi financiado pela Fundação BIAL (Bolsa com a referência: 87/12).
2Endereço para correspondência: Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057, Braga, Portugal. Tel.: +351 253-601398. Fax: +351 253-604224. E-mail: joanafpc@gmail.com


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