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Psicologia em Revista
versão impressa ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.22 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2016
https://doi.org/DOI-10.5752/P.1678-9523.2016V22N1P185
ARTIGOS
DOI - 10.5752/P.1678-9523.2016V22N1P185
Atividade de trabalho e relações de poder: uma intervenção organizacional numa empresa do ramo da aviação1
Work activity and power relations: an organizational intervention in aviation company
La actividad laboral y las relaciones de poder: una intervención organizacional en una compañía del sector de la aviación
Márcia Pereira Inácio Soares*; José Newton Garcia de Araújo**
Resumo
Este estudo discute uma intervenção organizacional em uma empresa terceirizada do ramo da aviação civil, tendo como base algumas vertentes das chamadas clínicas do trabalho, especialmente a clínica da atividade e a psicossociologia do trabalho. Na ótica da pesquisa qualitativa, utilizaramse de procedimentos como observação da situação de trabalho, entrevistas individuais e grupos de discussão, visando inicialmente a um diagnóstico dos problemas da organização. Em seguida, criou-se um dispositivo de participação dos trabalhadores, por meio de um recurso gerencial denominado desenvolvimento de habilidades humanas (DHH), destinado a reorganizar os processos de trabalho da empresa. A questão dos mecanismos internos de poder é também abordada neste estudo, bem como o alcance do poder de agir dos trabalhadores. Entende-se que este estudo possa contribuir para novas alternativas de inserção do psicólogo nas organizações do trabalho.
Palavras-chave: Intervenção organizacional. Clínicas do trabalho. Poder de agir do trabalhador. Conflitos de poder.
Abstract
This study discusses an organizational intervention in an outsourcing company of the civil aviation branch, based in the current called clinical work, specifically the Clinics of Activity and the Psychosociology of Work. From the perspective of qualitative research, it was developed using procedures such as field observations, interviews and discussion groups, aiming initially a diagnosis of the organization's problems. Thereafter, it was created a worker's participation device, through a resource management called Development of Human Abilities (DHH), which intended to reorganize the company's work processes. The issue of internal mechanisms of power is also addressed in this study, as well as the possibilities of worker's acting power. It is understood that this study may contribute to new psychologist insertion alternatives in labor organizations.
Keywords: Organizational intervention. Clinical activity. Worker's acting power. Power conflicts.
Resumen
Este estudio discute una intervención organizacional de una empresa subcontratista en el sector de la aviación civil, teniendo como base algunas vertientes de las llamadas clínicas de trabajo, en especial la Clínica de la Actividad y la Psicosociología del Trabajo. Desde la óptica de la investigación cualitativa, se usaron procedimientos como la observación de la situación de trabajo, entrevistas individuales y grupos de discusión, buscando inicialmente un diagnóstico de los problemas de la organización. Se creó también un dispositivo de participación de los trabajadores, con una herramienta de gestión denominada desarrollo de habilidades humanas (DHH), destinada a reorganizar los procesos de trabajo de la empresa. La cuestión de los mecanismos internos del poder también se abordan en este estudio, así como el alcance del poder de obrar de los trabajadores. Este estudio puede contribuir a nuevas alternativas de inserción del psicólogo en las organizaciones laborales.
Palabras clave: Intervención organizacional. Clínicas del trabajo. Poder de obrar del trabajador. Conflictos de poder.
Introdução
A Psicologia do trabalho, em sua abordagem que reúne as denominadas clínicas do trabalho (Bendassolli & Sobol, 2011), tem uma proposta emancipatória, enquanto busca fomentar o poder de agir dos trabalhadores, no que se refere à apropriação das atividades realizadas no ambiente laboral. Isso implica transformações efetivas, mesmo que parciais, às vezes até pouco visíveis, das condições e da organização do trabalho, bem como a redução de fatores de sofrimento e adoecimento nesse ambiente.
Tal perspectiva de pesquisa e intervenção prioriza as metodologias qualitativas, além de considerar os trabalhadores como sujeitos capazes de inventar arranjos próprios para o desenvolvimento de suas atividades, participando, em maior ou menor grau, da dinâmica política das organizações de trabalho.
Foi com base em tais pressupostos que realizamos uma intervenção psicossocial em uma empresa privada, prestadora de serviços de carga, descarga e limpeza de aeronaves, situada no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, mais conhecido como Confins, em Minas Gerais. Essa intervenção ocorreu no período de 2010 a 2012, em razão de uma demanda da direção da empresa. Nossa atuação baseouse principalmente nas contribuições da "clínica da atividade" (Clot, 2007, 2010; Osório, Barros & Louzada, 2011) e nos pressupostos da psicossociologia francesa (Barus-Michel, 2004; Barus-Michel & Enriquez, 2005; Lhuilier, 2014), no sentido de compreender o modo de funcionamento do trabalho na organização e de avaliar seus impactos sobre os operadores, levando-se em conta os processos de trabalho e os jogos de poder internos à organização.
As chamadas clínicas do trabalho têm um pressuposto comum, oriundo da ergonomia francesa, segundo o qual a essência do trabalho é aquilo que o sujeito acrescenta ao prescrito (tarefa), ou seja, o trabalho real (atividade). A partir daí, as contribuições da clínica da atividade fornecem instrumentos teórico-técnicos que possibilitam a compreensão das situações de trabalho, de modo que o sujeito possa desenvolver o poder de agir sobre o mundo e sobre si mesmo, coletiva e individualmente (Clot, 2010). Para esse autor, as relações entre trabalho e saúde têm um lugar fundamental em suas investigações. Se o ambiente laboral tem nexo direto ou indireto com o surgimento de inúmeras doenças, o trabalho também se torna vital para a saúde. Trata-se, pois, de "criar um contexto para viver: é nesta condição que atividade e saúde são sinônimos [...]" (Clot, 2010, p. 72). Nesse sentido, a atividade é produção ou recriação de um meio de vida e se entrelaça também com a subjetividade. Assim, o trabalhador não é apenas um executor de tarefas. "Essa tarefa se inscreve para ele em sua história. Ele não só realiza a tarefa prescrita, como visa também, por meio dessa realização, objetivos pessoais" (Leplat, 1997, citado em Clot, 2007, p. 23).
Outro elemento essencial à teorização da clínica da atividade diz respeito à dimensão coletiva do trabalho, pois este não responde apenas às necessidades individuais. Segundo Osório, Barros e Louzada (2011, p. 192), "para que uma tarefa seja realizada, é necessária a concorrência solidária da atividade de diferentes sujeitos, ou de diferentes funções [...]". Daí a centralidade da noção de gênero de trabalho. Trata-se de "um modo de regulação decorrente de mecanismos de cooperação entre trabalhadores, nos quais se encontram regras formais e informais de ação comum [...] esse referencial elaborado em comum abriga regras não escritas e mutáveis" (Osório et al., 2011, p. 193). O gênero supõe habilidades para uma atividade inscrita na história de um coletivo e no contexto social de seu uso. Ele é um saber difuso e uma experiência comum partilhada entre os sujeitos que participam de uma situação, de um mesmo ofício. Ele não regula "diretamente as relações entre as pessoas, mas antes as relações entre profissionais" (Osório et al., 2011, p. 194). Para a clínica da atividade, o trabalho implica sempre uma dimensão individual e coletiva, e é nesta que se inscreve o poder de agir. "O objeto da psicologia do trabalho é então o trabalho como atividade coletiva transformadora dos objetos e do outro". (Osório et al., 2011, p. 196). Enfim, ao agir sobre o meio, o sujeito (individual e coletivo) age sobre si mesmo, no desenvolvimento da atividade.
Quanto à Psicossociologia, cabe dizer que ela se constituiu na confluência de disciplinas diversas, no campo das Ciências Humanas e Sociais: Psicologia social, Sociologia, Psicanálise, Antropologia, História, entre outras. Em seus pressupostos teórico-metodológicos, ela não se desenvolve apenas por elaborações teóricas, mas na articulação destas com as práticas de intervenção, as duas se realimentando permanentemente. Sua presença clássica, envolvendo investigação e ação, incide sobre as instâncias mediadoras entre o indivíduo e a sociedade, ou seja, os grupos, as organizações e as instituições. Nesse sentido, ela não se ocupa estritamente do objeto trabalho, mas das molduras contextuais (instituição e organização) e relacionais (coletivo, grupo), nas quais tem lugar o trabalho, tomado em seus sentidos estritos de tarefa ou de atividade. Atualmente, a psicossociologia se debruça também sobre a problemática específica da tarefa/ atividade, no diálogo com a ergonomia, a psicodinâmica do trabalho, a clínica da atividade e a ergologia. Incorporando os pressupostos clássicos de seus antecessores, a psicossociologia do trabalho, segundo Lhuilier (2014, p. 6), "Compreende a ação do homem sobre seu ambiente, ação que põe em jogo suas razões e até mesmo suas possibilidades de existir". O trabalho stricto sensu não pode ser separado das demais atividades humanas, individuais, coletivas ou cívicas. Em outras palavras, tudo o que leva a desarticular o trabalho dessas atividades contribui para sua desumanização.
Nesse sentido, essa disciplina se ocupa das relações entre o coletivo e o individual, o psíquico e o social, o objetivo e o subjetivo, buscando compreender o sujeito inserido historicamente em um determinado contexto social e na complexidade de sua dinâmica psíquica. Como dissemos acima, a dimensão clínica da psicossociologia se desenvolve por meio de suas práticas de intervenção. Para Giust-Desprairies (2001), ela é clínica enquanto atende a uma demanda, num quadro de sofrimento, enquanto coloca a questão do sentido e do sujeito. O sujeito aqui é o indivíduo ou o grupo capazes de nomear as próprias dificuldades, de elaborar significações e de se mobilizar, a fim de modificar a si mesmos e as situações de crise ou sofrimento em que estão envolvidos.
A questão do poder também se apresenta como objeto privilegiado da psicossociologia. No caso da análise do trabalho, ela se interessa, de um lado, pelos jogos de dominação e de resistência entre os dirigentes e dirigidos, o que inclui a temática dos micropoderes (Foucault, 2001) e dos contrapoderes ou das forças instituintes (Lourau, 1975). De outro, ela considera, com Mendel (2005), a dimensão do ato-poder, com seus dois significados: "O poder do ato como poder de transformação da realidade; e o poder sobre o ato, do qual seu autor dispõe" (Lhuilier, 2014, p. 10). Aqui é essencial o movimento de apropriação do ato, que implica no "desenvolvimento da atividade, a fim de torná-la mais consciente e voluntária. Isso supõe um distanciar-se da rotina e do que é feito maquinalmente ou imposto, sem ser compreendido" (Lhuilier, 2014, p. 10). Essa apropriação, no interior de uma organização do trabalho, pode levar, muitas vezes, a conflitos de poder, uma vez que os interesses dos trabalhadores e dos dirigentes dificilmente coincidem.
Percurso metodológico
Este artigo é extraído da dissertação de mestrado (vide nota 1), cujo objetivo foi discutir e analisar, ex post facto, a experiência de intervenção na empresa, à qual daremos o nome fictício de Service. Esta atuava, havia mais de dez anos, como terceirizada, no ramo da aviação civil, desempenhando serviços auxiliares ao transporte aéreo, como carga e descarga de bagagens e limpeza de aeronaves. Em 2010, ela dominava o mercado em Belo Horizonte, atendendo a cinco companhias aéreas.
Foi em janeiro desse ano que ela solicitou uma consultoria à primeira autora deste artigo, tendo como diagnóstico inicial uma disfunção administrativa. Segundo a direção, a Service estava ameaçada por concorrentes internacionais que começaram a atender uma companhia aérea, também internacional, no mesmo aeroporto de Confins. Isso inquietava a direção e gerava ansiedade nos empregados que, além de insatisfeitos, temiam uma possível falência da Service.
A intervenção teve três momentos distintos: inicialmente, realizou-se uma observação sistemática dos trabalhos, com base na ergonomia da atividade; ao mesmo tempo, foram feitas entrevistas individuais semiestruturadas com 36 empregados operacionais e 18 coordenadores de equipe. Buscava-se, então, compreender como se estruturavam as tarefas, suas prescrições (ou a ausência destas), mas queríamos compreender também as atividades, ou seja, o que estava implícito nas "maneiras de fazer" dos operadores, a fim de levantar suas contribuições e sua inventividade. Posteriormente, em 2011, organizamos grupos de discussão com os coordenadores de equipe, a fim de rediscutir toda a organização do trabalho e planejar ações visando ao desenvolvimento coletivo de suas atividades.
Paralelamente, ajudamos a estruturar o setor de Recursos Humanos, entre 2010 e 2011, em parceria com uma das sócias da empresa, que renomeou o setor como Desenvolvimento de Habilidades Humanas (DHH).
Quando iniciamos a pesquisa de mestrado, objetivando discutir e analisar ex post facto a atuação na Service, decidimos ainda voltar ao campo para entrevistar alguns trabalhadores (3 coordenadores de turno e 1 gerente) que participaram da intervenção anterior. Visava-se, nesse momento, a informar-nos sobre a situação atual da empresa, tentando avaliar os possíveis efeitos do trabalho anterior.
Dados preliminares
No primeiro momento, conduzido nos moldes de uma observação participante, constatamos que a empresa se dividia em quatro setores: Operacional, Administrativo, de Manutenção e Departamento de Pessoal. Ela tinha dois sócios proprietários, que assumiam os cargos de diretor operacional e diretor financeiro. O setor operacional atendia, em média, a 30 aviões por dia, organizando-se em escalas de trabalho que começavam às 5h da manhã e terminavam às 3h do dia seguinte. Os empregados tinham uma jornada de trabalho de seis horas diárias, podendo prorrogá-la por duas horas-extra, se necessário.
Os voos se repetiam ao longo da semana, com uma rotina no processo de atendimento. No entanto, os eventos climáticos, que podem gerar atrasos de voos, além dos imprevistos inerentes a todo processo de trabalho, quebravam a rotina das operações, dado um maior número de aeronaves aguardando o descarregamento e carregamento. Isso ocorria, aproximadamente, em 40% da semana, aumentando o ritmo e a pressão sobre o trabalho. Os eventuais atrasos e erros de bagagens eram de responsabilidade da Service, o que provocava grande tensão nos operadores, com visível sobrecarga física e psíquica.
No carregamento e descarregamento das aeronaves, quase todas as tarefas eram braçais, exigindo esforço para manipular objetos pesados (malas e outros) no pátio de pouso e decolagem dos aviões. Ali os trabalhadores se deslocavam a pé, ao longo dos três quilômetros de pista.
Uma das estratégias visíveis, aí observadas, era o fato de os operadores se falarem por gestos, devido à falta de equipamentos de comunicação. Isso evidenciou uma forma de criatividade coletiva, através da qual os sujeitos desenvolviam sua inteligência prática, sua capacidade de improvisação ante eventos inesperados e as limitações impostas pelas condições e pela organização do trabalho. Para Lhuilier e Ulmann (2015, p. 6), "A criatividade aparece como uma forma de se liberar das coerções do trabalho, de suas tensões e contradições [...] a fim de se reconfigurar o meio de trabalho, de existir como sujeito". Trata-se então "não apenas de uma questão de eficácia da atividade, de sua aprendizagem, mas também de uma questão de saúde". Aqui reencontramos aquilo que Clot (2007) caracteriza como a função psicológica do trabalho, uma vez que a inventividade é um elemento essencial, quando se leva em conta a saúde do trabalhador.
No entanto, no caso da Service, a inventividade era concomitante ao bloqueio do poder de agir e à autonomia dos empregados, o que era gerador de sofrimento. Nas palavras de um coordenador, "Eles [diretores] não dão liberdade pra gente no trabalho [...]. Eu é que sei o que tem que ser feito no pátio". Um outro também se queixava: "Tudo que você aprende lá é pra ser feito do jeito deles [diretores]. Não existe um curso, uma base, era só 'você tem que fazer assim e assado'... Não tem nenhuma norma pra seguir, uma direção pra quem recorrer".
Dados das entrevistas e dos grupos
A etapa da observação envolveu 80% dos trabalhadores operacionais. Paralelamente foram organizados grupos de discussão com os coordenadores e entrevistas semiestruturadas com 54 sujeitos assim distribuídos: 1 gerente operacional, 17 coordenadores, 21 trabalhadores auxiliares, 5 trabalhadores da limpeza, 7 operadores de equipamentos e 3 trabalhadores da manutenção de equipamentos.
Conforme apontado pelos entrevistados, diversos problemas referentes à organização e às condições do trabalho necessitavam ser resolvidos, inclusive para se reduzir o adoecimento físico e psíquico, refletidos no alto índice de absenteísmo, que, à época, girava em torno de 2,5 faltas por dia, sendo que 78% das ausências se deviam a motivos de saúde.2 Isso levava ao acúmulo de tarefas e ao excesso de horas-extras.
Verificou-se também que a empresa não tinha normas de funcionamento e treinamentos, ou seja, um padrão de trabalho previamente definido para os empregados. Eles se organizavam de acordo com suas vivências anteriores em outras empresas ou baseados no conhecimento prático que iam adquirindo com o cotidiano de trabalho. Essa ausência de prescrições e de um norteamento para a ação era nociva também para os gerentes. Por isso o diretor operacional, invadindo seus espaços, costumava atropelar suas decisões e anular sua autonomia, atendendo a demandas pontuais dos operadores, dando contraordens e dificultando o trabalho desses gerentes. Um coordenador relata: "Eles (diretores) querem comandar tudo, mas, ao mesmo tempo, eles não estão ali no dia a dia, não acompanham o problema que você tem com equipamento, com funcionários, com a cobrança das empresas aéreas".
Além da queixa de que "o que atrapalha a empresa é não saber separar os cargos que exercem: coordenadores, gerente, donos [...]", os entrevistados desejavam que a empresa lhes desse voz na elaboração das políticas internas de pessoal, na formalização de ações que, até então, não tinham uma organização clara e prévia. Isso gerava um sentimento de não reconhecimento, deixando-os insatisfeitos e com uma sensação de que eram incapazes.
Outra dificuldade apontada referia-se à jornada de trabalho e à forma como essa era definida pela Service. A escala das tarefas geralmente era confeccionada sem se considerarem as competências e disponibilidades individuais, dificultando a formação das equipes de trabalho nas quais as habilidades de uns e outros pudessem se complementar. Tais escalas afetavam também a vida privada dos operadores quanto ao horário e dia de trabalho, inclusive os roteiros de percurso casa-empresa: "Eles mudam o horário da gente sem perguntar antes; cada mês, eu tô num horário. [...] Por causa dos amigos de trabalho, a gente sabe como eles trabalham. Tem o horário do ônibus também que é muito ruim" (auxiliar operacional).
A dificuldade em formar um coletivo de trabalho, a insatisfação com as condições laborais e a falta de controle por parte dos coordenadores levavam a um desequilíbrio na execução das atividades. Osório et al. (2011, p. 195- 196) observam que, para a clínica da atividade, o coletivo de trabalho "contém a história e prepara a ação. O poder de agir refere-se à atividade individual e coletiva. É essa articulação que explica o desenvolvimento do poder de agir". Com efeito, esse coletivo viabiliza a revitalização do gênero de trabalho, ao possibilitar trocas de saberes entre os sujeitos e a elaboração de outros arranjos, com melhor qualidade. Ora, na Service, a ausência desse coletivo gerava o desregramento do serviço, perturbando cada sujeito, isolado ante as exigências e decisões a tomar. Isso trazia prejuízos para a empresa e para o trabalhador. Voltemos a Clot (2007, p. 44), para quem "a atividade individual não sabe por onde começar quando o sujeito não é capaz de emitir ao menos uma suposição ponderada sobre o gênero a que ele pertence". Na ótica da "função psicológica do trabalho", esse desarranjo organizacional, além de comprometer a qualidade do trabalho desenvolvido, deixa de dotá-lo de sentido para quem o executa.
A falta de reconhecimento dos superiores foi, também, amplamente citada pelos empregados como uma questão negativa da organização do trabalho. Clot (2007, 2010) baseia-se no gênero do trabalho para desenvolver o conceito de reconhecimento. O trabalhador, inserido em um coletivo de trabalho, faz uso das normas, regras, valores e história desse coletivo para se endereçar ao outro, no agir sobre o trabalho, ou seja, ele se reconhece no desempenho de seu trabalho, com base no gênero. Nesse sentido, para a clínica da atividade, o reconhecimento no trabalho vai além das relações interpessoais estabelecidas, tendo, pois, uma dimensão transpessoal. Ao mesmo tempo, ela considera a história do gênero que transpassa as criações, orienta e organiza a ação do trabalhador. Desse modo, o coletivo de trabalho se reflete no trabalhador que desempenha a atividade e nela se reconhece.
Caso o gênero esteja desvitalizado, "maltratado" (Clot, 2010, p. 287), impedido de se renovar ou inexistente, a mediação entre o trabalhador e seu ofício estará prejudicada, bem como a qualidade do trabalho desempenhado, de modo que "os trabalhadores deixam de se reconhecer naquilo que fazem" (Clot, 2010, p. 287).
Ao não se reconhecer em seu ofício, o trabalhador às vezes apela para as relações interpessoais (entre pares ou superiores), colocando as questões do ofício em segundo plano e priorizando suas demandas pessoais. Ora, isso reduz o coletivo profissional "a uma reunião de indivíduos expostos ao isolamento" (Clot, 2010, p. 288).
No caso da Service, o protesto do indivíduo pela falta de reconhecimento dos superiores reflete uma desvitalização ou inexistência do gênero profissional, o que dificulta a formação do coletivo de trabalho bem como limita o poder de ação sobre a atividade. Com efeito, reconhecer-se na atividade, ou seja, em algo fora de si e do outro, "é, sem dúvida, o meio de levar o mais longe possível as transformações da organização do trabalho" (Clot, 2010, p. 288).
Outra queixa, já citada acima, refere-se ao excesso de horas-extras, devido sobretudo a uma organização do trabalho incongruente com as reais necessidades dos serviços. Um operador de equipamento afirma: "Os encarregados mandam fazer hora-extra sem precisão, porque tem muitos à toa, e eles não veem isso, aí manda a gente ficar e fazer hora-extra sem necessidade. Gera prejuízo pra gente e pra empresa".
Em síntese, as principais questões levantadas nas entrevistas e nos grupos seriam: sobrecarga e ritmo acelerado de trabalho; absenteísmo; precariedade de materiais e equipamentos; falta de reconhecimento pelos superiores; falta de respeito aos operadores, da parte das lideranças, que também apadrinhavam alguns deles; escala de trabalho incompatível com a real necessidade da operação; excesso de hora-extra; ausência de regras e punições para empregados descomprometidos com o trabalho. Ajunte-se a isso a não consideração, pela direção, da autonomia e do saber prático dos trabalhadores, capazes de reorganizar as atividades e o trabalho em equipe, dirimindo as desavenças internas. Tal situação configuraria um ambiente de insegurança e, por isso mesmo, de sofrimento.
Estruturação do setor DHH
Foi durante o desenrolar da intervenção que a autora foi convidada a trabalhar, não mais como consultora, mas como empregada da empresa, a fim de estruturar o setor de Recursos Humanos (RH), ao lado da nova sócia-proprietária, que assumia sua parte na Service. A inserção ativa dessa sócia na direção da empresa seria um ponto de inflexão na gestão, com diretrizes inexistentes até aquele momento.
Uma atitude imediata que indicava os propósitos dessa diretora foi renomear o setor de Recursos Humanos para "Desenvolvimento de Habilidades Humanas" (DHH). Seu objetivo era contemplar as habilidades dos trabalhadores, propondo incentivar seu desenvolvimento pessoal e profissional.
As ações do DHH foram estruturadas com base nas demandas reais dos trabalhadores, levantadas em campo. Eles participaram ativamente, juntamente com essa diretora, de todo o novo projeto, cujas propostas mais relevantes foram as seguintes: descrição e definição de cargos; formalização do organograma da empresa; estruturação do processo seletivo para os postos de trabalho; estruturação do setor de treinamentos; acompanhamento de empregados afastados ou readaptados pelo INSS; desenvolvimento dos coordenadores.
Ao mesmo tempo, os trabalhadores apontaram as possíveis fragilidades do DHH. A principal delas referia-se à mudança na estrutura de poder na direção da empresa, pois a nova diretora, agora assessorada por uma psicóloga do trabalho, propunha um modelo de gestão anteriormente impensado. Isso poderia ameaçar a hegemonia dos diretores financeiro e operacional, que não partilhavam as novas propostas do DHH. Tal suspeita trazia um sentimento de ameaça aos empregados, ainda mais que alguns deles, por razões pessoais ou do próprio andamento dos serviços, deveriam se posicionar ora do lado da nova sócia, ora do lado dos dois diretores.
De todo modo, a implantação desse setor foi recebida positivamente pelos trabalhadores. Além de participar das discussões, eles se sentiram valorizados em seu saber-fazer e mais seguros no desempenho das atividades, vislumbrando melhorias na qualidade dos serviços e mesmo uma suposta garantia de seu futuro profissional, junto com o futuro da empresa. Evidentemente, tal expectativa positiva era experimentada com certas reticências por uma parte dos trabalhadores da empresa.
Desenvolvimento dos coordenadores
Com base no diagnóstico da situação, envolvendo a observação de campo, as entrevistas, as discussões em grupo e a estruturação participada do DHH, a Service, oficialmente em nome dos três diretores, embora a iniciativa tenha partido da diretora do DHH, optou pela continuidade dos trabalhos da Psicologia, agora já focado no desenvolvimento profissional das lideranças e na estruturação da ação dos coordenadores.
Para os diretores, as dificuldades com os trabalhadores operacionais e a perda de mercado pela empresa eram consequência das ações não padronizadas dos coordenadores de turno. A primeira responsabilidade atribuída ao setor DHH foi a criação de documentos formais que contemplassem, como falado acima, a formulação do organograma, a descrição das funções e cargos, a execução das tarefas, o que equivaleria, em termos gerais, ao prescrito da organização e do trabalho.
Lembremos, com Chanlat (1996), que a prescrição, atribuída pela ergonomia à tarefa, aplica-se também ao desenho formal da gestão, ao seu planejamento. Mas a "gestão prescrita" é sempre transgredida pela "gestão real": "Todos os modos de gestão possuem dois componentes: um componente abstrato, prescrito, formal e estático, o que eu chamo de modo de gestão prescrito, e um componente concreto, real, informal e dinâmico [...]" (Chanlat, 1996, p. 119) (grifo dos autores).
Ressalte-se ainda que, se a prescrição, embora sempre transformada pela atividade (ou trabalho real) é uma forma de controle do trabalho, ela tem sua função, pois prepara o trabalhador para a realização das tarefas e norteia seus procedimentos: "Sem lei comum para dar-lhes um corpo vivo, o trabalho deixa cada um de nós diante de si mesmo" (Clot, 2007, p. 18).
Para essa nova etapa, levaram-se em conta as informações já colhidas anteriormente. Verificou-se que aproximadamente 30% dos coordenadores queixavam-se da falta de comunicação entre os turnos e equipes de trabalho; 42% relatavam dificuldades em liderar suas equipes, pois lhes faltava autonomia, não delegada pelo diretor operacional, levando os subordinados a não os respeitar como líderes.
Por sua vez, os operadores se queixavam dos coordenadores: estes também não os respeitavam, favorecendo a uns e prejudicando outros; misturavam suas funções com as dos operadores; não tomavam decisões necessárias nem respondiam por seus atos; desestimulavam o trabalho em equipe, olhando apenas para sua própria promoção, entre outros pontos.
Estava aberta, pois, a possibilidade de intervir no desenvolvimento do coletivo de trabalho dos coordenadores, possibilitando a troca de experiências e de apoio mútuo entre eles, além de ampliar sua autonomia na tomada de decisões. Isso também traria aos subordinados maior confiança, entre si e com a liderança.
Foram, então, realizados quatro encontros de grupo que contou com nove coordenadores e o gerente, além da diretora do DHH, que foi intermediadora entre os trabalhadores e os diretores operacional e financeiro. Ali se produziram, coletivamente, os documentos que normatizaram a ação desses líderes no cotidiano de trabalho. Esses documentos orientariam a qualidade da atividade que os operadores desenvolviam, além da melhoria da comunicação entre as equipes. O que se observava era o desenvolvimento processual dos serviços, em vez de decisões súbitas e arbitrárias que geravam insegurança no grupo.
Os impasses na implantação das normas
Os desdobramentos ocorridos após o planejamento do DHH, com a participação dos coordenadores, compreenderam um misto de avanços e de hesitações. Apesar da melhoria do clima de trabalho, houve dificuldades internas relativas à observância das normas criadas. Uma delas, aliás, já parecia contradizer um desejo de confiança e cooperação entre líderes e operadores: ela propunha punições aos operadores que não cumprissem as novas normas. No caso, faltou a esses coordenadores, apegados à ótica disciplinar e punitiva, uma reflexão crítica acerca do alcance de tal medida. Por exemplo, não seria a própria organização do trabalho que provocaria tais "insubordinações"? E mais: algumas normas não impediriam a expressão do saber e das competências dos operadores? Em outras palavras, as supostas insubordinações não seriam uma ampliação do seu poder de agir, negligenciado pelos coordenadores? Ou uma reação a questões práticas, como a falta de efetivos, o absenteísmo, o excesso de horas-extras, a falha na comunicação operacional, entre outras?
Além disso, dois coordenadores costumavam recorrer ao diretor operacional, solicitando dele uma contraordem que os liberasse de cumprir o que fora acordado pelo grupo. Sem analisarmos as razões de tal atitude (oportunismo ou insegurança, por exemplo), vemos que esses líderes tinham clareza das divergências entre a diretora do DHH e os outros dois diretores. Vemos, assim, que os conflitos de poder na direção da organização favorecem condutas que quebram até mesmo o "contrato informal", deliberado pelos trabalhadores. Tais conflitos evidenciam ainda, no interior da Service, a existência de "classes institucionais". Essa noção, proposta por Mendel (1974), encaixa-se na "hipótese de que se transpõe para a instituição a luta de classes que Marx liga às relações de produção" (BarusMichel, 2004, p. 44). Em outras palavras, a classe institucional designa o
pertencimento de cada trabalhador a uma categoria ou classe, definida pelo seu lugar no processo de produção [...] quanto menor for o poder formal de uma classe, mais a instituição acredita poder infantilizá-la, tentando ocultar a dimensão política dos conflitos e reduzi-los a puras questões psicológicas. Isso nada mais seria, para Mendel, que uma regressão do político ao psíquico ou ao psicofamiliar (Rabello & Araújo, 2010, p. 92).
Situação atual: entre retrocessos e resistências
Em 2013, o setor DHH foi extinto na Service, devido às citadas divergências entre sua diretora e os dois outros sócios, relativas à inclusão dos trabalhadores nos processos decisórios. Como relatado acima, em 2014, já desligada da Service, a autora voltou a campo, por causa da pesquisa da dissertação, realizando entrevistas, fora da empresa, com três coordenadores e um gerente.
Os dados dessas entrevistas mostram que, atualmente, há uma tentativa dos diretores financeiro e operacional em retomar a gestão dos serviços nos moldes tradicionais e cercear o poder de agir dos empregados. No entanto as propostas anteriormente elaboradas entre os trabalhadores e o DHH deixaram sua marca, como forças instituintes mobilizadas pelo coletivo de trabalho:
Claro, porque antes de vocês [a autora e a diretora do DHH] chegarem, a gente tinha uma visão deles [os diretores] do jeito deles, as coisas estavam aqui do meu lado, mas eu não conseguia ver, eu era direcionado. Eu tenho esse olhar ampliado hoje, mas eles [os diretores] não mudaram (gerente).
"Eu sou o mesmo, mas com uma situação: eu vejo, sei que poderia ser diferente, mas infelizmente não posso agir" (coordenador). Para esses entrevistados, na situação atual, os dois diretores, mesmo reconhecendo os avanços alcançados pela proposta anterior do DHH, tendem a negá-los ao reimplantar os antigos modos de gestão. E mesmo cientes da melhoria da capacidade dos empregados, tendem a culpá-los pela queda atual na qualidade dos serviços. Enriquez (1997) analisa situações como essa, afirmando que, nas organizações, também intervêm as instâncias pulsionais do lado da pulsão de morte, que tendem "à homogeneização e à inércia, impedindo as pessoas de saírem do fechamento e de aparecerem como gente" (Enriquez, 1997, p. 126).
Enquanto isso, os trabalhadores revivem insatisfações semelhantes àquelas de 2010: falta de reconhecimento por parte da diretoria, solidão no desenvolvimento da atividade, insegurança diante do exercício da inventividade, do poder informal e dos micropoderes, que garantem a qualidade dos serviços. Há também maior retorno de cobranças e pressão sobre líderes e operadores. Isso limita o seu poder de agir, paralisa o desenvolvimento profissional e anula a função psicológica do trabalho, o que pode ser traduzido como fonte de sofrimento (ansiedade, medo, stress).
Apesar disso, os entrevistados reconhecem a permanência de um protagonismo, um empoderamento coletivo e maior entendimento no seio de um trabalho coletivo, cooperativo, havendo mais facilidade no desempenho das tarefas e respeito entre os colegas. As discussões em grupo, organizadas pelo DHH, ainda hoje são vistas como essenciais para a preservação da saúde mental, embora limitadas atualmente, pois os diretores não querem levar em conta nem o "poder de dizer" nem o "poder de fazer" (Ricoeur, 1992) dos trabalhadores.
Considerações finais
Ao longo da intervenção realizada, questões pessoais e políticas envolvendo os diretores da empresa dificultaram o trabalho planejado em conjunto pelo DHH e os trabalhadores, inviabilizando a inclusão efetiva destes na participação dos processos de trabalho. Em seus depoimentos, os entrevistados retornaram à rivalidade entre a diretora do DHH e os diretores financeiro e operacional, cuja resistência às decisões tomadas coletivamente era notória. Isso gerou também um conflito de lealdade entre os trabalhadores, quanto às orientações divergentes a seguir.
Perguntamo-nos, nesta análise a posteriori da intervenção, até que ponto os procedimentos adotados para o diagnóstico da situação (observação das situações de trabalho, entrevistas e grupos de discussões) foram suficientes para acessar o real da atividade (Clot, 2007) ou, em outras palavras, questionamos se tais métodos permitiram identificar todas as possibilidades de ação do indivíduo sobre seu trabalho, considerando inclusive aquilo que o trabalhador gostaria de fazer para realizar seu trabalho, o que poderia ter sido feito, as atividades preteridas e contrariadas, que vão além da atividade prescrita e real, de modo a viabilizar as etapas seguintes da intervenção. Ou até que ponto o trabalho conjunto entre o DHH e os empregados foi suficiente para desencadear o desenvolvimento da cooperação efetiva entre estes, no sentido de desenvolver e, ou, revitalizar o gênero profissional e ampliar o poder de agir, nos processos e na reorganização das atividades, na Service. O exemplo dos coordenadores que estabeleceram normas disciplinares e critérios de punição aos operadores evidencia a ausência de uma solidariedade básica entre eles, equivalente à não consolidação do "coletivo de trabalho", da instância que "contém a história e prepara a ação" (Osório et al., 2011, p. 195).
De todo modo, tanto durante o processo da intervenção quanto em sua avaliação posterior, pelas quatro entrevistas realizadas em 2014, pode-se afirmar que a presença da psicóloga possibilitou o desenvolvimento, embora tímido, da autonomia e da criatividade dos trabalhadores, mesmo após a extinção do setor DHH e do desligamento de sua diretora, quando a postura autoritária dos dois diretores voltou a imperar, até mesmo apropriando-se dos resultados positivos da intervenção. Em outras palavras, as entrevistas posteriores testemunham que a criação do DHH deixou um saldo positivo, no sentido da ampliação da resistência e da consciência dos trabalhadores, relativamente às possibilidades e, claro, aos limites de seu poder de agir. Em síntese, a atual situação de trabalho é vista como preferível àquela anterior à intervenção.
Tais considerações mostram que as relações entre trabalhadores e empresa trilham uma tensão dialética, na qual as relações de força alternam momentos mais ou menos expressivos. O caso aqui discutido deixa abertas as possibilidades de transformação e seus impasses, no que tange aos interesses dos trabalhadores e da organização. Com efeito, ao contrário do que subjaz aos modelos autoritários de gestão, o desenvolvimento da autonomia, da saúde e da criatividade dos trabalhadores, pode contribuir enormemente para os interesses da empresa.
Um dos objetivos da intervenção aqui discutida foi possibilitar o protagonismo dos trabalhadores, relacionado tanto ao seu poder de agir sobre a própria atividade quanto sobre os dispositivos organizacionais ligados às condições e à organização do trabalho. Aqui reencontramos as noções de ato-poder e de apropriação em Mendel (2005). Estas remetem, no fim de contas, a um aspecto central da superação da alienação do trabalho, no sentido marxiano do termo:
Até aqui, consideramos a alienação, a exteriorização do trabalhador, só segundo um dos seus aspectos, a saber, a sua relação com os produtos do seu trabalho. Porém a alienação não se mostra apenas no resultado, mas no ato da produção, dentro da atividade produtiva mesma. Como o trabalhador poderia se defrontar, alheio, ao produto da sua atividade, se no ato mesmo da produção ele não se alienasse de si mesmo? (Marx, 1983, p. 152, grifos do autor).
Entendemos, finalmente, que esse "poder de agir" não remete apenas à atividade em si, mas também aos dispositivos organizacionais, responsáveis pela definição dos processos, das condições e da organização do trabalho. Nesse sentido, podemos nos referir tanto ao sujeito da atividade, em sua dimensão ergonômica, quanto ao sujeito político, inseparável, a nosso ver, do sujeito psíquico. E é nessa conjunção que ocorreriam os fenômenos que os teóricos do trabalho ora chamam de processos de subjetivação, ora de construção da identidade, solo este no qual se pode situar a preservação ou o florescimento de saúde mental no trabalho. Resta-nos, finalmente, a esperança de que a intervenção aqui discutida possa contribuir para novas alternativas de atuação do psicólogo nas organizações do trabalho.
Referências
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Texto submetido em junho de 2015 e aceito em fevereiro de 2016.
*Mestra em Psicologia pela PUC Minas, especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho, psicóloga graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Endereço: Alameda dos Cardeais, 235 – Cabral, Contagem-MG, Brasil. E-mail: marciapsi09@yahoo.com.br.
**Doutor em Psicologia Social e Clínica pela Universidade de Paris 7, mestre em Filosofia pela UFMG, psicólogo, professor da PUC Minas, pesquisador do CNPq. Endereço: Avenida Itaú, 525 - Bairro Dom Cabral, Belo Horizonte-MG, Brasil. CEP: 30535-012. E-mail: jinga@uol.com.br.
1 Este artigo é derivado da dissertação de mestrado intitulada: "Intervenção organizacional e Psicologia do trabalho: um estudo de caso numa empresa do ramo da aviação" (Soares, 2014), sendo José Newton Garcia de Araújo o orientador.
2 Dados estatísticos elaborados pela autora em maio/2010.