SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número1PERSONALIDADE: O PANORAMA NACIONAL SOB O FOCO DAS DEFINIÇÕES INTERNACIONAISIMIGRAÇÃO E DINÂMICA FAMILIAR: UMA REVISÃO TEÓRICA índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.23 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2017

https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2017v23n1p147-159 


ARTIGOS

 

 

NEURÔNIOS-ESPELHO COMO POSSÍVEL BASE NEUROLÓGICA DAS HABILIDADES SOCIAIS

 

MIRROR NEURONS AS A POSSIBLE NEUROLOGICAL BASIS OF SOCIAL SKILLS

 

NEURONA ESPEJO COMO UNA POSIBLE BASE NEUROLÓGICA DE LAS HABILIDADES SOCIALES

 

 

Vinicius Renato Thomé Ferreira*; William Weber Cecconello**; Mariana Rodrigues Machado***

 

 


Resumo

Os neurônios-espelho (NE), descobertos ao final da década de 1990, foram relacionados com o controle de ações fundamentais no repertório motor, como o manejo de comida e objetos e a comunicação por meio de expressões faciais. Posteriormente também se supôs que tivessem relação com comportamentos mais complexos, tais como a compreensão da intencionalidade do ato alheio. As habilidades sociais (HS) são comportamentos aprendidos em contato com o meio e que procuram adaptar o indivíduo a seu ambiente. Assim, é possível que haja relação entre o funcionamento dos NE e das HS. Este artigo visa a apresentar os conceitos de HS e NE, sugerindo uma relação entre ambos, podendo se constituir numa das bases biológicas do comportamento humano.

Palavras-chave: Neurônios-espelho. Habilidades sociais. Neuropsicologia. Neurociência.


Abstract

Mirror Neurons (MN) were discovered at the end of the 1990’s and then related to primary motor actions control, such as handling food and objects, and the communication through facial expressions. Later it was supposed that they had relationship with more complex behaviors, such as understanding the intentionality of the act oblivious. Social skills (SK) are learnt behavior in contact with the environment and the individual seeking to adapt to its environment; thus, it is possible that there is a relationships between the operation of the MN and SK. This article aims to introduce the concepts of MN and SK, suggesting a relationship between them, can become one of the biological bases of human behavior.

Keywords: Mirror neurons. Social skills. Neuroscience. Neuropsychology.


Resumen

Las neuronas-espejo (NE), descubiertas a finales de la década de 1990, estaban relacionadas con el control de las, como manipulación de alimentos y objetos, y la comunicación a través de las expresiones faciales. Posteriormente también se supuso que tenían relaciones con los comportamientos más complejos, como la comprensión de la intencionalidad del acto ajeno. Las habilidades sociales (HS) son los comportamiento aprendidos por el individuo en contacto con el medio ambiente y que buscan adaptar el individuo a su entorno. Por lo tanto, es posible que haya relación entre el funcionamiento de las NE y de las HS. En este artículo se pretende introducir los conceptos de la NE y HS, sugiriendo una relación entre ellos, pudiendo constituirse en una de las bases biológicas de la conducta humana.

Palabras clave: Neuronas espejo. Habilidades sociales. Neuropsicología. Neurociencia.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Habilidades de relacionamento interpessoal são essenciais para o convívio humano, pois a vida em sociedade é uma das características da nossa espécie (Wilson, 2012). A adequada compreensão dos mecanismos de interação social é objeto central das Ciências Humanas, mas a Neurociência também lança olhares sobre esse tema. Neurocientistas estão preocupados, como psicólogos, sociólogos e antropólogos, com a compreensão das bases biológicas do relacionamento humano e da empatia.

Os grandes avanços da Neurociência que ocorreram a partir da década de 1990, denominada "década do cérebro", responderam a vários enigmas e propuseram outros, revelando a complexidade da relação cérebro e comportamento. Esses conhecimentos esclareceram o funcionamento de funções básicas do cérebro (como a percepção, a atenção e a memória) e, recentemente, possibilitaram a compreensão de interações sociais mais complexas, como o processo de aprendizagem pela imitação, os mecanismos que levam à confiança, e a empatia (Frith & Frith, 2012). A descoberta dos neurônios-espelho (NE) em macacos e, posteriormente, em seres humanos é uma possibilidade para a compreensão das bases biológicas de nossas habilidades de relacionamento interpessoal (Fogassi & Rizolatti, 2013). Tem sido apontado que esse agrupamento de neurônios está intimamente relacionado com o comportamento de imitação e há cada vez mais evidências de que esteja também relacionado com fenômenos afetivos complexos, como a empatia (Corradini & Antonietti, 2013). O objetivo deste artigo é discutir uma possível relação entre as habilidades sociais (HS) e os NE, buscando compreender alguns elementos da base biológica do relacionamento social, considerando pesquisas recentes nas áreas da Psicologia e Neurociências.

2. HABILIDADES SOCIAIS

As HS são comportamentos que expressam sentimentos, atitudes, opiniões ou direitos de modo eficiente (Caballo, 2003). São respostas aprendidas que compõem o modo de o indivíduo agir, possibilitando lidar adequadamente em diferentes grupos, situações e relacionando-se com a qualidade de vida do sujeito (Caballo & Irurtia, 2008; Olaz, 2009). As HS têm grande relevância na vida cotidiana, pois constituem um conjunto de comportamentos de interação de um indivíduo expressos de forma adequada e adaptada à situação, contribuindo para a resolução de problemas imediatos e minimizar os futuros (Soares & Del Prette, 2015).

As HS englobam diversos comportamentos que possibilitam uma relação interpessoal bem-sucedida, como comportamentos de pedir ajuda, iniciar e finalizar conversas, defender-se, fazer perguntas e pedidos, expressar agrado e desagrado, lidar com críticas e elogios, pedir mudança no comportamento do outro (Caballo, 2003). Também fazem parte do repertório de HS a expressão facial, a postura, a verbalização, o contato visual, gestos e a aparência física. Assim, comportar-se de maneira assertiva, isto é, com HS funcionais, facilita a solução de problemas interpessoais, aumenta a autoeficácia e a autoestima, e melhora a qualidade dos relacionamentos interpessoais (Caballo & Irurtia, 2008; Del Prette & Del Prette, 2011; Wagner, Oliveira, & Caballo, 2011 ).

Uma das influências no desenvolvimento das HS é a relação do indivíduo com o meio imediato onde vive. Essas interações desenvolvem a capacidade de perceber e decodificar os estímulos sociais do ambiente por meio do processamento cognitivo, sendo as HS diferentes de acordo com a cultura onde o indivíduo está inserido (Del Prette et al., 2004). A criança aprende comportamentos sociais por via da observação e imitação social, interagindo com seus cuidadores, assim como com outras pessoas (Del Prette & Del Prette, 2011). Assim, a constituição de respostas funcionais torna-se o resultado de processos que começariam com uma recepção correta de estímulos interpessoais relevantes que são interpretados (discriminação de estímulos) (Del Prette & Del Prette, 2011). Pelo processamento dessas informações, com base em comportamentos apreendidos previamente, são criadas prováveis opções de respostas (Frith & Frith, 2012). Por fim, essa cadeia terminaria com a emissão do comportamento apropriado, ajustado em relação a objetivos sociais, conhecido como modelação social (Del Prette & Del Prette, 2011).

A modelação social consiste no processo de observar e imitar ações de outros indivíduos que abrange mais do que a mimetização perfeita, pois o indivíduo extrai ideias gerais, indo além do que é observado ou escutado. Quando indivíduos apreendem o princípio condutor dado pela modelação social, podem usá-lo para produzir novas versões do comportamento (Bandura, 2008; Davidoff, 2010). Adultos tendem a modelar o comportamento com base nas respostas emitidas por outros e que são consideradas funcionais (e.g.: mentores, colegas de trabalho). Portanto a observação e a imitação são relevantes porque o sujeito agrega novas respostas ao seu repertório social.

As HS podem ser consideradas uma forma aprendida de respostas que compõem o modo de o indivíduo agir, possibilitando lidar, de forma adequada, nos contextos em que está inserido. Porém as teorias psicológicas sobre o comportamento social usualmente não englobam componentes neuropsicológicos envolvidos nestes processos. Nesse sentido, avanços da Neurociência são valiosos para uma compreensão mais ampla e integrada do comportamento social.

3. NEURÔNIOS-ESPELHO E O COMPORTAMENTO IMITATIVO

As Neurociências podem ser definidas como um conjunto de disciplinas que estudam o sistema nervoso, buscando compreender as bases cerebrais da mente pela convergência da neuroanatomia, neurobiologia e da neurofisiologia para decifrar como o cérebro controla o comportamento (Cosenza, Fuentes, & Malloy-Diniz, 2008; Guerra, 2008; Herculano-Houzel, 2008; Lage, Benda, Ugrinowitsch, & Christie, 2008). Entre as descobertas recentes das Neurociências está a dos NE. Esse agrupamento de neurônios foi descoberto no fim da década de 1990 pela equipe de neurocientistas liderada por Giacomo Rizzolatti, Leonardo Fogassi e Vittorio Gallese. Durante um experimento em macacos da espécie Rhesus, foram encontrados neurônios que se tornavam ativos tanto nas ações motoras feitas pelo próprio indivíduo quanto nas ações executadas pelo experimentador na área cortical F5 (área do córtex pré-motor, associada ao controle dos movimentos de mãos e boca), e por isso foram chamados de espelho. Posteriormente, os NE também foram identificados em humanos, localizado em largas porções do córtex pré-motor, lóbulo parietal rostral inferior e lobo frontal, tendo sua função correspondente à do cérebro de primatas não humanos (Casile, Caggiano, & Ferrari, 2011; Diamond & Amso, 2008; Fogassi & Rizzolatti, 2013; Gallese, Gernsbacher, Heyes, Hickok, & Iacoboni, 2011).

Demonstrou-se que os NE estão ligados ao controle de ações fundamentais no repertório motor em humanos, como o manejo de comida e objetos e a comunicação por expressões faciais (Van der Gaag, Minderaa, & Keysers, 2007). Os NE também se mostram ativados quando o indivíduo está simplesmente observando a execução de uma ação, mesmo quando esta é parcialmente ocultada, ou seja, com base em uma interpretação do contexto, os NE permitem diferentes significações a um mesmo ato motor observado (Iacoboni, 2009; Gallese et al., 2011). A observação de ações ativa os NE nos casos em que a ação é passível de execução, quer por habilidade do indivíduo, quer por possibilidade espacial.

A ativação dos NE ocorre pela observação de movimentos feitos por outro indivíduo para com determinado objeto, mas não é qualquer movimentação feita por outro que dispara NE: é necessário que haja uma intencionalidade, um significado. Os movimentos fazem sentido para o observador graças ao repertório de atos motores que regulam sua própria capacidade de executar uma ação, e a interpretação desses eventos motores como atos intencionais (Gallese et al., 2011; Rizzolatti & Sinigaglia, 2008).

Os NE indicam que o entendimento das ações dos outros está relacionado ao disparo de certos neurônios, e esse fenômeno abre a possibilidade de sugerir que os NE podem ter um papel na interpretação da ação alheia (Keysers & Gazzola, 2009). O repertório de comportamentos que o próprio indivíduo possui, somado ao conhecimento do contexto em que o comportamento é realizado, possibilita o entendimento das intenções e reações dos comportamentos performados por outros indivíduos (Centelles, Assaiante, Nazarian, Anton, & Schmitz, 2011). A existência de um padrão neuronal de ativação sugere que, para entender a ação dos outros, o observador deve ter uma capacidade interpretar não apenas os atos motores, mas também o encadeamento lógico desses atos motores em ações mais complexas (Caminha, Almeida, & Scherer, 2011). Portanto é possível que os NE estejam relacionados com os processos de aprendizagem pela imitação, no sentido em que seriam participantes no processo de compreender e predizer o comportamento de outros.

4. AS HABILIDADES SOCIAIS E OS NEURÔNIOS-ESPELHO: A INTENCIONALIDADE DO COMPORTAMENTO

Ter boas habilidades sociais implica em compreender a intencionalidade do comportamento alheio para, então, selecionar qual comportamento se adota como consequência. Tem sido sugerida que essa capacidade de a pessoa perceber e compreender a intencionalidade está relacionada ao funcionamento dos NE, visto que estes capturam a dimensão intencional das ações, comuns aos agentes e aos observadores. Dessa forma, os NE forneceriam uma das bases biológicas para o comportamento social ao permitir a compreensão da intencionalidade do comportamento do outro (Casile et al., 2011; Centelles et al., 2011; Fogassi & Rizzolatti, 2013; Gallese et al., 2011; Glenberg, 2011; Rizzolatti & Sinigaglia, 2008; Spolsky, 2010; Shkurko, 2012).

As interações sociais requerem a habilidade de interpretar corretamente ações de indivíduos da mesma espécie, algumas vezes se baseando apenas em análises de ações sutis da linguagem corporal. Atos humanos de observação que envolvem imitação e intenção têm uma importância nos processos de cognição social, intersubjetividade social, empatia, na consolidação da teoria da mente e até no contágio de comportamentos como o bocejo e o riso (Caminha et al., 2011; Centelles et al., 2011; Rodrigues & Silva, 2012). Durante o processo de desenvolvimento, a modelação social dos comportamentos da criança vai permitir que tenha no futuro um comportamento ajustado ao meio. NE em humanos podem agir como interface para esse aprendizado, visto que respondem a ações executadas e observadas. Nesse processo, há inúmeros estímulos no ambiente, onde a atenção deverá focar nos estímulos relevantes e retirar atenção dos irrelevantes, priorizando a interpretação de ações congruentes com o contexto. Tal processo parece ser crucial para a interação social, pois pode emular comportamentos (ações) e seus significados (empatia) (Tia, Saimpont, Paizis, Mourey, Fadiga, & Pozzo, 2011; Shamay-Tsoory, 2011; Manera, Cavallo, Chiavarino, Schouten, Verfaillie, & Becchio 2012; Pfister, Dignath, Hommel, & Kunde, 2013).

Embora os NE estejam associados à capacidade de imitar o comportamento, a complexidade do ambiente humano faz com que a simples imitação não seja um repertório comportamental suficiente. Embora existam neurônios capazes de identificar e predispor à imitação do comportamento, o que ocorre com o ser humano é uma emulação, ou seja, o comportamento é identificado, compreende-se o seu sentido e, a partir disso, a pessoa dá a "sua versão". Emular o comportamento não significa reproduzir, mas sim interpretar e responder de forma que o emissor inicial do comportamento também compreenda o que está sendo transmitido (Rizzolatti & Sinigaglia, 2008; Gallese et al., 2011).

No processo de interação entre indivíduos, ocorreriam reajustamentos recíprocos de acordo com as intenções percebidas. Os NE codificam a informação sensorial em termos motores, permitindo uma reciprocidade com atos e intenções por meio da habilidade de um indivíduo entender atos dos outros, criando um ato motor em potencial. Esses reajustamentos mútuos seriam importantes na interação social e na comunicação (Rizzolatti & Sinigaglia, 2008; Iacoboni, 2009; Sousa, Leal, & Sena, 2010; Centelles et al., 2011; Racsmány, Keresztes, Pajkossy, & Demeter, 2012; Mirabella, Iaconelli, Spadacenta, Federico, & Gallese, 2012). Os comportamentos identificados também provocam emoções, e estas geram comportamentos que são reconhecidas pelos outros. Ao perceber a emoção no outro indivíduo, a pessoa sente uma emoção que, por sua vez, cria reações fisiológicas internas, fornecendo ao cérebro elementos para efetuar uma resposta comportamental. As percepções dos atos motores pelos NE e o reconhecimento das reações emocionais dos outros aparentemente são integradas, o que permite ao cérebro interpretar a intenção alheia, tendo, então, condições de selecionar o comportamento para emitir.

A emoção, representada principalmente pela expressão facial, cuja configuração é comum a todos os seres humanos, pode ativar os neurônios-espelho do córtex pré-motor. Esses neurônios levariam uma "cópia" do seu padrão de ativação à área somatossensorial e à ínsula, ativando-as, analogamente com o que ocorre quando o observador espontaneamente expressa uma emoção. Essa poderia ser uma raiz biológica do entendimento das reações emocionais dos outros, ou seja, da empatia (Rizzolatti & Sinigaglia, 2008; Mendes, Cardoso, & Sacomori, 2008; Lindenberger, 2010; Caminha et al., 2011; Ekman, 2011; Rodrigues & Silva, 2012). Nesse processo, a cultura pode ter um fator relevante, visto que o processo de codificação de expressões faciais observadas pode diferir (e.g.: foco maior na região dos olhos apenas), levando a um entendimento diferente dessas expressões (Gendron, Roberson, Van der Vyver, & Barrett, 2014; Jack, Blais, Scheepers, Schyns, & Caldara, 2009) e, consequentemente, a uma variação na emulação destas. Assim, são necessários estudos que avaliem o papel dos NE na interpretação de emoções em diferentes culturas.

No desenvolvimento das HS, a valência afetiva atribuída ao comportamento do outro acaba por definir alguns padrões do processamento cognitivo. Essa valência é atribuída pela observação do comportamento alheio, que pode passar pelo crivo dos NE, pois a identificação dessa intencionalidade do ato é processada por esse grupo de neurônios. Do ponto de vista do desenvolvimento da pessoa, as crianças elegem como modelos pessoas cujos vínculos afetivos são mais estreitos. Crianças que têm boas HS tendem a ser mais efetivas em assumir o ponto de vista de outra pessoa e em distinguir emoções reais e dissimuladas, além de apresentar maior habilidade em linguagem e em reconhecer crenças falsas (Papalia, Olds, & Feldman, 2010; Caminha et al., 2011). A ativação de neurônios-espelho não é o único mecanismo biológico que o cérebro tem para entender as intenções inerentes nas ações dos outros, entretanto permitem um entendimento do comportamento do outro a partir da emulação do comportamento. Os NE representam parte do processo de empatia, podendo ser vistos como uma espécie de indicador biológico da competência social do indivíduo (Iacoboni, 2009; Casile’ et al., 2011; Fogassi & Rizzolatti, 2013).

5. CRÍTICAS À TEORIA DOS NE

É prudente compartilhar com as reservas de Dinstein, Thomas, Behrmann, e Heeger (2008), que apontam que há também muita especulação sobre os NE, a qual inclui sua relação com imitação complexa, empatia, teoria da mente e a linguagem. Embora seja estimulante pensar nas relações entre os NE e o comportamento humano, que é resultado de diversos fatores como cultura, emoção e cognição, os estudos citados neste artigo não permitem atribuir uma relação direta e final entre o funcionamento dos NE e estas habilidades, visto que não foram ainda estudadas diretamente.

É importante também frisar que os movimentos estudados pelas pesquisas com animais são relativamente simples, tais como levantar braços e pegar objetos, o que está bastante aquém do repertório complexo do comportamento humano. A quantidade de neurônios ativada em cada observação também parece ser pequena, e é necessário ter mais estudos que confirmem que eles são ativados somente nas condições de identificação do comportamento, não na simples atividade de reconhecimento visual. Inativações transitórias, pelo uso de fármacos ou por outras estratégias, podem ser úteis para a compreensão do papel real desses neurônios sobre o comportamento, possibilitando evidências de dupla dissociação (e.g.: identificar relação entre o repertório de HS e ativação de NE para os comportamentos observados) (Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2006).

Além disso, é importante apontar também problemas metodológicos com o estudo dos NE, tais como a relativamente baixa resolução dos voxels estudados (unidades tridimensionais utilizadas nos estudos de imageamento cerebral). Baixas resoluções podem dificultar a correta identificação das subpopulações de NE, eventualmente identificando neurônios que não sejam desse grupo. Ainda, alguns estudos têm demonstrado, pelo menos, cinco áreas ativadas na observação e realização de movimentos, sendo todas candidatas a NE pelos critérios usuais de definição (Dinstein et al., 2008). Reduzir o grau de influência desses fatores é fundamental para o estabelecimento de uma base confiável de conhecimento da relação entre NE e HS.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da inegável contribuição da Neurociência para a compreensão do comportamento humano, ainda há de se estabelecer muito mais pontes entre a neurologia e a Psicologia, para que os profissionais de ambas as áreas tenham uma base confiável de conhecimento sobre o comportamento humano. As descobertas da Neurociência geralmente acabam por ser aplicadas mais no desenvolvimento de tratamentos farmacológicos para doenças neurológicas. Raramente são usadas no sentido de garantir, de forma mais direta, o bem-estar da sociedade como um todo (Iacoboni, 2009). Por isso, acredita-se que um entendimento de como funcionam os NE e a importância destes para as HS do indivíduo pode vir a gerar contribuições nesse sentido.

Os NE ativam áreas responsáveis pelos atos e emoções que se observam por comportamentos. Quando em ação, parecem reproduzir internamente esses padrões de ativação neuronal no observador, resultando possivelmente numa emulação do comportamento, um entendimento da intenção e, consequentemente, a possibilidade de gerar empatia para com o outro. Durante o diálogo entre duas pessoas, devido ao fato de ambas terem NE, ocorreria uma imitação recíproca facilitada, estando na base das relações sociais e da empatia. Assim, pode-se pensar que um entendimento sobre a função dos NE tenha relevância no entendimento de como ações de outros podem afetar nossas próprias ações e cognições, mesmo quando estas não são reproduzidas, mas pensadas.

Assumindo que o comportamento humano é multideterminado, sofrendo influências como da ocitocina para a empatia, dos processos cognitivos como atenção bem como da teoria da mente nas HS, é possível que os NE possam vir a suprir uma lacuna da Neurociência a respeito do conceito de modelação e aprendizagem social. Os NE são essenciais no entendimento das intenções de outras pessoas, quanto na empatia que se sente por estas, o que deixa clara sua influência para as HS. Mas, para além dessas reflexões, é fundamental continuar a busca por evidências mais sólidas que relacionem o funcionamento desse grupo de neurônios com a capacidade de imitação para comportamentos mais complexos que envolvam a emoção e a adaptação social em diferentes culturas.

Estudar o cérebro é desafiante, assim como é tentadora a busca por "sedes", como já foi feito com a frenologia, no século XIX. Mesmo que os conhecimentos atuais da Neurociência situem regiões específicas do cérebro como principais responsáveis por determinadas habilidades, a cautela é necessária antes da afirmação, especialmente quando se trata de comportamentos complexos. O objetivo deste texto foi propor questionamentos e sugerir ligações entre os NE e HS, e estimular que pesquisadores possam investigar se essas pontes realmente existem, visando a ampliar o leque de benefícios oriundos de achados na Neurociência, ao passo que contribui na produção da Psicologia como ciência que busca validar suas teorias com base em evidências.

REFERÊNCIAS

Bandura, A. (2008). A evolução da teoria social cognitiva. In A. Bandura, R. G. Azzi & S. Polydoro, Teoria social cognitiva: conceitos básicos. (pp. 15-42). São Paulo: Artmed.         [ Links ]

Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento de habilidades sociais. São Paulo: Santos         [ Links ]

Caballo, V. E. & Irurtia, M. J. (2008). Treinamento em habilidades sociais. In P. Knapp, A. T. Beck, A. M. Almeida, A. Palmini, A. V. Cordiole, B. Rangé, ... V. E. Caballo. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. (pp. 454-467.) São Paulo: Artmed.         [ Links ]

Caminha, M. G., Almeida, F. F. & Scherer, L. P. (2011). Intervenções precoces: promovendo resiliência e saúde mental. In M. G. Caminha & R. M. Caminha (Eds.), Intervenções e treinamentos de pais na clínica infantil. (pp. 31-80). Porto Alegre: Sinopsys.         [ Links ]

Casile, A., Caggiano, V. & Ferrari, P. F. (2011). The mirror neuron system: a fresh view. Neuroscientist, 17, 524-538.         [ Links ]

Centelles, L., Assaiante, C., Nazarian, B., Anton, J.-L. & Schmitz, C. (2011). Recruitment of both the mirror and the mentalizing networks when observing social interactions depicted by point-lights: a neuroimaging study. Plos One, 6 (1). Recuperado a partir de http://journals.plos.org/plosone/ article?id=10.1371/journal.pone.0015749        [ Links ]

Concenza, R. M., Fuentes, D. & Malloy-Diniz, L. (2008). A evolução das ideias sobre a relação entre cérebro, comportamento e cognição. In D. Fuentes, L. Malloy-Diniz & C. H. P. Camargo (Orgs.), Neuropsicologia: teoria e prática. (pp. 15-19). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Corradini, A. & Antonietti, A. (2013). Mirror neurons and their function in cognitively understood empathy. Consciousness and cognition, 22(3), 1152- 1161.         [ Links ]

Davidoff, L. L. (2010). Introdução à Psicologia. São Paulo: Pearson.         [ Links ]

Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. C. (Orgs.). (2011). Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Del Prette, Z. A. P., Del Prette, A., Rios-Saldaña, M. R., Caballo, V. E., Bandeira,M., Falcone, E. M. O., ... Barreto, M. C. M. (2004) . Un estudio transcultural con estudiantes de Psicología: habilidades sociales de brasileños, mexicanos y españoles. Alternativas en Psicología, 9(10), 69-82.         [ Links ]

Diamond, A. & Amso, D. (2008). Contributions of Neuroscience to Our Understanding of Cognitive Development. Cognitive Development, 17(2), 136-141.         [ Links ]

Dinstein, I., Thomas, C., Behrmann, M. & Heeger, D. J. (2008). A mirror up to nature. Current Biology, 18(1), R13-R18.         [ Links ]

Ekman, P. (2011). A linguagem das emoções. São Paulo: Lua de Papel.         [ Links ]

Fogassi, L. & Rizzolatti, G. (2013). Is science compatible with free will?: exploring free will and consciousness in the ligth of Quantum Physics and Neuroscience. New York: Springer.         [ Links ]

Frith, C. D. & Frith, U. (2012). Mechanisms of social cognition. Annual Review of Psychology, 63, 287-313.         [ Links ]

Gallese, V., Gernsbacher, M. A., Heyes, C., Hickok, G. & Iacoboni, M. (2011). Mirror neuron forum. Perspectives on Psychological Science, 6(4), 369-407.         [ Links ]

Gazzaniga, M. S., Ivry, R. B. & Mangun, G. R. (2006). Neurociência cognitiva: a biologia da mente. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Gendron, M., Roberson, D., Van der Vyver, J. M. & Barrett, L. F. (2014). Perceptions of emotion from facial expressions are not culturally universal: evidence from a remote culture. Emotion, 14(2), 251.         [ Links ]

Glenberg, A. M. (2011). Introduction to the mirror neuron forum. Perspectives on Psychological Science, 6(4), 363–368.

Guerra, L. B. (2008). Neurobiologia aplicada à neuropsicologia. In D. Fuentes, L. F. Malloy-Diniz & C. H. P. Camargo (Orgs.), Neuropsicologia: teoria e prática. (pp. 20-59). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Herculano-Houzel, S. (2008). Uma breve história da relação entre o cérebro e a mente. In R. Lent (Coord.), Neurociência da mente e do comportamento. (pp. 1-18). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.         [ Links ]

Iacoboni, M. (2009). Mirroring people. New York: Picador.         [ Links ]

Jack, R. E., Blais, C., Scheepers, C., Schyns, P. G. & Caldara, R. (2009). Cultural confusions show that facial expressions are not universal. Current Biology, 19(18), 1543–1548. Recuperado a partir de https://doi.org/10.1016/j. cub.2009.07.051

Keysers, C. & Gazzola, V. (2009). Expanding the mirror: vicarious activity for actions, emotions, and sensations. Current Opinion in Neurobiology, 19(6), 666-671.         [ Links ]

Lage, G. M., Benda, R. N., Ugrinowitsch, H. & Christie, B. (2008). Articulações entre o comportamento motor e a neurospicologia. In D. Fuentes, L. F. Malloy- Diniz & C. H. P. Camargo (Orgs.), Neuropsicologia: teoria e prática. (pp. 207- 229). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Lindenberger, H. (2010). Arts in the brain; or, what might Neuroscience tell us?. In F. L. Aldama (ed.), Toward a cognitive theory of narrative acts. (pp. 13- 35). Austin: University of Texas Press.         [ Links ]

Manera, V., Cavallo, A., Chiavarino, C., Schouten, B., Verfaillie, K. & Becchio, C. (2012). Are you approaching me?: motor execution influences perceived action orientation. Plos One, 7(5). Recuperado a partir de http://journals.plos. org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0037514        [ Links ]

Mendes, A. K., Cardoso, F. L. & Sacomori, C. (2008). Neurônios-espelho. Neurociências, 4(2), 93–99. Recuperado a partir de http://www.ip.usp.br/ portal/images/stories/docentes/costamf/Costa_2008_PVE_hidrocefalia.pdf

Mirabella, G., Iaconelli, S., Spadacenta, S., Federico, P., Gallese V. (2012). Processing of hand-related verbs specifically affects the planning and execution of arm reaching movements. Plos One, 7(4). Recuperado a partir de: https:// www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3335064/pdf/pone.0035403.pdf        [ Links ]

Olaz, F. O. (2009). Contribuições da teoria social-cognitiva de bandura para o treinamento de habilidades sociais. In A. Del Prette & Z. A. P. Del Prette, Psicologia das habilidades sociais: diversidade teórica e suas implicações. (pp. 109- 148). Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Papalia, D. E., Olds, S. W. & Feldman, R. D. (2010). Desenvolvimento humano. São Paulo: Artmed.         [ Links ]

Pfister, R., Dignath, D., Hommel, B. & Kunde, W. (2013). It takes two to imitate: anticipation and imitation in social interaction. Psychological Science, 24(10), 2117–2121.

Racsmány, M., Keresztes, A., Pajkossy, P. & Demeter, G. (2012). Mirroring intentional forgetting in a shared-goal learning situation. Plos One, 7(1). 2012. Recuperado a partir de http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/ journal.pone.0029992        [ Links ]

Rizzolatti, G. & Sinigaglia, C. (2008). Mirror in the brain: how our minds share actions and emotions. Oxford: Oxford.         [ Links ]

Rodrigues, M. C. & Silva, R. L. M. (2012). Avaliação de um programa de promoção da empatia implementado na educação infantil. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 12(1), 59-75.         [ Links ]

Shamay-Tsoory, S. G. (2011). The neural bases for empathy. The Neuroscientist, 17(1), 18–24.

Shkurko, A. (2012). Role behavior: a neurosociological perspective. Social Science Information, 51(3), 338–363.

Soares, A. B., Del Prette, Z. A. P. (2015). Habilidades sociais e adaptação à Universidade: convergências e divergências dos construtos. Análise Psicológica, 33(2), 139-151.         [ Links ]

Sousa, L. F. L., Leal, A. L. & Sena, E. F. C. (2010). A importância da comunicação não-verbal do professor universitário no exercício de sua atividade profissional. Cefac, 12(5), 784-787.         [ Links ]

Spolsky, E. (2010). Narrative as nourishment. In F. L. Adalma, Toward a cognitive theory of narrative acts. (pp. 37-60). Austin: University of Texas.         [ Links ]

Tia, B., Saimpont, A., Paizis, C., Mourey, F., Fadiga, L. & Pozzo, T. (2011). Does observation of postural imbalance induce a postural reaction? Plos One, 6(3). Recuperado a partir de http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/ journal.pone.0017799        [ Links ]

Van der Gaag, C., Minderaa, R. B. & Keysers, C. (2007). Facial expressions: what the mirror neuron system can and cannot tell us. Social Neuroscience, 2(3-4), 179-222.         [ Links ]

Wagner, M. F., Oliveira, M. S. & Caballo, V. (2011). Treinamento de habilidades sociais e sua aplicabilidade na prática clínica. In I. Andretta & M. S. Oliveira (Orgs.), Manual prático de terapia cognitivo-comportamental. (pp. 537-552). São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Wilson, E. O. (2012). The social conquest of the earth. New York: Liverigth.         [ Links ]

 

 

Texto recebido em 30 de dezembro de 2013 e aprovado para publicação em 6 de novembro de 2015.

Os autores agradecem o apoio institucional da IMED para a realização deste artigo.

 

 

*Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), coordenador do PPG em Psicologia da IMED. Endereço: Rua Senador Pinheiro, 304 - Bairro Cruzeiro, Passo Fundo-RS, Brasil. CEP 99010-220. E-mail: vthome2@gmail.com.
** Doutorando em Psicologia PUCRS, bolsista CNPQ, Porto Alegre. E-mail: william.cecconello@gmail.com.
*** Doutoranda em Psicologia pela Unisinos, bolsista CAPES/Prosup, Passo Fundo-RS, psicóloga. E-mail: mariana.rmachado@ yahoo.com.br.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons