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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto 2000
PARTE IV - TRANSTORNOS ANSIOSOS (FOBIA SOCIAL, TOC, PÂNICO) E TRANSTORNOS DEPRESSIVOS - DIFERENTES ABORDAGENS TERAPÊUTICAS
Transtornos ansiosos e transtornos depressivos - aspectos diagnósticos
Maria Silvia Lopes Figueiredo1
RESUMO
O tratamento adequado para pacientes com transtornos de ansiedade e transtornos depressivos se inicia com um diagnóstico cuidadoso. É importante que se possa detectar os sintomas apresentados, integrando-os com seu significado dentro de um momento específico da vida do paciente que procura o atendimento. A primeira avaliação implica em decidir se os sintomas depressivos ou de ansiedade detectados constituem um transtorno ou apenas sinais de uma etapa evolutiva. Caso sua intensidade, freqüência e prejuízo funcional caracterizem realmente um transtorno, então é necessário identificá-lo, de forma a se poder planejar a intervenção mais adequada.
As classificações diagnósticos atualmente em uso são a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da saúde (CID - 10) de 1992 e o Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV ), de 1994. Nelas, os transtornos são definidos a partir de critérios operacionais, baseados na apresentação clínica. Poderiam ser utilizados como ponto de partida para um diagnóstico acurado, por oferecerem categorizações objetivas, cabendo ao profissional de saúde mental prosseguir em sua investigação de todos os aspectos envolvidos na gênese e manutenção do quadro e realizar a integração com os aspectos subjetivos, históricos, estruturais e contextuais.
ABSTRACT
An appropriate treatment for patients with disturbances of anxiety and depression begins with a careful diagnosis. It is important to detect the presenting symptoms themselves, integrating them with their meaning within the specific moment of life that the patient seeks professional help. The preliminary assessment seeks to determine if the depressive symptoms or anxiety detected constitutes only a transitory disturbance or if it signals an evolutionary phase. In case of intensity, frequency and harmful functioning really indicating a disturbance, then it is necessary to identify it, in order to allow planning for the most effective intervention.
The classification of diagnosis actually in use is the tenth revision of the International Classification of Diseases of the World Health Organization (CID-10) of 1992 and the Diagnostic and Statistics Manual of the American Psychiatric Association (DSM-IV), of 1994. In both the disturbances are defined by the operational criteria set forth, based on the clinical presentation. It could be used as a starting point for ascertaining a diagnosis, offering objective categorization, the mental health professionals’ role in their investigation of all of the aspects involved in the genesis and maintenance of the profile and achievement of an integration with subjective aspects, historical structures and contexts.
RESUMEN
El tratamiento adecuado para pacientes con trastornos de ansiedad y trastornos depresivos se inicia con un diagnóstico cuidadoso. Es importante poder detectar los síntomas presentados, integrándolos con su significado dentro de um momento específico de la vida del paciente que busca atendimiento. La primera evaluación consta en decir si los síntomas depresivos o de ansiedad detectados, constituyen un trastorno, o apenas señales de una etapa evolutiva. Caso su intensidad, frecuencia y daño funcional, caractericen realmente un trastorno, se hace necesario identificarlo de manera que sea posible coordinar la intervención más adecuada.
Las clasificaciones diagnósticas actualmente en uso, son la décima revisión de la Clasificación Internacional de Enfermedades - de la Organización Mundial de la Salud ( CIE - 10 ) de 1992 - y el Manual Diagnóstico y Estadístico - de la Asociación Americana de Psiquiatría ( DSM - IV ), de 1994. En ambos, los trastornos son definidos a partir de criterios operacionales fundamentados en la presentación clínica. Podrían ser utilizados como punto de partida para un diagnóstico exacto, por ofrecer clasificaciones objetivas, le cabe entonces, al profesional de la salud mental, ir adelante en la investigación de todos los aspectos envolvidos en la génesis y, en la manutención del cuadro, realizando la integración con los aspectos subjetivos, históricos, estructurales y contextuales.
O tratamento adequado dos transtornos ansiosos e depressivos se inicia com um diagnóstico realizado de maneira cuidadosa, buscando levar em conta a objetividade e a subjetividade envolvidas neste processo. Elizabeth Roudinesco, em seu livro “Por que a Psicanálise?” coloca essas questões:
“Essa psiquiatria anestesiante nega a subjetividade já a partir do diagnóstico, baseado numa falsa nosologia, que não vê diferenças relevantes entre o luto pela perda de um pai, o desânimo por uma reprovação acadêmica ou a tristeza pela perda do emprego, desde que os sintomas objetivos se encaixem nas mesmas categorias prefixadas, no mesmo quadro formal. São males equivalentes, já que o mesmo antidepressivo pode ser eficaz nos três casos”.
É importante que, ao receber o paciente e suas queixas, se possa perceber de que maneira elas se inserem dentro de seu momento de vida. Tristeza, inquietação, medo são conseqüências naturais de eventos de vida e podem ter, inclusive, um papel adaptativo, servindo como um estímulo para o desenvolvimento pessoal. Nesses casos, cabe ao profissional de saúde mental ajudar o paciente a identificar suas dificuldades e seus recursos, ajudando-o a "administrá-los", até a resolução deste momento de crise. Essas mesmas queixas tornam-se "sintomas" de um transtorno mental quando sua intensidade e freqüência causam sofrimento exacerbado e impedem que o paciente exerça suas funções e papéis habituais. Neste caso, é importante definir cuidadosamente a natureza destes sintomas, seus fatores predisponentes, desencadeantes e agravantes e a maneira como estão repercutindo na vida do paciente. Como já dissemos, o tratamento adequado só poderá ser indicado se o diagnóstico for bem feito.
A ansiedade pode ser definida como um afeto desagradável de inquietação, acompanhado de uma série de queixas somáticas que, para alguns pacientes, são mais facilmente percebidas do que as manifestações psíquicas. As queixas mais freqüentemente relatadas são:
• Autonômicas - taquicardia, vasoconstrição, sudorese, aumento do peristaltismo, taquipnéia, piloereção, midríase;
• Musculares - dores, contraturas, tremores;
• Cenestésicas - parestesias, calafrios, adormecimentos;
• Respiratórias - sensação de afogamento e sufocação;
• Psíquicas - tensão, nervosismo, mal-estar indefinido, apreensão, insegurança, dificuldade de concentração, sensação de "estar no limite", despersonalização e desrealização.(ANDRADE e cols.,1994)
Quando os sintomas de ansiedade ou depressão são as queixas principais, o diagnóstico é realizado corretamente pelos clínicos em 95% dos casos. Entretanto, quando os pacientes enfatizam os sintomas somáticos, o índice de acerto cai para 48% (HETEM,1997).
Diante do paciente que apresenta tais queixas é importante que se faça o diagnóstico diferencial, ou seja, que se realize a investigação adequada para excluir quadros somáticos orgânicos que podem causar sintomas semelhantes, tais como: doenças endócrinas, síndrome de tensão pré-menstrual, intoxicação por drogas (medicamentos, álcool, drogas ilícitas), transtornos gastrointestinais, infecções virais e bacterianas, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, doenças imunológicas, disfunções metabólicas, doenças neurológicas.
A ansiedade pode se apresentar como epifenômeno de outros transtornos psiquiátricos e, sendo assim, para o diagnóstico de um Transtorno de Ansiedade é necessário que se possa excluí-los, ou seja , verificar que o paciente não apresenta sintomas que justifiquem uma hipótese diagnóstica de: Esquizofrenia, Transtornos Delirantes, Uso ou Abstinência de álcool e drogas ou Transtornos do Humor, quando estes constituiriam o diagnóstico principal.
Caso finalmente se conclua que se trata de um quadro em que a ansiedade apresenta um papel primordial, estamos então diante de um Transtorno de Ansiedade e, para um tratamento bem dirigido, convém identificá-lo.
As classificações de transtornos mentais mais usadas no momento atual são a décima revisão da Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial da Saúde, de 1992 (CID-10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria, de 1994 (DSM-IV). Esses sistemas refletem a ideologia do pensamento psiquiátrico atual, se caracterizando pela apresentação das entidades nosológicas a partir de critérios operativos, ou seja, a partir do quadro clínico apresentado. São classificações multiaxiais, ou seja, além do diagnóstico descritivo, que constitui o Eixo I, levam em conta ,no Eixo II, os transtornos de personalidade e retardo mental, no Eixo III, as condições médicas gerais associadas, no Eixo IV os estressores psicossociais e finalmente, no Eixo V o funcionamento global. Para uma compreensão mais global de todos os processos a que o paciente pode estar submetido, cabe ao profissional de saúde mental realizar a integração de todos estes aspectos.
Dentro destas classificações, os Transtornos de Ansiedade se encontram categorizados de formas diferentes. No DSM-IV existe uma categoria específica para os Transtornos de Ansiedade, caracterizados por apresentar a ansiedade como sintoma primordial, enquanto que na CID-10 são colocados como categorias separadas dentro do grande grupo dos transtornos neuróticos e de ajustamento.
De uma maneira simplificada, estas classificações podem ser apresentadas da seguinte forma:
Para que se possa especificar o Transtorno de Ansiedade apresentado pelo paciente é importante que se tenha em mente alguns conceitos básicos. O próprio DSM-IV inicia sua seção sobre Transtornos de Ansiedade definindo Ataques de Pânico e Agorafobia, que podem estar presentes em mais de um tipo de quadro. Os Ataques de Pânico são crises súbitas com múltiplos sinais e sintomas de hiperatividade autonômica, sensação de mal-estar e perigo iminente, atingindo seu máximo até cerca de 10 minutos. Podem ser espontâneos ou situacionais.
O Transtorno de Pânico se caracteriza por Ataques de pânico espontâneos, acompanhados de ansiedade antecipatória, ou seja, medo de vir a apresentar novos ataques, que leva à evitação das situações relacionadas à possível ocorrência de ataques.
As Fobias se caracterizam pelo medo persistente e irracional de objeto específico, atividade ou situação considerada objetivamente sem perigo, que resulta em necessidade incontrolável de esquivar-se ou evitar tal estímulo.
A Fobia Social se constitui do medo excessivo associado à necessidade de evitar situações onde o indivíduo possa ser observado ou avaliado pelos outros, pelo temor de se comportar de modo embaraçoso ou humilhante.
Nas Fobias Específicas ocorre o medo excessivo de situações particulares ou objetos, que podem ser animais, espaço fechado, fenômenos da natureza, escuridão, alimentos, escola, tratamento dentário, ou visão de sangue e ferimentos, levando a evitação ou esquiva.
A Agorafobia teve seu conceito inicial ampliado para o medo de sair ou ficar desacompanhado, em lugares públicos diversos, abertos ou fechados, transportes coletivos, multidões, podendo chegar à impossibilidade de sair de casa. Está bastante relacionada com o Transtorno de Pânico e há, nas classificações atuais uma discordância sobre qual seria o fenômeno primário.
O Transtorno de Ansiedade Generalizada se caracteriza por ansiedade persistente e flutuante relacionada a vários aspectos da vida do indivíduo. Apresenta sintomas variáveis: nervosismo persistente, sensação de estar “no limite”, tremores, tensão e dores musculares, transpiração, sensação de vazio na cabeça, insônia, palpitações, tonturas e desconforto epigástrico.
O Transtorno Obsessivo-compulsivo se constitui de pensamentos obsessivos - idéias, imagens ou impulsos que invadem a consciência de forma repetida e estereotipada, causando mal-estar à pessoa - e compulsões - comportamento estereotipados, repetidos, que não levam à conclusão de nenhuma tarefa, mas têm a função de prevenir a ocorrência de algum evento muito pouco provável. Os pensamentos e compulsões são sentidos como próprios pelo indivíduo que, no entanto, não consegue evitá-los, o que lhe causa muita ansiedade, perda de tempo e da capacidade para a realização das atividades habituais.
A Depressão também pode se apresentar de múltiplas formas, com queixas psíquicas, como: humor depressivo, anedonia , idéias de autodesvalorização e culpa, idéias de morte e suicídio, fadiga, sensação de perda de energia, diminuição da concentração, memória e capacidade de decidir, além de queixas somáticas, como: aumento ou diminuição de sono, apetite e peso, diminuição da libido, dores sem substrato orgânico. Podem ocorrer também alterações no comportamento tais como retrai mento social, crises de choro, abandono de atividades habituais e do cuidado próprio, comportamento suicida, retardo ou agitação psicomotora (DEL PORTO,2000). Em adolescentes pode ocorrer mau humor, irritabilidade, falta de motivação, sentimentos de tédio e prejuízo no rendimento escolar. Em idosos, múltiplas queixas somáticas podem “mascarar” o afeto depressivo.
Diante de um paciente com queixas sugestivas de depressão é importante proceder a investigação no sentido de verificar a existência de outros quadros que podem causar alterações semelhantes, tais como: uso de agentes farmacológicos (contraceptivos orais, anti-hipertensivos, corticóides, etc.), doenças endócrinas, neurológicas, nutricionais, infecciosas, colagenoses ou neoplasias. É necessário também o diagnóstico diferencial com outros transtornos psiquiátricos, como: Transtorno de ansiedade, Alcoolismo e outras Farmacodependências, Esquizofrenia e Transtornos Esquizofreniformes, Transtorno Esquizoafetivo e Quadros Demenciais.
Dentro da CID-10, os transtornos depressivos se encontram classificados dentro do grande grupo dos Transtornos do Humor, cujas linhas gerais seriam:
F30 - Episódio maníaco (usado para episódio único de mania)
F31 - Transtorno Afetivo Bipolar, com a discriminação do episódio atual, hipomaníaco, maníaco ou depressivo.
F32 - Episódio depressivo, que pode ser classificado, de acordo com a intensidade dos sintomas em leve, moderado ou grave. Os episódios leves e moderados podem ser especificados quanto à presença ou não de sintomas somáticos e os graves quanto à presença ou ausência de sintomas psicóticos.
F33 - Transtorno depressivo recorrente, também com a especificação do episódio atual.
F34 - Transtornos persistentes do humor - Distimia (queixas depressivas há, pelo menos, dois anos) e Ciclotimia.
No DSM-IV, os transtornos depressivos se encontram classificados da seguinte forma:
296.xx - Transtorno depressivo maior, designado como único ou recorrente
300.4 - Transtorno distímico, que pode ser classificado como de início precoce ou tardio, com ou sem característica atípicas.
311 - Transtorno depressivo sem outra especificação.
O DSM-IV descreve também os Transtornos Bipolares tipo I (episódios maníacos associados a episódio depressivo maior), tipo II (episódios hipomaníacos), Transtorno ciclotímico, Transtorno Bipolar sem outra especificação, Transtorno do humor devido a condição médica geral ou induzido por substância.
A avaliação cuidadosa do tipo de transtorno depressivo implica em decisões fundamentais para o tratamento, como por exemplo, internar ou tratar ambulatorialmente o paciente em função do risco suicida. É importante saber se se trata de um quadro unipolar ou bipolar para se avaliar o risco de uma “virada maníaca” no uso de antidepressivos em pacientes bipolares, assim como distinguir um episódio único de quadros crônicos e recorrentes, pois nestes casos o risco de recidiva exige um tratamento de manutenção de longo prazo.
Cabe lembrar também a importante superposição de sintomas ansiosos e depressivos, que pode ser observada com freqüência na prática clínica e exige uma abordagem bastante integrada, permitindo ao paciente uma superação global de suas dificuldades o que pode implicar, inclusive, em ganhos em seu desenvolvimento pessoal.
Michael Stone, em seu livro “A Cura da Mente”, alerta sobre a responsabilidade da formação dos profissionais de saúde mental em relação a suas funções integrativas, que começam a ser usadas no momento do diagnóstico mas devem se manter ativadas durante todo o tratamento:
“O que quer que aconteça à nossa espécie nos séculos vindouros, nossos conflitos e nossa química ainda estarão inextricavelmente entrelaçados.Os educadores de profissionais da saúde mental precisarão assegurar que os terapeutas que eles treinam têm consciência e respeito pela individualidade e cultura singulares e seus pacientes, bem como de suas complexas bases constitucionais e biológicas.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (1994). Diagnostic and Statistical Manual for Mental Disorders, Fourth edition. Washington DC, American Psychiatric Association. [ Links ]
ANDRADE LHSG, LOTUFO-NETO F, GENTIL V, MACIEL LMA, SHAVITT RG (1994). Classificação e Diagnóstico dos Transtornos Ansiosos. Em: GENTIL V & LOTUFO-NETO F (orgs): Pânico, Fobias e Obsessões: A Experiência do Projeto AMBAN, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, pp31-45, 1994. [ Links ]
DEL PORTO, JA (2000) Conceito de Depressão e seus Limites. Em: LAFER B, ALMEIDA OP, FRAGUAS JR R, MIGUEL EC (org). Depressão no Ciclo da Vida. Artes Médicas Sul, Porto Alegre, pp20-28, 2000. [ Links ]
GENTIL FILHO V & LOTUFO-NETO F (1996). Transtornos de Ansiedade (Neuroses). Em: ALMEIDA OP, DRACTU L & LARANJEIRA R (org). Manual de Psiquiatria, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, pp 22-31, 1996. [ Links ]
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Endereço para correspondência
Maria Sílvia Lopes Figueiredo
Rua Prudente de Moraes, 1163
14015-100 - Ribeirão Preto, SP
1 Médica psiquiatra em Ribeirão Preto.