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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.10 no.2 Ribeirão Preto dez. 2009

 

ARTIGOS

 

O amor caiu na rede: sobre a procura de parceiro e a evolução de vínculos amorosos na Internet 1

 

The love fell on the net: about the search of partner and the evolution of loving bonds in the Internet

 

El amor cayó en la red: sobre la búsqueda de pareja y la evolución de vínculos amorosos en la Internet

 

 

Carla Pontes Donnamaria 2; Antonios Terzis 3

Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo expõe resultados e discussões de pesquisa realizada com casais cujos vínculos originaram-se de relacionamentos mediados pela Internet. Buscamos compreender o processo de escolha e de evolução dos vínculos amorosos realizados neste contexto, através da aplicação do método psicanalítico de investigação. Destaca-se que, para a realidade dos vínculos amorosos, o encontro face a face impõe-se como condição para sua constituição e sustentação, embora o estudo também revele a emergência de vínculos que, apesar de virtuais, não seriam fictícios.

Palavras-chave: Relacionamento virtual; Vínculo emocional; Psicanálise de grupo.


ABSTRACT

This article presents results and discussions of research with couples whose bonds had originate from relationships mediated by the Internet, where we investigated the process of selection and evolution of loving bonds made in this context, by applying the psychoanalytic method of investigation. This study reveals that for the reality of the loving bonds, the meeting face to face is condition for its establishment and support, although the emergence of virtual bonds are not fictitious.

Keywords: Virtual relationship; Emotional linkings; Group psychoanalysis.


RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de la investigación con parejas cuyos vínculos se originaran de las relaciones mediadas por Internet, donde se comprende el proceso de selección y la evolución de los vínculos amorosos en este contexto, por la aplicación del método psicoanalítico de investigación. Cabe señalar que, para la realidad de los vínculos amorosos, la cita cara a cara es una condición para su establecimiento y sustentación, aunque los vínculos virtuales no sean ficticios.

Palabras clave: Relacion virtual; Vínculo emocional; Psicoanálisis.


 

 

A busca por parceiro e a realidade de vidas conjugais originadas na Internet nos instigaram a compreender as possíveis peculiaridades deste novo modo de se vincular e de se constituir casal. Este objetivo deu origem a nossa Dissertação de Mestrado em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (DONNAMARIA, 2008), cujos resultados e discussões são apresentados neste artigo.

A pesquisa consistiu na realização de entrevistas de tipo aberta (BLEGER, 1998) a três casais, todos adultos, com nível superior de escolaridade, casados ou em união permanente, que viveram a experiência objeto de nosso estudo; aplicação do método de Análise de Conteúdo proposto por Mathieu (1967) e interpretação dos resultados de acordo com o aporte da teoria psicanalítica dos grupos aplicada aos casais e da psicanálise das configurações vinculares. Centramo-nos aqui na discussão dos resultados que explicitam condições de realização e de sustentação de vínculos amorosos originados na Internet.

 

O QUE LEVA UMA PESSOA A PROCURAR PARCEIRO NA INTERNET

A noção de senso comum sobre o que leva uma pessoa a procurar seu par na Internet, conforme conferiu Pinheiro (2002), recai em supostos problemas de ordem emocional para estabelecer relações face a face. Entretanto, formos surpreendidos, pela natureza qualitativa do trabalho, na percepção do dado de que, das seis pessoas participantes, apenas uma situação confirma a referida pressuposição de caráter generalizante.

A ilusão de um relacionamento sem terceiros, vivida no uso de programa de comunicação bi-pessoal, permitiu que um de nossos participantes driblasse seus conflitos edípicos e, assim, pudesse experimentar novas relações sem o temor de uma possível rivalidade, que o bloqueava em suas buscas presenciais. Esta foi a única evidência de que uma dificuldade emocional teria motivado o uso da Internet para encontrar parceiro.

A oportunidade para conjugar interesses comuns também foi considerada. Com apenas alguns cliques, qualquer internauta consegue, rapidamente, conectar-se com freqüentadores de alguma das diversas comunidades virtuais, geradas sob os mais diversos temas e propósitos. Entre nossos entrevistados, o critério em torno da doutrina religiosa levou-os à sala de bate-papo do site da igreja da qual são membros, cuja escolha também sugeriu o tipo de vínculo pretendido pelo casal.

A condição mais peculiar que encontramos para a escolha da Internet foi protagonizada pelas três esposas participantes. Todas, partindo do pressuposto de que o homem privilegia a aparência física, em detrimento do plano das idéias, assumiram a mesma proposta de evitar, ou romper, relações virtuais quando, logo nos primeiros contatos, fossem questionadas a este respeito. A escolha delas foi pela oportunidade de um relacionamento que evoluísse “de dentro para fora”, a verdadeira marca dos relacionamentos originados à distância.

Esta experiência de conquista sem presença nos lembra Spivacow (2005) referindo que, para um casal interessado em se encaminhar para uma forma de relação institucionalizada, pesa fortemente a contribuição que o outro significa para o equilíbrio pessoal e para a organização defensiva do eu, à diferença do que ocorre num relacionamento transitório, quando basta a atração erótica e sensual.

 

A DISTÂNCIA ENTRE A FANTASIA E A REALIDADE

A descrição num cadastro de perfil, a escolha do apelido com o qual o internauta participa de uma sala de bate-papo, todos sujeitos à seleção da consciência, e recortados de um todo, favorecem projeções, fantasias e ilusões, cuja repercussão, favorável ou desfavorável, estará implicada na manutenção ou rompimento do contato.

Para a realização do “momento fantasmático”, primeira etapa de um processo de vinculação referida por Kaës (1997), quando grupos internos são externados para destinar a si e ao outro um lugar, valores familiares e ideológicos foram destacados.

Já para a sua evolução no mundo denominado por Lévy (2005) de “desterritorializado”, a evidência de traços da personalidade, como inteligência, humor e visão que se tem de mundo, sobre os quais, como pontuou Gonçalves (2002), ninguém consegue mentir, tornou-se relevante.

Sob a justificativa de compensar a distância física, os casais referiram horas ininterruptas de conexão em mensagens instantâneas. Entendemos que, inconscientemente, esta experiência favoreceu a aproximação psíquica e elaboração das fantasias.

A busca por dados da realidade precedeu ao primeiro encontro, significado como decisiva oportunidade para o sucesso do vínculo, quando este perde seu caráter virtual pela introdução dos aspectos não-verbais e demais vicissitudes do convívio presencial.

A experiência de um reconhecimento neste momento de encontro, entre pessoas que até então nunca haviam se encontrado presencialmente, confirma o paradoxo observado por Ben-Ze’ev (2004) de que, num relacionamento virtual, o outro é um desconhecido, mas não um estranho, em função da aproximação psíquica que este tipo de relacionamento, tão dependente das verbalizações, propicia.

A maturidade para lidar com o conflito instalado entre o desejo e a insegurança, bem como a sintonia nas expectativas e no compartilhamento de projetos, mostrou-se essencial para o sucesso do desenvolvimento vincular destes casais, marcado pelo exercício e a manutenção do diálogo, o qual, segundo os mesmos, segue preservado no cotidiano.

 

A INDISPENSABILIDADE DA PRESENÇA PARA A SUSTENTAÇÃO DO VÍNCULO AMOROSO

A possibilidade de iniciar um relacionamento à revelia da distância geográfica apareceu como um dos primeiros atrativos para os relacionamentos virtuais, como observara Turkle (1999). Porém, para a realidade dos vínculos amorosos, a ignorância desta condição pode colocar o casal a caminho de um estado de angústia importante.

O desejo de transformar o relacionamento virtual em um vínculo presencial e a suspeita de não poder realizá-lo transformaram-se numa ameaça à sustentabilidade do vínculo, geradora de mal-estar.

Um vínculo, caracterizado, de acordo com de Puget e Berenstein (1993), pelo sentimento de pertencimento, pode nascer online; porém, para a vida amorosa, necessitará da presença para seu sustento.

 

CONCLUSÃO

Para a realidade dos vínculos amorosos, concluímos que a Internet caracteriza-se como uma condição, como uma realidade em potencial, a partir da qual o vínculo é construído por etapas que passam pela identificação de valores e desejos mútuos, pela confirmação dos dados de realidade, e pela marca que faz o primeiro encontro face a face, num processo onde o bem ou mal suceder estão condicionados à maturidade das pessoas envolvidas tanto quanto estão em suas relações presenciais.

O sentimento de pertencimento propiciado pela velocidade na emissão e recepção de mensagens, a identificação dos valores pessoais, dos quais se destacaram os valores de família e a perspectiva de fortalecimento do vínculo, favoreceram sua realização.

A vida online, como a vida offline, demanda atuações embasadas no princípio da realidade. Encontros entre pessoas expressivamente impulsivas ou hesitantes oferecem pouca chance de um desenvolvimento vincular, inclusive na Internet. Ou seja, a Internet não cria, mas possibilita a reprodução de uma série das vicissitudes possíveis na vida off-line, com alguns processamentos próprios de um relacionamento à distância.

Estes resultados nos mostram que apesar de, por outra parte, termos encontrado algumas peculiaridades na dinâmica dos relacionamentos mediados pela Internet, estes preservam características de vidas reais implicadas na evolução de vínculos que, apesar de virtuais, não seriam fictícios.

Para a particularidade do vínculo amoroso, entretanto, a ameaça que a distância impôs a sua sustentabilidade demonstra que a presença, mais do que reservar o significado de poder, ouvir e tocar, é inerente a sua realização.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEN-ZE’EV, A. Love online: emotions on the Internet. Reino Unido: Cambridge University Press, 2004.

BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevistas e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1998.         [ Links ]

DONNAMARIA, C. P. Do vínculo virtual ao conjugal: um estudo psicológico. 2008. Dissertação (Mestrado) – Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2008.

GONÇALVES, M. S. Amores virtuais: uma minoria desejante. Semiosfera, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 2002. Disponível em: < http://www.eco.ufrj.br/semiosfera/anteriores/semiosfera03/perfil/mat3/txtmt3.htm > . Acesso em 20 jul. 2007.

KAËS, R. O grupo e o sujeito do grupo: elementos para uma teoria psicanalítica do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.         [ Links ]

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2005.         [ Links ]

MATHIEU, P. Essai d’interpretation de quelques pages du revê celtique. Interpretación, n. 2, p. 32-59, 1967.

PINHEIRO, D. Por que milhões de brasileiros resolveram procurar um romance pela internet. Veja, São Paulo, p. 77-84, nov. 2002.         [ Links ]

PUGET, J.; BERENSTEIN, I. Psicanálise do casal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.         [ Links ]

SPIVACOW, M. A. Clínica psicoanalítica con parejas: entre la teoría y la intervención. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2005.         [ Links ]

TURKLE, S. Fronteiras do real e do virtual. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 11, p. 117-123, 1999. (Entrevista).         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Carla Pontes Donnamaria
E-mail: carlapd@uol.com.br

Recebido em 11/11/08.
1ª Revisão em 04/01/09.
Aceite Final em 07/02/09.

 

 

1 Trabalho apresentado no XVIII Congresso Latino Americano FLAPAG e X Simpósio CEFAS - “Práticas Institucionais na América Latina: Casal, Família, Grupo e Comunidade”, 2009.
2 Psicóloga. Mestre e Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Bolsista CAPES I.
3 Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.