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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.13 no.1 Ribeirão Preto  2012

 

ARTIGOS

 

Exercício de implantação da reforma psiquiátrica em um município do interior paulista

 

Exercise of implementation of the psychiatric reform in a municipality of the state of São Paulo

 

Ejercicio de despliegue consolidación de la reforma psiquiátrica en un municipio del estado de São Paulo

 

 

Marciana Gonçalves FarinhaI; Adriana de Paula DenipottiII

I Universidade Federal de Goiás, Jataí, Brasil
II Prefeitura Municipal de Orlândia, Orlândia, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo buscou discutir a realidade de um município de pequeno porte do estado de São Paulo com relação ao serviço de saúde mental do tipo ambulatorial oferecido, bem como seus avanços, dificuldades e necessidades após a implantação da lei que visa o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. A partir da revisão da literatura sobre a Reforma Psiquiátrica e de documentações legais sobre Política de Saúde Mental formuladas no Brasil nos últimos anos, pode-se analisar o serviço de Saúde Mental deste município. Constatou-se que há muito a fazer ainda para que a população seja atendida de maneira a favorecer a inclusão, de fato, das pessoas acometidas de sofrimento psíquico na sociedade. Os serviços oferecidos no município necessitam implementar a comunicação entre os serviços e oferecer um atendimento mais eficaz.

Palavras-chave: Reforma psiquiátrica; Saúde mental; Inclusão social.


ABSTRACT

This article discusses the reality of a small municipality in São Paulo state in relation to the ambulatory care offered by the mental health service, as well as its progresses, difficulties and needs after the implementation of the law aiming at the process of Psychiatric Reform in Brazil. From the review of the literature about the Psychiatric Reform and legal documentation on Mental Health policy formulated in Brazil in recent years, one can analyse the Mental Health Service in this municipality. It was noticed that there is a lot to be done in other to promote an effective inclusion of people with mental disorders in society. The municipality needs to implement communication among services and offer them more effectively.

Keywords: Psychiatric reform; Mental health; Social inclusion.


RESUMEN

Este artículo pretende reflexionar sobre la realidad de un pequeño municipio en el estado de São Paulo, en relación con el servicio de salud mental ofrecido en el ambulatorio, así como sus avances en sus dificultades y necesidades después de la implementación de la ley para el proceso de reforma psiquiátrica brasileña. De la revisión de la literatura sobre la reforma psiquiátrica y la documentación legal sobre la política de Salud Mental formulada en Brasil en los últimos años, uno puede analizar el servicio de Salud Mental de este municipio. Se constató la necesidad de la construcción de una red de atención a la salud mental para que la populación sea atendida de manera que favorezca la inclusión, de hecho, las personas acometidas de sufrimiento psíquico en la sociedad. Los servicios ofrecidos en el municipio necesitan implementar la comunicación entre los servicios y ofrecer una atención más eficaz.

Palabras clave: Reforma psiquiátrica; Salud mental; Inclusión social.


 

 

INTRODUÇÃO

Entende-se que a Reforma Psiquiátrica é um movimento que vem determinando mudanças no tratamento em Saúde Mental. Este movimento visa restabelecer a cidadania da pessoa com transtorno mental por meio da desconstrução do modelo asilar imposto historicamente ao doente mental. Vale dizer que no Brasil ela ocorreu conjuntamente com o Movimento de Redemocratização da sociedade brasileira na década de 1970.

Embora contemporâneo ao Movimento de Redemocratização do país, o processo de Reforma citado tem sua história inscrita num contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar, baseando-se na experiência da Reforma Psiquiátrica Italiana liderada por Franco Basaglia. Assim como na Itália, a Reforma Psiquiátrica no Brasil pautou-se na crítica à prática e ao saber psiquiátrico clássico, à tutela e a segregação da intervenção psiquiátrica.

A política psiquiátrica exercida no país foi marcada pela violência institucional, a desassistência, a marginalização promovida pelas instituições psiquiátricas, ou ainda pela existência da "indústria da loucura", promovida pelo setor privado de prestação de serviços com a concorrência do ministério público (Rotelli & Amarante, 1992, p. 48).

Nesse contexto histórico, a institucionalização no hospital psiquiátrico é tida como um problema a ser enfrentado, visto que esse modelo estabelecia um vínculo de dependência entre o paciente e a instituição, o que, entre outras coisas, favorecia a perda do vínculo dele com a família e com a comunidade, além da perda de vínculos sociais e culturais, reforçando a exclusão social desses indivíduos. Em contraponto a essa realidade, a Reforma Psiquiátrica brasileira veio no sentido de criar serviços alternativos ao processo de hospitalização do portador de transtorno mental. No entanto, o objetivo maior dessa Reforma é o de construir um novo espaço social para a loucura através do questionamento e transformação de práticas da psiquiatria tradicional e das demais instituições da sociedade (Amarante, 2003, 2000).

É importante ressaltar que não é simplesmente a construção de novos serviços de assistência ao doente psíquico ou a introdução de técnicas mais modernas de tratamento que vão garantir a integração deste indivíduo na sociedade. Para tal, faz-se necessário intervir no campo das relações da sociedade com a loucura por meio de práticas contra a exclusão, utilizando estratégias de inclusão social dos sujeitos acometidos de transtornos mentais. Essa mudança proposta pela Reforma Psiquiátrica vai além da desconstrução dos manicômios – estrutura física – e passa pelas estruturas, presentes no interior de cada profissional e da sociedade como um todo. Para tanto, é necessária uma revisão de valores e de condutas, normas, princípios e concepções tidas, por muitos até hoje, como corretas, mas que são discriminatórias (Pereira, 2003).

Nessa perspectiva, a desinstitucionalização refere-se a uma reforma radical nos modos de pensar e agir de todos os envolvidos - técnicos, pacientes, familiares, comunidade e poder público - que têm como papel fundamental inserir o indivíduo portador de sofrimento psíquico no ambiente social (Farinha, 2006). Torna-se um processo que, ao mesmo tempo, busca a desconstrução do arcabouço teórico da psiquiatria e das práticas psiquiátricas tradicionais e a invenção de maneiras de lidar com o portador de enfermidade mental.

Para alertar sobre a relevância do tema, os números do Ministério da Saúde mostram que cerca de 20% da população do Brasil necessitaria de algum cuidado em saúde mental. Os transtornos mentais severos e persistentes equivalem a 3% da população e careceriam de cuidados contínuos; os transtornos menos graves equivalem a 9% da população e necessitariam de cuidados eventuais; 8% da população apresenta quadros de transtornos oriundos do uso abusivo de substâncias psicoativas e necessitaria de atendimento regular (Brasil, 2003). Esses dados denunciam a grandeza da questão e nos incitam a refletir sobre a maneira de garantir o acesso e tratamento dessa demanda para não reproduzir a lógica da institucionalização do doente mental.

Por fim, vale ressaltar que, rumo à consolidação de um modelo de atenção diversificada em saúde mental, um conjunto de legislações e programas foram estabelecidos no Brasil e estão buscando garantir a melhoria da atenção às pessoas com sofrimento mental. Como expoente principal da Reforma, destaca-se a lei 10.216/2001, conhecida como lei da Reforma Psiquiátrica (Brasil, 2001), que redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispondo sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, impondo nova investida e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. Destacamos ainda a Lei nº 10.708/2003, que institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações; o Programa "De Volta Para Casa", que visa favorecer a reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais e que passaram por longas internações; a Portaria GM/MS nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, que define as normas e diretrizes para a organização dos serviços que prestam assistência em saúde mental e a Portaria nº 189/SAS, de 20 de março de 2002, que inclui procedimentos ambulatoriais na tabela do SIA-SUS para o custeio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

Respaldados pela atual Política de Saúde Mental, os serviços de saúde mental existentes, na maioria das cidades brasileiras, estão paulatinamente estruturando sua rede de cuidados por meio da implantação de serviços tipo CAPS, Residências Terapêuticas e outros dispositivos de cuidado. Dentro desta rede, cabe acrescentar a presença dos ambulatórios de saúde mental que continuam atendendo grande parte das pessoas com sofrimento psíquico. É exatamente esse tipo de serviço que será alvo de apreciação neste trabalho.

Este artigo discute a realidade de um serviço de saúde mental do tipo ambulatorial de um município do interior do estado de São Paulo, buscando compreender seus avanços, dificuldades e necessidades após a implantação da lei que visa o processo de Reforma Psiquiátrica brasileira.

Este estudo foi desenvolvido considerando a realidade do ambulatório de saúde mental de um município do interior paulista cuja população é de 39.781 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). As informações e análises apresentadas foram feitas a partir de pesquisa documental aos arquivos disponibilizados pelo serviço e também derivam da experiência de trabalho da segunda autora deste trabalho junto ao ambulatório.

 

MÉTODO

Esta é uma pesquisa qualitativa que buscou compreender a realidade de um município do interior paulista com o processo de implantação da Reforma Psiquiátrica. A pesquisa pode ser classificada em dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios (Vergara, 2005). Ela é descritiva quanto aos fins, já que descreve como os serviços de saúde mental estão organizados e atendem a população que procura esse tipo de assistência.

Quanto aos meios, ela pode ser caracterizada como estudo de caso pelo caráter de profundidade e detalhamento, focando esforços em uma unidade de análise – o Ambulatório de Saúde Mental do município estudado. De acordo com Merriam (1998), estudo de caso qualitativo é uma descrição e análise intensa de um fenômeno que se quer conhecer ou compreender melhor. Esse estudo pode ainda ser caracterizado como uma pesquisa empírica que investiga o que se quer conhecer no contexto da vida real (Yin, 1994).

 

CARACTERIZAÇÃO DO AMBULATÓRIO DE SAÚDE MENTAL

O ambulatório de saúde mental do município em foco foi criado em 2000, devido à necessidade dos moradores que procuravam as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e o serviço hospitalar ou se deslocavam ao município vizinho para receber tratamento especializado em Saúde Mental, pois não havia este serviço no município.

Atualmente, a equipe multidisciplinar do ambulatório é composta de: duas assistentes sociais, cinco psicólogas, quatro fonoaudiólogas, dois médicos psiquiatras, uma enfermeira, uma recepcionista, dois técnicos em enfermagem, uma terapeuta ocupacional e um guarda.

De acordo com pesquisa documental realizada em novembro de 2011, existem no ambulatório 7050 prontuários. Isso mostra que em pouco mais de dez anos de existência cerca de 17,7% da população já realizou, realiza ou aguarda atendimento no ambulatório de Saúde Mental. Atualmente temos em atendimento 108 pacientes sendo atendidos pela psiquiatria infantil, 3050 pela psiquiatria adulta, 120 em psicologia, 150 em fonoaudiologia e 25 pela terapia ocupacional. Como algumas especialidades do serviço não conseguem atender as demandas, existem filas de espera: 430 pacientes para o setor de Psicologia, o que implica em até dois anos de espera por atendimento; 120 usuários aguardando atendimento de fonoaudiologia com até um ano na fila e oito pacientes para Terapia Ocupacional, com três meses esperando por atendimento. Não há fila para atendimentos nos setores de serviço social e psiquiatria. A quantidade de encaminhamentos que o ambulatório recebe por semana é em média de 15 solicitações de atendimento, e a busca espontânea pelo serviço, média de dez pacientes por semana, entre eles, pacientes que abandonaram o tratamento e procuram o serviço novamente ou pacientes que buscam o serviço pela primeira vez.

Além do ambulatório, existem no município outros serviços que prestam assistência especializada em saúde mental não oferecida pelo serviço de saúde mental em tela, como a internação psiquiátrica nos casos de pacientes em crise aguda e tratamento para pacientes com transtornos graves e/ou persistentes que são atendidos no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS - do município. O ambulatório é referência em tratamento em saúde mental no município para transtornos mentais leves e moderados como transtornos depressivos, ansiosos e de personalidade, em todas as faixas etárias.

O paciente pode ser incluído no ambulatório ao ser encaminhado por algum serviço de saúde (UBS, Hospital, Núcleo de Gestão Assistencial - NGA) ou outro serviço da comunidade (Conselho Tutelar, Escola, Centro de Referência em Assistência Social - CRAS, Centro de Referência Especializado em Assistência Social - CREAS, projetos socioeducativos) ou procura espontânea; eles são entrevistados, triados e depois se discute em equipe a urgência e os encaminhamentos necessários do atendimento. Vale ressaltar que o ambulatório atende a todas as pessoas que residem no município que procuram ou são encaminhadas ao serviço.

O município avançou ao implantar um ambulatório de saúde mental, já que antes do ano 2000 toda pessoa que precisasse de serviço especializado em Saúde Mental tinha que se deslocar para o município vizinho, no qual as vagas oferecidas eram divididas entre sete municípios. Essa divisão ocasionava demora nos atendimentos, além de um número grande de abandono de tratamento com piora do quadro, exigindo internações para o tratamento.

A seguir, descrevemos, de forma sintética, os tipos de serviços especializados e os respectivos procedimentos realizados no ambulatório de saúde mental:

1 – Serviço social: entrevista com pacientes e/ou familiares; medem o processo de internação psiquiátrica; referenciam usuários a outros serviços da comunidade; visitas domiciliares.

2 – Psicologia: atendimentos individuais em psicoterapia e em grupo para crianças, adolescentes e adultos com algum tipo de sofrimento psíquico.

3 – Psiquiatria: consultas individuais para tratamento medicamentoso aos portadores de sofrimento psíquico; encaminhamento para internação psiquiátrica em hospital de referência.

4 – Fonoaudiologia: atendimentos individuais e em grupo; orientação aos pais e triagem auditiva comportamental.

5 – Enfermagem: realização de pré e pós-consulta psiquiátrica; acompanhamento de possíveis alterações devido ao tratamento medicamentoso; agendamento de consultas e retornos com os psiquiatras; solicitação de medicação de alto custo; administração de medicamento injetável; medicação supervisionada e visitas domiciliares.

No ambulatório também são realizadas reuniões semanais de equipe para discussão e reavaliação do projeto terapêutico de cada usuário. E, quando necessário, acontecem discussões sobre a evolução do paciente com as equipes do conselho tutelar, projetos socioeducativos, UBS e escolas. Destacamos ainda, que, quando há risco de vida ou surto psicótico avaliado por médico psiquiatra, é solicitada vaga para internação no hospital psiquiátrico. Importante informar que em média são encaminhados três pacientes por mês desta cidade para internação e que são sete vagas pactuadas com o hospital psiquiátrico de referência que fica distante 70 km deste município.

Com relação à participação do familiar no tratamento do indivíduo em tratamento, destaca-se que ela não ocorre de forma efetiva e contínua. Muitas famílias se mostram resistentes ou pouco participativas no processo de tratamento, o que exige maior atenção da equipe. Assim, ainda hoje, não é desenvolvido um trabalho de orientação familiar de forma contínua.

 

DISCUSSÃO

Considerando o contexto atual da Reforma Psiquiátrica brasileira, percebemos, neste município de pequeno porte, a implantação gradativa de serviços de saúde mental extra-hospitalares que oferecem atenção aos portadores de sofrimento psíquico por meio de serviço de saúde mental em regime ambulatorial, oficinas terapêuticas, CAPS I, além de uma proposta de trabalho de toda a equipe em buscar soluções de prestação de serviços que visem a não institucionalização do indivíduo portador de enfermidade psíquica.

Analisando a articulação dos serviços que compõem a rede de saúde do município, percebemos falhas na articulação dos serviços no estabelecimento de referência e contra referência, ocasionando falta de informação quando o paciente é referenciado de um serviço a outro, ou seja, não se sabe ao certo se o usuário está de fato no serviço para o qual foi encaminhado a fim de ser atendido. Nessa perspectiva de articulação, usuários são referenciados da Atenção Básica ao ambulatório para tratamento especializado; também são referenciados do ambulatório a serviços sociais para que possam desenvolver novas habilidades e socializarem-se em serviços abertos a toda a comunidade.

Percebemos que, apesar da assistência em Saúde Mental do município contar com um serviço em regime ambulatorial e um CAPS I, muitos são os desafios para que a Reforma Psiquiátrica se efetive da maneira prevista nos textos legais, pois, é deficiente ainda o número de serviços oferecidos, como centro de convivência para idosos e projetos sociais voltados ao adolescente. Outra carência do município são espaços que ofereçam esporte, música, ou seja, atividades que deem apoio e assistência para as demandas de contato com outras pessoas e que possibilitem diálogo e trocas sociais. No município não existem projetos de geração de emprego e renda, o que dificulta ou impossibilita a inserção do portador de transtorno psíquico ao mercado de trabalho.

No tocante à reabilitação psicossocial, muito há que ser feito para atender as necessidades dos indivíduos portadores de algum tipo de enfermidade psíquica, de modo a permitir uma efetiva participação social com garantia de cidadania. Como exemplo, pode-se citar a construção de serviços em rede com comunicação contínua no qual todos os recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos, comunidade), os diferentes serviços de saúde que atendem as pessoas em sofrimento psíquico, recursos sociais (moradia, trabalho, escola, esporte), econômicos (dinheiro, previdência), culturais, religiosos e de lazer estejam articulados para potencializar o trabalho com essas pessoas.

Atualmente, percebemos várias atividades nos bairros e na cidade como um todo e que integram as pessoas, como festas juninas e quermesses comunitárias nos bairros, campeonatos esportivos, passeios a parques e cinema, aniversário da cidade. Estas atividades acontecem, mas precisam ser mais bem implementadas para que integrem a todos e sejam um espaço contínuo de trocas e socialização entre a comunidade. Outro aspecto importante é que os usuários são chamados a participar de maneira continuada das discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço, que podem ser desenvolvidas na comunidade, no trabalho e na vida social, mas ainda não participam continuamente dessas atividades. Também devem ser oferecidas mais atividades de suporte social, como os projetos de inserção no trabalho, encaminhamentos para a entrada na rede de ensino, e para a obtenção de documentos e apoio para o exercício de direitos civis por meio da formação de associações de usuários e/ou familiares (que também são fundamentais).

Outro aspecto que ainda é deficiente no tocante ao atendimento dos usuários no ambulatório de saúde mental deste município é o longo tempo de espera pelos serviços de Fonoaudiologia e Psicologia quando o caso não é considerado de urgência. Para a Psicologia, casos urgentes são aqueles que envolvem violência sexual e risco de morte, enquanto na Fonoaudiologia são os casos de acidente vascular encefálico. Destaca-se a necessidade de uma reformulação do serviço de saúde do município que prevê na Atenção Básica o atendimento preventivo em saúde mental e no Serviço Especializado os atendimentos voltados ao coletivo e não ao individual.

Acreditamos ser necessário assegurar a obrigatoriedade de leitos psiquiátricos no hospital geral dentro do município, pois "a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes" (Brasil, 2001, p. 1). Isso ainda não ocorre efetivamente no município.

Salientamos que é de suma importância a participação de toda a sociedade no processo de estruturação da rede de saúde mental, principalmente com a participação ativa da população no Conselho Municipal de Saúde e também nas Conferências de Saúde Mental para que essa seja avaliada, discutida e tenha propostas de melhoria para a população usuária, além da vigilância que se pode exercer sobre os serviços desenvolvidos na perspectiva de aprimorar ou manter a qualidade dos serviços oferecidos.

Logo, o trabalho em Saúde Mental pode articular cuidado clínico e programa de Reabilitação Psicossocial. Dessa maneira, os projetos terapêuticos devem incluir a construção de trabalhos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania que minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada usuário frente à sua vida. Nessa perspectiva, verificamos que as ações em saúde mental do município em tela avançaram com a implantação de um ambulatório em saúde mental e um Centro de Atenção Psicossocial I, em fase de credenciamento. No entanto, necessita construir uma rede de atendimentos que possibilite a reabilitação psicossocial de forma efetiva.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos, neste artigo, refletir sobre a realidade de um município com relação ao serviço de saúde mental oferecido, bem como seus avanços e suas necessidades pós-implantação da lei que visa o processo da reforma psiquiátrica brasileira. Pudemos apreender que, para que a Reforma se estruture de fato, como diz Amarante (2000), faz-se imprescindível que não fique apenas na criação de serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, e sim que haja uma mudança no paradigma do tratamento em saúde mental pela transformação do imaginário social sobre a loucura, ou seja, uma sociedade na qual seja possível construir um lugar social para os portadores de sofrimento psíquico, uma sociedade de inclusão e solidariedade.

Há a necessidade de capacitação permanente dos diferentes profissionais que atuam com pessoas portadoras de sofrimento psíquico para que possam atender a esses usuários. Vale ressaltar que atualmente as iniciativas para capacitação profissional partem dos próprios profissionais quando procuram, por conta própria, cursos de especialização, aperfeiçoamento, mestrado, não sendo estimulado ou disponibilizado cursos ou capacitação pela política de recursos humanos da prefeitura municipal.

Mas certamente uma das principais dificuldades de viabilização da construção de uma rede de saúde mental articulada passa pelas falhas e ausências de comunicação entre os serviços envolvidos nesta rede. Na consolidação desta rede, é importante também destacar o papel dos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, assim como das Conferências de Saúde Mental, as quais, por excelência, garantem a participação dos trabalhadores, usuários de saúde mental e seus familiares nos processos de gestão do SUS. Assim, seria possível a construção de uma rede de atenção à saúde mental que favoreça a inclusão das pessoas acometidas de sofrimento psíquico na sociedade de forma ativa e livre.

 

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Endereço para correspondência
Marciana Gonçalves Farinha
E-mail: mgfarinha@hotmail.com

Recebido em 22/10/2011.
1ª Revisão em 10/12/2011.
2ª Revisão em 03/03/2012.
Aceite Final em 10/04/2012.