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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.14 no.2 Ribeirão Preto  2013

 

ARTIGOS

 

Potencial informativo e desafios técnicos do Teste Wisconsin de classificação de cartas

 

Potential information and technical challenges of the wisconsin card sorting test

 

Capacidad informativa y desafío técnico del test de clasificación de tarjetas de wisconsin (wcst)

 

 

José Humberto da Silva-Filho1,I; Sonia Regina Pasian2,II; Larissa Leite Barboza3,III

IUniversidade Federal do Amazonas, Manaus-AM, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil
IIIFaculdade Martha Falcão, Manaus-AM, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST) é um instrumento bastante relevante na avaliação neuropsicológica, considerado internacionalmente como padrão de referência para exame das Funções Executivas do cérebro, amplamente reconhecido a partir de 1993. Apesar disso, existem dificuldades para sua adequada aplicação, complexa apuração dos escores e interpretação dos resultados, fazendo-se necessário aprimorar esses processos. O presente estudo apresenta as principais áreas de aplicabilidade do WCST, conforme literatura científica disponível na área de avaliação psicológica, e discute suas dificuldades metodológicas relativas à aplicação e à análise. Por fim, argumenta-se sobre desafios deste instrumento neuropsicológico e são propostas averiguações qualitativas complementares a seus dados psicométricos, visando ampliar seu potencial informativo, bem como estimular adequada utilização do WCST em diferentes contextos.

Palavras-chave: WCST, funções executivas, avaliação neuropsicológica, avaliação psicológica


ABSTRACT

The Wisconsin Card Sorting Test (WCST) constitutes a very important technique in neuropsychological assessment, internationally regarded as a benchmark for examining the executive functions of the brain, widely recognized since 1993. Nevertheless, it has experienced difficulties for its proper application, complex calculation of scores and interpretation of results, so it is necessary to enhance these processes. This study presents the main areas of applicability of the WCST available in the area of psychological assessment literature, and discusses methodological difficulties concerning its application and analysis. Finally, it argues challenges of this neuropsychological test and proposes complementary qualitative investigations to its psychometric data, aiming to expand its informative potential and encourage appropriate use of the WCST in different contexts.

Keywords: WCST, executive functions, neuropsychological assessment, Psychological assessment


RESUMEN

El Test de Clasificación de Tarjetas de Wisconsin (WCST) constituye una herramienta muy importante en la evaluación neuropsicológica, considerado internacionalmente como un punto de referencia para el examen de las funciones ejecutivas del cerebro, ampliamente reconocido desde 1993. Sin embargo, existen dificultades para su buen funcionamiento, complejo cálculo de las puntuaciones y la interpretación de los resultados, por lo que es necesario mejorar estos procesos. Este estudio presenta las principales áreas de aplicación del WCST disponibles en el área de la literatura de evaluación psicológica, y discute sus dificultades metodológicas a respecto de la aplicación y el análisis. Por último, se argumenta a respecto de desafíos del test neuropsicológico y los resultados cualitativos complementarios propuestos en sus datos psicométricos, con el objetivo de expandir su potencial informativo y fomentar el uso adecuado del WCST en diferentes contextos.

Palabras clave: WCST, funciones ejecutivas, evaluación neuropsicológica, evaluación psicológica


 

 

Os prejuízos nas funções cognitivas são os sintomas mais evidentes e os principais correlatos das alterações ou danos cerebrais (Cunha, 2000; Lezak, Howieson, & Loring, 2004; Luria, 1966). Nesta perspectiva, a avaliação neuropsicológica, que examina estes prejuízos cognitivos, configura-se como peculiar processo de avaliação psicológica. Frequentemente, neste tipo de avaliação, há por base a investigação de duas hipóteses: (a) se de fato há prejuízo cognitivo (pela emergência de determinadas respostas ou por um desempenho anômalo); (b) se o eventual prejuízo cognitivo associa-se ou não a sinais de disfunção cerebral.

As características e as metas da avaliação neuropsicológica, na perspectiva de Cunha (2000), exigem sólida fundamentação em Psicologia clínica, psicometria e conhecimento do sistema nervoso central e suas patologias, combinando elementos de desempenho quantitativo e qualitativo. A primeira abordagem pode ser informativa acerca do desempenho do indivíduo em testes específicos, indicando o quanto ele se afasta ou não dos padrões normativos de referência, sugerindo eventual prejuízo cognitivo. A segunda abordagem, a qualitativa, coleciona um conjunto de outras evidências além do teste psicológico, trazendo informações para interpretar aquele desempenho peculiar como associado às disfunções cerebrais ou, então, podendo ser atribuído às peculiaridades individuais (necessidades, potencialidades e limitações). Por esta razão, Lezak, Howieson e Loring (2004), autoridades internacionais em avaliação neuropsicológica, sugerem duas regras de ouro nesse processo: tratar cada paciente como um indivíduo e refletir detidamente sobre as evidências detectadas e sobre o comportamento deste indivíduo a partir do suporte da própria prática clínica do avaliador, sobretudo quando se encontra resultado de falso positivo, ou seja, sugestivo de comprometimento cognitivo, mesmo quando o indivíduo é plenamente capaz.

De acordo com Cunha (2000), apesar da complexidade inerente às tentativas de compreensão dos processos mentais, os prejuízos no desempenho em tarefas cognitivas poderiam estar associados a quatro grandes áreas do funcionamento lógico, focos de estudo na avaliação neuropsicológica, a saber: (a) Funções receptivas (seleção, aquisição, classificação e integração); (b) Memória e aprendizagem (armazenagem e evocação); (c) Pensamento (processamento, organização e reorganização mental); (d) Funções executivas (gerenciamento mental de intenções e ações).

Atualmente, o foco de estudos da Neuropsicologia recai sobre a avaliação de funções associadas ao comportamento social, como a linguagem, as expressões faciais e as funções executivas. Desse modo, os estudos acerca da importância que as regiões pré-frontais do cérebro possuem nas atividades cognitivas e comportamentais tornam-se muito influentes na Neuropsicologia contemporânea. Uma vez que se mostram amplamente associadas ao funcionamento do córtex pré-frontal, as funções executivas são conhecidas como processos capazes de regular a captação de informações pelo cérebro, especialmente aquelas que concernem à realização de ações voluntárias e independentes voltadas a metas específicas (Reppold, Pedrom, & Trentini, 2010).

Entende-se por funções executivas uma série de habilidades e princípios de organização cognitiva, necessários para lidar com as situações mutantes, inesperadas ou ambíguas da vida cotidiana ou do relacionamento social, mediante conduta apropriada, responsável e efetiva. Segundo Papazian, Alfonso e Luzondo (2006), as funções executivas são processos mentais que intencionalmente solucionam problemas internos e externos. Estes autores definem problemas internos como as representações mentais de atividades criativas e de conflitos de interação social, de comunicação e de motivação, novos ou não. Os problemas externos são definidos como o resultado da interação entre o indivíduo e seu entorno. O objetivo maior das funções executivas está em resolver estes problemas de forma eficiente e adequada, tanto no plano individual quanto social. Os prejuízos cognitivos, por sua vez, são considerados transtornos associados ao autocontrole do comportamento, à capacidade de tomar iniciativa, à motivação, à formulação de objetivos, diretrizes e planejamentos, geralmente associado a disfunções (ou lesões) no córtex pré-frontal (Lezak, Howieson, & Loring, 2004).

Neste sentido, funções executivas podem ser definidas como conjunto de competências cognitivas voltadas para: (a) planejamento (capacidade de elaboração e de execução de um plano estrategicamente organizado e sequenciado de ação, envolvendo ordenação de comportamentos motores, pensamentos e linguagem); (b) flexibilidade de pensamento (capacidade de alternar entre distintos critérios de atuação lógica que podem ser necessários para responder às demandas mutantes de uma tarefa ou situação problema); (c) memória de trabalho (habilidade que permite manter ativada uma quantidade limitada de informações necessárias para guiar o comportamento durante o decorrer da ação, sem perder a conexão entre esses elementos no processo); (d) monitoração (processo mental que segue em paralelo na realização de uma atividade, ou seja, o próprio monitoramento para execução adequada e eficaz dos procedimentos em curso, permitindo ao indivíduo tomar consciência de possíveis desvios do seu próprio comportamento em relação ao objetivo pretendido, proporcionando autocorreção); (e) formação de conceitos (capacidade de reconhecer, nos estímulos, suas características e padrões, relações entre eles, antecipando mentalmente uma tendência baseada nestas interpretações); (f) inibição e controle de comportamentos perseverativos ou inadequados (capacidade de interromper determinada conduta na atualidade, mesmo que em ocasiões passadas esta ação tenha sido bem-sucedida) (Lezak, Howieson, & Loring, 2004).

Apesar do avanço nos estudos que buscam definir, caracterizar e compreender as habilidades que compõem as funções executivas, não existe consenso conceitual, nem sobre sua organização nem sobre quais critérios deveriam ser usados para identificar seus componentes. Desse modo, pode-se acessar extensa lista de elementos que comporiam tais funções, as quais podem se mostrar redundantes e/ou pouco consistentes (Packwood, Hodgetts, & Tremblay, 2011; Testa, Bennett, & Ponsford, 2012).

A complexidade de delimitação das funções executivas implica em dificuldades em seu processo de definição operacional e, por conseguinte, em sua mensuração. No entanto, Heaton, Chelune, Talley, Kay e Curtiss (1993) ressaltam as boas propriedades avaliativas do Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST) para examinar estas funções, passando-se, desse modo, à sua exploração.

 

AS FUNÇÕES EXECUTIVAS NO TESTE WISCONSIN DE CLASSIFICAÇÃO DE CARTAS (WCST)

O WCST é um teste psicológico que propõe ao respondente a tarefa básica de classificar cartas a partir de estímulos-padrão, compondo grupos dessas cartas. Desse modo, os agrupamentos dos estímulos e a classificação possível das cartas apresentam variadas soluções e possibilidades, a depender da configuração dos estímulos disponíveis no momento. Em função dessa estruturação interna da atividade, o respondente precisa adaptar suas estratégias com base no feedback fornecido pelo avaliador durante a realização da tarefa. O teste é composto por dois grupos diferenciados de cartas, a saber: cartas estímulo e cartas resposta. As cartas estímulo (quatro no total) ficam expostas diante do indivíduo durante toda a atividade. Por sua vez, dois maços de 64 cartas resposta, em um total de 128, deverão ser classificados de acordo com estes estímulos. O respondente recebe um feedback do aplicador (classificação "certa" ou "errada") após cada carta utilizada. O critério para classificação das cartas se alternam ao longo da tarefa entre "cor (C)", "forma (F)" e "número (N)", o que não é informado ao examinando, pois o teste visa identificar sua capacidade de formular hipóteses (conceitos) para resolver os problemas apresentados durante a atividade. A tarefa é finalizada quando o indivíduo classifica corretamente seis categorias (cor, forma, número, cor, forma, número) com qualquer número de tentativas ou quando se esgotam as 128 cartas disponíveis (Silva-Filho, Pasian, & Vale, 2007). A realização deste teste, segundo Heaton, Chelune, Talley, Kay e Curtiss (2005), possibilita avaliar a capacidade de adaptação das estratégias cognitivas diante das alterações das contingências ambientais, assim como avaliar a capacidade de raciocínio abstrato.

Entretanto, ao contrário de outras formas de medidas do raciocínio abstrato, este instrumento fornece escores objetivos não somente do sucesso global no teste, mas também de fontes específicas relativas a possíveis dificuldades vividas na execução da tarefa. Neste sentido, serviria também como sinalizador, entre outros, de eventual deficiência na conceituação inicial do problema, de possível fracasso para manutenção atencional no contexto cognitivo da tarefa, de eventuais comportamentos perseverativos ou mesmo de sinalizador de ineficiência da aprendizagem. O WCST foi considerado o mais proeminente dos chamados testes dos lobos frontais (Damásio, 2000), sendo internacionalmente reconhecido como padrão-ouro na avaliação das funções executivas (Reppold et al., 2010).

Uma revisão bibliográfica acerca de pesquisas publicadas com o WCST em periódicos indexados da literatura internacional encontrou 1076 artigos no período de 1952 até 2009. Dentre estes, 10,3% foram publicados antes da segunda padronização do instrumento nos EUA (realizada em 1993) e 89,7% dos trabalhos foram publicados após 1993, quando este teste passou a ser uma referência internacional na avaliação neuropsicológica. Este estudo demonstrou também a ampla abrangência geográfica do uso do WCST, com distribuição em todos os continentes, sobretudo na Europa e EUA, onde se identificou a maioria das publicações (61,7%). A partir desse levantamento bibliográfico foi possível demonstrar que a aplicabilidade do WCST esteve associada a grandes áreas do saber, como Psiquiatria, Neurologia e Psicologia, entre outras, com diferentes contextos de aplicação. Observou-se, ainda, que os periódicos científicos que mais publicaram sobre o tema apresentam significativo fator de impacto, atestando a relevância desse instrumento de avaliação neuropsicológica internacional (Silva-Filho, Pasian, & Humberto, 2011).

Identifica-se, portanto, que o teste Wisconsin de Classificação de Cartas é utilizado em estudos variados, os quais possuem focos de investigação e públicos distintos. Podem-se citar, como exemplos dessa amplitude temática de sua aplicação, nos últimos anos, os seguintes estudos, destacados por sua diversidade temática e objetivos variados da investigação científica, apresentados em ordem cronológica:

(a) Wisconsin Card Sorting Test with children: A meta-analytic study of sensitivity and specificity (Romine et al., 2004): verificou a sensibilidade do Teste Wisconsin de Classificação de Cartas para identificação de déficits nas funções executivas em casos de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Para tanto, realizou-se metanálise dos indicadores do WCST em uma dissertação e 32 artigos indexados em três bases de dados (PsycINFO, Medline e ERIC) entre os anos de 1984 e 2002. Os resultados apresentados demonstraram que indivíduos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade obtiveram desempenho estatisticamente inferior ao apresentado pelos grupos controle no WCST. Contudo, ressaltou-se que se deve estar atento ao fato de que déficits nas funções executivas não estão associados a específicas condições nosológicas, de modo que podem se fazer igualmente presentes em variados quadros clínicos.

(b) Flexibilidade na resolução de problemas em tentadores de suicídio (Keller & Werlang, 2005): avaliou a resolução de problemas em indivíduos que tentaram suicídio e sua possível correlação com a desesperança. Essa pesquisa foi realizada com 64 participantes, sendo 32 com tentativas de suicídio e 32 sem tal histórico, o que os caracterizou como grupo controle. Utilizaram-se como instrumentos de pesquisa: WCST; Teste Stroop de cores e palavras; Escala de Desesperança de Beck; Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS III), com ênfase nos subtestes cubos, códigos e vocabulário; entrevista diagnóstica padronizada MINI-International Neuropsychiatric Interview. Identificou-se que indivíduos com prévio histórico de tentativas de suicídio apresentam menor flexibilidade para resolução de problemas e maiores níveis de desesperança do que o grupo controle, com alta e estatisticamente significativa correlação entre estes dois componentes psíquicos.

(c) Typical performance of elderly patients with Alzheimer Disease on the Wisconsin Card Sorting Test (WCST) (Silva-Filho et al., 2007): caracterizou o desempenho de idosos em fase inicial da Doença de Alzheimer (DA) no WCST, elaborando preliminares normas avaliativas para seu uso no Brasil com esses indivíduos. Para tanto, avaliaram-se 36 pacientes em acompanhamento clínico ambulatorial para o referido quadro clínico (DA), com idade média de 75,8 anos. Os idosos obtiveram baixos escores nos indicadores técnicos do WCST, o que denota prejuízo cognitivo e falha na memória operacional, formação de conceitos e aprendizagem. Foi possível apresentar padrões típicos de desempenho do WCST em idosos clinicamente comprometidos, embora iniciais, o que possibilitou a classificação de resultados desses idosos em oito faixas diagnósticas que trazem possibilidades informativas para o diagnóstico da DA no Brasil.

(d) Qualidade de vida, cognição e desempenho nas funções executivas de idosos (Beckert, Irigaray, & Trentini, 2012): examinou a relação entre funções executivas, cognição e qualidade de vida em idosos, haja vista as poucas referências existentes na literatura científica quanto à integração de tais características nesse público específico. A pesquisa foi realizada com 88 idosos, submetidos a: Escala (Breve) de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL-Bref); entrevista diagnóstica padronizada MINI – International Neuropsychiatric Interview e Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve (para avaliar funções cognitivas); WCST (para exame das funções executivas). Os resultados apontaram correlações estatisticamente significativas e positivas entre os domínios de qualidade de vida e variáveis cognitivas, de modo que a cognição se mostra como importante na aquisição, pelo idoso, de habilidades que propiciam sua adequada integração ao ambiente em que vive.

(e) Novas tecnologias para o uso do WCST em pesquisas brasileiras (Silva-Filho, Trentini, Argimon, Barboza, & Mônego, 2013): engloba os trabalhos apresentados em Mesa-Redonda do VI Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica e IX Congreso Iberoamericano de Diagnóstico y Evaluación Psicológica, abordando pesquisas em andamento no cenário nacional acerca do Teste Wisconsin de Classificação de Cartas, a saber: (1) Normas para Aplicação do WCST em adultos, a qual visa realizar estudos de fidedignidade, validação e normatização de tal instrumento na faixa etária de 18 a 59 anos; (2) Desenvolvimento de normas brasileiras para o WCST-64, que objetiva viabilizar a utilização da versão reduzida do WCST, composta por 64 cartas, a qual se configura pela diminuição da quantidade de tempo necessário para a aplicação do instrumento; (3) Acessório para aplicação do WCST, que propõe a utilização de um acessório que visa auxiliar na tarefa do aplicador e facilitar o enquadramento do examinando na execução da forma física do teste WCST; (4) E-WCST/BR: Versão brasileira web do WCST para pesquisadores, o qual possui como objetivo automatizar e padronizar o feedback oferecido no decorrer do teste, assim como o registro de respostas, apuração e geração de banco de dados, a fim de direcionar a interação entre avaliador e examinando para as instruções, esclarecimentos, acompanhamento da tarefa e observações comportamentais.

Nota-se, portanto, que o WCST pode ser inserido em diversos contextos de avaliação psicológica e neuropsicológica, com finalidades que abrangem os mais diversos construtos e áreas de investigação científica, merecendo ampla divulgação entre os profissionais da área. Contudo, a partir dos próprios estudos referidos, há necessidade de aprimoramentos técnico-científicos no instrumento, seguindo-se diretrizes de qualificação internacional do mesmo, tópico a seguir explorado.

 

DESAFIOS TÉCNICOS DO WCST

Apesar de ser um teste reconhecido internacionalmente na avaliação das funções executivas, o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas possui características que eventualmente inibem seu uso mais amplo por pesquisadores e por profissionais na prática clínica cotidiana. Em parte, isso está relacionado às exigências técnicas inerentes à sua aplicação e também às dificuldades no processo de apuração e interpretação dos resultados. A padronização do teste WCST é considerada exigente por solicitar do avaliador a realização simultânea de três tarefas: (1) possibilitar que o examinando realize o teste de acordo com o enquadramento da tarefa, de modo que suas respostas sejam emitidas conforme o ritmo utilizado pelo aplicador para fazer o registro dos dados; (2) oferecer um feedback verbal ao indivíduo de "certo-errado" para cada carta classificada; (3) registrar corretamente as respostas do examinando em protocolo específico para este fim, de forma a identificar o critério utilizado para classificação (Cor, Forma, Número ou Outro) (Silva-Filho, 2012).

O número de tarefas a ser realizado simultaneamente pelo aplicador pode favorecer a ocorrência de imprecisões técnicas (na aplicação ou no registro), as quais produziriam impactos na interpretação dos resultados. Igualmente, os diversos estímulos que são apresentados continuamente para o avaliando possibilitam deslizes perceptuais por parte do mesmo, o que igualmente tende a prejudicar a avaliação dos resultados apresentados, embora se constitua em informação qualitativa relevante sobre o caso. Dentre as imprecisões mais comuns cometidas pelo avaliador, pode-se citar: (1) oferecer feedback incorreto ou hesitante; (2) realizar incorretamente o registro de resposta; (3) não retomar o enquadramento da tarefa (quando isto se faz necessário). Dentre os equívocos comumente cometidos pelo examinando, pode-se citar: (1) esbarrar nas cartas dispostas sobre a mesa, tirando-as da posição original; (2) confundir cartas estímulo com cartas resposta ao realizar a classificação, o que demanda intervenção do aplicador para retomar o enquadramento da tarefa (Silva-Filho, 2012).

Ressalta-se que, uma vez realizado, o WCST se torna inviável para nova aplicação imediata no mesmo indivíduo, visto que sua resolução passa a ser influenciada pela aprendizagem da tarefa. Desse modo, a ocorrência de imprecisões no processo de sua aplicação culmina em limitada utilização (ou até completo descarte) dos dados coletados (Silva-Filho, 2012). Uma vez que o controle das variáveis associadas à aplicação do teste pode ser suprido por meio de um software, a própria editora americana (Psychological Assessment Resources – PAR, 1990), produziu uma versão informatizada do instrumento, permitindo sua realização em forma eletrônica, com automática apuração de resultados. No entanto, no Brasil, o acesso a este recurso ainda é limitado devido ao seu elevado custo e a não disponibilidade no mercado interno.

No que concerne à interpretação dos resultados, um dos indicadores de bom funcionamento executivo no WCST, em geral, é obtido quando as seis categorias do teste são completadas com o menor número possível de tentativas. No entanto, pesquisadores e clínicos têm identificado, em sua prática de investigação, que indivíduos com funcionamento cognitivo saudável nem sempre conseguem bons resultados, como seria esperado, surgindo resultados do tipo "falso positivo" e que devem ser interpretados parcimoniosamente (Silva-Filho, 2007). Este fenômeno coloca em questão o próprio alcance técnico e a qualidade das informações advindas do WCST, exigindo uma avaliação neuropsicológica mais apurada diante destas ocorrências. Não foram encontrados estudos que examinem especificamente esta questão em relação ao WCST. No entanto, este fenômeno pode ser identificado desde a primeira publicação sobre este instrumento (Berg, 1948). O autor relata, naquele primeiro estudo, que 30% de universitários saudáveis não conseguiram concluir as seis categorias propostas no teste. Essa evidência empírica se mantém até hoje, quando se observa, nas atuais tabelas de referenciais normativos do WCST, que uma parcela do público avaliado não consegue completar as seis categorias do teste. De acordo com as tabelas publicadas no manual brasileiro mais recente do WCST (Heaton et al., 2005), pode-se observar que em oito amostras de indivíduos na faixa etária de 15 a 60 anos (correspondendo às idades cognitivamente mais estáveis em relação ao efeito do desenvolvimento), a média de "categorias completadas" variou entre 5,24 e 5,81 e o desvio-padrão variou entre 0,54 a 1,35, estimando-se uma variação de aproximadamente 25 a 30% dos respondentes que não concluíram as seis categorias do teste. Outro estudo no Brasil (Silva-Filho, 2007), com amostra de 223 universitários saudáveis de Ribeirão Preto (SP), encontrou que 61 indivíduos (ou 27,4% do total) não conseguiram responder as seis categorias de classificação do WCST, o que confirma a tendência apresentada em todas as tabelas do referido manual brasileiro do WCST a respeito de indivíduos com funcionamento cognitivo saudável.

A ocorrência de tal fenômeno reforça a necessidade de atenção cautelosa às interpretações dos resultados dos examinandos. Analisá-los a partir do pressuposto de que o WCST é uma medida acurada do funcionamento pré-frontal pode levar à simplificação e generalização indevida a respeito das informações. Desse modo, quaisquer conclusões acerca do desempenho de um indivíduo devem ser embasadas em uma avaliação neuropsicológica abrangente, que acrescente aos resultados apresentados no WCST informações clínicas, psicossociais e históricas (Heaton et al., 2005; Lezak, Howieson, & Loring, 2004).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo das funções executivas, enquanto funções cognitivas superiores, tem adquirido cada vez mais relevância na neuropsicologia e nas neurociências. O presente estudo abordou princípios e desafios técnicos do WCST, reconhecido internacionalmente como um dos instrumentos de avaliação neuropsicológica mais utilizados em diversos centros de pesquisa, para aferição das funções executivas. Apesar de disponível no mercado norte-americano, a versão eletrônica do WCST, que auxilia imensamente a superação das dificuldades técnicas referentes à aplicação do teste, é um recurso pouco acessível aos pesquisadores no Brasil, sobretudo por não estar disponível no mercado interno. A disponibilização deste recurso técnico no mercado interno (automatizando a aplicação e apuração dos resultados) poderia favorecer enormemente a proliferação de inúmeras pesquisas em diversos centros de pesquisa, como comentado por Silva-Filho, Trentini, Argimon, Barboza e Mônego (2013).

Outro aspecto relevante sobre o WCST diz respeito às possibilidades de resultados "falso-positivo" neste teste, atingindo taxas de aproximadamente 25 a 30% dos respondentes. Nestes casos, além das avaliações meramente psicométricas dos escores, faz-se necessário ampla investigação qualitativa do desempenho do respondente, por meio de observações clínicas e de seu desempenho em outros instrumentos. Ou seja, o desenvolvimento de estratégias de investigação qualitativa dos dados do WCST, incluindo observações específicas durante a realização dessa prova neuropsicológica e também por meio de um inquérito complementar, poderia trazer informações relevantes para elaboração de resultados mais confiáveis. Proposta nessa direção pode ser considerada a partir dos achados de Silva-Filho (2007).

A interpretação dos resultados do WCST, sobretudo para a parcela dos respondentes que não conseguem concluir as seis categorias do teste, deve ser também pautada pelo levantamento de hipóteses clínicas não diretamente associadas ao desempenho neuropsicológico e suas competências cognitivas, buscando-se compreender a integralidade dos recursos dos indivíduos, como comentado por Lezak, Howieson e Loring (2004). Nessa direção, poder-se-ia questionar em futura investigação científica: haveria eventual associação de baixo padrão de respostas no WCST com características da personalidade? Haveria significativa associação com o pensamento divergente (comum às pessoas criativas) nesses indivíduos com desempenho inferior à média populacional no WCST, porém cognitivamente saudáveis? Haveria alguma associação com algum mecanismo de sofisticação lógica e de raciocínio abstrato em alguns respondentes que não lhes permitiriam encontrar respostas mais óbvias e objetivas para solução do problema proposto pelo WCST? Estas e outras questões podem ser levantadas para novas pesquisas, visando valorizar e potencializar o uso deste instrumento, já considerado uma referência internacional no campo da avaliação neuropsicológica e avaliação psicológica como um todo, razão maior do presente estudo.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
José Humberto da Silva-Filho
E-mail: zehumberto@uol.com.br

Recebido: 05/11/2013
1ª reformulação: 12/12/2013
Aceite final: 12/12/2013

 

 

1 José Humberto da Silva-Filho é doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo e professor adjunto da Universidade Federal do Amazonas.
2 Sonia Regina Pasian é professora associada da Universidade de São Paulo e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
3 Larissa Leite Barboza é mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas e pesquisadora do Laboratório de Medidas e Avaliação Psicológica – LAMAP da Faculdade Martha Falcão.