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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.15 no.1 Ribeirão Preto 2014
ARTIGOS
O sonho de um supervisor em uma clínica-escola: contribuições da psicanálise contemporânea
The dream of a supervisor during clinical training: contributions of contemporary psychoanalysis
El sueño de un supervisor en una clínica-escuela: aportes de el psicoanálisis contemporáneo
Sandra Aparecida Serra Zanetti1; Julia Archangelo Guimarães2
Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR, Brasil
RESUMO
O artigo se propõe, pautando-se em referenciais psicanalíticos contemporâneos, a relatar o modo como um profissional de Psicologia pode se beneficiar do próprio material psíquico, como um sonho. O artigo conta a experiência de uma supervisora de uma Clínica-escola que, após a supervisão, tem um sonho que a remete a aspectos relacionados ao caso atendido por um de seus estagiários. Baseada em autores como Bion, Ogden e Kaës, este sonho é analisado e entendido como um material provindo do espaço interpsíquico construído em sessão e, posteriormente, na supervisão. Conclui-se que aquilo que o analista ou, neste caso, o supervisor, sente, percebe, sonha e pensa, quando devidamente trabalhado e analisado, pode ser revelador para o entendimento de um caso clínico.
Palavraschave: sonhos, psicanálise clínica, supervisão clínica, clínicas-escolas
ABSTRACT
Based on contemporary psychoanalytic perspectives, the article reports how psychologists can benefit from their own psychic material, such as a dream. This article depicts an experience of a supervisor who, after having given supervision, had a dream that relates to a case taken by one of the interns. Based on authors like Bion, Ogden and Kaës, this dream is analyzed and understood as content provided from an interpsychic space developed on sessions, and later on supervision. It was concluded that whatever the analyst or, in this case, the supervisor, feels, perceives, dreams and thinks, when properly analyzed, might be enlightening for comprehending a clinical case.
Keywords: dreaming, psychoanalysis clinic, clinical supervision, clinical training
RESUMEN
El artículo propone, basándose en los marcos psicoanalíticos contemporáneos, informar cómo un profesional de la Psicología puede beneficiarse del proprio material psíquico, como un sueño. El artículo relata la experiencia de un supervisor de una escuela clínica que, después de la supervisión, tiene un sueño que se refiere a los aspectos relacionados con el caso clínico en atención por uno de sus estudiantes. Basado en autores como Bion, Ogden y Kaës, se analiza y entiende este sueño como un material provino del espacio interpsíquico construido en la sesión y más tarde en la supervisión. De ello se desprende que lo que el analista o, en este caso, el supervisor, siente, percibe, piensa y sueña, cuando correctamente trabajado y analizado, puede revelar la comprensión de un caso clínico.
Palabras clave: sueño, psicoanálisis clínica, supervisión clínica, escuela clínica
O presente artigo se dedica a relatar a experiência de uma docente enquanto supervisora de estudantes do quinto ano de graduação em Psicologia, que realizam seu estágio de atendimento clínico no serviço-escola da Universidade Estadual de Londrina, vinculada ao Centro de Ciências Biológicas. A proposta é demonstrar, pautando-se em referenciais psicanalíticos contemporâneos, de que forma o profissional de Psicologia, em diferentes áreas, pode se beneficiar do próprio material psíquico, como um sonho, em sua prática docente de supervisão. Visa-se mostrar também que este tipo de material onírico pode ajudar na compreensão do caso clínico que o profissional está supervisionando e auxiliar seu estagiário de graduação, em formação, do ponto de vista da compreensão diagnóstica do caso clínico e do processo de aprendizado da psicanálise.
Para tanto, o relato iniciar-se-á com a apresentação de como Freud trabalhava com os sonhos e o modo como este trabalho evoluiu desde sua época. Em seguida, será apresentado o trabalho de autores da psicanálise que passaram a se apropriar dos próprios sonhos como uma forma de acesso diferenciada aos conteúdos inconscientes do paciente. Como, contudo, pretende-se por meio deste texto apresentar uma proposta de trabalho com os sonhos a partir do sonho do supervisor clínico, serão apresentados estudos no âmbito da supervisão, e, na sequência, o trabalho de Ogden (2010), que orientará a análise do sonho do supervisor. Para este autor, o tratamento psicanalítico tem como objetivo aumentar a capacidade do paciente de "estar vivo para vivenciar ao máximo a plenitude da experiência humana" (p. 24). E assim, para o autor, a capacidade de viver as emoções é sinônimo de se tornar cada vez mais capaz de sonhar a própria experiência de vida, ou seja, sonhar-se existindo.
O SONHO PARA A PSICANÁLISE
De acordo com Freud (1900/2006), a produção onírica dos sonhos é um material precioso em processo de análise porque condensaria, em forma de imagens, informações inconscientes sobre o paciente. O trabalho com os sonhos visa, então, a recuperar a cadeia associativa por meio da qual o sonho foi fabricado para que o analista e o paciente possam acessar uma rede de conteúdos que esclarecem a formação de um sintoma, as razões ocultas que determinam a vida do paciente, tornando-o consciente dos motivos de sua neurose. Assim, para Freud (1900/2006), o sonho é a via régia de acesso ao inconsciente, e é por esta razão que ele se torna objeto privilegiado de estudo e de interpretação.
Kaës (2003) explica que a concepção sobre os sonhos evoluiu na psicanálise à medida que os autores foram dando atenção e voltando o seu interesse para a compreensão do fenômeno da intersubjetividade. Na concepção kleiniana, afirma, o sonho é entendido como uma elaboração dos conflitos intrapsíquicos infantis. A partir disto, segundo Kaës (2003), vários autores, como Anzieu (1975), Garma (1948/1954), Green (1972), Khan (1972), Meltzer (1993), Pontalis (1972), dentre outros, falaram sobre o tema e, de uma forma ou de outra, todos enfatizaram a atividade onírica como um processo capaz de alterar a organização dos conflitos fantasmáticos. A teoria bioniana, por sua vez, deu destaque à capacidade de sonhar, afirmando que esta teria relação com as condições intrapsíquicas e intersubjetivas da atividade onírica (Bion, 1953/1983). Para Kaës (2003), a ênfase dada por Khan (1975) "ao espaço do sonho como espaço transicional reforçou a ideia de que a formação do sonho depende da qualidade desse espaço e da capacidade da pessoa em utilizá-lo" (p. 3-4).
Aprofundando-se neste tema, Kaës (2003) explica que, na realidade, supõe a existência de dois umbigos do sonho: um ancorado ao psicossomático, e outro ligado ao micélio interpsíquico. A proposta do autor é a de que há uma polifonia do sonho e, portanto, o espaço onírico é comum e compartilhado. Assim, o sonho deve ser entendido e "trabalhado por e dentro de uma multiplicidade de espaços, de tempo, de significados e de vozes" (p. 4). Seguindo a explicação de Freud do aparelho psíquico, o autor coloca que este imaginou um aparelho para interpretar-significar os pensamentos e as emoções dos outros: "tal aparelho é um desses dispositivos psíquicos, com processos importantes de identificação, de transferências e de transmissão de pensamentos que tornam possíveis essas formações comuns e partilhadas" (p. 5). Contudo, acrescenta que, ainda que o espaço onírico explicitado por Freud seja isolado, não significa que esse espaço deva ser fechado, pois para Kaës (2003) "o espaço psíquico e o espaço onírico são abertos a partir da origem sobre o outro, e sobre mais de um outro" (p. 6). Desta forma, "O Inconsciente se insere imediatamente nos espaços interpsíquicos e transpsíquicos, determinando a vida psíquica desde o seu começo, especialmente através das alianças inconscientes e o conjunto de fantasias, discursos e pensamentos que precedem a vinda do sujeito ao mundo" (p. 6). Nesta direção, destaca-se um possível aspecto do sonhador: a do porta-sonhos, que pode exercer a função de sonhar por um outro. Da mesma maneira, o analista pode atuar como porta-sonhos de seu analisando, já que ambos se cruzam dentro do espaço onírico comum e parcialmente compartilhado no setting.
Outras pesquisas, que serão apresentadas a seguir, ressaltaram as repercussões oníricas entre analista e analisando. Estas pesquisas, como assinala Kaës (2003), mostram como essas correspondências atravessam o campo da transferência e da contratransferência. Isto porque a ideia de contratransferência também se expandiu para além do seu significado original de uma reação neurótica para incluir todas as reações do terapeuta: afetivas, corporais e imaginárias (Cwik, 2011). Zimerman (2000) explica que, com o avanço dos estudos psicanalíticos, a contratransferência passou a ser entendida como um fenômeno inevitável e que pode ser útil à análise, se bem compreendida e manejada. Como se origina de cargas da identificação projetiva que o paciente deposita no terapeuta, pode servir como uma bússola para a empatia e para a interpretação, segundo ele.
Partindo desses avanços da psicanálise, Botella (2012) considera que o sonho do analista provocado pelos resíduos do dia de uma sessão analítica pode representar, em um processo analítico difícil, além de uma clarificação precisa da contratransferência, uma fonte de elementos para descobrir e mergulhar em determinadas zonas psíquicas do paciente. A autora comenta que os sonhos transmitem uma memória que não pode ser substituída pela recordação de certas experiências do passado. Ela compara isso com a situação da descoberta da psicanálise em que Freud foi, ao mesmo tempo, o sonhador e o analista. Assim, o sonho do analista implica a dinâmica de dois psiquismos, no qual os componentes não são nem totalmente capazes de separação, nem verdadeiramente unificáveis.
Brown (2007, 2010) concorda que o sonho do analista pode refletir um fenômeno de contratransferência. Desde Freud, tais sonhos eram vistos como reflexo tanto das dificuldades não analisadas no analista como dos conflitos não examinados da relação analítica. Brown (2007) concorda que o sonho do analista com seu paciente pode representar esses problemas, porém destaca que tais sonhos também podem indicar formas que o analista possui para conhecer o paciente em um nível mais profundo, inconsciente, a partir do processamento das informações advindas das identificações projetivas do analisando.
Mailer (2002) relata que durante um período particularmente difícil com um paciente esquizóide, a analista tem dois sonhos em noites consecutivas em que o paciente aparece diretamente. A autora analisa os seus sonhos e decide mudar o seu estilo de comunicação com o paciente, resolvendo assim o circuito esquizóide em que ambos os membros da díade psicanalítica foram imersos. Alguns meses depois, o paciente relata um sonho surpreendentemente semelhante, possuindo até mesmo elementos idênticos com os que a analista sonhou, apontando para uma comunicação inconsciente entre eles, em que o paciente foi capaz de se apropriar e se beneficiar daquilo que a mente do analista foi capaz de elaborar por ele. A proposta da autora é entender este fenômeno como uma experiência em que se pode compartilhar um espaço de sonho como o outro, no encontro psicanalítico em sessão. Ferro (2010) concorda que os sonhos simbolizam o mais profundo intercâmbio entre paciente e analista. Em suas investigações, o autor também está interessado em transformações nos sonhos construídos pelo analista como o produto de ouvir as desconstruções e desconcretizações nas falas do paciente e o posterior re-sonhar.
A capacidade de entrar em contato com partes primitivas irrepresentáveis e, aparentemente, inacessíveis do self, é estudada por Bergstein (2013). O autor sugere que, quando o sonho do paciente chega a um impasse, ou encontra uma interrupção brusca, o analista sonha o que o paciente não pode. Para tanto, é necessário que o analista entre em contato com estados mentais primitivos, não tanto para descobrir a verdade histórica ou a recuperação do conteúdo inconsciente, mas para movimentar as diferentes partes da psique. O autor se baseia em Bion que, segundo ele, direciona os analistas a deixarem suas mentes vagamente livres. Os sonhos e as intuições do analista são elaborados como uma forma de penetração e transcendência à interrupção do sonho, facilitando, assim, ao paciente, aguentar estados insuportáveis da mente e a consciência dolorosa da impossibilidade de conhecer a experiência emocional.
Com relação à literatura nacional a respeito de artigos sobre sonhos, Milhorim, Casarini e Scorsolini-Comin (2013) constataram, por meio de uma seleção sistemática nas bases LILACS, SciELO e PePSIC, entre 2001 e 2011, que foram encontrados somente oito artigos que tratavam profundamente sobre a temática. Os temas destes artigos se concentraram, de maneira geral, sobre o que são os sonhos, sua definição, origem, função e, sobretudo, qual o seu significado para o sonhador e as implicações deste em sua vida. Ao longo desta revisão, os autores apontam que cada abordagem compreende o sonho de acordo com suas visões epistemológicas e concluem que a divergência de compreensões acerca dos fenômenos oníricos e a sua vasta utilização em contextos clínicos apontam a importância de pesquisas e discussões sobre o assunto para propiciar uma possível sistematização dos conceitos e pressupostos que fundamentam o trabalho psicológico, o que poderá evitar distorções na aplicação de técnicas e interpretações. Este estudo, portanto, justifica e ressalta a importância do presente artigo, que se encontra dentro desta proposta. Além disso, para que o debate possa ser ampliado, tendo em vista que o objetivo do artigo é discutir o sonho em um contexto de supervisão clínica psicanalítica, faz-se necessário apresentar os trabalhos publicados também neste cenário.
O PAPEL DA SUPERVISÃO NA INTERFACE DA PSICOLOGIA COM A PSICANÁLISE
É fundamental, no campo da Psicologia, que o estágio clínico ocorra sob supervisão de um profissional capacitado. Contudo, estudos (Barreto & Barletta, 2010; Saraiva & Nunes, 2007; Sei & Paiva, 2011; Watkins, 2013) observam a falta de definições e sistematizações sobre as habilidades, a postura e as competências necessárias a um exercício adequado da atividade do supervisor clínico, pensando que suas atitudes exercem uma influência direta, servindo como modelo, para o futuro profissional.
Para Barreto e Barletta (2010), o estágio clínico supervisionado deve ter como objetivo a promoção do desenvolvimento das habilidades e competências da prática clínica ao estudante. Para que isto seja possível, entendem que a finalidade da supervisão seja a facilitação da prática profissional por meio de estratégicas didáticas, desenvolvidas pelo supervisor, que visem promover as competências teóricas, técnicas e a competência social do aluno terapeuta.
Contudo, é importante salientar que a supervisão clínica de base teórica psicanalítica possui características específicas, especialmente quando esta ocorre em um serviço-escola. Isto porque o ensino e transmissão da psicanálise na universidade não constituem uma tarefa simples, pois implicam em dois saberes localizados em campos distintos. De um lado está a psicanálise que almeja, primeiramente, investigar o Inconsciente, cujo conhecimento é da ordem da subjetividade (Freud, 1919/2006). Do outro lado está o ensino pautado nos princípios da Educação, onde a produção do conhecimento é objetiva e demanda avaliações e notas. Derzi e Marcos (2013), por exemplo, se debruçaram sobre a seguinte questão: "Como a supervisão no meio universitário pode transmitir algo da psicanálise?" (p. 323). Isto é, o discurso do analista não ensina, não tem a pretensão de solucionar nada, e o supervisor necessita então ensinar ao seu supervisionando o que ele deve saber para não ensinar ao seu paciente o que este necessita saber sobre si. A importância na transmissão da psicanálise, sugerem os autores, é que ela deve ocorrer pela via do atravessamento de uma experiência na clínica e não pelo acúmulo de saber. Assim, o que eles propõem como estratégia é que, na universidade, o supervisor clínico deve principalmente escutar "o sintoma do supervisionando diante do caso clínico" (p. 330).
Portanto, no campo da psicanálise, as competências teóricas e técnicas do supervisor e do estagiário dependem não apenas de estratégias didáticas, como apontam Barreto e Barletta (2010). É necessária uma compreensão profunda a respeito da dinâmica inconsciente na qual a dupla encontra-se envolvida, sobretudo quando leva-se em consideração o fenômeno da intersubjetividade, como explicam alguns autores que abordam o trabalho do supervisor clínico psicanalítico, que serão apresentados na sequência.
Para Kernberg (2010) é tarefa de um supervisor clínico combinar a teoria e a técnica da psicanálise, e este consegue fazer isso quando comunica, de forma clara, a interpretação que fez à luz da teoria, oferecendo subsídios para que o estudante se aproprie da técnica. É também necessário, afirma, que o supervisor tenha consciência da ocorrência de processos paralelos, como por exemplo, da contratransferência tanto no supervisor quanto no supervisionando. Seguindo o mesmo raciocínio, Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003) salientam que a supervisão psicanalítica, embora ocorra num contexto de ensino-aprendizagem, pode envolver sentimentos na dupla que devem ser devidamente analisados. Da mesma forma, Yerushalmi (2012) entende que a abordagem psicanalítica intersubjetiva oferece um modelo único de supervisão, que envolve um convite à exploração das influências mútuas entre supervisores e supervisionados, e sugere que este tipo de postura capacita o supervisionando a desenvolver seu potencial clínico.
Para Southern (2007), os conceitos de contratransferência e intersubjetividade, revisitados pela prática psicanalítica contemporânea, representam uma grande oportunidade e avanço para o fortalecimento da supervisão clínica. Este autor explica que um olhar atento à contratransferência do paciente, do terapeuta e do supervisor pode melhorar a supervisão clínica, a prática profissional e a condução do tratamento, já que o entendimento do fenômeno da contratransferência nestes âmbitos corresponde ao entendimento das comunicações inconscientes entre os personagens envolvidos.
Pensando na necessidade de delinear e sistematizar a prática do supervisor clínico no campo da psicanálise, Watkins (2013) também sugere alguns apontamentos. Considera a necessidade de o supervisor criar um setting interno e externo à supervisão no qual tanto o supervisor quanto o supervisionando podem sentir/entender informações relevantes (afetos e significados inconscientes); de conceber a origem destes afetos; de oferecer interpretação; bem como, de compreender seus efeitos. A supervisão é, portanto, para este autor, um trabalho complexo que envolve, e é impactada por, processos conscientes e inconscientes que atravessam a tríade da supervisão. Assim, acredita que os supervisores devem encorajar seus supervisionandos a levar em consideração a influência inconsciente do supervisor, supervisionando e paciente nas situações de supervisão e de análise.
O contexto do relato de experiência contido neste artigo ainda envolve um ambiente de formação universitária. Nestes casos, Sei e Paiva (2011) entendem que a supervisão é um espaço que deve proporcionar um ambiente suficientemente bom para o aprendizado, de forma que o estudante se sinta confiante para revelar ao supervisor suas dúvidas e atitudes diante do paciente. As autoras consideram que o supervisor, para tanto, deve ser um profissional não apenas com sólida formação, mas também capaz de manejar as angústias e os sofrimentos suscitados pelos primeiros atendimentos clínicos, ofertando o acolhimento necessário ao desenvolvimento do psicólogo em formação.
Estes artigos não esgotam o debate sobre o tema, mas são suficientes para clarear a discussão que se pretende neste, ressaltando a importância de considerar os aspectos intersubjetivos surgidos no âmbito da supervisão e o seu manejo visando o aprendizado do estudante. Em seguida, será apresentada a base teórica que orientará a análise do sonho do supervisor, visando a criação de uma proposta para o exercício de sua prática.
O ANALISTA ENTRE SONHOS NÃO SONHADOS OU INTERROMPIDOS
Conforme já enfatizado, a base que orientará a análise do sonho do supervisor clínico está em Ogden (2010) que, por sua vez, baseia-se em Bion (1961). Para Ogden (2010), o sonho é o produto da capacidade associativa e elaborativa da mente e, portanto, pacientes graves podem apresentar dificuldade para sonhar, seus sonhos podem ser interrompidos ou simplesmente não conseguirão dormir, porque não sonham. Na realidade, para o autor, o sofrimento psíquico pode estar relacionado justamente a dificuldades na capacidade da mente de elaborar as adversidades da vida e, desta forma, o sonho, entendido como uma elaboração psicológica inconsciente, pode ficar perturbado, a ponto deste processo ser interrompido. À medida que alguém se torna incapaz de sonhar, também se torna incapaz de crescer, de mudar, ou de se tornar diferente do que tem sido, afirma o autor. Assim, a tarefa do analista, ele acrescenta, seria a de auxiliar o paciente a recuperar sua capacidade de sonhar seus sonhos não sonhados e interrompidos.
A base teórica essencial na qual o autor se sustenta para anunciar esta forma de conceituar o sofrimento psíquico está em Bion (1961). Para este autor, o sonhar e o não ser capaz de sonhar são compreendidos por meio do conceito de "função alfa". A mente, nesta vertente, deve ser entendida como capaz de disponibilizar recursos que transformam impressões sensórias brutas relacionadas a uma experiência emocional, ou seja, transformar "elementos-beta", em "elementos-alfa" (Bion, 1961). Assim, impressões sensoriais decorridas de experiências do indivíduo com o ambiente precisam ser transformadas em "elementos-alfa" e, só assim, serão passíveis de incorporação em uma cadeia de significados para o funcionamento psíquico. Dessa forma, entende-se que os "elementos-beta" não podem ser ligados entre si e, por consequência, não podem ser utilizados em cadeias associativas no pensar, no sonhar, ou mesmo armazenados em memória.
Portanto, para Bion (1961), a função alfa seria justamente a de possibilitar à mente a se utilizar das impressões sensoriais, transformando-as em elementos capazes de serem significados. Uma falha nesta função alfa se converte numa falha de funcionamento do psiquismo em que o paciente não é capaz de sonhar e, para Bion (1961), é por esta razão que alguém não consegue dormir. A incapacidade de adormecer e ter um sono tranquilo indica que a mente contém falhas na função alfa. Suas impressões sensoriais decorridas de experiências emocionais não estão disponíveis para o pensamento consciente, nem para o pensamento onírico. Portanto, se alguém não é capaz de dormir, também não é capaz de despertar, tornando-se incapaz de diferenciar estar desperto de estar dormindo, vida de vigília e vida onírica, realidade externa e interna, o que denota a gravidade do caso. Ogden (2010) assinala que os transtornos caracterizados por este tipo de impedimento incluem os psicossomáticos e as perversões graves descritos por Marty e M'Uzan (1963); e os estados de "des-afeto" por McDougall (1984); nos quais os pacientes são incapazes de elaborar suas emoções e sensações corporais e possuem um tipo de pensamento operacional.
Assim, também é possível entender que, para Ogden (2010), sonhar é um processo constante que ocorre tanto durante o sono, quanto quando estamos acordados, de forma inconsciente. Se dormimos é porque temos a capacidade de sonhar preservada, embora nem sempre ela possa ajudar a manter o estado do sono permanente: são os pesadelos que acordam, os sonhos interrompidos, e os terrores noturnos. "Os pesadelos são 'sonhos ruins'; os terrores noturnos são 'sonhos' que não são sonhos" (Ogden, 2010, p. 20). O autor explica que os terrores noturnos não deixam nenhum registro psíquico com significado, apesar do medo, que acaba sendo esquecido. Na terminologia de Bion (1961), os terrores noturnos são constituídos de impressões sensoriais brutas, "elementos-beta", que não podem ser processados em sonhos, pensamentos ou memória. Em oposição, o pesadelo é um sonho real no qual a pessoa acorda sentindo medo, mas logo desperta e consegue diferenciar vida de vigília de sonho. Quando acorda, é capaz de contar e pensar sobre o que sonhou. Este sonho possibilita crescimento psicológico, mas somente até o ponto em que o sonho é interrompido. Isto indica que, naquele momento, a capacidade do indivíduo de gerar "pensamentos-sonho e sonhá-lo é sobrepujada pelos efeitos perturbadores da experiência emocional sendo sonhada" (Ogden, 2010, p. 20).
Quando os pacientes possuem sua capacidade de sonhar falha precisam da mente de outra pessoa para ajudá-lo a sonhar "o aspecto do seu pesadelo que ainda está por ser sonhado" (Ogden, 2010, p. 22). Aqui, para Ogden (2010), entraria o analista, como uma "dessas amplas categorias de pessoas" (p. 22), que poderia ajudar o paciente nesta tarefa. Isto é, caberia ao analista, e neste artigo sustenta-se a ideia de que também ao psicoterapeuta que trabalha em uma linha analítica, a
capacidade de sustentar por longos períodos de tempo um estado psicológico de receptividade aos sonhos não sonhados e interrompidos do paciente, à medida que eles são vivenciados na transferência-contratransferência. Os devaneios do analista são centrais ao processo analítico, no sentido de que eles constituem uma via de acesso essencial pela qual o analista participa no sonhar dos sonhos que o paciente é incapaz de sonhar por conta própria. (Ogden, 2010, p. 22).
Dessa forma, os sonhos sonhados pelo analista/psicoterapeuta e pelo paciente são, ao mesmo tempo, seus próprios sonhos e os sonhos de um terceiro sujeito, que é tanto o paciente quanto o analista/psicoterapeuta, quanto nenhum deles.
Embora possa parecer que o analista inicialmente é usado pelo paciente para sonhar os sonhos não sonhados do paciente "por procuração", os sonhos do analista (seus devaneios na situação analítica) não são desde o princípio nem exclusivamente seus nem do paciente, e sim os sonhos de um terceiro sujeito inconsciente que é ambos e nenhum deles, paciente e analista. (Ogden, 2010, p. 23).
A situação analítica, como Ogden (1996) a concebe, é composta de três sujeitos: o paciente, o analista e um "terceiro analítico", intersubjetivo. Este último é resultado da interação do inconsciente do analista com o do paciente. A tarefa do analista é se tornar consciente das experiências no e do "terceiro analítico" e simbolizá-las verbalmente para si mesmo. Será, a partir desta experiência, que o analista/psicoterapeuta poderá falar com o seu paciente sobre a experiência inconsciente que por ele foi sonhada/pensada e da qual o paciente não era inteiramente capaz.
Realizando a supervisão de um atendimento clínico de uma estudante estagiária do quinto ano da graduação de Psicologia, um sonho da supervisora, como restos diurnos desta supervisão, revelou-se como uma oportunidade de ir além de toda a teoria exposta até este momento, tendo-a como base para pensar esta experiência. Supôs-se que a estudante foi capaz de captar a essência subjacente ao que estava sendo dito em sessão e o supervisor da mesma forma o fez, o que resultou em um sonho que não era nem do supervisor, nem da estagiária, nem da mãe da paciente, em sessão, mas fruto do intercâmbio intersubjetivo entre esses psiquismos. A estagiária psicoterapeuta, portanto, foi capaz de sustentar um estado psicológico, como afirmou Ogden (2010), de receptividade ao material psíquico mãe da paciente vivenciados na transferência-contratransferência em sessão, cujo produto foi recebido pelo psiquismo da supervisora, durante a supervisão, e elaborado em seu sonho. Cwik (2006) acredita que na supervisão clínica psicanalítica o conceito de "terceiro analítico" de Ogden (2010) se expande para incluir a supervisão como o "quarto analítico", incorporando divagações do supervisor sobre o paciente. Esta atitude do supervisor e estado de espírito é denominado por Cwik (2006) como "rêverie" de supervisão, conceito de Bion (1961) que remete à capacidade da mãe de fazer por seu bebê a função alfa da mente. Ou seja, Cwik (2006) refere-se à possibilidade da mente do supervisor exercer a função alfa em relação aos "elementos-beta" trazidos pelo supervisionando de seu paciente, tal como se imagina que foi feito no contexto deste caso clínico, por meio do sonho.
RELATO DA EXPERIÊNCIA
No horário da supervisão do seu caso clínico, a estudante relata a terceira sessão de atendimento, dentro do quadro das primeiras entrevistas, com a mãe da pequena paciente, já que o pai se recusou a participar destes primeiros encontros. A queixa sobre a criança, com cinco anos, é a de que ela quase não come, recentemente passou a roer suas unhas, de modo compulsório, e anda encontrando dificuldades para dormir ou, aos moldes de Ogden (2010), encontrando dificuldades para sonhar.
Como se trata de sessões preliminares, a mãe conta a história do pai, dela e do casal e comenta o fato do pai da criança ter sido preso logo após o início de seu namoro com ele. Passam-se em torno de três meses de namoro quando ele vai preso e ela passa a ocupar o lugar de ajudá-lo a comprovar sua inocência, com a ajuda de um advogado e do pai dele. Ele fica cerca de seis meses preso e, na realidade, é a falta de provas que o liberta da prisão. Eles retomam o namoro e, dali mais alguns meses, ela engravida da menina e se casam.
Na terceira sessão com a mãe ela conta que, por ser muito ansiosa, sua filha não tem conseguido dormir e dá um exemplo, da noite anterior, quando ela escuta, durante a madrugada, a menina contando os dias que faltariam para o aniversário de sua amiga. Comenta também, mais posteriormente na sessão sobre um episódio em que o pai havia brigado com a filha. Ela havia apanhado por insistentemente procurar chamar a atenção dos pais em um momento em que os dois estavam tendo uma conversa séria. A menina então começa a chorar copiosamente e chora muito. A mãe tenta acalmá-la por várias horas e obriga a filha a ir dormir na cama dos pais onde repetidamente acaricia o braço da filha no local em que o pai a bateu, até a menina adormecer. Contou que durante toda a noite a filha teve um sono agitado no qual, em alguns momentos, batia-se no mesmo lugar onde o pai havia batido. Na mesma noite desta sessão e do seu relato na supervisão, a supervisora tem um sonho:
Ela ia ser presa. Sentiu que isso seria terrível porque antes de ser presa passaria por uma espécie de tortura por parte dos demais presos. Contudo, naquele dia isso não acontece e ela retorna outro dia para ser presa. O clima da prisão, desta outra vez, está bem mais tranquilo e ela entra numa sela em que há espaços, como armários, para guardar os seus pertences, trazidos em uma mochila. Começa-se então uma vistoria. Em sua mochila havia um baú com pequenos pedaços de ouro e bijuterias, e ela sente que irá receber uma punição por portar objetos de valor numa penitenciária. A princípio pensa que esta punição deverá ser paga em dinheiro, mas logo chega outra carcerária com a sua punição: é uma espécie de máquina de lixar unhas, que lembra uma ratoeira, pelo formato. Sua punição é que suas unhas serão lixadas até que elas se acabem. Com muito medo da dor que irá sentir, ela cai no chão, chorando em desespero, e o sonho é interrompido.
Certamente há significados para o sonho que pertencem à vida da supervisora, que não serão analisados, e aqueles que pertencem à essência subjacente ao que estava sendo conversado em supervisão naquele mesmo dia, ou seja, aquilo que foi transmitido do inconsciente da estagiária para o da supervisora. Imediatamente, quando a supervisora acorda lembra-se da paciente da estagiária e da angústia que sentiu quando a estudante contou o fato de que menina tinha o hábito de roer as unhas até quase elas desaparecerem por completo. Em sessão havia-se comentado que a criança está comendo partes de si, talvez sentida como menos ameaçadoras, já que a hipótese formulada era a de que esta menina sente o alimento como objeto persecutório (Klein, 1946/1991), pois sentiu muita dificuldade de mamar o leite da mãe desde o nascimento por ter nascido com refluxo gastroesofágico.
Há quatro elementos no sonho, como significantes, que podem ser remetidos diretamente à história da criança: prisão, mochila, unha e choro em desespero. Os dois primeiros pertencentes à história dos pais da criança e os dois últimos ao que foi relatado concernentes diretamente à criança. Analisando este sonho, de modo geral, fez a supervisora pensar em uma mensagem: de uma punição, com pouca certeza sobre sua injustiça. Isto porque não estava claro, durante o sonho, o que ela havia feito para que fosse presa e, como não tinha certeza sobre isso, não poderia julgar-se inocente. Isso a fez pensar que, na verdade, um sentimento ambivalente e inconsciente de injustiça permeia a representação dos pais da pequena paciente quanto ao fato ocorrido da prisão do pai, que é reencenado pela filha, quando se faz ser punida por estar lhe chamando atenção em momento inoportuno e chora copiosamente como se fosse inocente, mas bate-se como se fosse culpada. O pai foi preso, segundo a história contada, portando material ilícito em uma mochila, sem saber que o fazia, pois, segundo relato, a situação fora armada por pessoas que o julgavam culpado de um outro crime que, segundo ele, também não cometeu.
Desta história podemos destacar o envolvimento de um casal que se funda neste contexto e de uma criança que se concebe logo após a aparente resolução do mesmo. Portanto, conjectura-se que o sonho da supervisora indica que a criança oferece-se como instrumento de deposição das angústias paternas (Kaës, 2011) para que ajude os psiquismos dos pais a elaborar a experiência traumática. Compactua com a punição que recebeu (batendo-se após ter apanhado) e chora terrificada com a experiência. Sente-se e não se sente injustiçada pelo o que ocorreu. Neste sentido, o seu sintoma de roer as unhas e de não alimentar-se também podem indicar uma punição justa e injusta. E sua dificuldade de dormir representaria que sozinha não está dando conta de elaborar esta experiência traumática que os pais atualizaram (Freud, 1914/2006) e depositaram (Kaës, 2011) inconscientemente nela.
Foi dessa forma que se percebeu que as angústias da filha somam-se e se misturam às angústias paternas. Trata-se daquilo que propõe a psicanálise das configurações vinculares, quando considerando a importância para a construção psíquica os vínculos intersubjetivos na família, debruça-se sobre os processos de transmissão psíquica, no qual os filhos são herdeiros. Kaës (2011) entende que os processos de transmissão psíquica podem ocorrer basicamente de duas maneiras: com transformação, também denominada de intergeracional, na qual o material psíquico transmitido à próxima geração pôde ser elaborado, trabalhado na fantasia, pela geração precedente; e, sem transformação, também denominada de transgeracional, quando o conteúdo transmitido atravessa as gerações de maneira inconsciente, sem deixar espaço para a transformação. Neste caso, trata-se de material psíquico que não foi aceito, ou acolhido pela(s) geração(ões) precedente(s). São, portanto, verdades escondidas, proibidas de serem ditas, episódios de violência, vergonha, humilhação, que se transformam em "não-ditos" e que precisam ser esquecidos.
De maneira muito semelhante a Kaës (2011), Robion (2003) entende que os processo de transmissão psíquica podem ser distinguidos entre "pré-conscientes" (com transformação) e "inconscientes" (sem transformação). Assim, os processos de transmissão inconsciente abordam o mecanismo da "deposição", quando os elementos brutos passam de uma geração à outra, e caberá à próxima geração a transformação desse material impensado pela geração precedente. Contudo, a teoria de Robion (2003) observa que uma modalidade de transmissão psíquica inconsciente ocorre pelo estabelecimento de um "contrato simbiótico denegativo", que auxilia profundamente no entendimento deste caso clínico. Nesse tipo de contrato, afirma ao autor, a identidade é absorvida em função de uma dificuldade de recalcamento de certos conteúdos pulsionais do transmissor. Particularmente, uma falha de recalcamento de um sujeito necessita de um outro psiquismo para que o recalcamento se realize no primeiro. Assim, uma criança que se identifica com o desejo inconsciente parental serve de prótese psíquica ao psiquismo parental com falhas, tal como faz a criança deste atendimento clínico.
Sintetizando, do sonho da supervisora entendeu-se que, por mais que esta criança tenha vivenciado momentos traumatizantes em sua infância decorrentes de sua dificuldade de mamar, esse sonho faz conjecturar que elementos da história da criança misturam-se aos elementos da história dos pais que permeiam o psiquismo fantasmático da criança. A incapacidade da criança de sonhar tudo isso foi transmitida pela mãe à estagiária e desta à supervisora que o fez, ajudando-a a sonhar "o aspecto do seu pesadelo que ainda está por ser sonhado" (Ogden, 2010, p. 22).
Além disso, o sonho da supervisora ainda funcionou como um elemento disparador para se pensar os norteadores da prática de um supervisor clínico psicanalítico, tomando como cenário a formação universitária em Psicologia. Os trabalhos apresentados demonstram a necessidade em se refletir sobre as técnicas e as competências específicas deste profissional, além do cuidado não somente com a formação destes estudantes, mas com os fenômenos do próprio setting que se estabelece neste encontro. O presente artigo propõe ao supervisor clínico que se baseia na psicanálise se atentar ao setting da supervisão, à sua contratransferência: seus próprios pensamentos, sentimentos, sensações que lhe ocorrem durante a supervisão, e aos seus sonhos, após estas, como efeitos do vínculo estabelecido com seu supervisionando, que por sua vez traz consigo material psíquico de sua relação com o seu paciente. Quando possível, esta postura promove uma escuta diferenciada que é potencialmente reveladora de uma compreensão significativa à respeito do caso clínico, captada e transmitida pela via inconsciente entre paciente e estagiário, e posteriormente, entre estagiário e supervisor.
Assim, entende-se que esta proposta envolve uma combinação entre teoria e técnica que se organizam numa postura coerente do supervisor e culminam em um ensino da psicanálise que atravessa as vivências do estudante, proporcionando-lhe um encontro com a teoria num nível mais profundo e transformador, tal como esta exige.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um sonho, qualquer sonho, é considerado como material precioso para a psicanálise porque é capaz de transmitir, comunicar ao sonhador, um entendimento sobre si, sobre suas experiências vividas, contribuindo para elaborações conscientes e criações de novos sentidos. Ao perceber a importância da intersubjetividade na formação e organização dos psiquismos, autores como Bion (1961), Ogden (2010) e Kaës (2011) apresentam uma nova forma de trabalhar com conteúdos transmitidos, em que aquilo que se sente, percebe, sonha e pensa podem ser entendidos como decorrentes de encontros psíquicos, conscientes e inconscientes. Foi desta forma, partindo deste princípio, que um sonho de um supervisor pode ser pensado como decorrentes destes intercâmbios, ou seja, como fruto de articulações inconscientes, neste caso, entre os psiquismos da estudante e da mãe da criança e, posteriormente, entre os psiquismos da estudante e da supervisora.
Sonhando aquilo que foi dito em supervisão, de forma inconsciente, a supervisora teve acesso a uma compreensão sobre o caso clínico que novamente, aborda o intersubjetivo, demonstrando como o sintoma da criança associa-se à trama familiar na qual encontra-se profundamente envolvida e capturada. Diante disso, o ideal seria um encaminhamento para uma terapia familiar, ainda que o atendimento clínico da criança permaneça.
Considera-se importante ainda sublinhar, finalizando, que consciente desta possibilidade, o sonho de um supervisor clínico ou qualquer profissional da Psicologia que esteja diretamente ligado à supervisão de estágio que envolva algum tipo de atendimento clínico, pode ser revelador para o entendimento desta experiência. Este material apresenta um conhecimento mais profundo e decorrente de conexões inconscientes entre psiquismos, e o fato de se tratar de um material de um serviço-escola reforça o caráter e a possibilidade de, por meio de experiências deste tipo, oferecer uma formação diferenciada, profunda sobre a psicanálise aos estudantes de Psicologia.
A psicanálise é uma base teórica que, para ser entendida, e para que o estudante possa se valer realmente dela para realizar um atendimento clínico adequado, precisa ser vivenciada, permitindo-se ser transformado por meio dela, ser atravessado por ela. Não se pode exigir que o estudante de Psicologia se submeta à uma análise para tanto, nem se espera que se forme um analista, mas a proposta deste artigo, neste sentido, pode ser vista como uma estratégia do supervisor de aprofundar o aprendizado deste estudante, significando, de maneira intensa, a sua experiência psicanalítica.
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Endereço para correspondência
Sandra Aparecida Serra Zanetti
E-mail: sandra.zanetti@gmail.com
Recebido: 28/04/2014
1ª reformulação: 22/05/2014
Aceite final: 25/05/2014
1 Sandra Aparecida Serra Zanetti é professora adjunta no Departamento de Psicologia e Psicanálise na Universidade Estadual de Londrina.
2 Julia Archangelo Guimarães é graduanda em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina.