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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.18 no.2 Ribeirão Preto 2017
ARTIGOS
Desafios éticos na pesquisa com adolescentes: implicações da exigência do consentimento parental
Ethical challenges in research with adolescents: the impact of requirement for parental consent
Desafíos éticos en la investigación con adolescentes: implicaciones de la exigencia del consentimiento parental
Jeane Lessinger Borges1; Débora Dalbosco Dell'Aglio2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
RESUMO
Este estudo busca discutir os aspectos éticos envolvidos na pesquisa com adolescentes, incluindo a exigência do termo de consentimento dos pais, conforme previsto na Resolução 510 do Conselho Nacional de Saúde. Para tanto, são apresentados os resultados de uma pesquisa com 560 adolescentes, na faixa etária de 14 a 19 anos, sobre a temática da violência no namoro. Discute-se o pressuposto da autonomia dos adolescentes, assim como os conceitos de desenvolvimento cognitivo e de maioridade legal. Implicações no tamanho e vieses da amostra são destacadas, tendo em vista a baixa taxa de retorno dos termos de consentimento parental (26%). Assim, são sugeridas alternativas à dispensa do consentimento dos pais ou a utilização do consentimento passivo, para ampliar a possibilidade de amostras mais representativas.
Palavras-chave: ética; viés amostral; adolescência; consentimento parental.
ABSTRACT
This study discusses ethical aspects involved in research with adolescents, and the necessity of parental consent, according to Resolution 510 of the National Health Council. Results from teen dating violence research with 560 adolescents, aged 14-19 years old, are presented. The assumption of adolescents' autonomy, as well as concepts of cognitive development and the age of majority are debated. Implications of sample size and bias are highlighted, considering the low return rate of active parental consent (26%). Thus, possibilities for dispensing with active parental consent or the use ofpassive consent are suggested in order to increase the possibility of more representative samples.
Keywords: ethics; sample bias; adolescence; parental consent.
RESUMEN
Este estudio busca discutir los aspectos éticos involucrados en la investigación con adolescentes, incluido la solicitud del consentimiento parental, de acuerdo con la Resolución 510 del Consejo Nacional de Salud. Se discuten los resultados de una investigación con 560 adolescentes, con edades comprendidas entre los 14 y los19 años, sobre la temática de la violencia en las relaciones afectivas. Se debate el supuesto de la autonomía de los adolescentes, así como los conceptos del desarrollo cognitivo y de la mayoridad legal. Implicaciones en el tamaño de la muestra y los sesgos están resaltados, en vista de la baja tasa de retorno de los consentimientos parentales (26%). Por lo tanto, se sugiere la renuncia de los consentimientos de los padres o el uso de consentimiento pasivo, para ampliar la posibilidad de muestras más representativas.
Palabras clave: ética; sesgo muestral; adolescencia; consentimiento parental.
Este artigo tem por objetivo discutir questões éticas associadas à pesquisa com adolescentes e implicações da exigência do consentimento parental, conforme previsto na Resolução 510, do Conselho Nacional de Saúde. Para tanto, será apresentado um recorte de uma pesquisa sobre a temática da violência no namoro na adolescência, enfocando os aspectos éticos.
A adolescência é compreendida como o período do desenvolvimento humano entre os 10 e os 19 anos, marcada por aspectos biológicos universais, com o início na puberdade, mas com a duração e características definidoras fortemente marcadas pelas influências culturais e socioeconômicas (World Health Organization [WHO], 2016). Como advertem Cerqueira-Santos, Melo Neto e Koller (2014), a adolescência deve ser mais relacionada aos seus aspectos sociais e psicológicos do que à idade cronológica. Ao se debruçar sobre a adolescência, torna-se necessária uma perspectiva crítica quanto a sua definição, pois o que é ser uma criança ou um adolescente em um dado contexto de desenvolvimento difere de outros contextos socioculturais. Nesse sentido, a concepção contemporânea de adolescência enfatiza um paradigma sistêmico, dando ênfase para as interrelações dos recursos individuais e contextuais que promovem um desenvolvimento positivo nesta etapa do ciclo vital (Senna & Dessen, 2012).
No campo jurídico brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Brasil, Lei 8.069, de 1990) define adolescente como a pessoa de 12 a 18 anos de idade. O ECA considera crianças e adolescentes como "seres em desenvolvimento" e que devem estar resguardados pela Doutrina da Proteção Integral e pela garantia de direitos. Contudo, passados quase 30 anos de sua existência, diferentes vulnerabilidades psicossociais se fazem presentes na vida de milhares de adolescentes brasileiros. Dessa forma, a pesquisa com adolescentes, sobretudo em contextos de vulnerabilidade (violência, abuso sexual, exploração sexual, crianças em situação de rua, institucionalização, etc), merece uma atenção especial, pois os aspectos éticos devem contemplar a análise do risco da participação na pesquisa, bem como o dilema ético de garantir sigilo das informações ou denunciar os riscos aos quais os participantes estão expostos (Neiva-Silva, Morais, & Koller, 2010).
A participação de adolescentes em pesquisas envolve a discussão de diferentes aspectos bioéticos (Albuquerque & Garrafa, 2016; Rojas, Sherrit, Harris, & Knight, 2008; Santos et al., 2017). Entre os principais aspectos abordados está a capacidade cognitiva do adolescente para a tomada de decisão, respeitando sua autonomia, versus o critério de maioridade civil (Kuther, 2003; Teixeira & Braz, 2010). Em bioética, crianças e adolescentes são considerados um grupo vulnerável, pois são considerados como não capazes de tomar decisões maduras e estão sujeitos à autoridade dos pais ou responsáveis legais (Santos et al., 2017). A autonomia é discutida por Albuquerque e Garrafa (2016) por dois aspectos: o da liberdade e o da qualidade do agente que decide. Assim, é necessária a garantia de que todo participante possa ter a liberdade de escolha, sem sofrer nenhuma coerção, e de ausência de influências na tomada de decisão. Já a qualidade do agente se refere à capacidade de agir intencionalmente e requer o entendimento da situação, ou seja, ter a compreensão cognitiva dos objetivos, riscos e benefícios da pesquisa.
Teorias da Psicologia do Desenvolvimento, sobretudo a Teoria do Desenvolvimento Moral e as Teorias Cognitivas sobre tomada de decisão, têm sido usadas como justificativa à compreensão de que adolescentes acima de 14 anos apresentam condições morais e cognitivas para tomar decisões (Campos Velho, Quintana, & Rossi, 2014; Kuther, 2003). Sbicigo, Tronco e Dell'Aglio (2013), ao discutirem teoricamente o tema, referem que há evidências empíricas e teóricas para indicar que os adolescentes a partir de 14 anos são cognitivamente capazes de consentir. Em uma pesquisa no Canadá, com adolescentes hospitalizados, foi avaliada a opinião de filhos e pais sobre a idade adequada para que o próprio adolescente pudesse dar o consentimento em participar de uma pesquisa (Kong et al., 2016). Os adolescentes sugeriram a idade de 14,5 anos e os pais de 16 anos. Contudo, no contexto jurídico brasileiro, o Código Civil (Brasil, Lei n◦ 10.406 de 2002), em seu artigo 5º, refere que a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
De acordo com a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura [UNESCO], 2005), a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser plenamente respeitadas e acima de qualquer interesse da ciência (Artigo 3º). Além disso, quando se tratar de pessoas incapazes, deve-se ter o cuidado de possibilitar que os mesmos possam participar no processo de decisão em favor ou retirada do consentimento, devendo ser concedida proteção especial e em conformidade com o superior interesse da pessoa em causa e com o direito interno (Artigo 7º). A DUBDH (UNESCO, 2005) salienta ainda que nos casos de pessoas incapazes, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses (Artigo 5º).
No Brasil, a resolução 466, de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Pesquisa (CNS, 2012), preconiza as diretrizes das pesquisas com seres humanos, buscando assegurar os princípios da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade. A eticidade da pesquisa é, dentre outros critérios, compreendida por: (a) respeito ao participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade; (b) ponderação entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos; e (c) garantia de que danos previsíveis serão evitados. Deve-se ainda lembrar que toda pesquisa com seres humanos envolve risco em tipos e gradações variados.
A resolução 466 (CNS, 2012) ainda prevê a exigência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) dos pais ou responsáveis e, adicionalmente, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) do participante com menos de 18 anos. No que diz respeito ao TCLE, a resolução prevê que, nos casos de criança, adolescente, pessoa com transtorno ou doença mental, este se dará a partir de um representante legal. Portanto, os pais ou responsáveis legais devem consentir pelo adolescente. Logo, nenhum adolescente menor de 18 anos poderá participar de uma pesquisa se não entregar o TCLE assinado pelos pais ou responsáveis legais, com exceção daqueles emancipados dos pais. Já o TALE garante que a criança, o adolescente ou o indivíduo legalmente incapaz receba todos os esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa lhe acarretar, na medida de sua compreensão e respeitado em suas singularidades. Ou seja, garante que o adolescente possa ter autonomia na tomada de decisão de participar da pesquisa, respeitando sua vontade.
O Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), portanto, possibilita dar voz e poder de decisão ao adolescente, o que é um princípio ético indiscutível (Kuther, 2003; Lobato et al., 2016; Teixeira & Braz, 2010). Esse assentimento pode ser compreendido como ferramenta única para uma relação de confiança e de respeito entre o pesquisador e o adolescente, assim como de valorização da autonomia do adolescente. Para tanto, é crucial que os pesquisadores estejam atentos à capacidade de compreensão do adolescente, para que os mesmos de fato sejam livres para consentir (Santos et al., 2017). Assim, a obtenção do TALE busca respeitar a livre expressão do adolescente, o exercício de seu direito de autonomia e autodeterminação (Lobato et al., 2016). Para que esse princípio seja preservado, os pesquisadores devem informar aos adolescentes, em uma linguagem compreensível e de acordo com seu desenvolvimento cognitivo e moral, os objetivos da pesquisa, os riscos e os benefícios, a fim de que esses se envolvam ativamente no processo de decisão (Lobato et al., 2016). A autonomia é uma das tarefas da etapa da adolescência, que tem como objetivo final possibilitar que o adolescente possa afirmar sua identidade como indivíduo independente (Campos Velho et al., 2014).
Recentemente foi publicada a resolução 510, de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2016), referente à pesquisa nas áreas das Ciências Humanas e Sociais. Esta resolução considera as especificidades destas áreas do conhecimento, incluindo pesquisas sem intervenção direta no corpo humano, com natureza e grau de risco específicos, diferenciando-se das pesquisas biomédicas. A resolução 510 também prevê a anuência da criança, do adolescente e dos indivíduos incapazes, por meio do assentimento verbal, assim como também faz referência ao TCLE dos pais ou dos responsáveis legais. Por fim, o Código de Ética Profissional (Conselho Federal de Psicologia, 2014), em seu artigo 16º prevê que nas atividades voltadas à pesquisa e produção de conhecimento, o psicólogo avaliará os riscos envolvidos, garantirá o caráter voluntário da participação dos envolvidos, mediante consentimento livre e esclarecido, assim como preservará o anonimato dos participantes e garantirá a devolução dos dados das pesquisas.
Diversos estudos têm debatido o papel do TCLE parental e suas implicações na pesquisa com crianças e adolescentes (Pereira, Williams, & de Bem, 2012; Santos et al., 2017; Sbicigo et al., 2013; Teixeira & Braz, 2010). Entre os aspectos discutidos estão a questão da autonomia do adolescente, a redução do número de participantes e o risco de viés na amostra (Rojas et al., 2008; Santos et al., 2017). Em um estudo com pais, pesquisadores, crianças e adolescentes em tratamento oncológico, foi possível observar que a autonomia da criança e do adolescente não foi levada em consideração, pois os adultos consideraram esses como não capazes de entender os riscos e benefícios da pesquisa. Quando a autonomia é negada em determinadas circunstâncias, como no caso de decisões médicas, as crianças e adolescentes são levados a agir de forma heterônoma (Teixeira & Braz, 2010). Em revisão de literatura nacional, Jager, Gonçalves, Dias e Beck (2013) destacam que a autonomia do adolescente para a tomada de decisão deve ser avaliada individualmente, uma vez que o desenvolvimento cognitivo e emocional que o habilita para tomadas de decisões é determinado por questões pessoais, biológicas e contextuais particulares.
O uso do consentimento parental foi discutido por Pereira et al. (2012), que apontam vantagens e desvantagens. No que se refere-se às vantagens, o uso atende os preceitos legais, reforça o poder familiar e empodera os pais nas decisões sobre a vida dos filhos. Já entre as desvantagens, o uso pode reduzir o número de participantes, interfere na aleatoriedade da amostra e aumenta os custos para viabilização da pesquisa (Pereira et al., 2012; Spence, White, Adamson, & Mattheus, 2014). Em geral, há baixo retorno dos TCLEs entregues aos pais ou responsáveis.
Jager et al. (2013) destacam que permitir que adolescentes participem de pesquisas somente após assinatura do TCLE por um adulto responsável pode dificultar a realização de estudos ou intimidar a participação em determinadas pesquisas. Pode-se compreender que, quando a pesquisa aborda temas delicados da adolescência (uso de drogas, comportamentos de risco e sexualidade, por exemplo), os adolescentes não se interessam em participar, pois precisam falar com seus pais sobre esses mesmos temas. Para Ferreira e Souza (2012), dependendo do tema a ser investigado, o adolescente pode se sentir envergonhado de pedir aos pais ou responsáveis a autorização para participar do estudo.
Em relação ao viés da amostra, por exemplo, em um estudo sobre uso de substâncias na adolescência (EUA, Rojas et al., 2008), quando houve renúncia da exigência do TCLE parental (n= 538), a taxa de recusa em participar da pesquisa foi de 19,7%. Por outro lado, quando o TCLE parental foi exigido (n= 168), essa taxa aumentou para 59,1%. Da mesma forma, Spence et al. (2014) obtiveram maior taxa na participação de pré-adolescentes (11-12 anos) em uma pesquisa sobre dieta alimentar (n= 1141, Reino Unido) quando foi solicitado o termo de consentimento passivo (96% versus 41% consentimento ativo). Dessa forma, os autores apontam que o uso do termo de consentimento passivo dos pais pode elevar as taxas de participação de adolescentes na pesquisa, assim como a representatividade da amostra (Rojas et al, 2008; Spence et al., 2014).
Para Rojas et al. (2008), a exigência do consentimento dos pais pode resultar em viés de auto-seleção substancial, ou seja, um viés de amostra, pois pode ocorrer auto-censura dos adolescentes, causando uma sub-representação dos comportamentos investigados na amostra final. Para Tigges (2003), o consentimento parental ativo resulta na exclusão de minorias, de estudantes com problemas escolares e de adolescentes engajados em comportamentos de risco.
Também Liu, Cox Jr.,Washburn, Croff e Crethar (2017) demonstraram que a exigência do consentimento parental ativo pode levar a um viés sistemático na amostra, em estudos onde a população está mal representada, a partir de uma meta-análise com quinze estudos sobre comportamentos de risco na adolescência. Os autores identificaram que, nas pesquisas em que foi utilizado consentimento ativo, as amostras apresentavam um maior numero de meninas, participantes mais jovens, e menos afro-americanos. Por outro lado, os estudos com consentimento passivo apresentaram amostras com taxas mais elevadas de uso de substância auto-relatada. Dessa forma, Liu et al. (2017) sugerem que devem ser buscadas soluções para pesquisas com jovens, sem silenciar a voz da juventude de alto risco.
Tendo em vista as desvantagens do uso de Consentimento Parental ativo, diversos autores têm sugerido o uso alternativo do Consentimento Passivo dos pais (Liu et al., 2017; Rojas et al., 2008; Ruiz-Canela et al., 2013; Spence et al., 2014; Tigges, 2003). Nesse tipo de procedimento, apenas os pais que não concordam com a participação de seu filho em uma pesquisa devem devolver o Consentimento Passivo assinado, indicando sua decisão aos pesquisadores. Assim, os termos são enviados a todos os pais, como ocorre no TCLE, mas os pais que concordam com a participação não precisam assinar e devolver o documento.
Além disso, Pereira et al. (2012) questionam ainda a capacidade de autonomia dos pais, no contexto brasileiro, frente aos baixos níveis de escolarização de pais de classes socioeconomicamente desfavorecidas. Por sua vez, Teixeira e Braz (2010) também questionam se os pais de fato compreendem os objetivos da pesquisa ou se assinam o TCLE baseados na emoção, como por exemplo, nos casos de pesquisas envolvendo o tratamento oncológico do filho. Nesse sentido, os pais assinam o termo como única fonte de esperança, desconhecendo os riscos da pesquisa. Neiva-Silva et al. (2010) discutem ainda os dilemas éticas na pesquisa com crianças em situação de rua, em que não há possibilidade de ter acesso ao TCLE dos pais. Dessa forma, apontam que o consentimento deve ser solicitado às instituições que atendem essas crianças, ao Conselho Tutelar ou mesmo ao Juizado da Infância e Juventude. Nesse sentido, o TCLE parental, embora seja uma exigência jurídica e em prol das diretrizes da bioética, também precisa ser discutido, a fim de que pais tenham condições de compreender os objetivos da pesquisa em que seus filhos irão participar.
QUESTÕES ÉTICAS NA PESQUISA COM ADOLESCENTES: RELATO DE PESQUISA
Nessa seção é apresentado um recorte de uma pesquisa desenvolvida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Adolescência (NEPA), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, abordando a temática da violência no namoro, entre adolescentes na faixa etária de 14 e 19 anos. Busca-se destacar aspectos éticos envolvidos no estudo e questões relacionadas ao uso do TCLE assinado pelos pais ou responsáveis. Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (parecer 1.143.563 de 06 de julho de 2015).
Considerando que as relações românticas na adolescência constituem um aspecto normativo desta etapa do desenvolvimento e oportunizam ao adolescente desenvolver habilidades necessárias aos relacionamentos íntimos na vida adulta (Goncy, Sullivan, Farrell, Mehari, & Garthe, 2017), buscou-se investigar a presença de violência nesses relacionamentos. Entende-se que relações amorosas positivas na adolescência contribuem para o ajustamento psicológico, o processo de independência e a construção da identidade do adolescente. Por outro lado, experiências negativas, isto é, com a presença de violência no namoro, por exemplo, podem contribuir para diferentes situações de risco (gravidez, uso de drogas, ciclo de violência conjugal adulta) e desenvolvimento de psicopatologias (Bonomi et al., 2013; Novak & Furman, 2016). Estudo realizado na Espanha com 912 adolescentes indicou que experiências positivas e negativas dos relacionamentos amorosos na adolescência são influenciados por sexo, idade e tempo de relacionamento. Sair junto com o(a) namorado(a) e "primeiros beijos e momentos juntos" foram as experiências positivas mais citadas pelos adolescentes, enquanto que discussões, brigas físicas, ruptura do relacionamento e ciúme foram considerados aspectos negativos dos relacionamentos amorosos (Hernando-Gómez, Maraver-López, & Pazos-Gómez, 2016).
Estudo de meta-análise (n= 101 publicações na área) apontou que um em cada cinco adolescentes reportou ter sofrido violência física e um em cada dez adolescentes sofreu abuso sexual nas suas relações de namoro (Wincentak, Connolly, & Card, 2017). No Brasil, estudos indicam que o fenômeno da violência no namoro em jovens e adolescentes é alta e caracterizada pela bidirecionalidade das agressões (Barreira, Lima, Bigras, Njaine, & Assis, 2014; Flake, Barros, Schraiber, & Menezes, 2013; Oliveira, Assis, Njaine, & Oliveira, 2011). Dessa forma, pesquisas nessa área se tornam importantes para uma melhor compreensão das especificidades da violência na intimidade em jovens e adolescentes, diferenciado-a da violência conjugal adulta, assim como para oferecer subsídios para políticas públicas de prevenção.
Um total de 588 adolescentes participaram desta survey sobre violência nas relações afetivo-sexuais na adolescência. Foram excluídos 28 questionários, por estarem com respostas incompletas ou pelo adolescente ter idade superior a 19 anos. Assim, a amostra final foi composta por 560 adolescentes (59,6% feminino), com idades entre 14 e 19 anos (M= 16,69; DP= 1,20). A maioria dos adolescentes era oriunda de famílias nucleares (52,9%), seguida de famílias monoparentais (25,9%) e reconstituídas (11,6%). Destes, 348 adolescentes tinham, no período da pesquisa, uma relação amorosa, com média de duração de um ano e cinco dias (DP= 1,09), variando entre uma semana a oito anos de relacionamento. A média de idade do parceiro foi de 17,97 anos (DP= 2,72), variando entre 13 a 30 anos. Entre os adolescentes que estavam namorando, 85,7% tinham vida sexual ativa e 94% deles tinham relações de orientação heterossexual, sendo que 6,8% das meninas e 5,3% dos meninos tinham algum relacionamento homoafetivo e 3,3% se descreveram como bissexuais. Na faixa etária entre 18-19 anos (n= 154), cerca de 10,1% dos adolescentes estavam "morando junto" com o(a) parceiro(a) íntimo e 3,6% se declararam casados.
A amostra deste estudo foi composta a partir dos seguintes critérios de inclusão: a) ter idade entre 14 e 19 anos; e b) estar ou já ter tido uma relacionamento amoroso. O tamanho da amostra foi calculado considerando os pressupostos estatísticos para o uso de análises multivariadas (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tahan, 2009), com previsão em torno de 560 participantes. Para a seleção da amostra, composta por conveniência, 10 escolas foram contatadas (públicas e privadas). Foram convidados a participar da pesquisa os alunos do Ensino Médio, diurno e noturno. Inicialmente, a pesquisa foi apresentada à direção das escolas, que assinou o Termo de Concordância da Instituição. Foi realizado contato com os professores das turmas do Ensino Médio, a fim de agendar as datas para a coleta de dados.
Inicialmente, foi realizado um rapport inicial, nas salas de aula, quando a equipe de pesquisa convidou os adolescentes a participarem da pesquisa de forma voluntária e entregou os TCLEs para os alunos menores de 18 anos obterem o consentimento juntos aos seus pais ou responsáveis legais. Neste primeiro momento, os pesquisadores falaram brevemente sobre a violência no namoro, sobre os objetivos da pesquisa e agendaram o dia da coleta de dados. Assim, os adolescentes foram informados que teriam liberdade e autonomia para decidir quanto a sua participação, que não eram obrigados a participar do estudo, bem como que poderiam desistir de sua participação em qualquer momento da pesquisa. Foi mencionado o sigilo das informações e que no protocolo de pesquisa não seria necessário colocar o nome do participante.
Foram distribuídas cerca de 2280 cópias dos TCLEs nas 10 escolas participantes, ao longo de mais de 10 meses de coleta de dados. Em média, obteve-se um percentual de 26% de retorno dos TCLEs. Em muitas situações, pode-se observar, a partir dos comentários dos próprios alunos, que muitos deles esqueciam de levar os TCLEs para os pais assinarem, outros entregavam o documento aos pais mas estes não davam retorno, assim como a ocorrência de casos em que os pais não assinavam o documento, ou por não entenderem totalmente seu conteúdo, ou por considerarem a temática inapropriada. Muitos adolescentes questionaram o porquê do consentimento dos pais, já que eles se percebiam como capazes para decidir sobre a participação na pesquisa. Além disso, alguns participantes comentaram que o TCLE inibia a sua participação, pois teriam que falar para os pais sobre a pesquisa, e os pais poderiam entender que os filhos já teriam vida sexual ativa ou um relacionamento amoroso, que até então, se mantinha em segredo. Dessa forma, foram necessários mais contatos, com mais escolas, a fim de se obter uma amostra representativa, demandando um maior tempo para a etapa de coleta de dados. Esse dado já denuncia os desafios na realização de pesquisas junto ao público adolescente e o quanto o TCLE parental pode influenciar no tamanho e na composição da amostra, assim como no tempo de realização da pesquisa.
Em um segundo momento da pesquisa, na ocasião da coleta de dados, foi realizado novamente um rapport inicial, com os adolescentes que trouxeram os TCLEs assinados pelos pais ou responsáveis e para aqueles maiores de 18 anos. Os pesquisadores novamente abordaram os objetivos da pesquisa e explicaram sobre os riscos psicológicos em responder o protocolo de pesquisa (questões objetivas). Foi mencionado que seria ofertado auxílio psicológico (e encaminhamento para a rede de proteção) àqueles que se identificassem com casos de violência em seus relacionamentos afetivo-sexuais. Para tanto, foi informado um número de telefone para que os adolescentes que quisessem agendar um horário de atendimento pudessem entrar em contato com a equipe de pesquisa. No final da coleta de dados, ainda era oferecido um acolhimento individual para os adolescentes que manifestassem alguma mobilização com a temática da violência no namoro. Ao longo de toda a realização da coleta de dados foram realizados apenas dois atendimentos individuais, em sala reservada, na própria escola. Em um dos casos, foi identificada a necessidade de encaminhamento para atendimento psicológico na rede de proteção do município, para casos de violência contra a mulher.
Considerando apenas os adolescentes menores de 18 anos (n= 407), observa-se que na faixa etária de 14 a 15 anos, cerca de 34,4% dos adolescentes já têm vida sexual ativa e, na faixa etária de 16 a 17 anos, esse índice sobe para 75,9%. Ainda nesta faixa etária, há seis casos de adolescentes que já são pais e 11 casos de coabitação com o parceiro íntimo. Na faixa etária entre 14 e 15 anos, há sete adolescentes que estudam em curso profissionalizante no turno inverso à escola normal, enquanto que na faixa etária entre 16 e 17 anos esse número sobe para 77 casos. Embora esses dados descritivos sejam de um número reduzido de adolescentes, considerando a amostra total, questiona-se o uso do TCLE ativo solicitado aos seus pais ou responsáveis legais. Assim, como pesquisadoras implicadas com a perspectiva de uma adolescência inserida em um contexto de desenvolvimento, questiona-se: Ao se solicitar um TCLE aos pais ou responsáveis legais de adolescentes com esse perfil de vida, não seria desqualificá-los em sua autonomia e maturidade psicológica já conquistadas?
A adolescência deve ser entendida como um processo contínuo de desenvolvimento, com a valorização e reconhecimento das competências do adolescente na adaptação às demandas sociais e psicológicas, considerando as exigências de seu contexto de inserção (Senna & Dessen, 2012). A adolescência é uma fase crucial para o desenvolvimento da visão que o adolescente tem de si mesmo, de seus próprios sentimentos e desejos (Brizio, Gabbatore, Tirassa, & Bosco, 2015). Ressalta-se que o adolescente gravita entre a consciência e a expectativa do que ele deseja ser quando adulto e o medo e a insegurança do que a vida adulta lhe exigirá de desafios e possibilidades (Brizio et al., 2015). Assim, é importante interrelacionar as demandas bioéticas da pesquisa com as peculiaridades da etapa da adolescência e de suas formas de vivenciá-la em países em desenvolvimento econômico. Nesse sentido, adolescentes brasileiros, que já formaram suas próprias famílias, são responsáveis por seu sustento e já possuem autonomia para tomar decisões em suas vidas, inclusive em relação a sua saúde, poderiam ser considerados independentes para decidir quanto a sua participação em pesquisas de risco mínimo. Logo, um olhar da Psicologia do Desenvolvimento, que valoriza os diferentes contextos socioculturais, pode contribuir para um debate sobre a exigência de TCLE parental para adolescentes, considerando as condições cognitivas para essa tomada de decisão (Kong et al., 2016; Ruiz-Canela et al., 2013; Santos et al., 2017). Na percepção adultocêntrica do tema, observa-se ambivalência sobre essa questão, sendo que os adolescentes são ora vistos como incapazes de entendimento e ora vistos como adultos, capazes de exercer o direito do voto e de exercer sua sexualidade e responsáveis pelas suas ações (Teixeira & Braz, 2010). Nos Estados Unidos e no Reino Unido, adolescentes acima de 16 anos podem decidir de forma autônoma por suas decisões na área da saúde (Ruiz-Canela et al., 2013). No Brasil, adolescentes com idades entre 16 e 18 anos têm direito ao alistamento eleitoral e ao voto facultativo (Brasil, Constituição Federal, artigo 14, § 1º, 1988), assim como adolescentes menores de 18 anos têm o direito ao atendimento em Unidades Básicas de Saúde mesmo sem a presença dos pais ou responsáveis legais (Ministério da Saúde, Caderneta de Saúde do Adolescente, 2014).
Em relação à presença de violência nas relações afetivo-sexuais, os resultados indicaram que 22% dos adolescentes na faixa etária de 14-15 anos, 32% dos adolescentes de 16-17 anos e 29,0% dos jovens de 18-19 anos relaram vivenciar ou já terem vivenciado algum tipo de agressão. Na amostra geral, 92,6% dos adolescentes perpetraram violência verbal e emocional, 37,4% perpetraram violência sexual e 27,6% violência física. No que se refere aos padrões de vitimização, 91,7% dos adolescentes relataram ter sofrido violência verbal e emocional, 42% violência sexual e 29,1% violência física. Dessa forma, pode-se observar que a ocorrência da violência no namoro tende a aumentar com a idade e que na faixa etária de 16-17 anos os índices são mais altos. Assim, questiona-se: Será que a exigência de TCLE por parte dos pais ou responsáveis legais não intimida a participação de adolescentes que estão vivenciando situações abusivas em seus relacionamentos, permanecendo estes na invisibilidade? Não seria essa possibilidade de participar da pesquisa uma oportunidade para refletir sobre as situações vivenciadas e buscar ajuda? A pesquisa nesses casos não poderia cumprir seu papel social identificando situações de risco e buscando proteção aos adolescentes que vivenciam situações de violência? A não participação no estudo não estaria privando-os dos benefícios da pesquisa?
Essa mesma interrogação se faz frente aos resultados que indicaram que 10,1% das famílias de origem dos adolescentes da faixa etária de 14 e 15 anos e 22,8% das famílias dos adolescentes de 16 e 17 anos têm registro em boletim de violência em algum órgão de proteção, devido à ocorrência de violência doméstica. Novamente, questiona-se se o uso do TCLE não estaria enviesando a amostra, diminuindo os percentuais que poderiam ser encontrados em uma amostra sem essa exigência. Pode-se ainda pensar que adolescentes vítimas de violência doméstica, que não tenham autorização dos pais para participarem de uma pesquisa que aborde o fenômeno da violência, podem permanecer numa situação em que há uma perpetuação de segredos familiares que envolvem o funcionamento de famílias abusivas.
Assim, pesquisas que envolvem situações de vulnerabilidade psicossocial com adolescentes evocam muitos dilemas éticos para o pesquisador. Haveria necessidade de denunciar casos de exposição à violência intrafamiliar ocorridos no passado, quando são utilizadas questões de caráter prospectivo? Seria invasivo incluir questões sobre situações de violência vivenciadas? Como lidar com casos em que os adolescentes podem ficar fragilizados emocionalmente?
Neiva-Silva et al. (2010) argumentam que, por vezes, em casos de riscos, o sigilo previamente acordado sobre as informações obtidas por meio da pesquisa necessita ser quebrado a fim de proteger o adolescente. Muitos dilemas éticos que envolvem adolescentes exigem uma abordagem individualizada, sendo que tais decisões não deveriam seguir diretrizes bioéticas rígidas (Santos et al., 2017). Adolescentes em situação de vulnerabilidade psicossocial, por si só, vivem em situações de riscos por vezes maiores do que os riscos mínimos envolvido na pesquisa científica (Campos Velho et al., 2014). Os pesquisadores devem, portanto, maximizar os benefícios da pesquisa em prol desses adolescentes e evitar maiores danos.
A bioética é responsável por estimular a discussão sobre possíveis formas e mecanismos que garantam a proteção dos adolescentes (Albuquerque & Garrafa, 2016). A pesquisa com seres humanos deve objetivar em seu fim políticas públicas de intervenção e de prevenção, maximizando os benefícios da pesquisa (Campos Velho et al., 2014). Assim, deve-se considerar a realidade psicossocial dos adolescentes, compreendendo a complexidade e a singularidade na questão da autonomia do adolescente (Albuquerque & Garrafa, 2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da descrição e problematização de algumas questões éticas envolvidas em uma pesquisa sobre violência no namoro, buscou-se, através deste artigo, discutiras implicações da exigência do consentimento parental em pesquisas com adolescentes. Ressalta-se que a taxa de retorno dos TCLEs dos pais neste estudo foi baixa, levando à necessidade de coletar dados em um número maior de escolas do que o previsto. Questiona-se se isso ocorreu porque os pais não concordavam com a participação de seus filhos na pesquisa; se foi uma tomada de decisão dos próprios adolescentes em se recusar a participar do estudo; se foi um simples esquecimento dos adolescentes; ou ainda, se isso poderia estar relacionado ao fato de que muitos deles ainda não tinham vivenciado relacionamentos amorosos até o momento da coleta de dados. De qualquer forma, acredita-se ser importante dialogar sobre a exigência do consentimento de pais ou responsáveis em pesquisas com adolescentes, uma vez que na experiência do estudo relatado, os próprios adolescentes questionavam tal exigência, indicando que essa seria uma medida desnecessária, já que possuíam autonomia em outros aspectos de suas vidas (família, filhos, trabalho, saúde, por exemplo).
É importante discutir a capacidade de autonomia do adolescente e sua maturidade psíquica e cognitiva na tomada de decisão de participar de uma pesquisa. Para tanto, diferenciar pesquisas epidemiológicas e de áreas não clínicas daquelas mais invasivas seria imprescindível nos estudos com a participação de adolescentes (Campos Velho et al., 2014). Seria razoável pensar na possibilidade de adolescentes com capacidade cognitiva e em processo de independização financeira e emocional pudessem participar de uma pesquisa sem a exigência do TCLE dos pais, já que muitos deles têm vida pessoal e privada que lhes confere uma identidade própria (Campos Velho et al., 2014).Autores como Santos et al. (2017) indicam, de forma incisiva, a necessidade de maior discussão sobre a dispensa do consentimento dos pais, em pesquisas quando há riscos mínimos. Essa mesma opinião é considerada por Ruiz-Canela et al. (2013) sobre renúncia do consentimento dos pais em pesquisas com delineamento do tipo observação. Nesse sentido, mais do que firmar uma postura única, sugere-se estimular a discussão sobre os vários aspectos éticos da pesquisa, que garantam o respeito, a autonomia e a proteção dos adolescentes e as implicações do viés da amostra frente à exigência do TCLE parental.
Considera-se, ainda, que pesquisadores devem estar atentos aos riscos para o desenvolvimento saudável dos adolescentes. Ao assumirem uma atitude passiva diante de informações graves e que não denunciam riscos em populações vulneráveis (crianças e adolescentes), amparando-se em diretrizes éticas para não identificar o sujeito, os pesquisadores estariam atuando de forma negligente e seriam responsáveis pela perpetuação do risco para aquele indivíduo (Neiva-Silva et al., 2010; Sbicigo et al., 2013). Questões éticas na pesquisa com adolescentes, portanto, envolvem também o encaminhamento de casos individuais com riscos à saúde física e mental para o atendimento em redes de proteção.
Finalmente, destaca-se que muitos estudos têm indicado que a exigência do termo de consentimento ativo dos pais pode resultar em auto seleção da amostra (Liu, 2017; Rojas et al., 2008; Santos et al., 2017), induzindo um viés nos resultados, pois apenas os casos de menor gravidade seriam incluídos na amostra investigada. É provável que casos de maior gravidade, como em situações de violência intrafamiliar, os pais ou responsáveis legais não consintam que seus filhos participem de uma pesquisa, gerando resultados que não refletem as características do fenômeno investigado na população, devido aos vieses nas amostras. Para Liu et al. (2017), a exclusão de certas categorias de adolescentes, levanta uma questão de justiça social, pois os resultados impedem que intervenções sejam direcionadas a esses grupos que são sub-representações das amostras, já que o uso do consentimento ativo parece limitar a generalização de resultados da investigação.
Dessa forma, sugere-se uma maior discussão no Brasil sobre o uso do termo de consentimento passivo dos pais, como já ocorre em outros países (Liu, 2017; Rojas et al., 2008; Ruiz-Canela et al., 2013; Spence et al., 2014), para que futuros estudos com adolescentes possam ser promovidos de forma válida ética e cientificamente. É importante que pesquisadores considerem as questões metodológicas, legais e éticas relacionadas ao uso do consentimento parental, para que estudos de alta qualidade possam contribuir para o desenvolvimento de leis, políticas e regulamentos relacionados à pesquisa com essa população.
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Endereço para correspondência
Jeane Lessinger Borges
E-mail: jeanepsico07@gmail.com
Recebido: 01/08/2017
1ª revisão: 22/10/2017
Aprovado: 17/11/2017
1 Jeane Lessinger Borges é doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 Débora Dalbosco Dell'Aglio é docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.