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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.20 no.1 Ribeirão Preto jan./jun. 2019
ARTIGOS
Facilitação de diálogos com profissionais na atenção primária em saúde
Dialogue facilitation with professionals of primary health care
Facilitación de diálogos con profesionales de la atención primaria en salud
Joana Borges Ferreira1, I; Laura Vilela e Souza2, II; Marina Simões Flório Ferreira Bertagnoli3, II
IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil
RESUMO
Esta pesquisa buscou compreender os sentidos produzidos com profissionais da atenção primária em saúde sobre sua participação em encontros de facilitação de diálogo. Oito profissionais responderam a uma entrevista semiestruturada sobre essa participação. A análise das entrevistas foi feita a partir da perspectiva construcionista social, buscando-se identificar os repertórios interpretativos utilizados pelos profissionais sobre sua participação nos encontros. Os resultados destacaram os repertórios: participação no grupo para aprendizado; para melhorar o vínculo entre a equipe; para se compreender os usuários do serviço e para se refletir sobre as hierarquias na instituição. As reflexões empreendidas apontam para a necessidade de se pensar encontros nos quais os profissionais sejam ativos no processo de construção da própria intervenção, criando-se um espaço grupal que possibilite o diálogo entre a equipe de profissionais, articulando-se com a prática e com os princípios do sistema único de saúde.
Palavras-chave: Facilitação de diálogo; Profissionais de saúde; Construcionismo social.
ABSTRACT
This paper aims to understand the senses produced with primary health care professional about their participation in dialogue facilitation meetings. Eight primary health care workers participated on the research, answering a semi structured interview, that were analyzed from a social constructionist perspective, seeking to identify the interpretive repertories used by the professionals about their participation in the meetings. The results showed these repertories as principal: participation in the group to learn; to improve the bond within the team; to improve the understanding between professionals and users of the service and to reflect about the hierarchies in the institution. The analysis highlight the need of thinking forms of group intervention in which the professionals will be more active in the process of construction of the intervention itself, creating a space that allows the team of professionals to improve their dialogue, articulating this way, with practice and the principles of Brazil's public health system.
Keywords: Dialogue facilitation; Health professionals; Social constructionism.
RESUMEN
Esta investigación tuvo como objetivo comprender los significados producidos con profesionales en la atención primaria en salud, sobre su participación en las reuniones de un grupo de facilitación de diálogo. Los participantes fueron ocho trabajadores que respondieron a una entrevista semiestructurada. El análisis de los datos fue hecha en la perspectiva construccionista social buscando identificar repertorios interpretativos utilizados por los profesionales en su participación en las reuniones. Los resultados destacaron los repertorios: participación en el grupo para el aprendizaje; para mejorar la unión entre el equipo; para comprender los usuarios del servicio y para reflexionar sobre las jerarquías en la institución. Las reflexiones emprendidas apuntan para la necesidad de pensar encuentros en que los profesionales sean activos en el proceso de construcción de la intervención, creándose un espacio grupal que posibilite el diálogo entre el equipo de profesionales, articulándose con la práctica y con los principios del sistema único de salud.
Palabras clave: facilitación de diálogo; profesional de la salud; construccionismo social.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi, após sucessivos movimentos, a primeira ferramenta garantida em lei para a construção de um sistema de saúde digno, humano e universal (Camargo-Borges & Japur, 2005). Regulamentado pela Lei nº 8080, de 1990, o SUS vem promovendo, desde sua implantação, uma profunda reorganização nas políticas públicas de saúde na busca de operacionalizar as diretrizes e princípios estabelecidos para seu pleno funcionamento (Brasil, 1990). Nesse contexto, definiu-se que a Atenção Primária à Saúde (APS) seria a porta de entrada da população aos serviços que compõem o sistema nacional de saúde, e que seria responsável pela coordenação e integração dos cuidados em saúde. Por ser o nível mais próximo dos usuários, a APS tem seu foco nas famílias, nos indivíduos e na população e nas estratégias que privilegiam e promovem práticas de promoção e prevenção em saúde e que são, portanto, mais amplas e protetivas do que aquelas pautadas apenas no tratamento de enfermidades já instaladas (Heimann & Mendonça, 2005).
A Estratégia de Saúde da Família (ESF), considerando-se a hierarquização do modelo SUS, faz parte das estratégias desse primeiro nível de atenção em saúde, tendo sido definida pelo Ministério da Saúde como a principal ferramenta para operacionalização das ações que compõem o rol de responsabilidades da APS. Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 1998), a ESF deve garantir o acompanhamento das famílias no acesso a outros níveis de maior complexidade, como hospitais e unidades de pronto atendimento. A ESF é composta por uma equipe mínima de profissionais, com médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem, agente comunitários de saúde, cirurgião dentista, atendente de consultório dentário e técnico em higiene dental (Brasil, 2002); propondo parcerias com as famílias no local onde atua e privilegiando um trabalho baseado na promoção de saúde, no vínculo e na responsabilidade das ações coletivas (Brasil, 2005; Matumoto, 2003; Pupin & Cardoso, 2011; Andrade & Cardoso, 2017; Velloso & Varanda, 2017).
O SUS, ao priorizar a aproximação entre usuários e profissionais, também defende uma boa interação e comunicação entre os membros da equipe de profissionais. Gomes, Pinheiro e Guizardi (2005) comparam o bom trabalho de uma equipe de profissionais da saúde com o trabalho harmônico de músicos de uma boa orquestra. Esses autores argumentam que para que essa harmonia aconteça, deve haver a integração de práticas e saberes, porém garantindo-se a presença de diversidades relativas aos campos de cada saber profissional. Dessa forma, o trabalho em equipe seria como a sinfonia da orquestra, que só ocorre na presença de todos.
Camargo-Borges e Cardoso (2005) apontam a necessidade de espaços nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) onde haja trocas e apoio mútuo dos profissionais na superação dos desafios de seu trabalho. Um dos desafios encontrados relaciona-se à construção de hierarquias entre os membros da equipe, fruto do modelo medicocêntrico que posiciona o saber médico, em muitos momentos, como de maior valor que o das demais categorias profissionais, especialmente dos agentes comunitários de saúde (ACS) (Camuri & Dimenstein, 2010). Outro desafio das equipes é apontado na pesquisa de (CFP, 2010), que abordam a não integração dos saberes e a rotatividade dos profissionais, o que provoca desarticulação no trabalho.
Uma outra dificuldade enfrentada relaciona-se ao despreparo da equipe para lidar com a demanda de saúde mental. Camuri e Dimenstein (2010) apontam que há um desconforto, impotência, indiferença e uma série de dúvidas dos profissionais para lidarem com esse tipo de demanda. As equipes não sentem que recebem orientação sobre o tipo de intervenção que possa melhor se articular com a proposta do ESF. Dessa forma, a ESF vive atualmente um paradoxo. Embora tenha crescido e facilitado processos de mudança na APS, ainda não consegue consolidar-se em alguns centros urbanos e atender adequadamente novas necessidades de prestação dos cuidados de saúde, como a integralidade, formação de vínculos e trabalho em equipe (Gil, 2006), o que demonstra que apesar de seu crescimento, ainda são necessárias mudanças significativas em suas propostas.
Os desafios a serem superados em saúde apontam a necessidade de estudos que destaquem recursos para aprimorar o bom relacionamento nessas equipes. Ao analisarmos as práticas dialógicas no contexto de atenção em saúde, podemos refletir sobre a possibilidade de convivência da diferença nas formas de se pensa o cuidado em saúde considerando-se, por exemplo, o papel que a psicologia pode ter na promoção dessas práticas para a convivência e negociação das diferenças entre profissionais de saúde em uma equipe de trabalho. Diferentes categorias profissionais sustentam suas ações em saúde a partir de racionalidades distintas, o que pode produzir conflitos e embates (Souza & Scorsolini-Comin, 2011).
Sabendo-se que o novo modelo do SUS e a implantação de um novo pensar saúde demandam práticas que atendam a realidade desse sistema, entendemos que as práticas dialógicas sustentadas pelo discurso construcionista social podem colaborar para a construção de um trabalho integrado, multiprofissional e não verticalizado em saúde. Neste contexto, os encontros de facilitação de diálogos em equipes surgem como a possibilidade de uma intervenção junto aos profissionais de saúde, desenvolvendo a possibilidade de se trabalhar com as diferenças, fortalecendo discursos mais horizontais, inclusivos e que colaborem para a construção de uma responsabilidade compartilhada (Japur, 2011).
É por meio do diálogo que as pessoas muitas vezes conseguem mudar seu ponto de vista em relação às outras, e, ainda que, não tenham que abrir mão de sua forma de entender o mundo, podem descobrir preocupações comuns, levando-as a serem mais tolerantes e cooperativas umas com as outras, podendo chegar a práticas colaborativas que antes eram impensáveis (Herzig & Chasin, 2006). Para a construção de uma conversa dialógica é necessária a preparação de seus participantes, de forma que eles possam se engajar em uma proposta conversacional na qual exista abertura ao novo e inesperado, curiosidade à opinião alheia, a disponibilidade de compartilhamento de quais tradições, crenças e histórias de vida sustentam suas certezas, com espaço para que a diferença apareça e possa ser explorada de forma respeitosa (McNamee & Shotter, 2004).
Reconhecendo a necessidade de mudanças e aprimoramentos nas práticas em saúde pública é que se faz possível pensar o discurso construcionista social e as estratégias de facilitação de diálogos inspiradas por esse discurso como recursos para produção de saúde. Entre essas estratégias está a construção do grupo como negociada e a oferta de ferramentas conversacionais que se articulam com uma proposta de uma saúde que fomente relações horizontalizadas profissionais-usuários, uma escuta com o foco para além do problema e da patologização das pessoas e da vida, ou seja, uma escuta com o foco nos recursos e potencialidades dos usuários, e ferramentas que colaborem na qualificação das trocas comunicacionais entre profissionais de uma mesma equipe de saúde, evitando-se conflitos interpessoais.
Nesse sentido, o presente projeto busca responder a essas demandas, tendo como objetivo compreender os sentidos produzidos com profissionais de uma UBS sobre sua participação em encontros de facilitação de diálogo realizados a partir da perspectiva construcionista social.
MÉTODO
Todos os profissionais de três equipes mínimas da ESF que atuavam em uma mesma UBS de uma cidade de médio porte do interior de Minas Gerais e os profissionais da equipe ampliada, psicólogos e assistentes sociais, foram convidados a participar da pesquisa. Oito profissionais concordaram em participar. Foram eles: uma psicóloga, uma dentista e seis agentes comunitários (cinco mulheres e um homem).
Um roteiro de entrevista semiestruturado foi utilizado nas entrevistas. Os pontos de interesse para as entrevistas foram definidos de acordo com os objetivos desta pesquisa, a saber: conhecer as expectativas dos profissionais quanto a sua participação nos encontros de facilitação de diálogos; avaliação dessa participação; momentos marcantes; opinião sobre a condução dos facilitadores; aspectos negativos dessa participação; efeitos dessa participação em seu relacionamento com os demais profissionais e usuários do serviço de saúde; e sugestões de modificações nessa prática. As entrevistas foram áudio-gravadas por meio do uso de gravador digital.
Os encontros de facilitação de diálogos realizados foram realizados por cinco estagiárias de Psicologia no período de fevereiro a maio de 2013. Uma apresentação resumida dos encontros faz-se importante de forma a contextualizar as falas dos participantes nas entrevistas realizadas. Foram realizados nove encontros de facilitação que seguiram a metodologia construcionista social. Nesses encontros, o recurso da equipe reflexiva foi utilizado. A equipe reflexiva é composta de duas ou mais pessoas que se posicionam fora do grupo em uma posição de escuta e, quando convidadas pelos coordenadores do processo grupal, trazem suas múltiplas compreensões sobre a conversa empreendida no grupo (Andersen, 2002). No caso do processo grupal aqui em questão, três estagiárias de Psicologia revezaram a cada encontro o lugar de coordenação e as duas outras permaneciam como equipe reflexiva.
No primeiro encontro foi utilizada a estratégia de construção do contexto conversacional que, segundo Japur, Ruffino e Costa (2011), é o momento no qual ocorre a negociação entre coordenadores e participantes sobre como a prática grupal irá acontecer. É o momento de todos falarem, serem ouvidos e estabelecerem a definição conjunta sobre o "para que" se quer estar junto, "como" se quer estar junto, "o que" se quer fazer junto e "quem" estará junto. Problemas na estrutura dos atendimentos no serviço levaram o segundo encontro a ser cancelado. Durante essa semana, a psicóloga do serviço, responsável pelo convite para o estágio em psicologia na instituição e também participante do grupo, considerou importante promover uma conversa com os profissionais com relação a sua participação no primeiro encontro no grupo. Essa iniciativa foi tomada em razão de diferentes profissionais terem se dirigido a ela para falar de suas queixas com relação ao primeiro encontro. Nessa conversa, a psicóloga anotou os comentários dos profissionais, mediante prévia autorização dos mesmos, e os apresentou para as estagiárias e docente responsável pelo estágio na instituição.
Os participantes mencionaram que não gostaram das "regras" que foram negociadas e a maioria relatou não ter gostado do uso da equipe reflexiva por acharem que estavam sendo "avaliados" por seus membros. Frente a esses comentários, estagiárias e docente perceberam que a proposta de uma construção conjunta do espaço grupal não havia sido entendida como se pretendia, ou seja, como a oportunidade dos objetivos dos encontros não serem oferecidos prontos pelas estagiárias, mas definidos a partir das necessidades dos participantes do grupo. Então, no encontro seguinte, as estagiárias iniciaram a conversa agradecendo aos profissionais por terem sido francos em seus comentários e afirmaram entender essa abertura como uma atitude de confiança para que pudessem repensar sua prática junto a eles.
Nesse encontro, a equipe reflexiva não foi utilizada e as estagiárias buscaram construir um clima tranquilo de conversa com a liberdade de todos falarem de maneira sincera. Elas pediram que os profissionais falassem novamente o que esperavam para os próximos encontros. Houve um pedido geral de que os próximos encontros fossem lúdicos, descontraídos, mas que, ao mesmo tempo, oferecessem espaço para reflexão.
Nos encontros seguintes, a equipe reflexiva voltou a ser utilizada a partir de uma decisão de todos os participantes e passou a ser apreciada como um dispositivo enriquecedor das conversas. Os encontros foram realizados tendo como foco a oferta de ferramentas conversacionais inspirados na perspectiva construcionista social (tais como escuta curiosa, separar pessoa e problema, transformar queixa em pedido, focar em interesses e não em posições, estratégias de convite para o diálogo, estratégias para exposição de ideias e opiniões) e a discussão do uso dessas ferramentas para o trabalho em equipe naquela UBS. No nono e último encontro, os participantes afirmaram ter percebido o processo grupal como tendo amadurecido ao longo do tempo, tendo proporcionado que os participantes e estagiárias ficassem mais unidos e em clima de segurança.
A proposta construcionista social não preconiza a necessidade de neutralidade na relação pesquisador-participante, e entende que o rigor na pesquisa está na explicitação do posicionamento do pesquisador com relação a seu estudo (Hosking & McNamee, 2011). Cabe então explicitar que as entrevistas dos profissionais foram realizadas por uma das estagiárias coordenadoras dos encontros, que é também uma das autoras deste artigo. A análise dos encontros aqui realizada deve levar em conta a influência desse fato.
As entrevistas foram transcritas na íntegra e literalmente. Sucessivas leituras desse material permitiram o destaque dos repertórios interpretativos relacionados à participação nos encontros de facilitação de diálogos. Repertórios interpretativos são termos e metáforas utilizados para designar, procurar e identificar nas práticas discursivas a produção de sentidos nas relações cotidianas (Potter & Wetherell, 1996). O destaque desses repertórios é utilizado em pesquisas construcionistas sociais que objetivam compreender tanto a estabilidade quanto a dinâmica das produções linguísticas humanas, considerando-se o conteúdo e contexto das práticas discursivas (Moreira & Rasera, 2010; Ribeiro &Spink, 2011). Uma investigação construcionista social está interessada em entender os processos pelos quais as pessoas produzem determinados sentidos sobre o mundo, que irão sustentar a criação de determinadas realidades, verdades, fatos e fenômenos (McNamee, 2004). Sentidos, segundo Gergen (1997), não são uma produção individual e privada, mas são produzidos nas interações entre as pessoas, situadas em contextos históricos específicos.
O projeto que deu origem a este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos (Protocolo nº 2614/2013). Os participantes formalizaram sua anuência por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os participantes e os profissionais por eles mencionados nas entrevistas são descritos com o uso de nomes fictícios.
RESULTADOS
Após sucessivas leituras da transcrição das entrevistas realizada com os profissionais da APS, foi possível destacar repertórios interpretativos. Os seguintes tópicos mostram o resultado da análise de conteúdo das entrevistas divido por temas que se sobressaíram na fala dos participantes:
A) PARTICIPAÇÃO NOS ENCONTROS COMO ESPAÇO DE APRENDIZADO
Grande parte dos profissionais relatou que a participação no grupo foi uma experiência de aprendizado. Isso se deu porque, a pedido dos profissionais da UBS, as estagiárias de Psicologia levaram recursos didáticos sobre ferramentas de facilitação de diálogo para serem trabalhados em alguns encontros. Rafaela (agente comunitária) falou sobre esse aspecto: "Acrescentô coisas pra gente, a gente aprendeu, descobriu coisas que talvez a gente não tinha nem ideia (...). Foi bem legal, a qualidade foi boa e foi um aprendizado a mais."
A experiência de participar de um espaço para aprender técnicas úteis para uso tanto para o dia-a-dia quanto para o trabalho foi significada como prazerosa e positiva para os participantes. Paula (agente comunitária) também abordou essa questão:
Entrevistadora: "Qual momento dos encontros você diria que foi o mais relevante pra você?"
Paula (agente comunitária): "Acho que daquela vez que a gente ficou discutindo a comunicação, sobre as formas de ouvir, sobre aquele barulho interno, que vocês (estagiárias) falaram pra gente que eu ainda não tinha ouvido fala sobre isso, da forma que foi entender, essa parte foi uma parte que eu gostei. (...) Aprendeu acho que a forma de lidar com os nossos usuários (...) A gente aprendeu acho que assim a se coloca no lugar do outro antes de tirá alguma conclusão sobre a vida dele também."
O barulho interno mencionado por Paula refere-se a uma das ferramentas de facilitação de diálogos exposta em um dos encontros, que aponta para a importância da pessoa atentar-se para o que pensa e sente enquanto conversa com alguém e perceber os efeitos dessas conversas internas no diálogo empreendido.
B) PARTICIPAÇÃO NOS ENCONTROS COMO FORMA DE MELHORAR O VÍNCULO ENTRE OS PROFISSIONAIS DA EQUIPE
Esse repertório interpretativo refere-se à oportunidade do espaço grupal fomentar vínculos com a equipe, de forma que os profissionais possam se conhecer melhor, se aproximar de outros profissionais de outros setores, falar dos problemas profissionais vividos no serviço e dos problemas entre as equipes de saúde, podendo assim melhorar suas relações.
Claudia (agente comunitária) falou sobre esse aspecto:
Entrevistadora: "Você disse que o grupo iniciou porque as equipes (referindo-se as equipes da ESF) não se davam bem, você sentiu que o grupo pode ter ajudado?
Claudia (agente comunitária): "Ajudô muito! Foi o que uniu todo mundo, foi o grupo, porque antes era uma brigaiada que um não podia olha na cara do outro."
Uma das psicólogas da unidade apontou em sua fala como a participação nos encontros pôde aproximá-la dos agentes comunitários, permitindo considerar todos realmente membros de uma mesma equipe:
Entrevistadora: "E de que maneira o grupo afetou você?"
Antônia (psicóloga): "Então, o que me ocorre aqui agora é esse lugar que eu ocupo na unidade, que é um lugar de referência, que é muito difícil ocupá esse lugar e eu me vi muito a vontade de vocês (estagiárias) me ajudarem a tá pensando esse momento e esse lugar. Estar lá como membro do grupo foi uma coisa que me assustou um pouco, eu fiquei pensando como que isso vai reverter pro serviço, mas ao mesmo tempo eu achei importante. Como eu sempre coloquei assim, de mostrá que eu também faço parte de uma equipe, da mesma equipe, porque eu também tenho os mesmos problemas que eles têm."
Na fala de Bernardo (agente comunitário), reproduzida abaixo, é possível notar como a participação no grupo pode significar uma aproximação entre os trabalhadores da UBS:
"E lá fora (dos encontros) a gente discutia a reunião do grupo, então esse contato do grupo fez a aproximação. O grupo fez com que a gente conversasse lá fora, assim, fez com que a gente falasse sobre o grupo fora do grupo e isso aproximou a gente."
C) PARTICIPAÇÃO NOS ENCONTROS TENDO EFEITO TERAPÊUTICO
Esse repertório esteve presente na fala de alguns participantes e referia-se à possibilidade dos encontros se tornarem um espaço de abertura para as pessoas falarem e se conhecerem, para se exporem e "soltarem os bichos", como exemplificado na fala de Gabriela (agente comunitária):
Gabriela (agente comunitária): "O objetivo do grupo foi tipo, ajudar a gente, né? Até pra gente conhecê essa área que a gente não conhecia esse tipo de grupo que a gente ia formá, de terapia... Claro, algumas vezes vocês falaram que não é terapia, mas de certa forma é um grupo de terapia, né? (...) É uma forma de terapia de você falá aquilo que você tá sentindo, de você se expor, porque nem sempre você se expõe. Eu falo isso porque na equipe você se fecha no seu mundinho, com suas fichas, com suas coisa e pronto. Agora não, ali cê ri, as vezes algumas pessoas chora, algumas pessoas, tem pessoa que fica nervosa e expõe o nervosismo e grita, tipo assim, como que eu falo? Solta os bichos."
D) PARTICIPAÇÃO NOS ENCONTROS PARA COMPREENDER OS DEMAIS PROFISSIONAIS
O espaço dos encontros permitiu, segundo alguns participantes, um questionamento sobre como lidar com os demais profissionais da equipe. Como mencionou Paula (agente comunitária):
Paula (agente comunitária): "Deu pra eu (...) me comunicar melhor com as pessoas daqui, entender porque uma pessoa não conseguiu entender o que eu quis falar ou o que eu quis expressar. Me fez pensar de uma maneira diferente (sobre) como eu poderia lidar com a pessoa pra eu ser melhor interpretada e entender ela melhor."
E) PARTICIPAÇÃO NOS ENCONTROS PARA COMPREENDER MELHOR OS USUÁRIOS DO SERVIÇO
As ferramentas de facilitação de diálogo oferecidas, juntamente com as discussões realizadas entre eles, permitiram que a participação no grupo ajudasse os profissionais a compreenderem melhor os usuários da UBS:
Gabriela (agente comunitária): "Se tinha raiva de um usuário (...) às vezes cê não sabe, mas cê tem aquele picuinha pela aquela pessoa. Acho que o grupo veio ajudá a ocê desfazê essa picuinha e enxergá a pessoas de um jeito diferente, com outros olhos, entendeu? Apesar da pessoa continuá te tratando mal, continuá te tratando assim, com aquela dureza, acho que a gente entendeu que por trás daquilo tudo tem alguém legal, tem assim, tem um alguém que precisa realmente..."
Rafaela (agente comunitária) também abordou como o grupo afetou sua relação com os usuários:
Rafaela (agente comunitária): "Às vezes você vai visitar as pessoas e elas tão te contando um assunto, falando, e muitas vezes eu ficava: "Ai meu Deus, o que que faço, a pessoa tá cheio de medo, de incerteza", Mas e as vezes ela só queria um desabafo e eu tava (...) lá pensando o que que eu falo pra ela. Agora não, quando ela tá me falando eu fico tentando me colocá no lugar dela (...) Mesmo se for uma coisa insignificante pra mim, mas pra ela é importante."
Bernardo (agente comunitário) chegou a mencionar que os encontros grupais poderiam ter a participação dos usuários, e assim profissionais e usuários poderiam abordar os conflitos existentes e melhorar sua comunicação:
Bernardo (agente comunitária): "A gente podia estendê pros usuários fazerem parte desse grupo. Como fazê parte? Fazê parte é... Através de também entendê como que eles pensam da equipe, o quê que... Porque que o usuário está com raiva do agente, ou tá com raiva do médico (...) tenta essa mediação, não mediação de conflitos entre agentes, agentes não, vamo dizê assim, quem que trabalha aqui na unidade e lá fora, pois é uma... Seria uma facilitação de diálogo, e no mesmo instante eles tariam vendo qual era a realidade daqui e também a gente iria ver a realidade deles."
F) PARTICIPAÇÃO NO GRUPO COMO UM ESPAÇO PARA FLEXIBILIDADE E MUDANÇA
Esse repertório diz respeito à vontade da equipe de fazer dos encontros um espaço onde eles pudessem construir e estruturar seu formato. Como explicou Cláudia (agente comunitária):
Claúdia (agente comunitária): "O que eu queria modificá do começo eram essas regras (referindo-se ao primeiro encontro do grupo) não podê falá, não podê falá o que pensa na hora, ter que esperá, isso foi mudando com o tempo. Acabo que a gente foi conversando e a gente podiá fala o que achasse na hora, respeitando quando outro tava falando, então eu acho que isso melhorô."
No início do grupo, as coordenadoras pediram para que os participantes pudessem esperar o outro terminar sua fala para começar a falar. Posteriormente, vendo que o grupo não ficou satisfeito com esse pedido elas combinaram que iriam apenas sinalizar caso as pessoas estivessem falando todas juntas, e esse combinado foi aceito.
Com relação às mudanças no contrato grupal, Gabriela (agente comunitária) comentou:
Gabriela (agente comunitária): "Infelizmente a gente tem as nossas ocupações aqui dentro da unidade, então a gente precisa sair (da sala) (...) Pelo menos no caso eu observei, que tinha que ficá tudo dentro da sala. Independente de qualquer coisa dentro da sala e tal. E depois não, depois a gente expôs aquilo que a gente queria falar, né? E as meninas (coordenadoras) explicaram pra gente que não, que não era assim, que ia tentá elucidá nóis como a gente tentô elucidá elas."
Também no início do grupo, as coordenadoras pediram para que os participantes evitassem sair da sala durante o encontro, o que, como mencionado por Gabriela (agente comunitária), não era possível de acontecer em muitos momentos, pois outras atividades na UBS concorriam com a atividade de facilitação de diálogo.
G) PARTICIPAÇÃO NO GRUPO COMO EXPERIMENTAÇÃO DO NOVO
Outra possibilidade que a participação nos encontros trouxe para os usuários foi a de ser um espaço onde eles também precisaram mostrar flexibilidade para lidar com o novo. Luciana (dentista) abordou essa questão:
Luciana (dentista): "Foi bom porque vocês fizeram aquela equipe reflexiva, que pra nós foi uma novidade, né? Ninguém tinha trazido isso pra gente. Acho que assim, no início, assim, antes de funcioná, eu acho que o grupo ficô um pouco assustado, mas depois acostumô e todo mundo achô interessante. E foi uma novidade... Boa! Porque às vezes o novo... A pessoa fica um pouco assim... Não sabe se concorda ou não concorda, mas depois que entende, aceita bem."
H) PARTICIPAÇÃO NO GRUPO PARA REPENSAR A CONSTRUÇÃO DO PRÓPRIO ESPAÇO GRUPAL
Esse repertório apontou como a participação nos encontros trouxe para a equipe o questionamento sobre o formato tradicional de reuniões em grupo, como afirmou Paula:
Paula (agente comunitária): "Alguma coisa que surpreenda, por exemplo: hoje vai ser debaixo da árvore a reunião, hoje vai ser uma música, hoje nós vamos ter uma aula de pintura, alguma coisa desse tipo. Outra forma de expressão, não só verbal entendeu?... Ou outros lugares também, pra tipo, surpreendê, ah eu acho que isso se torna mais dinâmico."
I) PARTICIPAÇÃO NO GRUPO COMO ALGO LÚDICO
Um dos repertórios muito presente nas entrevistas foi o pedido de que a participação nos encontros não se resumisse apenas às discussões da rotina ou relações no trabalho, mas que fosse um espaço para atividades lúdicas. Gabriela (agente comunitária) falou sobre essa questão:
Gabriela (agente comunitária): "Então, ter mais filme, que o pessoal gosta muito de filme, trazê alguma coisa, algum tipo de música que possa sê estudada a letra, e possa ouvi e as pessoas expressá aquilo que tá sentindo, e... Eu acho que é isso, usa alguma coisa mais lúdica pro pessoal. Porque a gente já vive numa realidade assim muito crua, é incrível, a gente sai pra rua e depara com muita coisa, muita violência, essas coisas. Eu acho que o grupo tem que se... Não fica falando só de doença."
J) PARTICIPAÇÃO NO GRUPO COMO POSSIBILIDADE DE REFLETIR SOBRE AS HIERARQUIAS NO SERVIÇO
Como visto, a maioria dos profissionais que participaram dos encontros eram agentes comunitários e em diversos momentos, nos encontros e durante as entrevistas, eles relataram sentir que não eram valorizados dentro da UBS. A participação no grupo permitiu a discussão e reflexão sobre essa questão, como foi possível perceber na fala de Bernardo (agente comunitário):
Bernardo (agente comunitário): "O mais importante no grupo foi o comentário a respeito assim da... Da diferença entre o que... A gente tocava muito no assunto... Entre a diferença do (...) agente (comunitário) e quem está lá em cima (parecendo se referir aos médicos e coordenadores das equipes de ESF) e quem não tá participando (do grupo) pra ver a visão, parâmetro."
DISCUSSÃO
Com a análise dos resultados buscou-se compreender os posicionamentos assumidos pelos participantes durante as entrevistas e as implicações associadas à utilização dos diferentes repertórios interpretativos apresentados. Com relação aos encontros serem um espaço onde a participação consistia em aprendizado mútuo, foi possível que a participação teve essa conotação formativa e foi vista como algo bom e produtivo pelos participantes. Os profissionais manifestaram terem apreciado o conteúdo discutido e, em muitos momentos, afirmaram o aprendizado de técnicas tanto para a vida pessoal quanto para prática profissional. A respeito disso, podemos fazer um paralelo com a pesquisa realizada por Pupin e Cardoso (2011) na qual onze ACS relataram que a falta de um saber técnico mais especializado faz com que sintam-se menores e mais desvalorizados em relação aos outros membros da equipe, e que sentem uma grande carência no que diz respeito ao saber profissionalizante, muitas vezes eles sentem que chegam a unidade despreparados para realizar seu serviço. Com relação a esse sentimento de despreparo Camuri e Dimenstein (2010) apontam que há um desconforto, impotência, indiferença e uma série de dúvidas da equipe de saúde com relação a demanda de saúde mental, relacionada a sua pesquisa. As equipes não sentem que recebem orientação sobre o tipo de intervenção a ser realizada e o trabalho permanece pouco inovador.
Com base nesses relatos, é possível pensar na possibilidade de criar nos encontros de facilitação de diálogos um espaço para se mostrar técnicas e recursos que facilitem a comunicação. Auxiliando assim os profissionais que carecem dessas ferramentas, tanto em sua vida profissional, quanto pessoal, e também facilitando o trabalho na equipe, gerando nos profissionais um sentimento maior de segurança para realizarem seu trabalho.
Os resultados apontaram o fortalecimento do vínculo na equipe devido a participação nos encontros foi visto como algo bastante positivo. Muitos dos entrevistados sentiam que nos encontros, e mesmo fora deles, a equipe pode conversar mais, e interagir. Criando um espaço de entrosamento, onde as relações eram fortalecidas e o sentimento de distanciamento entre os profissionais diminuído. Como aponta Camargo-Borges e Cardoso (2005) existe uma necessidade da criação de um espaço onde possa haver comunicação entre os profissionais, no qual eles possam pensar formas de constituírem meios de apoio para as dificuldades que surgem no serviço. A importância desse espaço também é notória quando se observa a fala dos ACS que apontaram a falta desse apoio vindo de outros membros da equipe. Essas dificuldades são apontadas como empecilhos para a realização de um trabalho conjunto, o que gera também falta de confiabilidade, transparência e ajuda mútua. Em concordância com a dificuldade de comunicação e reconhecimento apontada pelos ACS, Peduzzi (2001) argumentam que a equipe de saúde muitas vezes se organiza agindo sem comunicação, a constituição de uma equipe multidisciplinar deveria basear-se na dialogia e troca de saberes, na qual o cooperativismo e os diferentes conhecimentos ajudariam a equipe a se tornar mais integrada e eficiente para lidar com os usuários.
Nesse sentindo, encontros de facilitação de diálogos mostram um recurso que traz uma possibilidade eficiente para auxiliar o desafio de criar vínculos e diminuir a falta de comunicação da equipe de saúde. Traz para a realidade do SUS, uma ferramenta que pode ajudar a integralidade multiprofissional e criar um espaço onde possa haver discussão sobre as diferenças, desafios enfrentados no trabalho e fortalecimento dos vínculos da equipe. O que torna o trabalho nas UBSs mais unificado e por isso, mais eficiente e prazeroso para os profissionais.
A participação no grupo tomada como tendo efeitos terapêuticos, como apontado na fala de uma das entrevistadas, remete a demanda desses profissionais por um espaço onde possam desabafar, expor o nervosismo, falar do que estão sentindo e receber ajuda. Pupin e Cardoso (2011) apontam como os ACS entrevistados sentem a necessidade de um suporte emocional, não contemplado em suas reuniões de equipe. A intervenção psicológica, portanto, aparece descrita como forma de auxiliar os ACS no enfrentamento de situações vivenciadas na realização do seu trabalho. Segundo as autoras, trabalhar com os usuários envolve estar em contato com costumes, crenças e concepções de mundo diferentes daquelas do ACS. Por isso, tendo em vista a complexidade da questão do envolvimento na relação ACS-usuário, as autoras acreditam ser necessário que o ACS tenha suporte para que possa lidar com as próprias angústias e recuperar a capacidade de ajuda ao outro. Faz-se necessário, assim, estabelecer espaços de reflexão, onde se construa um novo fazer pautado pela implicação e a possibilidade de seguir junto na adversidade e no sofrimento.
A escuta curiosa, ferramenta de facilitação de diálogos apresentada nos encontros, é definida por Dennis-Rivers (2005), como uma escuta atenta e receptiva, por meio da qual o simples fato de escutar primeiro e mostrar compreensão ao outro, mesmo que não concorde, antes de expressar sua própria opinião, facilita o diálogo entre as pessoas. Foi elucidando essa ferramenta para os membros da equipe que se fez possível uma aproximação com o outro (profissional ou usuário), compreendendo-o e escutando-o de uma maneira inovadora.
A proposta dada por um dos entrevistados de que os encontros fossem realizados com a participação não só dos profissionais, mas dos usuários também, com o objetivo de aumentar a comunicação entre eles pode ser entendida a partir da carência de outros espaços nos quais essa comunicação possa acontecer de maneira adequada e do desentendimento dos usuários com relação a como funciona o serviço. O desafio de compreender como funciona o SUS faz com o que muitos usuários cheguem às UBSs procurando atendimento hospitalar, gerando insatisfação e revolta quando eles não o têm (Starfield, 2002). Camargo-Borges e Japur (2005) destacam, em pesquisa realizada com usuários de UBS, que o sistema público de saúde ainda está vinculado com modelos tradicionais de se relacionar com o usuário, no qual o profissional é portador do saber relacionando-se com um usuário alienado. Essa relação engessada pelas hierarquias não contribui para a transformação do sistema de saúde.
O pedido de que a participação no grupo fosse feita de uma forma mais flexível e que houvesse mudanças na estrutura dos encontros caso fosse necessário, foi um elemento de destaque nas entrevistas. O pedido de flexibilidade pode ser entendido contextualizando-se a forma de trabalho na UBS em questão, na qual a participação em alguns grupos da equipe era obrigatória, o que pode ter levado ao entendimento de que aquele seria um espaço que funcionaria dessa mesma maneira. A ausência dos participantes em função da necessidade de realizarem outras atividades na instituição relaciona-se ao próprio modelo de saúde que, muitas vezes, impede novas práticas, pois os profissionais estão ocupados respondendo a burocracias do serviço.
Alguns entrevistados, ao responsabilizarem as facilitadoras pelo desenvolvimento dos encontros, apontam para o desafio que é colocar em prática novas maneiras de trabalhar e construir vínculos quando as relações hierarquizantes já foram estabelecidas. Mesmo a ideia de um dos entrevistados de que a equipe reflexiva serviria para avaliá-las remete à tradição na qual o coordenador de propostas grupais deve ser o especialista sobre o que é melhor para o outro. A abordagem construcionista social defende a ideia de uma responsabilidade relacional, enfatizando a horizontalidade nas relações, por meio do diálogo. Partindo do entendimento de que toda possibilidade de sentido se dá a partir de uma construção conjunta nas interações, então a responsabilidade dessa construção deve ser coletiva e não individual (Camargo-Borges, Mishima, & McNamee, 2008; McNamee, 2004).
Ver-se "no pé da pirâmide", como apontou um dos entrevistados que trabalha como agente comunitário, pode colaborar para o desafio de gerar capacidade de agência nos participantes. Essa construção hierárquica relaciona-se, como coloca (Matumoto, 2003), ao modelo tradicional de saúde, medicalizante e verticalizado, como jogos de poder a partir dos quais os médicos e profissionais são vistos como especialistas, criando uma situação onde os profissionais não se veem como iguais, sentem-se desvalorizados, o que prejudica o trabalho multiprofissional da equipe. Com base nas entrevistas é possível perceber que a participação nos encontros também teve um sentido de expor e diminuir as diferenças, fazendo com que esse sentimento de hierarquia e desvalorização de alguns membros da equipe fosse colocado e discutido.
O pedido por atividades lúdicas no espaço grupal indica a necessidade de terem um espaço descontraído, frente a uma realidade desgastante de trabalho. Camargo-Borges e Cardoso (2005) apontam a necessidade de encontrar apoio da equipe para as dificuldades que surgem no serviço e a possibilidade de expressar as dificuldades encontradas no trabalho. Porém, o que vimos na realidade da UBS é que o pedido não foi para que ficássemos presos em discussões em torno do trabalho, a demanda estava concentrada em criar esse espaço lúdico. Como aponta Pupin e Cardoso (2011), os ACS sentem a necessidade de um suporte emocional, no entanto esse suporte pode vir de maneira diferentes, como por exemplo, tornar os encontros mais descontraídos. No caso dos profissionais entrevistados nessa pesquisa, as dificuldades estavam mais focadas em encontrar formas de lidar com o estresse que o trabalho traz, do que descobrir informações de como conduzir o trabalho ou fortalecer o vínculo entre os profissionais. Por mais que essas também fossem demandas, não eram a queixa principal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises dos repertórios destacados, é possível assumir que a facilitação de diálogos contribui para novas práticas em saúde. Esta apresenta-se como uma proposta condizente com os princípios do SUS, aproximando os profissionais das equipes da ESF, proporcionando uma relação menos centrada no modelo medicalizante, verticalizada e centrada na produtividade, propondo parcerias e maior comunicação entre os membros da equipe. As vantagens colocadas pelos profissionais em seus repertórios a respeito dos encontros de facilitação de diálogos estão relacionadas com o fortalecimento de vínculos entre os membros da equipe, com a maior compreensão e comunicação entre eles e com os usuários, e com espaços que proporcionaram aprendizado de ferramentas úteis para o serviço, onde foi possível conversar sobre as hierarquias e se tornarem terapêuticos, devido ao cuidado fornecido pelos próprios membros do grupo.
Embora existam muitos benefícios no oferecimento de encontros de facilitação de diálogo para um grupo de profissionais no contexto de saúde, a análise dos repertórios demonstra que existem desafios que precisam ser pensados na realização destes. Nesse sentido, é importante pensarmos em formas de estabelecer o primeiro contato com a equipe, deixando-a à vontade para o início dos encontros. É de fundamental importância que a proposta seja entendida e aceita por todos os membros do grupo; dessa maneira, o novo pode ser visto como algo positivo. Outro desafio encontrado foi o de favorecer que os profissionais pudessem se sentir ativos na construção do grupo, sendo corresponsáveis pela preparação dos encontros. A novidade apresentada pelo profissional de Psicologia deve ser oportunidade para a transformação e questionamento do status quo, além de se adequar com a realidade financeira e estrutural do SUS.
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Endereço para correspondência
Laura Vilela e Souza
E-mail: lauravilelasouza@gmail.com
Recebido: 10/10/2017
1ª reformulação: 26/02/2018
Aceite: 03/03/2018
1 Joana Borges Ferreira é psicóloga pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
2 Laura Vilela e Souza é Docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
3 Marina Simões Flório Ferreira Bertagnoli é Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.