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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.21 no.1 Ribeirão Preto jan./jun. 2020
ARTIGOS
Sexting e adolescência: a emergência de novos temas para a psicologia do desenvolvimento
Sexting and adolescence: new themes for developmental psychology
Sexting y adolescencia: nuevos temas para la psicología del desarrollo
Diego Franco Manoel1, I; Silvia Renata Lordello2, II; Lara Souza3, II; Alex Sandro Gomes Pessoa4, III
IUniversidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente-SP, Brasil
IIUniversidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
IIIUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos-SP, Brasil
RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar questões sociais e psicológicas relacionadas ao fenômeno do sexting, que se refere à prática de compartilhamento de imagens íntimas na internet e redes sociais. Por intermédio de uma análise não-sistematizada da literatura, sobretudo de publicações internacionais, pretende-se: i) definir o sexting, levando em consideração os aspectos consensuais presentes na literatura da área; ii) explicar sua ocorrência na contemporaneidade, avaliando possíveis impactos na saúde mental das pessoas, em especial de adolescentes; iii) refletir sobre os fatores de risco e proteção que estão circunscritos à manifestação do sexting; iv) apresentar as implicações jurídicas em casos de divulgação indevidas de imagens íntimas. Entende-se que as discussões apresentadas no decorrer deste artigo podem abrir espaços para um campo de investigação pouco explorado na literatura nacional.
Palavras-chave: Sexting; Adolescência; Fatores de risco; Fatores de proteção; Questões jurídicas.
ABSTRACT
This article aim to analyze social and psychological issues related to the phenomenon of sexting, which refers to the practice of sharing intimate images on the internet and social networks. Through a non-systematized analysis of the literature, especially of international publications, it is intended to: i) define sexting, taking into account the consensual aspects present in the literature of the area; ii) explain its occurrence in the contemporary world, evaluating possible impacts on the mental health of people, especially adolescents; iii) reflect about the risk and protection factors that are involved to the manifestation of sexting; iv) present the legal implications in cases of inappropriate exposure of intimate images. It is understood that the discussions presented in this article may open spaces for a little explored field of investigation in the national literature.
Keywords: Sexting; Adolescence; Risk factors; Protection factors; Legal issues.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo central analizar cuestiones sociales y psicológicas relacionadas con el fenómeno del sexting, que se refiere a la práctica de compartir imágenes íntimas en Internet y redes sociales. Por medio de un análisis no sistematizado de la literatura, sobre todo de publicaciones internacionales, se pretende: i) definir el sexting, teniendo en cuenta los aspectos consensuados presentes en la literatura del área; ii) explicar su ocurrencia en la contemporaneidad, evaluando posibles impactos en la salud mental de las personas, en especial de adolescentes; iii) reflexionar sobre los factores de riesgo y protección que están circunscritos a la manifestación del sexting; iv) presentar las implicaciones jurídicas en casos de divulgación indebida de imágenes íntimas. Se entiende que las discusiones presentadas en el transcurso de este artículo pueden abrir espacios para un campo de investigación poco explorado en la literatura nacional.
Palabras clave: Sexting; Adolescencia; Factores de riesgo; Factores de protección; Cuestiones Jurídicas.
O presente estudo visa a discutir o conceito e as implicações do sexting, cuja manifestação inadvertida pode desencadear diversos fatores de risco ao desenvolvimento das pessoas envolvidas, principalmente entre adolescentes e jovens. Além disso, buscar-se-á analisar, de forma dinâmica e não estereotipada, como o sexting pode se constituir como uma prática que se refere à manifestação saudável da sexualidade. Por fim, serão apresentadas as implicações jurídicas que a divulgação de imagens íntimas sem o consentimento de uma pessoa pode trazer, tendo como base as prerrogativas expressas em documentos oficiais.
A tecnologia, representada pela variedade e acesso aos dispositivos online, passou a mediar relacionamentos afetivos, principalmente entre os adolescentes e jovens. As trocas de mensagens e interações online já se configuram entre as principais atividades associadas à constituição identitária e formas de interação na adolescência, incluindo as práticas e comportamentos sexuais (Arab & Díaz, 2015; Contreras, Cabrera, & Martínez, 2016; Gamez-Guadix, Santisteban, & Resett, 2017). Considerado um neologismo, na medida em que une a expressão sex, referente a sexo, e a expressão texting, alusiva à mensagem, o termo sexting define a troca interpessoal, via telefones celulares e internet, de mensagens autoproduzidas com conteúdo sexualizado, podendo haver inclusão de imagens, seja por fotos ou vídeos que contenham nudismo e / ou práticas sexuais (Strassberg, Cann, & Velarde, 2017; Ybarra & Mitchell, 2014).
Tal prática, surge, portanto, com o advento das tecnologias, em especial pela ampliação de meios de comunicação e dispositivos eletrônicos, como celulares e computadores (Barros, 2014; Mattey & Diliberto, 2013; Scremin, 2016). A prática do sexting é pouco conhecida e, contrariando perspectivas reducionistas e apressadas sobre o fenômeno, o sexting, por si só, não se constitui como um fator de risco ao desenvolvimento. Como parte das relações humanas, pessoas podem fazer uso do sexting como uma comunicação íntima em um relacionamento afetivo-sexual, que, sem dúvida, pode trazer riscos (em especial nos casos cujas imagens são divulgadas sem consentimento), mas também se configura como uma prática legítima de expressão da sexualidade humana (Agustina & Gómez-Durán, 2012).
A primeira menção do conceito se deu em 2005, por meio de um texto publicado pela jornalista britânica Yvonne Roberts, no jornal "Sunday Telegraph". A notícia referia-se a um caso de infidelidade de um atleta, cujas mensagens de texto, com conotação sexual, foram descobertas e amplamente divulgadas. Obviamente, não foi a primeira vez que o fenômeno acontecera. Todavia, neste período, houve vários escândalos envolvendo o envio de mensagens desta natureza no Reino Unido (Scremin, 2016). Tal fenômeno se estendeu a diferentes grupos e se tornou uma forma de expressão da sexualidade em diferentes culturas e grupos sociais. Em decorrência disso, em 2011, o termo sexting entrou no Oxford English Dictionary, revelando uma nova prática cultural e, segundo alguns autores, uma fonte de preocupação social (Scremin, 2016; Sternheimer, 2015).
Antes da divulgação e circulação no meio jornalístico e acadêmico, o fenômeno sexting já tinha recebido outras nomenclaturas (Textual Intercourse, Sex Text e Texts Sex são alguns exemplos). Estas expressões apareciam em vários canais de comunicação da imprensa do Reino Unido, principalmente sobre casais que descobriam a infidelidade de seus cônjuges a partir de mensagens de texto e em situações em que adultos passaram a usar mensagens de texto para atraírem jovens (Sternheimer, 2015).
Ainda segundo o autor supracitado, apesar da ampla divulgação que recebeu no Reino Unido, este não foi o único país a debater este fenômeno. Em 2009, por exemplo, os Estados Unidos apresentaram aumentos significativos de casos de sexting, sobretudo na Pensilvânia, cujos adolescentes enfrentaram acusações de pornografia infantil depois de enviarem imagens íntimas para colegas de turma. Naquele ano, apareceram mais de 2.200 reportagens no país, com manchetes sensacionalistas como: "Sexting: novo distúrbio entre os jovens" e "Sexting se tornou uma tendência perigosa" (Sternheimer, 2015, tradução nossa).
Os avanços nas tecnologias tornaram as redes sociais, os celulares e os computadores mais interativos, possibilitando, além das mensagens de texto, o envio de fotos e vídeos. Logo, conteúdos imagéticos com conotação sexual também foram acrescentados a esta nova modalidade comunicacional (Amigo, Gutiérrez, & Ríos, 2018; Contreras et al., 2016; Gamez-Guadix, Santisteban, & Resett, 2017). Segundo Leal et al. (2017), ainda há dificuldades na definição do termo pelo seu caráter polissêmico. Desse modo, por não haver uma definição homogênea e simplista, ocorre uma má compreensão do fenômeno. Para os pesquisadores, o aspecto consensual é no que se refere ao modo como se é produzido e divulgado o material, constituindo o sexting. Há estudos, como os de Agustina e Gómez-Durán (2012) e Strassberg, Cann e Velarde (2017), que, além destas definições, entendem sexting como a produção e divulgação de imagens com poses provocantes, genitais, nádegas, seios, nu, quase nu, sexualmente sugestivo, sexualmente provocante, fotos, ou mesmo mensagens de texto explícitas, sugestivas e/ou provocantes. Salientam, ainda, que quando estas imagens envolvem crianças e adolescentes caracteriza-se por pornografia infantil (Mattey & Diliberto, 2013), como será discutido na última seção deste artigo.
No Brasil, o termo ainda não possui uma tradução oficial, sendo que os primeiros estudos encontrados datam o ano de 2009, a partir de pesquisas feitas pela SaferNet Brasil (SaferNet, 2017). Um estudo desenvolvido com 2834 jovens no território nacional mostrou que 20% já haviam recebido conteúdos íntimos com ou sem nudez na internet, e desses, 6% reenviou essas imagens a outras pessoas. A ONG mencionada mostra, ainda, que o fenômeno do sexting é o terceiro colocado no ranking de denúncias das violações de direitos que o site recebe, ficando atrás apenas de problemas com dados pessoais e intimidação/discriminação/ofensa.
Para a população brasileira este tema ainda soa como um tabu. Além da escassez de estudos sobre o assunto, constata-se que a maior parte da literatura sobre o conceito e suas implicações foi publicada em língua inglesa, o que dificulta o acesso de boa parte da população, que passa a ter uma visão reducionista do assunto. Além disso, é possível afirmar que os artigos e pesquisas divulgadas podem não condizer com a realidade brasileira.
Para Leal et al. (2017), a sexualidade e suas diferentes manifestações é intrínseca às questões culturais e com o modo de organização social. Logo, é importante compreender o sexting como um fenômeno que ocorre na realidade brasileira, levando em consideração as especificidades territoriais. Entende-se que essa é condição sine qua non para o desenvolvimento de práticas protetivas em situações que envolvam a exposição indesejada na internet e nas redes sociais. Nesse sentido, dada a escassez de pesquisas no Brasil sobre o sexting, fica reforçada a urgência de novas investigações sobre sua ocorrência no cenário nacional e seus impactos na vida da população, sobretudo para a compreensão dos danos psicológicos e sociais que podem ocorrer com pessoas que tiveram suas imagens íntimas indevidamente divulgadas.
Além disso, também se torna igualmente relevante criar estratégias para identificação precoce de casos desta natureza, bem como a criação de estratégias de prevenção e redução de danos diante de sua ocorrência. Nesse sentido, entende-se que este é assunto novo, mas que deve estar na pauta de discussões de profissionais da psicologia, em especial de pesquisadores da área de desenvolvimento humano. A exposição indevida nas redes sociais, como no caso de imagens íntimas que são divulgadas sem autorização, podem trazer inúmeros malefícios às vítimas e, muitas vezes, para os familiares, que passam a se sentir constrangidos.
FATORES DE RISCO E PROTEÇÃO CIRCUNSCRITOS À PRÁTICA DO SEXTING
A prática do sexting ainda é permeada por estigmas e tabus. A sociedade, por meio de discursos moralistas, julga o fenômeno como uma ação inadequada e reprova o engajamento das pessoas em mensagens desse tipo (Alonso-Ruido, Rodríguez-Castro, Pérez-André, & Magalhães, 2015). No entanto, existem registros na literatura que a apontam como expressão de um relacionamento saudável, romântico e atual, associada a expressões particulares da sexualidade na contemporaneidade (Drouin, Vogel, Surbey, & Stills, 2013; Hasinoff, 2017; McEachern, McEarchern-Ciattoni, & Martin, 2012; Mitchell, Finkelhor, Jones, & Wolak, 2012). Nesse sentido, é importante entender o sexting como um fenômeno cultural, o que exige o abandono de posturas disciplinares e descontextualizadas. Esta compreensão sugere que os riscos do sexting podem estar relacionados a outros comportamentos associados à sua prática e não com o compartilhamento de mensagens por si só.
Na revisão bibliográfica de Klettke, Hallford e Mellor (2014), foram identificadas pesquisas que discutem aspectos positivos, saudáveis e benéficos relacionados ao sexting. Em boa parte dos estudos, os participantes descreviam o sexting como uma prática que pode fazer parte de um relacionamento afetivo-sexual saudável. Por exemplo, uma das pesquisas que compôs o corpus de análise desta publicação (Woolard, 2011) indicou que 77% de uma amostra de universitários relataram entender apropriado o envolvimento com a prática do sexting. Sumariamente, esta revisão sistemática apontou que as pessoas praticam o sexting por diferentes razões: i) para se sentirem sexy ou iniciar uma atividade sexual; ii) para ganhar a atenção de um parceiro; iii) por ser divertido e flertarem mais livremente; iv) como uma forma de auto expressão. Nesse sentido, o sexting aparece como algo pertencente a uma prática cultural sexual que deve ser situada historicamente, justamente por receber mediações da tecnologia e de suas diferentes ferramentas (Klettke, Hallford, & Mellor, 2014). Para muitas pessoas, incluindo adolescentes, participar desses comportamentos sexuais, nomeadamente sexting, se torna uma forma de expressar seus desejos e viver, de forma saudável, suas sexualidades.
Lee e Crofts (2015) pontuam que pessoas que não se envolvem em sexting apresentam julgamentos morais negativos. Entretanto, mais de 50% dos jovens que trocam mensagens sexuais relatam sentimentos positivos atrelados à prática e, portanto, os riscos que podem se associar às mensagens não são as características principais do sexting. Englander (2012) revela que o risco de o sexting gerar problemas de qualquer natureza é cerca de 20% e que, em regra, as mensagens não provocam nenhuma adversidade. De modo semelhante, Strassberg, Cann e Velarde (2017) encontraram que 14% dos jovens que já praticaram sexting relatam algum sentimento negativo associado.
Drouin et al. (2013) destacam que o sexting pode ser visto como um novo recurso para os relacionamentos atuais e é mais recorrente em relacionamentos consolidados, como namoro ou casamento. Outro estudo sobre atividades sexuais online realizado com pessoas em relacionamentos estáveis apontou que essas atividades em frequência baixa ou moderada produzem benefícios, tanto para homens quanto para mulheres (Grov, Gillespie, Royce, & Lever, 2011). Entre eles, foram citados aumento de qualidade e frequência do sexo e aumento da intimidade com o parceiro fora do mundo virtual. Assim, é relevante notar que as possíveis adversidades observadas em casos de sexting estão mais associadas à influência de outros fenômenos sobre a prática, como violência de gênero, que ao sexting em si. Portanto, o sexting deve ser tratado como um fenômeno complexo, que é dotado de riscos e benefícios, e não pode ser taxado de forma rígida como negativo ou positivo.
Para Strassberg, Cann e Velarde (2017), o risco mais preocupante em relação ao sexting é que uma vez a imagem sendo divulgada o remetente perde todo o controle sobre quem será o público atingido. Ouytsel, Walrave, Ponnet e Heirman (2015) também alertam que o sexting pode se constituir como um risco social, com ampla repercussão em diversos contextos de desenvolvimento, mas principalmente nas instituições de educação formal. Sendo assim, os problemas surgem quando conteúdos são expostos para outras pessoas fora do contexto. Após a exposição, via de regra, ocorrem represálias, condenações morais, assédio, intimidação, zombaria, desqualificação, entre outros prejuízos psicossociais, muitas vezes altamente danosas às pessoas que foram expostas (Leal et al., 2016; Mejía-Soto, 2014).
Um fator de risco ao qual o sexting pode se associar é a exposição dessa comunicação sem que o parceiro saiba ou autorize, ou seja, quando os conteúdos das mensagens são compartilhados indevidamente para terceiros. Na mesma direção, pode ocorrer a pornografia de vingança (porn revenge), que é a exposição virtual de imagens, feita de forma intencional e sem consentimento, com o intuito de constranger e humilhar as vítimas (Citron & Franks, 2014). Nos casos de pornografia de vingança, as imagens íntimas normalmente são produzidas em um contexto de relacionamento, como namoro ou casamento, e são compartilhadas virtualmente após o término da relação.
Em casos de imagens consentidas (por exemplo, quando um casal produz as imagens juntos), é comum que as vítimas sejam culpabilizadas pela exposição de mensagens íntimas, sob justificativa de que se a pessoa permitiu a produção das imagens, é, então, responsável pelo compartilhamento delas (Alonso-Ruido et al., 2015; Hasinoff, 2017). Contudo, é relevante destacar que o fato de a vítima ter enviado a imagem não anula a violação de privacidade cometida pelo parceiro ao enviar, sem consentimento, essa imagem a terceiros (Hasinoff, 2017).
Constata-se que há diferenças de gênero na frequência de exposições. Morelli et al. (2016) encontraram que as mulheres são mais recorrentemente vítimas de envios não consentidos de mensagens de sexting a terceiros e que violações desse tipo estão relacionadas à violência no namoro e ao sexismo. Também na revisão de Klettke, Hallford e Mellor (2014), as pesquisas apontaram que em relação à "pressão de pares", as mulheres apresentam níveis superiores aos homens, ou seja, o primeiro grupo relata sofrer mais pressão social para o envio de imagens/vídeos com conotação sexual. Em um estudo com jovens universitários, Drouin, Ross e Tobin (2015) encontraram que um em cada cinco participantes já havia praticado sexting contra a vontade e a coerção para o envio de mensagens sexuais foi mais frequentemente relatada por mulheres. Esses dados indicam que a pressão de pares e parceiros é uma das principais motivações para o engajamento no sexting e corroboram com estudos que apontam que mulheres são mais coagidas e alvos de vingança e punição quando suas imagens são expostas (Englander, 2012; Mejía-Soto, 2014; Walker, Sanci, & Temple-Smith, 2013). Entretanto, os homens também relatam serem pressionados para enviar mensagens sexuais e para divulgar mensagens recebidas, e afirmam que a pressão é, sobretudo, exercida por outros homens (Walker, Sanci, & Temple-Smith, 2013).
É possível notar que tanto a exposição de mensagens íntimas quanto a coerção para enviar mensagens desse tipo são permeadas por violência de gênero, que também funciona como um fator de risco para a prática de sexting. Essa violência pode ser verificada na dinâmica do sexting, particularmente em casos de exposição das mensagens, a partir do conceito de slut-shaming. Gong e Hoffman (2012) defendem que o slut-shaming é um bullying direcionado a mulheres, caracterizado por insultos de conteúdo sexual que possuem o intuito de degradar a mulher. Esses insultos definem a mulher como provocativa e promíscua em decorrência do modo de vivenciar a própria sexualidade. Assim, é frequente que as mulheres que têm suas intimidades expostas sem seu consentimento tenham como consequência adicional a vitimização caracterizada pelo slut-shaming (Hasinoff, 2017; Ringrose, Gill, Livingstone, & Harvey, 2013).
Por conseguinte, são identificadas desigualdades nas consequências sofridas quando essas mensagens são expostas. Os homens não sofrem punições e podem inclusive ser recompensados com elogios e reconhecimento de sua masculinidade; já as mulheres vivenciam situações de polivitimização, sofrendo diversos danos psicológicos, sociais e funcionais (Bannink, Broeren, Van de Looij-Jansen, de Waart, & Raat, 2014; Grov et al., 2011). Entre os prejuízos identificados para mulheres estão: impactos na saúde mental e ideação suicida, ser vítima de insultos e xingamentos, ser mais coagida ao sexting indesejado, ser culpabilizada pela exposição de fotos íntimas, além de necessidade de mudança de escola e/ou outros ambientes após ter a privacidade violada (Boden, 2017; Hasinoff, 2017; Mejía-Soto, 2014; Walker, Sanci, & Temple-Smith, 2013). A partir de dados semelhantes, Ringrose et al. (2013) indicam que o próprio gênero do praticante pode ser um fator de risco. Enquanto os meninos adolescentes veem o sexting como positivo e até um meio de adquirir status social, acumulando e exibindo fotos deles e de outras pessoas, as meninas afirmam que o sexting é um risco para sua reputação (Ringrose et al., 2013).
A faixa etária dos praticantes é outro aspecto que deve ser evidenciado na discussão acerca do papel do sexting como um fator de risco. A literatura indica que adultos e jovens adultos compreendem o sexting como manifestação afetiva dentro do relacionamento (Lee & Crofts, 2015), ao passo que os adolescentes se engajam no sexting, majoritariamente, por influência de pares, afirmando que o envolvimento com o sexting se deve à falta de consciência sobre as possíveis consequências negativas da prática (Alonso-Ruido et al., 2015; Mejía-Soto, 2014; Walker, Sanci, & Temple-Smith, 2013). Percebe-se, ainda, que adolescentes mais velhos praticam mais sexting que adolescentes mais novos, e muitos o fazem antes mesmo de ter relações sexuais com o receptor da mensagem (Ybarra & Mitchell, 2014).
Estudos apontam que os amigos podem se constituir como uma influência negativa, pois, como já alertado, o fenômeno também é associado com a pressão pares. Na pesquisa de Ouytsel et al. (2015), os participantes apresentaram falas como: "Meus amigos me excluíram das conversas porque eu não tirei ou enviei fotos/vídeos sensuais com o celular" e "meus amigos me persuadiram a mandar fotos/vídeos sensuais para eles/elas". Os autores pontuam, ainda, através de uma pesquisa que analisou a correlação entre as variáveis sexting, adolescência, comportamentos de risco, condições emocionais e psicossociais, que o envolvimento com o sexting para os adolescentes está significativamente associado com a necessidade de popularidade com o outro sexo. O estudo mostrou que meninas ditas impopulares por outras garotas tendem a participar de comportamentos de sexting com mais frequência. Além disso, percebeu-se uma significância estatística entre o fenômeno e emoções negativas dos adolescentes. Contudo, o estudo não relacionou comportamentos de sexting a sintomas depressivos ou psicopatológicos.
Em contrapartida, de acordo com McEachern, McEarchern-Ciattoni e Martin (2012), o fenômeno pode causar danos emocionais aos envolvidos. No estudo conduzido por estes autores, os resultados mostraram que 21% dos adolescentes que enviaram e 25% dos que recebem imagens com conotação sexual relataram sentir-se muito aborrecidos, envergonhados ou com medo do resultado do envolvimento. Ainda segundo a pesquisa, adolescentes vítimas de situações que envolvem o sexting podem se sentir isolados, temerosos e desestimulados sobre a escola, fazendo com que eles se ausentem mais vezes, diminuam o desempenho e até evadam das escolas. Estão propensos a se envolverem em brigas e em outras situações de risco, como isolamento social, sentirem-se rotulados, deprimidos e, em casos extremos, podem ocorrer pensamentos de morte e tentativas de suicídio (McEachern, McEarchern-Ciattoni, & Martin, 2012).
ASPECTOS LEGAIS E JURÍDICOS ENVOLVENDO O SEXTING
É necessário que os profissionais das diferentes políticas públicas, os familiares e as próprias vítimas de exposição indevida pelo sexting conheçam os encaminhamentos possíveis. Esses casos podem ser tipificados como diferentes crimes, por exemplo, difamação e injúria (Art.139 e 140). Contudo, na última década houve um aumento no número de leis brasileiras que visam especificamente proteger a intimidade das pessoas no mundo virtual.
A Constituição Federal - CF também prevê o sigilo de dados em seu art. 5º, XII, CF/88, sendo "inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações". E à vida privada, previsto no art. 5º, X, CF, sendo também "inviolável a vida privada, a intimidade a honra e a imagem das pessoas" (Brasil, 1988). A Lei 12.737/2012 – Lei Carolina Dieckmann – intensificou a discussão sobre delitos informáticos e suas punições. Esta lei dispõe sobre crimes informáticos, inclusive aqueles contra a intimidade na vida virtual dos cidadãos, e resguarda a privacidade de comunicações e informações eletrônicas. A Lei 12.965/2014 (Brasil, 2014) também discorre sobre crimes virtuais, porém, trata de maneira mais específica dos limites no uso da internet. Esta lei – conhecida como Marco Civil da Internet – aborda princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet, incluindo proteção da privacidade e proteção dos dados pessoais, na forma da lei. Os incisos I, II e III do Art.7º são ainda mais específicos acerca da privacidade:
Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I - Inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II – Inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III – Inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas e armazenadas, salvo por ordem judicial (Brasil, 2014).
Apesar de o Marco Civil da Internet discorrer sobre essas restrições, seu Art. 19 adverte que só serão responsabilizados civilmente cidadãos que não respeitarem ordem judicial de retirar um conteúdo da internet. Isto é, se a pessoa que violou a privacidade retirar a informação diante de ordem judicial, ela não será criminalizada. Essa determinação produz uma falha grave na responsabilização acerca de crimes virtuais, pois entre o momento de violação da privacidade e o momento em que a vítima obtém uma ordem judicial, há tempo suficiente para o conteúdo violado se espalhar pela internet.
Em casos de vítimas mulheres, esses delitos virtuais podem ser punidos com base na Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que aborda a violência doméstica e familiar contra a mulher. No ano de 2018 foi aprovada alteração dessa lei (Brasil, 2018), caracterizando a violação de privacidade como violência contra a mulher:
Art. 1º Esta Lei reconhece que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e criminaliza o registro e a divulgação não autorizados de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado (Brasil, 2018).
Essa alteração também inclui o combate expresso à produção e à divulgação inapropriadas de sexting, com a adição dos artigos 216-B e 216-C:
Registro não autorizado da intimidade sexual
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes;
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Divulgação não autorizada da intimidade sexual
Art. 216-C. Disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar, divulgar ou exibir, por qualquer meio, fotografia, vídeo, áudio ou outro registro contendo cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes.
Nos casos que envolvem crianças e adolescentes, a tipificação criminal torna-se mais complexa, visto que o consentimento pode ser juridicamente questionado, tanto na produção das imagens quanto na exposição delas. Nestas fases do desenvolvimento, a visão popular de consentimento é falha, pois compreende-se que crianças e adolescentes ainda não possuem maturidade cognitiva e psicológica completa para consentir a nenhuma forma de ato sexual. Considerando que no Brasil qualquer atividade de cunho sexual com menores de 14 anos é considerada crime, essa realidade também é estendida ao contexto virtual.
As imagens de conteúdo sexual que contenham participações de adolescentes com menos de 18 anos, ainda que tenham sido produzidas por eles, podem ser tipificadas e criminalizadas como pornografia infantil. Desse modo, caso a vítima da exposição do sexting seja criança ou adolescente, o encaminhamento jurídico poderá ocorrer de acordo com o Art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), que dispõe sobre as penalidades para quem comete o crime de pornografia infantil.
Portanto, há uma ampla variabilidade na classificação do ponto de visto legal. Mas é importante notar que o respaldo legal para proteção em casos de exposição de sexting tem se ampliado, e que essa problemática está recebendo atenção necessária para coibir esse tipo de conduta ofensiva. Compreende-se como dever da sociedade, além de auxiliar encaminhamentos legais fornecendo informações sobre a legislação, realizar programas de prevenção, conscientizando as pessoas sobre as particularidades do sexting.
DESAFIOS DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO NOS CENÁRIOS VIRTUAIS DA ADOLESCÊNCIA
Os relacionamentos virtuais estão presentes de forma incontestável na vida de adolescentes e jovens, portanto, fazem parte de suas trajetórias desenvolvimentais. Entretanto, a visão hegemônica de adolescência ainda a difunde com características universais e deterministas, que produzem estereótipos a partir de uma dimensão patologizante da vivência adolescente (Cerqueira-Santos, Neto, & Koller, 2014). Isso impede a compreensão contextual, com marcadores sóciohistóricos que permitam contemplar as potencialidades desta etapa do ciclo de vida. Essa distorção é reproduzida pela mídia e naturalizada pela sociedade, contribuindo para uma leitura social que minimiza e deslegitima as experiências dos adolescentes.
Nesse contexto, a compreensão do sexting, dos relacionamentos virtuais ou do uso de aplicativos, torna-se descontextualizada, como se fosse um fator de risco universal. Como foi amplamente discutido neste artigo, o sexting não se confirgura como um fator de risco a priori na adolescência, pois esse conceito é dinâmico e depende do contexto. Mas, se a postura do adulto e da sociedade frente ao adolescente é de considerar que suas experiências são provisórias ou irrelevantes, ou que devam ser criticadas, reprimidas e proibidas, os riscos serão configurados pela falta de diálogo ou pelo uso de abordagens iatrogênicas sobre os conteúdos em questão. Um exemplo pode ser o fato de que os adolescentes não costumam confiar nos adultos de sua rede para confidenciar assuntos desconfortáveis, como em situações de cyberbulliyng ou quando são expostos a eventos incômodos que ocorrem na internet. Nos estudos de Agatston, Kowalski, & Limber (2007), os adolescentes relataram que raramente esses assuntos são discutidos dentro do espaço escolar, pois acreditam que a comunidade escolar não pode ajudá-los e, quando há um pedido de ajuda, este é, geralmente, feito aos pares e amigos.
As contribuições atuais da Psicologia do Desenvolvimento convocam novos olhares para as adolescências, compreendidas de forma plural. Isso tem colaborado para ampliar as visões até então estigmatizadas, mostrando que a adolescência é um conceito multifacetado. Além das intensas transformações físicas, é um período de desenvolvimento global que inclui a construção da identidade, do significado da vida e da experimentação de novos papéis que emergem em um contexto de ganho de autonomia e mudanças nos laços socioculturais (Rodriguez & Damásio, 2014), mediados pela internet, pelas redes sociais e por novos arranjos relacionais.
O acompanhamento e monitoramento respeitoso das situações vivenciadas pelo adolescente na internet e nas redes sociais será essencial para minização dos fatores de risco associados aos eventuais prejuízos decorrentes do sexting. Considerando essa visão de adolescentes plurais e a importância de valorizar a riqueza desse período em toda a sua complexidade para reconhecer suas potencialidades, o fenômeno sexting e seus impactos precisam ser incluídos nos estudos sobre as trajetórias desenvolvimentais, pois as manifestações tácitas ou explícitas de violência de gênero, os perigos virtuais sobre as pressões por exposição de intimidade e outros temas, precisam ser considerados nas ações de promoção e prevenção, tão necessárias para que o diálogo se amplie além dos pares, de modo que toda a rede de apoio possa se tornar mediadora competente na vida dos adolescentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por se tratar de um fenômeno relativamente novo, ainda há muita dificuldade em conceituar, problematizar e criar estratégias de autoproteção eficientes frente a situações degradantes que podem surgir em decorrência da prática inadequada do sexting. Torna-se ainda mais preocupante o fato de que é praticamente inexistente estudos sobre este tema na realidade brasileira. Assim, os argumentos utilizados neste artigo ficaram restritos a constatações provenientes de estudos internacionais. Urge, portanto, a necessidade de estudos que façam o recorte populacional, que possam evidenciar como essa prática se manifesta na realidade brasileira.
É possível perceber que o fenômeno perpassa por diferentes aspectos, mas que existem questões de gênero que não podem ser negligenciadas. Os estudos empíricos realizados em outros países têm mostrado que homens e mulheres são impactados de formas completamente diferentes ao terem suas imagens íntimas divulgadas. Desse modo, recomenda-se que os pesquisadores interessados nessa temática avaliem cautelosamente questões macroestruturais que estejam associadas aos impactos negativos das experiências com o sexting.
Além disso, este artigo reforçou que o sexting nem sempre está associado com fatores de risco ao desenvolvimento das pessoas. Pelo contrário, diversos estudiosos têm alertado sobre como esta prática refere-se à uma forma de expressão da sexualidade saudável. O problema se dá quando imagens e conteúdos íntimos se espalham pelas redes sociais sem controle, quando são utilizados como forma de coerção diante de términos de relacionamento ou com o propósito de vitimizar mulheres.
Por mais que a legislação esteja avançando e demonstre atualmente mais recursos para assegurar proteção e suporte a pessoas que tiveram suas imagens íntimas divulgadas, é importante avaliar como estes casos têm sido atendidos no sistema judiciário. O modelo patriarcal e moralista coloca as vítimas, em especial as mulheres, na condição de "responsáveis por seus atos". Exatamente por isso muitas pessoas não buscam ajuda e sofrem por não disporem de uma rede de proteção que as acolha e proteja.
Por fim, ficou evidenciado a necessidade da produção de novos estudos sobre o sexting, sobretudo a partir da realidade brasileira, que possam subsidiar a compreensão do fenômeno a partir das especificidades populacionais. Estudos epidemiológicos, com recorte qualitativo e de atendimento clínico às vítimas são alguns exemplos de como a produção do conhecimento pode avançar neste campo. Também se destaca a necessidade de criação de programas de prevenção que tenham validade científica e que auxiliem na prevenção de incidentes associados ao sexting.
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Endereço para correspondência
Alex Sandro Gomes Pessoa
E-mail: alexpessoa2@gmail.com
Recebido: 10/07/2019
Reformulado: 11/10/2019
Aceito: 22/01/2020
1 Diego Franco Manoel é mestrando em Educação pela Universidade do Oeste Paulista.
2 Silvia Renata Lordello é doutora em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília. Docente da Universidade de Brasília.
3 Lara Souza é mestranda em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília.
4 Alex Sandro Gomes Pessoa é doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Docente da Universidade Federal de São Carlos.