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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.22 no.1 Ribeirão Preto ene./jun. 2021

 

ARTIGOS

 

O envolvimento paterno no contexto do divórcio na perspectiva do pai separado

 

Father involvement in the context of divorce from the perspective of the separated father

 

La participación paterno en el contexto del divorcio en la perspectiva del padre separado

 

 

Joyce Lúcia Abreu Pereira Oliveira1; Maria Aparecida Crepaldi2

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo compreender o envolvimento paterno no contexto do divórcio/separação conjugal na perspectiva do pai separado. Realizou-se um Grupo Focal com seis pais (homens) separados e os dados foram analisados através da análise categorial temática, utilizando-se do software Atlas.ti 5.0 para organização dos dados. A perspectiva sistêmica contribuiu com a compreensão do fenômeno como um processo de transformações contínuas e recursivas, contingentes com a história de interações dos participantes. Emergiram da análise dos dados três categorias: Percepções do pai sobre o seu envolvimento com a criança; Características do envolvimento paterno do pai separado e Construção da paternidade no pós-divórcio. Os resultados demonstraram relações de interdependência entre fatores individuais, relacionais e contextuais.

Palavras-chave: Relação pai-criança; Envolvimento paterno; Paternidade; Divórcio; Separação conjugal.


ABSTRACT

The present research aimed to understand paternal involvement in the context of divorce/separation from the perspective of the separated father. A Focal Group with six separated fathers (men) was carried out and the data were analyzed through the thematic categorical analysis using Atlas.ti 5.0 software for data organization. The systemic perspective contributed to the understanding of the phenomenon as a process of continuous and recursive transformations, contingent on the history of interactions of the participants. Three categories emerged from the data analysis: Perceptions of the father about his involvement with the child; Characteristics of parental involvement of the separated father and Post-Divorce Construction of Paternity. The results showed relationships of interdependence between individual, relational and contextual factors.

Keywords: Father-child relationship; Parental involvement; Paternity; Divorce; Separation.


RESUMEN

La presente investigación tuvo por objetivo compreender la participación paterno en el contexto del divorcio/separación conyugal en la perspectiva del padre separado. Se realizo un Grupo Focal con seis padres (hombres) separados y los datos fueron analizados a través del análisis categorial temático, utilizando el software Atlas.ti 5.0 para la organización de los datos. La perspectiva sistémica contribuyó com la comprensión del fenómeno como um proceso de transformaciones continuas y recursivas, contingentes con la historia de interacciones de los participantes. Se emergieron del análisis de los datos três categorías: Percepciones del padre sobre su implicación com el niño; Características de la participación paterno del padre separado y Construcción de la paternidade en el pos-divorcio. Los resultados demostraron relaciones de interdependencia entre factores individuales, relacionales y contextuales.

Palabras clave: Relación padre-niño; Participación paterno; La paternidad; Divorcio; Separación conyugal.


 

 

Os estudos sobre o envolvimento paterno têm destacado a importância do pai para o desenvolvimento da criança, especialmente no que se refere ao calor emocional, proximidade e envolvimento com os filhos (Bandeira, 2013; Bueno & Vieira, 2014; Dubeau, Devault, & Paquette, 2009; Santis & Barham, 2017). No contexto do divórcio ou separação conjugal surge a necessidade de novos arranjos que favoreçam a continuidade da relação entre o pai e os filhos, visto que nas sociedades ocidentais, quando o casal se separa, os filhos ficam prioritariamente sob a guarda das mães (Souza, Smeha, & Arend, 2012; Vasconcelos, Melo, Vargas, & Costa, 2016). Nestas situações o afastamento do pai é evidenciado em muitas famílias, dentre outros aspectos, devido ao fato de os pais não se reconhecerem como importantes para o desenvolvimento dos filhos (Souza et al., 2012).

Há uma ampla gama de fatores que moldam a qualidade de contato entre os membros da família após o divórcio, que operam de forma interativa, interdependente e dinâmica (Holt, 2016). A revisão de literatura sobre a relação entre o pai e os filho(a)s após o divórcio evidenciou que, por uma via, há fatores que favorecem essa relação, como a qualidade do relacionamento entre o pai e a mãe, o envolvimento conjunto nos cuidados e educação dos filhos e a coabitação com o pai; e por outra via, há fatores que dificultam o relacionamento entre o pai e filhos após o término da conjugalidade, sendo o conflito entre os ex-cônjuges o motivo mais destacado nos estudos analisados (Oliveira & Crepaldi, 2018).

No que se refere à paternidade alguns fatores exercem forte influência sobre a relação entre pai e filho, tais como: I) a relação com a mãe da criança, II) as demandas de trabalho e III) as relações precoces com a família de origem (Nieri, 2017). A parentalidade do pai que não coabita com o filho pode funcionar como um fator risco ou um mecanismo de proteção para o bem estar da criança (Bastaits & Mortelmans, 2016). A ausência paterna após o divórcio tem o potencial de afetar a saúde mental da criança, especialmente no que se refere a problemas de comportamentos internalizantes e externalizantes (Fitzsimons & Villadsen, 2019; Pronzato & Aassve, 2019). E a qualidade do contato entre a criança e o pai ou a mãe, quer o filho coabite ou não com eles, relaciona-se a resultados positivos para o desenvolvimento e bem estar das crianças (Holt, 2016).

Desde uma perspectiva sistêmica, este estudo ancora-se na visão multidimensional de envolvimento paterno, a qual considera as diferentes esferas de atividades do pai (Dubeau et al., 2009). Partindo-se desse pressuposto, o envolvimento paterno é caracterizado por três dimensões, sendo elas: I) interação: tempo em que o pai interage diretamente com a criança, em cuidados e atividades compartilhadas; II) acessibilidade: tempo em que o pai está disponível, acessível para interações com a criança; III) responsabilidade: preocupação do pai com o bem-estar e a garantia de cuidados e recursos aos filhos (Lamb, Pleck, Charnov, & Levine, 1985). Cabe destacar que o envolvimento paterno é um fenômeno psicológico e relaciona-se com o contexto social, histórico e cultural.

A relevância da presente investigação assenta-se sobre a constatação, apontada em diversos estudos, de que as famílias biparentais ou tradicionais têm sido prioridade nas investigações científicas e há carência de pesquisas sobre o envolvimento paterno em famílias biparentais (Gomes, Bossardi, Cruz, Crepaldi, & Vieira, 2014; Vieira et al., 2014). Ademais, o divórcio tem se tornado um fenômeno recorrente nas famílias em sociedades ocidentais (Grzybowski & Wagner, 2010; Lamela, Castro, & Figueiredo, 2010). As taxas de divórcio no Brasil aumentaram 160% de 2004 a 2014 (Agência Brasil, 2015), nos Estados Unidos as taxas indicam que entre 40 e 50% dos casais se divorciam (Greene, Anderson, Forgatch, DeGarmo, & Hetherington, 2016; Owen & Rhoades, 2012) e em Portugal as taxas também chegaram a 50% (Lamela et al., 2010).

Considerando o exposto, acredita-se que os resultados deste trabalho podem fornecer novos subsídios para a compreensão da temática, ao apresentar a perspectiva do pai divorciado sobre o envolvimento paterno, diferenciando-se da produção científica que, comumente, tem investigado a perspectiva dos filhos que vivenciaram a separação dos pais na infância ou adolescência e de mães divorciadas (Oliveira & Crepaldi, 2018). Além disso, poderá contribuir com a formação e atuação de profissionais que atendem famílias no pré- e pós-divórcio, sejam psicólogo(a)s, advogado(a)s ou pedagogo(a)s. Diante desse cenário, o presente estudo teve por objetivo compreender o envolvimento paterno no contexto do divórcio na perspectiva do pai separado.

 

MÉTODO

A presente pesquisa teve abordagem qualitativa, natureza transversal, enfoque empírico e caracterizou-se como de levantamento de dados.

PARTICIPANTES

Participaram do estudo seis pais (homens) separados, com idades entre 33 e 47 anos, cujo tempo de dissolução conjugal variou entre um ano e dois meses e seis anos. O nível sócio econômico dos participantes foi caracterizado como de classe média para a população brasileira. A escolaridade variou de ensino superior incompleto à pós-graduação e todos exerciam atividades profissionais. Quanto ao número de filhos, quatro pais tinham um filho(a) e dois pais tinham um casal de filho(a)s (sendo um deles pai de gêmeos). A idade das crianças, no momento da coleta de dados, variou entre dois anos e sete meses e 11 anos. No momento da separação conjugal as crianças estavam com idades entre um ano e meio e cinco anos. Todas frequentavam a escola.

Os pais relataram tipos diferentes de arranjos de convivência com seus filhos, sendo que quatro relataram compartilhar a guarda das crianças, ao alternar os dias de semana e finais de semana nos cuidados ao(s) filho(a)s; um afirmou ser o cuidador principal e o outro mencionou que ficava com o(a)s filho(a)s apenas nos finais de semana, quinzenalmente.

INSTRUMENTOS

Os dados foram coletados por meio de um Questionário Sociodemográfico, o qual incluiu questões sobre idade, escolaridade, profissão, renda, jornada de trabalho, dados sobre a separação, guarda dos filhos, qualidade da relação com a criança e com a ex-cônjuge. Foi realizado um Grupo Focal que consiste em uma técnica de coleta de dados de entrevista em grupo (Gray, 2012) em que o pesquisador reúne num mesmo local uma quantidade de pessoas que tenham ao menos um ponto de semelhança para debaterem questões apresentadas pelo moderador, durante um período de tempo (Silva et al., 2013). Neste estudo o Grupo Focal teve duração de duas horas. As perguntas disparadoras das conversas do grupo incluíram questões sobre: i) Percepções quanto ao envolvimento dos participantes com seu(s) filho(a)s antes e após a separação conjugal; ii) Fatores que influenciavam o envolvimento paterno após a dissolução conjugal.

PROCEDIMENTOS

A pesquisadora realizou contato telefônico com os participantes, visando apresentar a pesquisa e verificar a disponibilidade de horário destes e foi agendado o melhor dia e horário para a maioria, no entanto, um pai não pode participar. Foi disponibilizada uma cuidadora, psicóloga, para as crianças durante a realização do grupo, pois alguns pais relataram que só poderiam participar caso pudessem levá-los, pois era o dia em que compartilhavam a guarda dos filho(a)s. No dia anterior a pesquisadora enviou mensagem aos participantes para lembrar o dia e horário do encontro. O grupo focal ocorreu nas dependências da universidade e os participantes foram recebidos com um lanche para acolhimento e boas-vindas. No início do encontro a pesquisadora retomou as informações quanto à pesquisa, sendo mencionados os cuidados éticos e realizada a leitura individual da TCLE e assinatura. Todos foram avisados que ao término do encontro a pesquisadora estaria disponível para acolher os pais que se sentissem mobilizados com as conversas do grupo.

Realizou-se uma atividade de apresentação através da utilização de crachás com o nome dos participantes visando integrar e aquecer o grupo. Assim todos puderam se chamar pelo nome durante as discussões do grupo. A pesquisadora contou com a colaboração de duas observadoras, psicólogas, que registraram as suas observações sobre as interações do grupo.

ANÁLISE DE DADOS

Os dados obtidos pelo Questionário Sociodemográfico foram utilizados para caracterizar os participantes. Os dados do Grupo Focal foram gravados, transcritos na íntegra e sua organização e análise seguiram o rigor metodológico da análise categorial temática de Bardin (2011). O sistema de categorias construído foi submetido à análise de duas juízas, pesquisadoras e terapeutas de família. O índice de concordância interjuízes foi de 87% e a partir desse procedimento alguns ajustes foram realizados no sistema de categorias.

CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

Este artigo derivou-se de uma pesquisa de mestrado, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o Certificado nº 1.514.798. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e com intuito de preservar o sigilo foram identificados com letra P e um número (P1, P2, P3, P4, P5 e P6).

 

RESULTADOS

Os resultados são apresentados em três categorias, quais sejam: i) Percepções do pai sobre o seu envolvimento com a criança; ii) Características do envolvimento paterno do pai separado; iii) Construção da paternidade no pós-divórcio.

PERCEPÇÕES DO PAI SOBRE O SEU ENVOLVIMENTO COM A CRIANÇA

Nesta categoria são elucidadas as percepções dos participantes concernentes a aspectos relacionais e contextuais associados ao seu envolvimento com os filhos, apresentadas em duas subcategorias: O envolvimento paterno antes da separação conjugal e O envolvimento paterno após a separação conjugal.

O ENVOLVIMENTO PATERNO ANTES DA SEPARAÇÃO CONJUGAL. Esta subcategoria aborda as percepções dos pais referentes aos aspectos relacionais e contextuais associados ao envolvimento paterno, antes da separação conjugal. Neste sentido, os participantes mencionaram a influência da mãe e do trabalho sobre o envolvimento com os filhos antes da dissolução conjugal. Ao relatar sua experiência, P2 afirmou: Eu tinha que ser pai conforme estava no script e P4 comentou: Quando eu estava com ela, geralmente, me dava ordens de como eu deveria ser pai. As narrativas mostraram também uma forte influência da atividade laboral dos pais sobre a paternidade, sobretudo devido ao aumento da jornada de trabalho após o nascimento da criança: Quando o meu filho nasceu eu falei: - cara tem que buscar mais dinheiro [...] aí você não se torna pai porque você não tá, chega às onze horas da noite, tu não tem mais convívio com o teu filho (P1).

O ENVOLVIMENTO PATERNO APÓS A SEPARAÇÃO CONJUGAL. Esta subcategoria aborda os aspectos relacionais e contextuais associados ao envolvimento paterno após a separação conjugal. Os pais evidenciaram a continuidade do controle da ex-cônjuge sobre o modo como lidavam com os filhos, no entanto, passaram a não permitir essa influência quando compreenderam que tinham um jeito próprio de fazê-lo e isso favorecia a relação com a criança. O distanciamento físico dos filhos foi destacado como a parte mais difícil do divórcio e um desafio no sentido de cativá-los a cada reencontro, especialmente para o pai que ficava com os filhos apenas nos finais de semana, quinzenalmente. Os pais que compartilhavam os cuidados dos filhos durante a semana, referiram que a criança tinha duas casas e não se sentiam visitantes na casa deles. Um dos pais mencionou: Minha filha diz que é a minha casa da mamãe e a minha casa do papai (P2) e demonstra ter familiaridade e pertencimento aos dois lares.

A relação do pai com o trabalho passou por mudanças após a separação conjugal, pois devido à necessidade de compartilhar com a mãe os cuidados com a criança, alguns pais afirmaram que passaram a trabalhar menos: A gente se dedica à criança porque acaba largando muita coisa do que fazia antigamente (P1).

CARACTERÍSTICAS DO ENVOLVIMENTO PATERNO DO PAI SEPARADO

Esta categoria inclui a elucidação das tarefas, atividades e peculiaridades do envolvimento paterno, na perspectiva dos pais separados, a qual se divide em duas subcategorias: Convívio com a criança e Parentalidade do pai separado.

CONVÍVIO COM A CRIANÇA. Esta subcategoria refere-se aos aspectos da convivência da criança com o pai e a família paterna. Quanto ao relacionamento entre o pai e a criança sobressaiu-se a melhora na qualidade da relação: o fato de a gente passar um tempo exclusivo com eles, apesar de ser um tempo curto, um dia na semana ou dois, três dias na semana, ele tem uma qualidade melhor (P2). O convívio entre o pai e a criança foi evidenciado como algo que aumentou após a separação: o meu convívio com ele [o filho] se tornou cada vez maior (P1); eu ligo realmente todo dia e isso é uma melhora (P4).

PARENTALIDADE DO PAI SEPARADO. Essa subcategoria englobou atividades e tarefas que os participantes passaram a realizar após a separação conjugal, assim como dificuldades da parentalidade. Os pais que relataram passar apenas finais de semana alternados com os filhos, mencionaram mais atividades e brincadeiras com a criança, tais como, levar ao parque, ao cinema, andar de bicicleta, conversar e viajar. Os pais que compartilhavam os cuidados dos filhos nos dias de semana relataram que após a separação conjugal passaram a se envolver em atividades que não realizavam antes, tais como, cuidar da escolaridade da criança, levando e buscando na escola, acompanhando tarefas escolares e indo a reuniões de pais no colégio. Além disso, mencionaram fazer tarefas domésticas, como organizar a casa e fazer comida; vestir e cuidar da criança; atender às necessidades de saúde dos filhos, como levar ao médico, comprar remédios e cuidar deles quando estão doentes. Um dos participantes destacou que se tornou pai e mãe (P1) e os outros concordaram, devido ao fato de realizarem tarefas que antes da separação eram executadas apenas pela mãe da criança. Esses pais disseram que se sentiam pais de verdade após a separação (P1, P2 e P4), devido ao investimento de tempo, cuidados e atenção que passaram a dedicar aos filhos. Um dos pais participantes afirmou ser o cuidador principal dos filhos e destacou a sobrecarga paterna: no fim de semana é muito fácil tu ir pro parque, tu cuidar dela e tudo, agora quem tá na rotina ali sabe que a lida é difícil (P4).

Os pais também relataram dificuldades, perdas e dilemas concernentes à paternidade após a separação. Quanto às dificuldades, mencionaram o esforço que fazem para evitar a sua exclusão do convívio com a criança, segundo eles, implementada pela mãe, e conseguir ter uma relação próxima com os filhos. Os sentimentos de perda foram mencionados pelos pais, por não presenciarem acontecimentos que consideram importantes no desenvolvimento dos filhos: Eu só vi meu filho perder um dente comigo, tava ali, perdeu o dente, os outros eu não vi (P3) e também dilemas, relacionados a dúvidas sobre o impacto da separação conjugal na vida das crianças.

CONSTRUÇÃO DA PATERNIDADE NO PÓS-DIVÓRCIO

Essa categoria compreende duas subcategorias relativas às experiências e significados pessoais que promoveram o envolvimento paterno após a separação, a saber, Desenvolvimento pessoal do pai e A referência paterna.

DESENVOLVIMENTO PESSOAL DO PAI. Essa subcategoria incluiu a percepção dos pais sobre si mesmos e ao significado dado à separação conjugal. O crescimento pessoal do pai foi destacado de modo expressivo pelos participantes: Cresci muito, amadureci depois da separação (P1). A experiência também foi sentida como uma oportunidade para construírem sua relação com os filhos e ganhar mais autonomia nos cuidados destinados a eles.

A REFERÊNCIA PATERNA. Essa subcategoria abarcou as experiências do pai com o seu próprio pai e com os filhos. As experiências na família de origem do pai foram destacadas como algo que produziu reverberações na paternidade: [...] pela minha experiência de sentir falta do meu pai, não quero que meus filhos sintam isso (P5); [...] os valores que ele [o pai] me transmitiu eu carrego comigo e é isso que eu também quero, justamente, transmitir para os meus filhos (P6). Os participantes também mencionaram o desejo de ser uma pessoa de referência para a criança, com a qual ela possa estabelecer uma relação de apoio e confiança: eu busco sim e eu quero ser a pessoa que o meu filho, se um dia precisar [...] não quero que ele pense em outra pessoa, quero que ele pense no pai dele [...] eu tô me esforçando, tô trabalhando pra que isso aconteça (P1).

 

DISCUSSÃO

O presente estudo buscou compreender o envolvimento paterno no contexto do divórcio/separação conjugal na perspectiva do pai separado. Os participantes mencionaram diferenças significativas no seu envolvimento com os filhos, comparando antes e após a separação, sobretudo, relacionadas as influências da mãe e ao tempo destinado ao trabalho. Sobressaíram-se narrativas referindo que a relação com os filhos era fortemente influenciada pelo controle e expectativas maternas e com o término da relação conjugal deram-se conta de que poderiam aprender algumas habilidades e desenvolver um jeito próprio de cuidar das crianças e que isso favorecia o relacionamento que desejavam construir. Desse modo, pouco a pouco passaram a não permitir a interferência da ex-cônjuge e referiram ganhar mais autonomia e qualidade na relação com os filhos. Os relatos parecem mostrar que a separação conjugal desencadeou mudanças que contribuíram para o seu maior envolvimento, dentre outros aspectos, motivado pela coabitação com os filhos e a ausência da mãe para compartilhar os cuidados, resultados também evidenciados no estudo de Finzi-Dottan & Cohen (2015) e concernentes à visão sistêmica a qual considera que as transformações no modo de vida ocorrem em coerência com o espaço relacional (Maturana & Yáñez, 2015).

Na perspectiva dos pais o tempo destinado ao trabalho também passou por mudanças significativas, especialmente no que se refere à quantidade de horas trabalhadas, uma vez que, depois da separação conjugal reduziram a carga horária ao perceberem a necessidade de disponibilizar tempo aos cuidados dos filhos. Esses dados coadunam-se com estudos precedentes os quais afirmam que a maior jornada de trabalho do pai marcou um menor envolvimento com os filhos (Gomes, Crepaldi, & Bigras, 2013; Nieri, 2017). Nessa mesma direção, Cowan & Cowan (2016) apontam essa questão como um conflito central para os casais, pois a percepção das esposas é de que o maior envolvimento dos pais com o trabalho ocorreria para se esquivarem do envolvimento com a família.

Os resultados indicam que o envolvimento paterno após o divórcio apresentou três desafios importantes: o período logo após a separação; os conflitos com a ex-cônjuge e o distanciamento físico dos filhos. Os participantes mencionaram que o primeiro ano após a separação conjugal foi o mais turbulento, o que também é indicado na literatura (Carter & McGoldrick, 1995). Os conflitos com a ex-cônjuge impactaram negativamente o comportamento dos filhos, aspecto confirmado em outras produções científicas, as quais indicam a associação negativa entre conflito interparental e o bem-estar e desenvolvimento das crianças (Haddad, Phillips, & Bone, 2016; Lamela & Figueiredo, 2016; Owen & Rhoades, 2012). Ademais, é o fator que mais dificulta o envolvimento e participação do pai após o término da conjugalidade (Oliveira & Crepaldi, 2018). Os pais também referiram que o distanciamento físico se configura como um desafio importante após o divórcio, especialmente para os pais que ficavam com os filhos apenas a cada quinze dias, pois precisam se esforçar para cativar os filhos a cada reencontro, a fim de evitar o afastamento emocional. De acordo com Dantas, Jablonski, & Féres-Carneiro (2004) a qualidade do relacionamento pode ficar abalada, quando a quantidade de tempo que o pai passa com os filhos não é suficiente.

No que se refere às características do envolvimento paterno no contexto do divórcio, os participantes mencionaram maior convivência com os filhos associada à melhora na qualidade da relação, ocorrida devido ao fato de dedicarem tempo exclusivo para estar com os filhos e também por apreciarem mais a interação com as crianças após a separação conjugal, evidência encontrada no estudo de Halme, Åstedt-Kurki, & Tarkka (2009). O convívio frequente com os filhos foi destacado como algo fundamental, por favorecer o envolvimento paterno e o desenvolvimento e manutenção do vínculo emocional com os filhos (Bandeira, 2013; Oliveira & Crepaldi, 2018). Além disso, estudos recentes encontraram efeitos atenuantes do impacto da separação conjugal no comportamento dos filhos, nas crianças que mantinham uma relação íntima com o pai (Fitzsimons & Villadsen, 2019) e dormiam frequentemente na casa dele (Pronzato & Aassve, 2019).

Referente à parentalidade os relatos dos pais indicaram diferenças significativas quanto às atividades e tarefas que os pais desenvolviam com os filhos, por uma via, os pais com guarda compartilhada passaram a se envolver com a escolaridade e cuidados diretos com a criança, além de tarefas domésticas, e por outra via, os 'pais de final de semana' mencionaram atividades sociais, como passeios e atividades lúdicas. Diante desses aspectos, cabe ressaltar que as dimensões do envolvimento paterno - interação, acessibilidade e responsabilidade - são observadas nos relatos dos pais que compartilham a guarda dos filhos.

A sobrecarga paterna foi mencionada, especialmente, pelo pai que tinha a função de principal cuidador dos dois filhos (P5), confirmando achados da literatura de que a guarda exclusiva dos filhos gera sobrecarga, tanto para mães (Grzybowski & Wagner, 2010) quanto para pais (Cohen, Finzi-Dottan, & Tangir-Dotan, 2014). O mesmo pai também afirmou que assumiu a responsabilidade de cuidar dos filhos, porque a mãe não segurou a onda, constatação também encontrada no estudo de Cohen et al. (2014) com homens que tinham a guarda exclusiva dos filhos por determinação judicial, por que as mães estavam impedidas de assumir os cuidados. Os pais que relataram compartilhar com a ex-cônjuge os cuidados dos filhos, também mencionaram maior proximidade emocional com as crianças, resultado que encontra consonância com estudos que asseguram que morar com o pai e a mãe, após a separação, produz relações mais favoráveis entre o pai e a criança (Kalmijn, 2015; Scott, Booth, King, & Johnson, 2007). Cabe ainda destacar, que as experiências relatadas pelos pais também evidenciaram sentimentos de perda, por não participarem de momentos significativos no cotidiano dos filhos, devido ao distanciamento físico e divisão do tempo dos filhos entre o pai e a mãe, em decorrência da separação conjugal (Souza et al., 2012).

Os relatos explicitaram fatores que contribuíram para construção da paternidade após o divórcio. O desenvolvimento pessoal foi destacado pelos pais como um fator importante, o qual ajudou a considerar a vivência da separação como uma oportunidade para produzir uma boa relação com os filhos. Outro aspecto relatado referiu-se às experiências que tiveram com o próprio pai e o desejo de se tornarem uma pessoa de referência para a criança. Os modelos de paternidade adotados pelos pais são influenciados pelo modo como foram criados por seus próprios pais, conforme estudos anteriores (Backes, Becker, Crepaldi, & Vieira, 2018; Bolze, Schmidt, Böing, & Crepaldi, 2017; Nieri, 2017). O ser humano ao colocar atenção nas suas ações as torna objeto de reflexão e com isso abre possibilidades de fazer escolhas, pois vive num envolvimento recursivo entre consciência e o vir-a-ser (Maturana, 2014).

Os dados desse estudo mostraram pais com maior envolvimento com os filhos após a separação conjugal, cujos esforços se concentravam na manutenção de uma relação afetiva e convívio frequente com os filhos, consoante a um estudo anterior com pais separados (Souza et al., 2012). Notadamente, os pais demonstraram reconhecimento da sua influência para o desenvolvimento dos filhos e mostraram-se desejosos de construir uma paternidade com maior envolvimento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por objetivo compreender o envolvimento paterno no contexto da separação conjugal na perspectiva do pai separado e os resultados obtidos demonstram relações de interdependência que envolvem fatores individuais, relacionais, contextuais, sociais e culturais. Os resultados obtidos parecem revelar um processo contínuo e recursivo que envolve transformações individuais do pai, no relacionamento com a ex-cônjuge e com os filhos, além do tempo destinado ao trabalho e aos cuidados diretos da criança. A mudança na configuração familiar produziu benefícios significativos ao envolvimento paterno dos homens desse estudo.

Observou-se que as repercussões da separação conjugal, para os participantes com guarda compartilhada dos filhos, impulsionou a busca de novas formas de organização da vida pessoal e profissional com vistas a incluírem as necessidades de cuidado e atenção aos filhos, abarcando as dimensões do envolvimento paterno - interação, acessibilidade e responsabilidade. Em contrapartida, para os pais que ficavam com os filhos apenas nos finais de semana, quinzenalmente, apresentava-se o desafio de reestabelecimento do vínculo afetivo com a criança a cada reencontro. A estratégia utilizada por alguns participantes, considerada favorável na manutenção do vínculo com esta era telefonar para conversar diariamente, demonstrando interesse, afeto e atenção.

O presente estudo reconhece a teia de relações que envolve e exerce influência sobre o envolvimento paterno, e contribui para o avanço e complementação da produção científica ao evidenciar que o pai é capaz de cuidar dos filhos, tanto quanto as mães. Assim, torna-se possível depreender que as transformações que ocorrem nos papeis de pai e de mãe no contexto do divórcio abrem espaço para o compartilhamento dos cuidados aos filhos.

Este estudo evidencia a importância da continuidade da relação do pai com os filhos no contexto do divórcio, no entanto, sabe-se que é preciso considerar outras instâncias como, por exemplo, situações de negligência e maus tratos contra a criança, nas quais deve-se garantir a sua proteção e direitos universais. Destaca-se também os efeitos negativos para o desenvolvimento e bem estar da criança a vivência de conflito interparental, amplamente considerado na literatura e confirmado nesse estudo. Nessa direção, cabe considerar a relevância de intervenções preventivas no pré- e pós-divórcio, que funcionariam como um mecanismo de proteção ao desenvolvimento da criança e saúde mental de todos os membros da família, assim como de favorecer o esclarecimento, aos pais, sobre os efeitos da separação conjugal na dinâmica familiar, com vistas a auxiliar na construção de recursos para manejar os desafios da nova configuração familiar.

Quanto à limitação desse estudo, destaca-se que, possivelmente, os participantes que aceitaram o convite para integrarem a pesquisa reconheciam-se como pais envolvidos com os filhos e eram esclarecidos sobre a sua importância para o desenvolvimento da criança, facilitado em função da escolaridade. Diante disso, faz-se o seguinte questionamento: como acessar pais que não são envolvidos com seus filhos, de modo que seja possível conhecer outros fatores associados ao envolvimento paterno no contexto da separação conjugal? Recomenda-se que novos estudos incluam entrevistas individuais com pais separados, além do grupo focal, a fim de se conhecer peculiaridades da experiência de cada um deles.

A realização desse estudo encontrou como dificuldades: I) encontrar pais divorciados interessados em participar de pesquisa sobre o envolvimento paterno e compartilhar suas experiências em um grupo focal; II) definir um dia e horário para o encontro, possível para todos os interessados em participar do estudo. O contato prévio por telefone e o vínculo estabelecido com os participantes, pela pesquisadora, parece ter sido importante para motivá-los a participar, assim como a disponibilização de um espaço de recreação para acolher as crianças dos pais que precisaram levá-las consigo.

As narrativas dos pais, sobre a experiência de participar da coleta de dados, foi reconhecida por eles como uma oportunidade para compartilhar suas experiências e evitar que se sintam sozinhos. Dados que confirmam a importância do uso de técnicas que deem voz aos pais separados, assim como novos estudos poderiam desenvolver programas de intervenção em grupo para esses sujeitos.

Considera-se que compreender o envolvimento paterno no contexto da separação conjugal na perspectiva do pai separado pode embasar a formação e prática de profissionais da área da saúde, educação e jurídica que trabalham com famílias. Assim como, orientar o desenvolvimento de políticas públicas e programas de intervenção, que favoreçam o envolvimento paterno e o compartilhar da criação dos filhos, através de acordos que possam contribuir para o bem-estar das crianças e o respeito ao modo como, tanto o pai, quanto a mãe lidam com os filhos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Joyce Lúcia Abreu Pereira Oliveira
E-mail: joycelapo@gmail.com

Submetido: 19/05/2019
Aceito: 04/08/2020

 

 

1 Joyce Lúcia Abreu Pereira Oliveira é Psicóloga, Pedagoga, Especialista em Psicologia Relacional Sistêmica, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina.
2 Maria Aparecida Crepaldi é Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina e Professora Associada da Universidade do Québec em Montréal (UQÀM).

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