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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.22 no.1 Ribeirão Preto ene./jun. 2021
ARTIGOS
Sintomas de depressão, ansiedade e estresse e uso de drogas em universitários da área da saúde
Symptoms of depression, anxiety, stress and drug use in health students
Sintomas de depresión, ansiedad, estrés, y consumo de drogas en estudiantes del área de la salud
Emanueli Ribeiro Beneton1; Marina Schmitt2; Ilana Andretta3
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo-RS, Brasil
RESUMO
Este estudo teve como objetivo identificar e analisar se os sintomas de depressão, ansiedade e estresse estão relacionados com uso de álcool, tabaco e maconha em universitários da área da saúde. Trata-se de uma pesquisa com 111 universitários matriculados em cursos da área da saúde de uma universidade da região metropolitana do Rio Grande do Sul. Os instrumentos foram Questionário de dados sociodemográficos, Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21), Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST). Foi realizada análise descritiva dos dados e correlação de Spearman para amostras não paramétricas. As drogas mais utilizadas foram álcool, tabaco e maconha, sendo o álcool o que mais pontuou. Houve correlações significativas entre o uso de drogas com sintomas de estresse e ansiedade. Destaca-se a necessidade de atentar para o uso de substâncias realizado por universitários da área da saúde, uma vez que esta pode acarretar danos à vida acadêmica, pessoal e profissional.
Palavras-chave: Estresse; Ansiedade; Depressão; Drogas; Universitários.
ABSTRACT
This study aimed to identify the relationship between anxiety, depression, and stress symptoms and alcohol, marijuana, and tobacco use among healthcare university students. There were 111 students from healthcare courses of a private university from the state of Rio Grande do Sul's metropolitan region, Brazil, in the present sample. The instruments were sociodemographic questionnaire; Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21); Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST). Descriptive statistics and Spearman’s correlation analyses were done. The most frequently used drug was alcohol, followed by marijuana and tobacco. There were significant correlationsbetween substance use and stress and anxiety symptoms. It is evidenced that there is a need to pay attention to drug use among healthcare students, since such use can cause damage to academic, personal and professional life.
Keywords: Stress; Anxiety; Depression; Drugs; College students.
RESUMEN
Este estudio tuvo como objetivo identificar y analizar si los síntomas de estrés, ansiedad, depresión, están relacionados con el uso de alcohol, tabaco y marihuana en estudiantes universitariosen el área de la salud. Esta es una encuesta de 111 estudiantes universitarios inscritos en cursos del area de la salud de una Universidad en la región metropolitana de Rio Grande do Sul. Instrumentos: Cuestionario de datos sociodemográficos, Escala de depresión, ansiedad y estrés (DASS-21), Prueba de detección de alcohol, tabaquismo y participación de sustancias (ASSIST). Se realizó análisis descriptivo de los datos y correlación de Spearman para muestras no paramétricas. Resultados: las drogas más utilizadas fueron alcohol, tabaco y marihuana, siendo el alcohol el que obtuvo la mayor puntuación. Hubo correlaciones significativas entre el uso de drogas con síntomas de estrés y ansiedad. Se destaca la necesidad de prestar atención al uso de substancias por parte de los estudiantes universitarios en el campo de la salud, ya que esto pueden causar daños a la vida académica, personal y profesional.
Palabras clave: Estrés; Ansiedad; Depresión; Drogas; Estudiantes universitarios.
O período de formação acadêmica é caracterizado por experiências, escolhas, medos, ansiedades e frustrações, que podem acarretar mudanças significativas no modo de viver dos estudantes universitários. Situações novas como, a saída da casa dos pais, a necessidade de relacionar-se com pessoas desconhecidas, ritmo de estudo e conciliação com o trabalho (Oliveira et al., 2016; Vizzotto, Jesus, & Martins, 2017) tendem a influenciar na saúde mental dos universitários, que podem vir a desencadear sintomas de estresse, ansiedade e depressão provenientes das responsabilidades e exigências (Wörfel, Gusy, Lohmann, Töpritz, & Kleiber, 2016).
Tal período é considerado de transição e adaptação para com à rotina, carga horária de estudo, poucas horas de sono, provas, trabalhos, adaptação da vida social com a acadêmica, podendo gerar repercussão na vida pessoal e profissional dos estudantes (Ariño & Bardagi, 2018). Estudos apontam que o período acadêmico além de ser marcado pelo crescimento e autonomia, se caracteriza também pela vulnerabilidade quanto aouso de drogase transtornos psicológicos (Lima, Gomide, & Farinha, 2015; Vieira, Moreira, Silva, & Rolindo, 2019). Os sintomas mais comuns desenvolvidos são os depressivos e ansiosos (Fernandes, Vieira, Silva, Avelino, & Santos, 2018).
A depressão se caracteriza pela falta de vontade, tristeza, humor deprimido, desânimo, falta de energia, catastrofização, vitimização, indisponibilidade (Vignola & Tucci, 2014) e pode ser vivenciada em diversos momentos da vida, variando a intensidade dos sintomas, o que a caracteriza como normal ou patológica (Guimarães, 2014). Um estudo realizado em Portugal com 552 estudantes universitários, aponta que sintomas de depressão se intensificam no período de provas (Oliveira et al., 2016). Lantyer, Varanda, Souza, Padovani e Viana. (2016) realizaram um estudo com 170 universitários, divididos entre os cursos de Psicologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Fisioterapia, Educação Física, da Universidade Federal de São Paulo e identificaram comprometimento significativo nos aspectos emocionais e saúde mental, apresentando altos níveis de estresse e ansiedade.
A ansiedade por sua vez, é compreendida pela presença de sentimentos de medo, angústia, excesso de pensamentos sobre o futuro, que podem causar excitabilidade ou até mesmo tristeza (Apóstolo, Mendes, & Azeredo, 2006). A ansiedade faz parte da vida humana, e dependendo da intensidade com que é sentida e da forma como é manejada pode ser considerada benéfica ou prejudicial (Lantyer et al., 2016; Schönhofen, Neiva-Silva, Almeida, Vieira, & Demenech, 2020). Altos níveis de tal emoção podem influenciar negativamente no desenvolvimento acadêmico, bem como provocar reações impulsivas, comprometendo assim o equilíbrio emocional (Nogueira, 2017).
O estresse, pode ser caracterizado por uma reação fisiológica e psicológica, diante de eventos internos ou externos, não programados, não esperados, que causam tensão, irritabilidade, agitação, tristeza, dificuldade em relaxar, impaciência, entre outros sintomas (Vignola & Tuci, 2014).Um estudo realizado em uma universidade do Triângulo Mineiro, com 384 estudantes universitários, de diversificadas áreas, identificou que 70,4% dos participantes apresentavam sintomas de ansiedade, 59,2% sintomas de depressão e 78,1% sintomas de estresse (Souza, 2017). Esses sintomas, quando não identificados e trabalhados, podem acarretar problemas como irritabilidade, insônia, falta de concentração, tristeza, mudanças de humor, entre outros, durante o exercício da vida acadêmica e posterior a ela (Andrade, 2017; Souza, 2017).
Estudantes universitários da área da saúde, tendem a apresentar maior nível de estresse que estudantes de outras áreas, acredita-se que isto dê pelo fato de que eles geralmente realizam atividades dentro da área da saúde, no turno inverso ao acadêmico (Bublitz, Guido, Lopes, & Freitas, 2016).O fato destes estudantes apresentarem níveis mais elevados destes sintomas do que estudantes de outras áreas, indicada esta população como de risco para sintomas de sofrimento psíquico e uso de substâncias (Ariño & Bardagi, 2018; Padovani et al., 2014).
O contato direto com os pacientes, a responsabilidade para com a vida do outro, cargas elevadas de estágios, plantões, podem ser os fatores que mais influenciam no surgimento dos sintomas (Bublitz et al., 2016). A manifestação dos mesmos podeestar relacionada tanto com às vivências dos universitários da área da saúde em seus locais de trabalho e estágio, quanto com fatores pessoais internos, como crenças negativas sobre si (Ariño & Bardagi, 2018; Cunha & Santos, 2018).
Além da demanda acadêmica, existem outros fatores que influenciam diretamente no surgimento de sintomas de estresse, ansiedade e depressão, como trabalho, relacionamentos, filhos, questões financeiras, saída da casa dos pais, frustrações referentes ao curso escolhido (Leão, Gomes, Ferreira, & Cavalcanti, 2018). Fatores internos como crenças, habilidades sociais, pensamentos distorcidos, auxiliam na desregulação emocional e no desenvolvimento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse (Ariño & Bardagi, 2018). Os estudantes universitários por vezes, buscam estratégias que auxiliem na diminuição dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse, como grupo de amigos, o uso de substâncias, grupos de apoio dentro da própria universidade, psicoterapia, uma vez que essas tendem a gerar efeitos agradáveis, desinibição, maior inserção social e aceitação entre os pares (Zeferino etal., 2015).
São consideradas drogas substâncias que, quando utilizadas, tendem a causar alterações de comportamentos, pensamentos, agindo principalmente no Sistema Nervoso Central (Fernandes et al., 2017). Um estudo realizado em 27 capitais brasileiras, com a participação de 12.294 estudantes universitários, que estavam entre o primeiro e o sexto ano de graduação, apontou que 90,3% dos participantes fizeram uso de álcool e 64,7% fizeram uso de pelo menos uma droga ilícita (Cesar et al., 2012). Através deste estudo foi possível identificar que a maior parte dos universitários que faziam uso de drogas ilícitas eram os que moravam em casas de estudantes, repúblicas universitárias e que este uso se deu para auxiliar durante os momentos de estudo, aumentar a concentração, minimizar os sintomas de estresse e ansiedade provenientes da graduação (Cesar et al., 2012). Estudos apontam que a droga lícita mais utilizada pelos universitários é o álcool, seguido do tabaco e entreas drogas ilícitas, a maconha é a primeira opção, seguida do ecstasy (Fernandes etal., 2017; Zeferino et al., 2015). Quanto aos motivos relatados para o consumo de droga, além da diminuição dos sintomas citados anteriormente, estão à influência dos colegas, a necessidade de sentir-se aceito e a droga como um estimulante para manter a atenção nos estudos (Fernandeset al., 2017). O uso de drogas por universitários da área da saúde gera preocupação, uma vez que estes serão os profissionais que cuidarão da saúde de outras pessoas e o uso indiscriminado de substâncias pode gerar dependência, dificultando e por vezes impossibilitando a realização de suas atividades profissionais (Gonçalves & Pedro, 2015).
Por meio deste estudo hipotetiza-se que quanto mais sintomas de depressão, ansiedade e estresse, maior o uso de drogas, assim como quanto maior o uso de uma substância, maior a probabilidade do uso de outra. Desta forma, o estudo teve como objetivo identificar e analisar se os sintomas de depressão, ansiedade e estresse estão relacionados com uso de álcool, tabaco e maconha em universitários da área da saúde.
MÉTODO
DELINEAMENTO
Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, correlacional, com uma amostra estratificada (Sampieri, Collado, & Lúcio, 2013).
AMOSTRA
A amostra deste estudo foi composta por 111 universitários, matriculados nos cursos da Escola de Saúde de uma universidade privada da região metropolitana de Porto Alegre/RS. A maioria dos participantes era do sexo feminino (81,1%; n=90) e estudavam à noite (70%; n=77); a amostra tinha média de idade de 25,37 anos (DP=8,12) e em sua maioria era composta por solteiros (82,7%; n=91). Referente aos semestres de curso, 38,1% (n=40) dos participantes estava entre o 1º e o 3º semestre, 40% (n=42) estava entre o 4º e o 6º semestre e 21,9% (n=23) estava entre o 7º e o 10º semestre, enquanto seis participantes (5,4%) não responderam essa informação. Os estudantes participantes estavam divididos entre os seguintes cursos: 55% (n=61) Psicologia, 18% (n=20) Nutrição, 6,2% (n=7) Gastronomia e Biomedicina, 5,4% (n=6) Educação Física, 4,5% (n=5) Medicina e Fisioterapia. Quanto ao trabalho 65,7% trabalhava, enquanto 33,3% (n=37) não trabalhava; e, no que se refere ao tratamento psicoterápico, 64,5% (n=71) referiram não fazer.
INSTRUMENTOS
QUESTIONÁRIO DE DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS. Este questionário foi elaborado pelo grupo de pesquisa "Intervenções Cognitivo-Comportamentais: Estudo e Pesquisa (ICCep) e objetivou identificar o perfil dos participantes (sexo, idade, estado civil, curso, semestre em que estuda, se faz psicoterapia ou não, etc.). Os dados socioeconômicos foram avaliados pelo instrumento Critérios de Classificação Econômica Brasil, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. (ABEP, 2015).
DEPRESSION, ANXIETY AND STRESS SCALE (DASS-21). A escala foi desenvolvida por Lovibond e Lovibond no ano de 2004 e validada para a língua portuguesa por Vignola e Tucci (2014), possui três subescalas de quatro pontos, composta por sete itens cada, que avaliam simultaneamente o mapeamento de sintomas emocionais de depressão, ansiedade e estresse durante a última semana. Os sintomas avaliados na subescala de depressão (itens 3,5,10,13,16,17 e 21) se referem à inércia; anedonia; disforia; falta de interesse/envolvimento; autodepreciação; desvalorização da vida e desânimo. Na subescala de ansiedade (itens 2,4,7,9,15,19 e 20) são avaliados sintomas de excitação do sistema nervoso autônomo; efeitos musculoesqueléticos; ansiedade situacional; experiências subjetivas de ansiedade. As questões da subescala de estresse (itens 1,6,8,11,12,14 e 18) avaliam os sintomas de dificuldade em relaxar; excitação nervosa; fácil perturbação/agitação; irritabilidade/reação exagerada e impaciência. No presente estudo, os alfas de confiabilidade interna deste instrumento foram de: α = 0,70 para ansiedade, α = 0,89 estresse e α =0,91 depressão. O instrumento possui uma escala Likert de 0 a 3 e a soma dos itens define os níveis de depressão, ansiedade e estresse como normal, leve, moderado, severo e extremamente severo. Para depressão a pontuação se dá da seguinte forma: normal de 0-9 pontos, leve de 10-13 pontos, moderada de 14-20 pontos, severa de 21-27 pontos e extremamente severa mais que 28 pontos. Para ansiedade, normal de 0-7 pontos, leve de 8-9 pontos, moderada de 10-14 pontos, severa de 15-19 pontos e extremamente severa mais que 20 pontos. Quanto ao estresse, é considerado normal de 0-14 pontos, leve 15-18 pontos, moderado 19-25 pontos, severo 26-33 pontos e extremamente severo mais que 34 pontos.
ALCOHOL, SMOKING AND SUBSTANCE INVOLVEMENT SCREENING TEST (ASSIST). Instrumento validado por Henrique, De Micheli, Lacerda, Lacerda e Formigoni (2004) composto por oito questões, sendo um referente ao uso de drogas injetáveis e as outras setes questões referentes ao uso de substâncias como álcool, alucinógenos, hipnóticos/sedativos, tabaco, maconha, anfetaminas, cocaína/crack, inalantes e opióides. Por meio deste instrumento é possível classificar o uso de drogas em "Envolvimento com Substâncias Específicas" o qual identifica as substâncias utilizadas e "Envolvimento Total com Substâncias" que possibilitará a compreensão de uso de drogas como ocasional, nulo, sugestivo de abuso ou sugestivo de dependência. A correção do instrumento se dá individualmente para cada substância, sendo somados os scores das questões 2 até a 7, considerando como droga principal aquela que gerar maior score. A soma da pontuação das substâncias caracteriza uso ocasional (0-3 pontos), indicativa de abuso (4-15 pontos) e pontuação maior que 16 como sugestiva de dependência. Quanto a necessidade de intervenção, as substâncias que pontuarem de 0-3 (exceto álcool) caracterizam Nenhuma Intervenção, as que pontuarem de 4-26 (exceto álcool) caracterizam Receber Intervenção Breve e as que pontuarem 27 ou mais caracterizam Encaminhar para Tratamento mais intensivo. Quanto ao álcool, a pontuação para Nenhuma Intervenção é de 0-10 e para Receber Intervenção Breve é de 11-26. No presente estudo, foram avaliados o uso de álcool, tabaco e maconha. Calculou-se e encontrou-se, para tais subescalas, os respectivos alfas: álcool α =0,65, tabaco α =0,77 e maconha α = 0,72. A escolha destas três substâncias se deu por meio de achados da literatura que apontam como as mais utilizadas pelos universitários (Fernandes et al., 2017).
PROCEDIMENTOS
Este trabalho é um recorte de uma pesquisa maior intitulada "Uso de mídias sociais e sua relação com o uso de drogas, habilidades sociais, sintomas de estresse, ansiedade, depressão e solidão em universitários", desenvolvida pelo grupo Intervenções Cognitivo Comportamentais Estudo e Pesquisa (ICCep). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Unisinos (CEP) sob o parecer nº 2.289.637 e atendeu as exigências éticas do Conselho Nacional de Saúde - CNS (CNS, 2016), previstas nas resoluções466/2012 e 510/2016.
Possibilitou-se que todas as turmas de graduação das escolas (Saúde, Indústria Criativa, Direito, Gestão de Negócios, Humanidades e Politécnica) tivessem a mesma oportunidade de participar da pesquisa, porém, para o presente estudo, apenas os dados da escola da Saúde foram utilizados. Para tal coleta, as disciplinas que estavam ocorrendo em cada semestre foram lançadas em um programa online (Sorteador.com) o qual sorteou as que iriam participar. O sorteio foi realizado nos dois semestres letivos do ano de 2018.
Após a realização do sorteio, foi realizado contato com os professores de cada turma, solicitando autorização para entrega dos protocolos. Recebido o aceite do professor, uma equipe formada por membros do ICCep se dirigiu até a turma (em data e horário previamente combinado com os professores) e realizou o convite aos alunos. Aqueles que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, uma que foi entregue a equipe e outra que ficou com o participante. Este receberia um protocolo e o devolveria preenchido na semana seguinte. Após a devolução, os dados foram tabulados e analisados por psicólogos, integrantes do grupo ICCep, através do programa Statistical Package Social Sciences (SPSS, v.22).
Os participantes foram informados de que qualquer desconforto durante o preenchimento do protocolo deveria ser sinalizado a equipe, para que se pudesse tomar as medidas e encaminhamentos necessários. Como critérios de inclusão, os participantes deviam ter mais que 18 anos e ser aluno de um curso de graduação matriculado em uma das turmas sorteadas. Foram excluídos os participantes que não contemplaram qualquer um dos critérios de inclusão. Os protocolos foram armazenados nas dependências do grupo por cinco anos.
ANÁLISE DE DADOS
A análise dos dados foi realizada utilizando o programa SPSS versão 22. Afim de verificar a normalidade ou não das variáveis, utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov, com correção de Lilliefors, (p≤0,05), resultando em uma amostra não normal. Para a caracterização da amostra foram realizadas análises descritivas de média, desvio-padrão e frequência. Para a análise de correlação foi utilizado Spearman, para amostras não paramétricas, verificando correlações significantes menor que 0,05 (95% de confiança) e menor que 0,01 (99% de confiança)(Sampieri, Collado, & Lucio, 2013).As interpretações das correlações foram baseadas na mensuração sugerida por Dancey e Reidy (2006), que são fracas (0,1 a 0,3), moderadas (0,4 a 0,6) ou fortes (0,7 a 1). Foram correlacionadas as variáveis: uso de drogas; sintomas de estresse, ansiedade e depressão.
RESULTADOS
Quanto ao uso de substâncias (tabaco, álcool e maconha), verificou-se que a mais utilizada foi o álcool. Tais dados foram obtidos a partir da primeira pergunta do instrumento ASSIST, com respostas de sim ou não. Por meio da análise de correlação de Spearman foi possível identificar que os participantes necessitam receber Intervenção Breve, conforme Tabela 1. O tipo de intervenção se deu através da pontuação de cada substância, conforme indicado pelo instrumento.
No que se refere aos sintomas de estresse, ansiedade e depressão, os níveis encontrados foram normais. O sintoma que mais pontuou foi estresse, seguido de depressão e ansiedade, conforme Tabela 2.
A partir das análises de dados, foram percebidas correlações significativas entre diversas variáveis. Observou-se correlação positiva (p<0,05) entre uso de drogas com sintomas de ansiedade, depressão e estresse, e correlação positiva moderada (>0,4) entre o uso de tabaco, maconha e álcool, conforme a Tabela 3.
DISCUSSÃO
O estudo teve por objetivo identificar e analisar se os sintomas de estresse, ansiedade, depressão estão relacionados com uso de álcool, tabaco e maconha em universitários da área da saúde. De acordo com os resultados encontrados, foi possível identificar sintomas de estresse (85,6% n=95), ansiedade (74,8% n=83) e depressão (77,5% n=86) em níveis normais.
Verificou-se que o tabaco foi utilizado por 58,7% (n=61) da amostra, e a maconha foi utilizada por 57,3% (n=59). Em outras pesquisas, resultados semelhantes foram averiguados, como no estudo de Dambrowski, Sakae e Remor (2017), realizado com 120 universitários da área da saúde de uma universidade privada do Sul do Brasil, apontou como drogas mais utilizadas o álcool por 90%, o tabaco por 35% e a maconha por 26,9% dos participantes. Através das análises do presente estudo, foi possível verificar que há correlação positiva moderada (>0,4) entre o uso de tabaco, álcool e maconha, o que nos mostra que quanto mais uso de uma substância (álcool, tabaco e/ou maconha) maior probabilidade de uso de outra. Tal dado era esperado, uma vez que condiz com o já evidenciado por outros pesquisadores (Bublitz, et al., 2016; Dázio, Zago, & Fava, 2016; Demenech, Dumith, Paludo, & Neiva-Silva, 2019). Pode-se argumentar, a partir disso, que a utilização de uma substância poderia ser uma porta de entrada para o uso das demais. Inclusive, tal explicação poderia ser corroborada pela literatura, uma vez que Oliveira et al. (2016) apontam que o uso de álcool potencializa o uso de tabaco, por exemplo. Assim, visto que essas drogas podem ser a porta de entrada para o vício e uso de outras drogas, o comportamento de uso de substâncias coloca os estudantes em risco (Trindade, Diniz, & Sá Júnior, 2018). Entretanto, utilizar álcool, tabaco e maconha pode servir como uma estratégia, um auxílio, para lidar com a demanda universitária e também na busca por se sentir aceito e pertencente ao grupo de colegas (Zeferino et al., 2015).
Nesta pesquisa, verificou-se que, quanto maiores os níveis de sintomas de depressão, ansiedade e estresse, maior o uso de tabaco Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Dázio, Zago e Fava (2016), em que os participantes relataram utilizar tabaco visando reduzir os sintomas de estresse e ansiedade gerados pela vida acadêmica. A prevalência do uso da substância em questão por estudantes da área da saúde parece ser superior ao uso por universitários de outras áreas, conforme relatado no estudo de Almeida, Miranda, Miyasaki e Marques (2011), realizado com 368 estudantes divididos em três Centros Universitários, o Centro da Saúde apresentou 10% a mais na prevalência do uso de tabaco, quando comparado aos outros centros. O estudo de Júnior e Gaya (2015) realizado com 123 universitários, destes 113 (92%) da área da saúde, registrou que 42,3% (n=52) dos participantes fazem uso de cigarro.
Os motivos apresentados pelos universitários para uso do tabaco, referem-se a uma diminuição dos níveis de estresse e ansiedade, que podem estar relacionado ao fato de que fazem estágios de maior duração e com demandas intensas referentes a doenças, óbitos e outras situações difíceis, as quais tendem a propiciar o surgimento e agravamento dos sintomas de estresse e ansiedade, bem como relatam que a convivência com colegas que fazem uso de cigarro/tabaco influencia o uso (Camargo et al., 2019; Machado, Moura, & Almeida, 2015).
Corroborando a ideia de que os participantes do presente estudo podem usar tabaco como estratégia de manejo depressão, ansiedade e estresse, Guerra, Costa, Bertolini, Marcon e Parré (2017), em sua pesquisa, apontam que o uso de nicotina pelos universitários da área da saúde é visto como uma forma de redução do estresse, não levando em consideração que tal droga tende a causar dependência.Os mesmos resultados vão ao encontro do estudo de Ferreira, Farias, Tavares e Lourenção (2015), realizado com 369 universitários, destes 162 (43,9%) usuários de tabaco, que relataram fazer uso de tal substância como forma de diminuição dos sintomas de estresse, sendo assim, o uso do tabaco passa a se dá como uma estratégia de enfrentamento aos sintomas.
Os sintomas de estresse e de ansiedade correlacionaram-se positivamente, ainda que de forma fraca, com o nível do uso de maconha e álcool. Isso pode ser explicado pela buscada diminuição dos sintomas de estresse e de ansiedade, das tensões e preocupações referentes à graduação (Tran et al., 2017; Zeferino et al., 2015). Zanetti, Cumsille e Mann (2019) em seu estudo, realizado com 275 estudantes de uma universidade pública de Ribeirão Preto-SP, dos cursos de Terapia Ocupacional, Direito, Ciências da Informação e Documentação e Enfermagem, apontam que o estresse pode ser, muitas vezes, a porta de entrada para o uso de substâncias como maconha e álcool, uma vez que estas substâncias tendem a minimizar o estresse e potencializar a sensação de bem-estar e alívio. Tais substâncias, porém, podem gerar dependência, aumentando os sintomas e potencializando o surgimento de problemas provenientes do uso. A maconha é uma das substâncias ilícitas mais utilizadas por universitários (Machado, Moura, & Almeida, 2015) e seria plausível imaginar que seu uso também pode estar associado com o alívio de sintomas relacionados a ansiedade e estresse. Portanto, é possível que se faça uso de álcool e maconha como válvula de escape, buscando diminuir os sintomas de estresse e ansiedade, enquanto estes se potencializam pelo uso das substâncias, em uma relação que se retroalimenta.
Assim, percebe-se que, quanto maior for um dos sintomas (depressão, ansiedade, estresse), maior tendem a ser os demais, uma vez que há similaridade na manifestação dos mesmos, ou seja, características de sintomas depressivos, tendem a ser semelhantes a sintomas de ansiedade, de forma que um pode anteceder e sobrepor o outro (Martins, Silva, Maroco, & Campos, 2019). Com isso, também é maior o uso de uma das três substâncias em questão, o que similarmente tende a aumentar a utilização das outras duas.
Os resultados indicam que o uso de drogas na população universitária aumenta conforme o agravamento dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Pode-se pensar que, com a piora na saúde mental edo bem-estar de universitários da área da saúde, mais provável será o uso de drogas por tais pessoas, porém este uso a longo prazo tende a não gerar mais alívio e sim dependência, piorando a saúde mental e bem-estar da população.
Esta é uma constatação relevante, dado que o uso de drogas em universitários da área da saúde gera preocupação, uma vez que estes serão os profissionais que cuidarão da saúde física e mental de outras pessoas (Pelicioli, Barelli, Gonçalves, Hahn, & Scherer, 2017). Percebeu-se que, assim como o presente trabalho, grande parte dos estudos realizados com a população universitária contou com a participação de mais estudantes do sexo feminino do que do sexo masculino (Ariño & Bardagi, 2018; Chiodelli, Mello, Jesus, & Andretta, 2018; Dambrowski, Sakae, & Remor, 2017). O estudo de Lantyer et al. (2016) encontrou diferença significativa nos níveis de Saúde Mental, Aspectos Emocionais, Capacidade Funcional, Estado Geral de Saúde e Aspectos Sociais, quando comparado o sexo feminino com o masculino, assim como os estudos de Dambrowski et al. (2017) e Trindade et al. (2018) apresentam diferenças estatísticas significativas quando comparam o uso de drogas entre o sexo feminino e o sexo masculino.
Diante do exposto, se pode inferir que universitários do sexo masculino e universitárias do sexo feminino irão reagir de formas diferentes aos sintomas emocionais (depressão, ansiedade e estresse) desencadeados pela vida acadêmica. Estudantes do sexo feminino tendem a apresentar mais sintomas emocionais, enquanto estudantes do sexo masculino tendem a fazer mais uso de substâncias psicoativas (Dambrowski, Sakae, & Remor, 2017; Trindade et al., 2018). Sugere-se que estudo futuros levem em consideração estas diferenças, afim de que através de análises comparativas se possa pensar em formas de manejo diferentes para homens e mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando os resultados encontrados neste estudo, percebe-se a importância de identificar, avaliar e estudar os sintomas de estresse, ansiedade, depressão e formas encontradas pelos universitários para enfrentar tais sintomas, uma vez que estes fazem parte da vida dos seres humanos, sendo potencializados pelos desafios da vida acadêmica. Especificamente, é relevante pesquisar sobre estudantes da área da saúde, dado que a literatura aponta que estes fazem mais uso de substâncias e podem fazê-lo com o intuito de lidar com suas dificuldades na vida universitária/profissional.
Se faz necessário atentar para o uso de substâncias como álcool e tabaco, uma vez que são lícitas e aceitas socialmente. Porém, não é possível ignorar drogas ilícitas, como a maconha, que costumam ser muito utilizadas no meio universitário. Este estudo mostrou que o uso de uma substância está associado ao uso da outra e que quanto maior o uso de álcool, maior o uso de tabaco e maconha. Isso pode indicar um ciclo vicioso que pode gerar um uso nocivo de tais drogas. Embora os dados deste estudo tenham apontado para necessidade de intervenção breve quanto ao uso de álcool, tabaco e maconha, o uso de tais substâncias pode não ser um problema para a população universitária, visto que tal prática por vezes é considerada adaptativa em alguns momentos.
As correlações encontradas entre o uso de álcool, tabaco, maconha e os sintomas de estresse, ansiedade e depressão, apesar de fracas, possibilitam pensar que os universitários fazem parte de uma população de risco. Evidencia-se a importância de desenvolver intervenções que auxiliem no manejo, compreensão e diminuição dos sintomas, assim como auxiliem a pensar outras formas de enfrentamento e prevenção que não o uso de substâncias.
Como limitações, não foi questionado se o uso de álcool, tabaco e maconha teve início antes do ingresso na vida acadêmica, o que não permitiu relacionar o uso com o fato de estar na academia. Sugere-se, então, que outros estudos realizem a avaliação de variáveis como estilo de vida e uso de drogas no contexto familiar, as quais podem influenciar no desenvolvimento de sintomas de depressão, ansiedade e estresse e potencializar o uso de drogas.
Espera-se que o presente estudo tenha contribuído e auxiliado na compreensão do uso de drogas vinculado aos sintomas de depressão, ansiedade e estresse, a fim de favorecer o desenvolvimento de intervenções, programas e ferramentas que auxiliem a população universitária na promoção e prevenção da saúde física e mental. Intervenções baseadas em Coaching Cognitivo Comportamental e Mindfulness têm sido utilizadas e apresentado resultados positivos quanto a diminuição dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse, bem como, estas intervenções possibilitam a psicoeducação quanto ao manejo dos sintomas e estratégias de enfrentamento.
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Endereço para correspondência
Emanueli Ribeiro Beneton
E-mail: manu.iccep@gmail.com
Recebido: 01/05/2020
Reformulado: 05/09/2020
Aceito: 08/09/2020
1 Emanueli Ribeiro Beneton é psicóloga pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
2 Marina Schmitt é psicóloga e mestranda em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
3 Ilana Andretta é professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e coordenadora do grupo de pesquisa ICCep na Universidade do Vale do Rio dos Sinos.