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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.2 n.2 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A preparação para o parto como prevenção primária com grupos de sala de espera: a experiãncia de trabalho interprofissional

 

The preparation for the childbirth as primary prevention with groups of waiting room: the experience of interprofessional work

 

 

Luciana Araujo Gomes1; Carla Ribeiro Guedes2

 

 


RESUMO

Este artigo compreende uma síntese de um trabalho de prevenção primária de preparação para o parto com grupos de gestantes de sala de espera para a consulta do pré-natal, realizado a princípio apenas por uma estagiária de psicologia, que construiu a proposta do mesmo para a sua prática num hospital filantrópico. No curso de seu desenvolvimento duas profissionais vieram se juntar, uma enfermeira e uma assistente social, ampliando o atendimento para uma modalidade integrada e integral. São descritos, então, as possibilidades e também os impasses nessa intervenção em função das disposições das participantes e da equipe interprofissional na adesão à mesma. Por último, é destacado como promissor o empreendimento de ações no campo da saúde reprodutiva, a partir de uma abordagem preventiva e sob a ótica da interdisciplinaridade, à medida que profissionais dessa área fizerem investimentos no sentido de contribuírem para uma melhor assistência às mulheres grávidas.

Palavras-chave: Parto, Gestantes, Assistência pré-natal, Profissionais da saúde.


ABSTRACT

This article understands a synthesis of a work of primary prevention of preparation for the childbirth with groups of pregnant women of waiting room for the consultation of the antenatal, carried out the principle only for a psychology trainee that constructed the proposal of the same one for practical hers in a philanthropic hospital. In the course of its development, two professionals had come to join themselves, a nurse and a social assistant, extending the attendance for an integrated and integral modality. It is described, then, the possibilities and also the impasses in that intervention in function of the disposals of the participants and the interprofessional team in the adhesion to the same one. Finally, the enterprise of actions in the field of the reproductive health is emphasized as promising with effect from a preventive approach and under the optics of the interdisciplinarity, in the measure that professionals of that field invest in the direction to make to contribute for one better attendance to the pregnant women.

Keywords: Labor childbirth, Pregnants, Childbirth training, Health professionals.


 

 

INTRODUÇÃO

A proximidade do parto e também o seu acontecimento podem ser vividos como momentos cruciais do período de gestação por conta de mudanças significativas que assinalam à mulher, em maior ou menor intensidade, ansiedade e medo pelo imprevisível. De acordo com Soifer (1992), pode-se dizer que algumas dessas mudanças compreendem: o afastamento da rotina diária para a internação, a cisão do elo narcísico mãe-filho experimentada como uma perda de parte própria juntamente com o irrompimento da angústia do próprio parto, a perda do corpo grávido e as modificações na organização do lar e da família para a acolhida de um novo membro. Uma outra nuança bastante significativa, ainda com base em Soifer (1992), é que o parto constitui para a mulher um episódio irreversível e que não se pode escapar; portanto, será preciso enfrentá-lo de qualquer maneira; essa evidência do parto que se lhe impõe, aliada à incerteza quanto à data de sua ocorrência, contribui para intensificar sua ansiedade.

Nos hospitais, à espera da consulta do pré-natal, vê-se mulheres aguardando a chegada de um bebê. Este é um momento em que, podendo estar mobilizadas pelas transformações que encerram o parto e a vinda de um filho, em alguns casos, essas mulheres grávidas encontram-se mais acessíveis à ajuda. Por isso, se a gestante puder contar com um acompanhamento preventivo que vise prepará-la para o parto, este fato poderá deixá-la mais tranqüila e com melhores condições de passar pela situação de conceber um filho. Assim, realizou-se um trabalho de prevenção primária com grupos de gestantes de sala de espera para o pré-natal, no Hospital Gustavo Monteiro Júnior — de caráter filantrópico —, localizado no distrito de Conservatória, no estado do Rio de Janeiro, no período de março a julho de 2004. O objetivo deste trabalho foi o de propiciar um espaço grupal para que elas pudessem, através de discussões estimuladas, expressar e compartilhar sentimentos em relação ao parto, aproveitando a existência do grupo formado na sala de espera e o tempo ocioso de espera da consulta obstétrica, tornando o mesmo em tempo de trabalho. A referência à prevenção primária é buscada em Caplan (1967), que a define como a tentativa de evitar o aparecimento de problemas emocionais em uma população, por meio de ações: que combatam fatores de etiologias nocivas, que promovam mudança ambiental e que fortaleçam as competências das pessoas para que possam enfrentar situações novas. Adotou-se esta última ação na promoção do trabalho profilático de preparação para o parto.

A efetuação desta prática por parte da autora (Gomes) compreendeu um estágio em Psicologia da Saúde — que é uma exigência legal e necessária para a conclusão da formação de psicóloga —, direcionado especialmente ao contexto da saúde reprodutiva. Primeiramente, este trabalho foi desenvolvido apenas pela estagiária de psicologia sob supervisão semanal da professora Guedes, da área de Psicologia Hospitalar. A estagiária elaborou previamente um projeto a partir do qual se orientou em sua atuação. Pensou-se que o oferecimento de um trabalho que permitisse àquelas mulheres expressarem dúvidas, ambivalências, angústias, receios, dificuldades e preocupações prováveis por conta do momento de dar à luz, se esse fosse o desejo delas, teria um valor inestimável, à medida que poderia propiciar alívio e encorajamento para o enfrentamento da realidade de se ter um filho. Colocar-se disponível à grávida e à parturiente no externar de seus possíveis sentimentos relativos ao parto, caso elas sintam a necessidade disso, é condição sine qua non para ajudá-las profissionalmente a atravessar de uma melhor maneira e que lhes seja pessoal, esse período crítico que se lhes apresenta como inevitável.

Fazendo alusão a Lins (1988) se pode dizer que, ao lado da participação médica na supervisão do nascimento, deveria estar uma atenção aos fenômenos psicológicos e emocionais inerentes ao processo reprodutivo humano, para que a assistência não se distancie do aspecto natural deste evento e se torne demasiado tecnicista, impessoal e potencialmente causadora de danos. De acordo com o manual do Ministério da Saúde (2001), o preparo da gestante para o parto pela rede básica de saúde tem como objetivo dar a ela a possibilidade de vivenciar a experiência do trabalho de parto e parto como protagonista deste processo. Deste modo é que se lançou a viabilização do trabalho de atenção primária de preparação para o parto, com grupos de mulheres de sala de espera para a consulta do pré-natal naquele hospital. Este trabalho consistia, essencialmente, em uma oportunidade para aquelas mulheres elaborarem as emoções despertadas pela caminhada rumo ao parto.

No curso desta prática duas profissionais do mesmo hospital, uma enfermeira e uma assistente social, se integraram ao trabalho efetivando suas presenças nos encontros, complementando com isso aquela intervenção. Por meio da metodologia empregada pela autora que será descrita adiante, essas profissionais intervinham num grupo a partir de suas competências específicas ulteriormente à fala de uma gestante quanto ao que a estagiária de psicologia lhe ia estimulando, acompanhando, num movimento espontâneo e próprio de cada grupo de sala de espera, assim dirigindo suas intervenções conforme o mesmo — o movimento de cada grupo.

 

METODOLOGIA

É importante destacar que a metodologia para este trabalho foi definida pela estagiária de psicologia em um momento prévio à sua efetuação, quando elaborou o projeto de intervenção, fazendo uso do mesmo método a profissional da enfermagem e a do serviço social ao se juntarem à autora tornando o trabalho interprofissional.

Utilizou-se a metodologia de grupo focal, de estrutura vivencial e de modelo de sala de espera descrita por Maldonado (1990).

O aspecto fundamental deste trabalho foi, então, o espaço aberto para o expressar de vivências relativas ao parto. A coordenadora atuava como uma facilitadora da livre expressão, se posicionando de maneira ativa no açulamento de discussões para a condução do trabalho; a princípio este papel era unicamente da estagiária de psicologia, mas com a entrada das duas profissionais elas puderam compartilhar a coordenação. Essas profissionais, por seu turno, acompanhavam a dinâmica voluntária de cada grupo, direcionando suas intervenções segundo a mesma, ou seja, o material que emanava das falas das participantes, mas sem se distanciarem ou se perderem do foco, voltando sempre as problemáticas para este.

Neste sentido, à medida que as mulheres num encontro relatavam as emoções despertadas pela proximidade do parto, a profissional da enfermagem complementava o movimento interno desse grupo com informações acerca do processo orgânico do trabalho de parto e do próprio parto, tais como: mudanças bioquímicas do organismo na preparação para o parto, exercícios de relaxamento e respiratórios de auxílio no reconhecimento e controle das sensações das contrações durante as etapas do trabalho de parto, detalhamento dos principais tipos de parto — cesáreo e normal —, rotinas e procedimentos hospitalares inerentes a este trabalho, passos de todo este processo e suas possíveis alterações. Já a profissional da assistência social se limitava a orientar questões de cidadania da mulher sob a ótica do serviço social, como: solicitar ultra-sonografia morfológica gratuitamente no caso de uma mulher com uma gravidez considerada de risco em função da idade e de um episódio anterior de aborto, fazer o pedido de licença maternidade quando da chegada do parto, realizar o parto por cesariana ou naturalmente de acordo com a política legitimadora da parição nos serviços públicos de saúde, registrar o bebê recém-nascido, oferecer sua assistência no período de internação para o parto para que tomasse junto com a família as providências necessárias, etc. Portanto, iniciava-se o trabalho com as vivências e gradualmente ao andamento do encontro iam-se acrescentando os informes biológicos e dos direitos civis e políticos da mulher na condição de maternidade.

O trabalho acontecia uma vez por semana conforme o pré-natal; normalmente começava uma hora antes do mesmo e podia se estender em seu tempo, pois cada mulher era convidada a retornar ao grupo terminada a consulta; do mesmo modo, as participantes de um grupo de sala de espera em uma semana eram convocadas a comparecer nas sessões seguintes, mesmo que não tivessem consulta marcada — porém, isto não ocorria. A população de grávidas atendida nestes grupos variou de uma a vinte mulheres. Como não se trabalhava com um grupo fixo, a cada novo encontro a estagiária de psicologia fazia sua apresentação, do trabalho proposto e das outras coordenadoras, como também pedia às participantes que se apresentassem para o grupo dizendo seu período gestacional e o número de gravidez no qual se encontravam.

A técnica empregada pela estagiária foi o uso de perguntas de Fiorini (1978). Segundo este autor, nesta modalidade de intervenção o terapeuta indaga sobre dados precisos da situação de realidade do paciente, a complexidade psicológica da mesma enredada em muitos detalhes e matizes desta situação e promove ampliações e aclarações de seu relato à medida que explora ao máximo suas respostas. Com base nesta técnica, elaborou-se perguntas relacionadas: às experiências de partos anteriores; às expectativas para o parto futuro; ao que pensavam sobre a cesárea e o parto normal; aos sentimentos que tinham em relação ao corpo, se imaginavam a hora de dar à luz e às características do ambiente hospitalar, da família e de si mesma que consideravam fundamentais para viver o momento do parto. Tais perguntas foram acrescidas de outras problemáticas trazidas pelas participantes no curso das sessões, arroladas ao tema central do trabalho.

Tomando este tipo de intervenção, a estagiária se colocava numa postura ativa no lançamento das perguntas durante os encontros, ou seja, não esperava o suscitar dos processos espontâneos das participantes em falar, estimulando a esta atividade continuamente. No entanto, havia momentos nos quais algumas grávidas, ao se verem confrontadas com determinadas perguntas, demoravam algum tempo para responder, debruçando-se para uma reflexão profunda. Nestes momentos, a estagiária não se imiscuía no fluxo de seus pensamentos, e sim considerava o tempo de cada uma delas para o exame da situação, a elaboração e, finalmente, a expressão pela fala. Ressalta-se ainda, que a estagiária sempre repetia as respostas que elas davam, com o intuito de obter-lhes sua confirmação, como também de acompanhá-las neste processo de elaboração e expressão de vivências.

 

DISCUSSÃO DO TRABALHO

O trabalho iniciava-se a partir do convite feito pela estagiária de psicologia ou pela enfermeira da equipe interprofissional — com a sua integração — assim que se formava o grupo de espera da consulta obstétrica na sala de espera; com duas gestantes era possível começá-lo; num caso extremo no qual esteve no hospital apenas uma grávida para o pré-natal, realizou-se do mesmo modo o trabalho.

Comumente este tinha início com um número proporcional de mulheres e paulatinamente era preenchido por novas participantes; nem todas aquelas que iam fazer pré-natal quiseram participar, embora tenham sido convidadas no geral. Pode-se dizer que a direção do hospital acolheu bem o trabalho, tanto que cedeu logo para o primeiro encontro uma sala apropriada para a sua efetuação; esta sala era usada para o ultra-som uma vez ao mês, e devido ao dia da semana em que acontecia o pré-natal, o seu uso para os grupos não atrapalhou o outro propósito — a ultra-sonografia.

Os grupos foram compostos por gestantes de todas as idades, incluindo-se aí um número significativo de adolescentes grávidas. No caso destas adolescentes, havia uma tendência de virem acompanhadas por suas mães, alegando que costumavam ir juntamente com estas à consulta com o obstetra. Considerou-se este fato como um interveniente para o trabalho, no sentido de que se pôde observar que, em muitas ocasiões, as adolescentes cujas mães estavam presentes não se colocavam nem um tanto à vontade e “livres” para responder certas perguntas; algumas delas ainda eram interrompidas pelas próprias mães em seu relato, que acrescentavam comentários dos quais as gestantes adolescentes não haviam mencionado para o grupo, podendo atestar, portanto, que estes comentários compreendiam a ótica das mães e não propriamente a das participantes. Esta interferência foi questionada em reuniões das coordenadoras e em supervisão da estagiária de psicologia, e interpretada como um incauto da própria equipe que, então, não deveria mais permitir a entrada nos grupos de pessoas que não gestantes, otimizando assim o trabalho; a partir destes questionamentos, atentou-se para uma mudança deste hábito.

Um outro fator interveniente foi o de mulheres que traziam seus filhos pequenos para os encontros, dando como explicação o fato de que não tinham com quem deixá-los quando vinham às consultas obstétricas. A equipe interprofissional via como bastante dificultoso realizar um “bom trabalho” naquelas condições, visto que as mulheres dispersavam freqüentemente suas atenções para os filhos, que requeriam a todo o momento colo, ninadas, conversas e até retiradas do local do grupo para irem ao banheiro, tomar água ou lanchar; mesmo aquelas que permaneciam no grupo o tempo inteiro com suas crianças, não se concentravam nas perguntas da estagiária, pois elas eram tomadas o tempo todo pelo choro dos menores; estes choros, por sua inconveniência, impediam até mesmo as demais mulheres de pensar acerca das perguntas que lhes eram dirigidas, e as outras coordenadoras de direcionar suas intervenções pela impossibilidade de assimilarem as problemáticas mais relevantes nas falas das participantes. Este acontecimento inoportuno foi também discutido entre a equipe e na supervisão do estágio, chegando-se à conclusão de que talvez se poderia provocar naquelas mulheres um pensar sobre alternativas para evitarem trazer os filhos para o pré-natal, estimulando-as, ainda, a relacionar este fato com a realidade de que precisariam se ausentar do lar e da família para ter o bebê, o que se tornava cada vez mais evidente com o prolongar da gravidez. Ainda que se tenha propositado isto, as coordenadoras não tomaram uma resolução rígida que pudesse interromper aquele “vício” de entrar nos grupos com os filhos, apresentado por algumas mulheres.

Nos encontros estiveram presentes mulheres de todos os estágios gestacionais — do primeiro ao nono mês. Verificou-se que aquelas que estavam nos estágios iniciais se encontravam pouco mobilizadas pelo momento do parto, tanto que mostravam um interesse menor em falar deste, comentando, algumas delas, a cada pergunta dirigida, que ainda não tinham podido sentir e pensar sobre este episódio; estavam sim, como contavam, mais envolvidas pelas mudanças atuais — naquela época — que seu estado grávido determinava, como: a notícia da gravidez, a realidade de ser mãe — pela primeira vez ou novamente —, uma mistura de sentimentos associados àquela realidade, sintomas típicos daquelas fases, o crescimento gradativo da barriga, os movimentos do feto por volta do quarto mês, etc.

Por causa disso, a estagiária de psicologia entendeu que seria necessário se trabalhar com grupos separados, de modo a constituir um só com grávidas nos dois primeiros trimestres e outro com aquelas já próximas do momento do nascimento, ou, então, definir as gestantes que participariam deste trabalho de preparo para o parto em função do estágio gestacional perto do mesmo, considerando-se que não apenas a situação de parto como período último da evolução da gestação é antes mesmo passível de provocar ansiedade, mas também a gravidez por si própria toma a mulher, repercutindo em múltiplas simbolizações e níveis de emoção. Apesar disto, não se tomou uma definição precisa e gestantes nos primeiros meses continuaram a freqüentar os grupos de atenção primária de preparação para o parto.

É importante destacar este trabalho sob a ótica da assistência integrada e integral à saúde da população de grávidas no curso para o parto a que se destinou. Foi um consenso entre as coordenadoras o reconhecimento da carência daquele hospital de trabalho na área da obstetrícia no qual diversas competências pudessem se articular, tornando-se parte do atendimento àquela população específica. E isto pôde ser discutido por meio da apresentação pela estagiária às duas profissionais do trabalho que vinha desenvolvendo com grupos de sala de espera, obtendo-se daí uma concordância da idéia quanto a ampliá-lo para uma dimensão interdisciplinar.

Ao se pensar sobre a condição do homem no terceiro milênio se pode entender que não há lugar no campo da ciência e da prática que ela permite levar a efeito, para a noção de que um conhecimento em separado possa dar conta das multiplicidades e complexidades deste ser, visto que o paradigma do humano preconizado na atualidade por diferentes campos do saber é o de um sujeito total, e não dicotomizado. Como diz Spink (2003, p. 54): “... a apreensão do todo só pode ser efetivada através da adoção de uma postura transdisciplinar, onde as competências individuais, em vez de esfaceladas, passam a ser articuladas.” Por isto, as coordenadoras consideraram como de importância fundamental no oferecimento deste trabalho a integração das três competências — a da psicologia, da enfermagem e do serviço social —, pela qual se poderia prestar uma melhor atenção às mulheres na situação de nascimento de um filho. Implementou-se, então, o trabalho interprofissional de proposta preventiva de preparação para o parto com aqueles grupos de sala de espera, com reuniões inter-equipe no final de cada sessão para o exame das disposições das participantes e também das coordenadoras na adesão ao mesmo, das possibilidades e dos impasses que o puderam envolver — das condições em que se deu —, e para trocas e sugestões de como, a partir disso, enriquecê-lo.

O obstetra participou de uma dessas reuniões, mas devido à indisponibilidade de horário por conta de seus plantões em hospitais fora daquela cidade, não pôde estar presente novamente em outras. Um ponto muito favorável deste trabalho nesta modalidade interdisciplinar foi o fato de que a profissional do serviço social, através dele, pôde pensar sobre e ampliar as possibilidades de atuação em sua área de acordo com a demanda populacional de grávidas para o pré-natal naquele hospital; isto significa que ela passou a visitar a maternidade semanalmente a fim de dar sua assistência àquelas mães que disseram, nos grupos, ter a necessidade de um profissional que pudesse estar se comunicando por telefonemas com as suas famílias, e principalmente com os seus filhos pequenos, para contar-lhes que se passava tudo bem com elas, e também para que os familiares pudessem lhes transmitir algum recado que quisessem.

Ainda que o trabalho tenha sido o de incitar a expressão de vivências da caminhada ao parto, o seu compartilhar com o grupo — o que se supunha trazer alívio e compreensão do que se passava internamente —, e o recebimento de informações sobre aspectos biológicos e de direitos de cidadania da mulher na situação de maternidade, não se pode desprezar a evidência de que houve encontros nos quais algumas grávidas não desejavam falar sobre seus sentimentos, se colocando em uma postura de silêncio em todo o tempo de duração de uma sessão de grupo. Nesses encontros as coordenadoras procuravam respeitar os seus silêncios, agindo de forma discreta e não invasiva em meio às suas prováveis reflexões. Daí que se levou em conta que este trabalho preventivo e em equipe interdisciplinar propiciaria ou não o expressar de emoções relacionadas ao parto — e se não o fizesse, poderia, sim, estar favorecendo sua elaboração.

Do mesmo modo se pode dizer que este trabalho não trouxe “garantias” de uma passagem tranqüila e saudável pelo parto, ou seja, não em todos os casos levou a um “tudo correu muito bem com a mãe e o bebê”, pois experiências de parto passadas na vida da mulher e também na de sua família podem influir na sua maneira de pensar, sentir e até vivenciar o próximo parto, podendo ser, em parte, compensadas pela preparação, mas não anuladas.

Cabe ainda pontuar que este trabalho desde o princípio consistia em uma prevenção primária, com o propósito de preparar as gestantes para viver o momento do parto de forma mais segura e tranqüila, e se tornou, em algumas ocasiões, um trabalho que sobrepôs a uma pura profilaxia uma postura de promoção de saúde, a partir de determinadas queixas trazidas pelas participantes. Essas queixas se vinculavam às suas insatisfações com relação a algumas características da assistência que recebiam naquele hospital, centralizando-se, portanto, nestas duas necessidades: de poderem contar com um acompanhamento pré e perinatal dado por uma mesma equipe profissional em todo este processo — ou seja, na demanda delas pela presença de profissionais da área da obstetrícia que fosse efetiva naquele serviço —, e de terem a garantia de encontrar um obstetra plantonista no período das contrações e início do trabalho de parto ao parto propriamente dito, e com isto não se preocupassem em ter que se deslocar para um outro hospital em uma outra localidade na hora do nascimento.

A estagiária de psicologia considerou tais queixas como problemáticas que mereciam mais do que um trabalho com uma proposta de suporte emocional — como era o trabalho de prevenção primária —, e sim com uma proposta de promoção de saúde, entendendo esta última como uma ação na qual está inclusa uma intenção mais ampla se cotejada com a da prevenção.

Com base em Bleger (1984) pode-se pensar a promoção da saúde como uma intervenção que ultrapassa, em certa medida, a prevenção de doenças, uma vez que se independiza completamente do adoecer e constitui um campo específico da psico-higiene, e a profilaxia, por sua vez, pode ser pensada como focalizando especialmente a doença. Segundo Bleger (1984, p. 80), a psico-higiene se refere:

“... à administração de recursos psicológicos para enfrentar os problemas relativos às condições e situações em que se desenvolve a vida da comunidade tomada em si mesma e não tendo como referente à doença.”

Deste modo, a estagiária de psicologia, diante das questões que eram levantadas pelas gestantes, avultou o fato de estimulá-las a entrar em contato com as suas necessidades, tomar consciência das mesmas — na medida que lhes ia esclarecendo as preocupações significativas que emanavam de suas falas —, e então buscar, por si próprias, meios viáveis para superá-las.

 

COMENTÁRIOS FINAIS

Acredita-se que este trabalho foi um tanto frutífero, no sentido de ter permitido àquelas mulheres grávidas uma maior compreensão do que estavam vivendo em nível emocional e orgânico, e também dos seus direitos de cidadania na situação de maternidade, podendo, a partir disso, terem se sentido mais capazes de experienciar aquele processo de maneira ativa, com “cabeças erguidas” para enfrentarem possíveis impasses, e com melhores condições de lutarem pelo o que lhes convinha.

Isto veio a complementar sua assistência pré-natal naquele hospital, promovendo o fortalecimento das relações e comunicações entre as pacientes e a equipe obstétrica, pois os fatos de algumas delas pedirem pela presença do marido ou da mãe na sala de parto, e de outras por um profissional no período de internação para lhes prestar telefonemas para as suas famílias, já dão indícios de um laço estreitado com aquela equipe que então elas puderam consolidar. Como salienta Maldonado (1982, p. 109):

“o grupo de gestantes não substitui nem ‘seca’ a relação da grávida com seu obstetra mas, ao invés, pode abrir novas perspectivas de comunicação. São relacionamentos que se complementam e não são mutuamente exclusivos”.

O atendimento individual e rotativo geralmente encontrado nos serviços de saúde inviabiliza a criação de vínculos da paciente com a equipe e com outras pacientes de histórias parecidas. Por causa disso, o trabalho com grupo tem grande valor, pois além de beneficiar a construção de relacionamentos mais intensos, propicia ainda o contato com problemas comuns; sendo assim, a pessoa pode deixar de se ver como numa condição exclusiva, ou seja, com uma dificuldade unilateral em relação a ela mesma.

Sobre esse fato Zimerman (1992), ao definir “grupo de reflexão”, diz que este termo adotado pelo psicanalista argentino Dellarosa (1979), foi-lhe (a Zimerman) preferido à utilização porque sugere mais claramente que os participantes possam se “refletir” uns nos outros, com vistas a uma maior valorização dos aspectos positivos e a uma menor desvalorização dos aspectos neuróticos. Desta forma, se pode pensar que neste trabalho grupal a possibilidade das grávidas de compartilharem situações semelhantes, como a de gravidez e de trajetória para o parto, pode ter-lhes favorecido o processo de identificação e a formulação conjunta de alternativas a fim de lidarem com o acontecimento novo — como por exemplo, os pedidos dos telefonemas e dos acompanhantes no parto.

Levando-se em conta que a população de grávidas daquela comunidade não dispunha até o período dos grupos de uma assistência preventiva — e também de promoção da saúde e de qualidade de vida —, e naquela modalidade de atendimento integrado e integral, conclui-se que a realização deste trabalho representou um meio de intervenção em saúde pública voltado especialmente às pacientes do pré-natal naquele hospital, e que então atendeu a uma demanda que não podia contar com uma atenção desse tipo no atravessamento do processo de gerar e conceber uma criança do seu ciclo vital.

As possibilidades de trabalho com gestantes são ilimitadas, ainda que no Brasil as iniciativas neste sentido, a partir de uma abordagem preventiva, continuem elementares. Por isto, é de imensa importância empreender ações como essa, que possam descobrir ou abrir caminhos a outras, concentrando esforços a fim de contribuir para um melhor atendimento às mulheres na experiência da maternidade.

 

REFERÊNCIAS

Bleger, J. (1984). Psico-higiene e psicologia institucional. Porto Alegre, RS:  Artes Médicas.        [ Links ]

Caplan, G. B. (1967). Perspectives of primary prevention: A review. Archives of General Psychiatry, 17,  331.         [ Links ]

Fiorini, H. J. (1978). Teoria e técnica de psicoterapias (2 ed.). Rio de Janeiro: Francisco Alves.        [ Links ]

Lins, F. E (1988). O parto natural: A mais nova (ou mais antiga) forma de dar à luz (2 ed.). Rio de Janeiro: Bloch.        [ Links ]

Maldonado, M. T. P. (1990). Maternidade e paternidade: A assistência no consultório e no hospital. Petrópolis, RJ; Vozes.        [ Links ]

Maldonado, M. T. P. (1982). Psicologia da gravidez (5 ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.        [ Links ]

Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde da Mulher. (2001). Preparando a mulher para o parto. In Parto, aborto e puerpério: Assistência humanizada à mulher (pp. 26-29). Brasília, DF: Autor.        [ Links ]

Soifer, R. (1992). Psicologia da gravidez, parto e puerpério(6 ed.). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.        [ Links ]

Spink, M. J. P. (2003). Psicologia social e saúde. Petrópolis, RJ: Vozes.        [ Links ]

Zimerman, D. E. (1992). A formação psicológica do médico. In J. Mello Filho (Org.), Psicossomática hoje (pp. 64-69). Porto Alegre, RS:  Artes Médicas.        [ Links ]

 

 

1 Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá, Campus Resende-RJ. Endereço para correspondência: Rua Prefeito Bulcão Viana, 89, Jardim Boa Vista, Barra Mansa-RJ. CEP: 27350-200. e-mail: luarago@hotmail.com
2 Orientadora do estudo; doutoranda em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; professora do curso de Psicologia da Universidade Estácio de Sá, Campus Resende-RJ.

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