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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.15 no.1 São Paulo jan./jun. 2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Aspectos emocionais do luto e da morte em profissionais da equipe de saúde no contexto hospitalar

 

Emotional aspects of mourning and death in professionals of the health team in the hospital context

 

 

Simony de Sousa Faria1; Jowilma de Sousa Figuereido2

Universidade CEUMA - Maranhão, Brasil.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse artigo visa compreender aspectos emocionais dos profissionais de saúde que lidam diretamente com questões da morte e dos lutos que emergem a partir da perda. Trata-se de uma pesquisa fundamentada nos estudos de natureza descritiva e com base bibliográfica. O levantamento dos dados foi realizado em livros e artigos científicos por meio da busca em banco de dados do SciELO, Google Acadêmico, LILACS e PePSIC. As informações permitiram elaborar uma categoria de análise que aponta para os sentimentos, percepções e mecanismo de enfrentamento dos profissionais que vivenciam cotidianamente o processo da morte e do morrer, no qual são atribuídos fatores como o despreparo acadêmico para o enfrentamento perante essas situações. O estudo ressaltou a necessidade de estimular os profissionais de saúde a pensar e discutir melhor o processo da morte e do morrer, possibilitando reflexões para melhor enfrentamento, dos próprios sentimentos e sofrimentos referentes à perda.

Palavras-chave: Perda, Psicologia Hospitalar, Emoções, Luto, Profissionais de Saúde.


ABSTRACT

This article aims to understand the emotional aspects of healthcare professionals that deal directly with issues of death and grief that emerge from the loss. It is a research based on descriptive and literature review. The data collection was from books and scientific articles of SciELO, Google Academic, LILASC and PePSIC database. The information allowed to elaborate category of analysis that points to the feelings, perceptions and coping mechanism of professionals who experience in a daily basis the process of death and dying, in which factors such as the academic unpreparedness to confront these situations are attributed. The study emphasized the need to encourage health professionals to think and discuss better the process of death and dying, allowing reflections for better coping their own feelings and sufferings related to the loss.

Keywords: Loss, Hospital Psychology, Emotions; Grief, Health professionals.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O fenômeno da morte e do morrer é inevitável, mas continua sendo capaz de desencadear emoções de vários matizes: raiva, dor, saudade, perda. Enfatiza-se, aqui, os lutos e perdas vivenciadas nesse processo, tanto na vida que está em fase terminal, quanto também naquelas que estão à sua volta, incluindo os profissionais de saúde.

A morte está presente de forma constante no contexto de trabalho do profissional de saúde, principalmente entre os que atuam em unidades hospitalares. No entanto, é de essencial importância o preparo emocional desses profissionais na vivência do processo do luto e da morte, além do conhecimento das fases desse processo e das condutas que devem apresentar, tendo em vista a morte com o paciente e a família.

No contexto hospitalar, a equipe de saúde mantém uma relação diferenciada com os pacientes que estão vivendo o processo de terminalidade de vida. Trata-se de profissionais que mantêm contato direto e prolongado com esses pacientes sendo, portanto, via de regra, quem acolhe e faz a escuta das necessidades do enfermo, criando, assim, um vínculo afetivo.

Na maioria das vezes a morte é considerada um fracasso da equipe de saúde e atribuída ao insucesso do profissional, o que enseja o desencadeamento de um estresse, angústias ou até mesmo leva à Síndrome de Burnout, um conjunto de sintomas muito comuns nesses profissionais. Considera-se que deve haver uma necessidade de um olhar diferenciado para quem vivencia o ambiente hospitalar e lida diretamente com questões sobre morte e os lutos que emergem a partir da perda.

Os profissionais de saúde, inclusive os enfermeiros, de acordo com Santos e Homanez (2013), são os que mais têm uma relação direta e prolongada com os pacientes no dia a dia de sua terminalidade, numa relação favorável no sentido de proporcionar resultados positivos para o tratamento. Contudo, por outro lado, pode torná-los suscetíveis ao estresse, o que, possivelmente, pode prejudicar o desempenho desse profissional.

Nesse sentido, cumpre salientar que a maioria dos profissionais da saúde, ao se deparar com um paciente fora da possibilidade de cura, e caso não possua preparo psicológico e emocional, sofrerá abalos que resultam negativamente em sua rotina de trabalho, pois as tomadas de decisões ficam afetadas a ponto de refletir em alguns aspectos físicos e psicológicos, bem como acúmulo de sentimentos e sensações, os mais variados e complexos.

Neste caso, esta pesquisa se justifica por buscar a compreensão dos aspectos emocionais que envolvem o enfrentamento do luto em profissionais de saúde diante da morte de pacientes hospitalizados, além de ensejar discutir os aspectos emocionais desses profissionais na assistência ao paciente sem possibilidade de cura, ressaltando-se as possibilidades da atuação do psicólogo no processo de terminalidade de vida.

O estudo também objetivou conhecer os sentimentos vivenciados pelos profissionais de saúde que atuam no hospital, prestando cuidados a pessoas que estejam vivenciando a proximidade da morte e de que maneira esses profissionais podem lidar com tais situações. De igual modo, pretende-se expressar que a formação acadêmica influi na vida dos profissionais de saúde e no seu estado psicológico.

 

2. A HISTÓRIA DA MORTE: dos primórdios à contemporaneidade

O tema morte é um assunto que as pessoas estão sempre tentando evitar em razão da dificuldade de discutir as suas significações que estão relacionadas com a finitude do ser, pois, como afirma Zan (1984), o homem tem se afastado de forma sistemática de alguns temas que lhe provocam angústias e, na tentativa de não sofrer, ele nega a morte, porém não abandona o tormento de sua presença.

A maneira que algumas culturas têm tratado o processo da morte e do morrer tem tido significativas transformações ao longo do tempo na medida em que é interpretada conforme os momentos históricos de cada época. Kovács (2005) afirma que, desde o tempo dos homens das cavernas, há inúmeros relatos sobre a morte como perda, ruptura, desintegração, degeneração, e também como fascínio, sedução, uma grande viagem, e entrega ao descanso, ou alívio.

Negrine (2014) relata que as atitudes do homem perante a morte são reflexos da sociedade, da temporalidade e da cultura nas quais está inserido, portanto a sua relação com a morte se transforma à medida em que ocorrem mudanças nas civilizações. Ao longo do período da alta Idade Média, até a metade do século XIX, algumas atitudes sofreram significativas transformações, principalmente as que dizem respeito aos sentimentos tradicionais. Se, no passado, a morte era uma presença marcante, esta vai, aos poucos, deixando de ter espaço nos círculos de convívio da sociedade atual.

Resulta, então, que no século XX observa-se o deslocamento do local de morte, isto é, já não se morre mais em casa entre os familiares, mas no hospital, onde há recursos de tratamentos e de higiene não disponíveis no lar. Desse modo, os pacientes não são mais levados para lá somente para serem curados, mas também para morrerem em um local mais adequado, sem a presença de parentes e vizinhos. Apesar de o homem ainda persistir na atitude de negar a morte, ou seja, “negar” a finitude humana, a morte não é cogitada no cotidiano, portanto, as pessoas seguem de forma como se fossem imortais (Negrine, 2014).

Na cultura ocidental do século XX, procurou-se reduzir ao mínimo as ocupações diante da morte, tendo-se apenas as atitudes necessárias para organizar o sepultamento do corpo. Em geral, as cerimônias tradicionais devem ser simples para evitar o extravasamento de emoções. Logo, a boa morte é aquela que não perturba a sociedade, uma vez que esta ocorre de forma discreta (Ariès, 2003). De fato, o “status” da morte sofreu uma mudança num curto espaço de tempo, pois como afirma Guandalini (2010, p. 51):

Com o passar do desenvolvimento histórico e cultural da humanidade, os indivíduos se tornaram cada vez mais materialistas, no entanto outros aspectos foram esquecidos e banalizados, no caso da morte. Diferentemente do passado, a morte não é mais vivida como algo natural, como o destino para qual sempre aspiramos. Tornou-se algo a ser desvalorizado, a ser vencido, pois a morte é a inimiga a ser combatida, é um impedimento de nossos planos.

O autor também ressalta o fato de ter acontecido durante o desenvolvimento da humanidade uma mudança de percepção no caso de como o homem reage ante a morte. Nesse sentido, torna-se pertinente refletir como essa relação influencia direta e indiretamente a existência da humanidade.

Seguindo este pensamento, é possível afirmar que a morte ainda é um fenômeno que o homem teme, mas evita tratar esse assunto. Desse modo, a morte deixou de ser considerada como algo que está inserido no contexto de suas vidas e passou a ser tratada como um tabu, que todos evitam comentar nos meios sociais, refletindo-se apenas nos velórios, nos sentimentos e nas manifestações do luto.

2.1 Aspectos emocionais diante da morte

O sofrimento emocional, segundo D'Assumpção (2010), tem um ciclo representado pela raiva, ansiedade, depressão e apego. A raiva alimenta a ansiedade, a qual nutre a depressão, que novamente alimenta a raiva, e este círculo vicioso vai girando nos dois sentidos, agravando cada situação. O centro de apoio desse movimento giratório é o apego. Apego a bens materiais, aos cargos e títulos, à autoimagem, à autossuficiência e a tantos outros. Se lograrmos desfazer esse ciclo, esse apoio, o círculo deixará de girar e o sofrimento será significativamente atenuado ou até suprimido.

Bowlby (1988) afirma que o comportamento de apego é definido como qualquer forma de comportamento que resulta em uma pessoa alcançar e manter proximidade com outro indivíduo, considerando-se mais apto para lidar com o mundo. Logo, chorar, sorrir, fazer contato visual, buscar aconchego e agarrar-se ao outro são ações que compõem o repertório comportamental básico do apego. Então, ao se deparar com a perda, o ser humano sofre das mais intensas e variadas emoções, as quais vão fazer parte do processo de luto que é programado em direção ao restabelecimento de uma relação com o objeto perdido.

Quanto ao enfrentamento da morte, Kovács (1992), ao referir sobre os sentimentos, afirma que a morte é vivenciada por todos nós, quando presenciamos o falecimento de outrem, ou quando vivenciados em nosso “próprio morrer”, comumente provoca sentimentos fortes, sendo assim chamada de “morte sentimento”. Melhor dizendo, a perda é vivenciada de forma consciente e, na maioria das vezes, é mais temida do que a morte; assim, como esse tipo de morte não pode ser vivenciada de modo concreto, então, a única morte experienciada é a perda, quer concreta, quer simbólica.

É útil enfatizar, no entanto, que quando o vínculo se rompe, os recursos de que os indivíduos dispõem para elaborar o luto podem ser buscados na qualidade do vínculo anteriormente existente. Desse modo, é possível compreender que os motivos que ensejam o desencadeamento do chamado “luto patológico” são feitos a partir de vínculos ansiosos que não desenvolveram de forma positiva a autoconfiança e a autoestima e, com o rompimento do vínculo por morte, a reação do luto vai apresentar um determinado déficit, causado pela dificuldade de separação intensificada por não encontrar novas possibilidades de vinculação (Bromberg, 1996).

No que se refere ao preparo emocional dos profissionais de saúde frente a morte, Costa e Lima (2005) asseguram que os profissionais têm limitado seus conhecimentos para trabalhar com a terminalidade da vida, sendo sua formação voltada para ações técnicas e práticas e quase sem fundamentos sobre as necessidades reais do paciente e da família. Desta forma, ao ir para o campo da prática, o profissional encontrará dificuldades para apoiar e aliviar o sofrimento do próximo e até mesmo suas próprias emoções.

De acordo com Freitas (2010), as manifestações emocionais e comportamentais dos profissionais de saúde diante da morte estão relacionadas às exigências de suas funções, e os efeitos dessas exigências podem supostamente influenciar a forma como se percebem e percebem o outro. Contudo, mesmo sabendo que a morte é algo que não é possível evitar, os profissionais de saúde sentem-se na responsabilidade de manter a vida do paciente em fase terminal, e, em consequência disso, acabam enfrentando-a como um equívoco perante o objetivo da sua profissão que é o de salvar vidas.

2.2 A vivência do luto

Quando se recebe uma notícia desagradável de uma doença fatal entra-se em processo de perda e, nesse contexto, o medo da morte faz com que os riscos sejam evitados, pois há o temor da dor e do sofrimento.  De acordo com Kovács (2010), a forma de morte pode afetar a elaboração do luto, como no caso dos suicídios e acidentes mais graves, bem como mortes de longa duração, suportadas com muito sofrimento e que são bastante desgastantes, além da relação anterior com o falecido que evolve ambivalências ou dependência.
Elisabeth Kubler-Ross (1998) descreve, em seu livro intitulado "Sobre a morte e o morrer", os estágios para experiência do luto. Esses estágios são analisados a partir da exploração de casos concretos relatados pela autora, por meio dos quais se pode observar como se forma o processo de aceitação da possibilidade e proximidade com a morte, e também não seguem um ciclo preestabelecido; portanto, dependerá da subjetividade de cada indivíduo. São eles:

O estágio da negação acontece logo após quando o paciente é informado sobre seu diagnóstico. Considerado, assim, uma defesa saudável quando não exagerada, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. Uma frase típica desse estágio é: "Isso não pode estar acontecendo comigo".

O segundo estágio acontece quando a negação é substituída por sentimento de raiva, ressentimento e revolta. Desse modo, surge lógica uma pequena pergunta: "Por que eu?". Lidar com o estágio da raiva é uma tarefa muito complicada tanto para a família como para os profissionais, pois o paciente atribui toda sua raiva àqueles que estiveram do seu lado, desta forma é primordial a compreensão para o apoio e o auxílio na transição dessa fase.

Outro mecanismo de defesa ainda citado pela autora é nomeado de fase da barganha, e ela acontece quando o paciente deixa de lado a negação e também percebe que a sua raiva não teve resultado. Nessa fase, os pacientes entendem que existe uma grande possibilidade de serem recompensados através do seu comportamento em troca do prolongamento da sua vida.

O quarto estágio é o da depressão. Essa fase é caracterizada pela tomada de consciência do paciente, pela qual ele percebe que seu estado é frágil e já não é possível mais continuar negando sua condição de paciente em estágio terminal. Surge, então, o sentimento de perda, dor e o sofrimento por estar perdendo os seus valores que são características do quadro clínico da depressão.

No quinto e último estágio, ocorre finalmente a fase da aceitação. Momento em que o paciente toma total consciência do seu estado, seguido de uma estabilidade emocional. O paciente consegue enxergar a realidade da sua situação, estando pronto para encarar a morte.

2.3 A morte e o profissional de saúde

O processo da morte e do morrer provoca sentimentos que até então não eram habituais, como manter atitudes afetivas: o tocar, o ouvir, o olhar, o chorar e o acariciar, que são próprios do ser humano. Ainda não existe, salvo raras exceções, um preparo separando o cotidiano afetivo do âmbito da profissão, mas isso não exclui o humano que habita no profissional de saúde, que precisa estar presente no processo de finitude, ressaltando que ele está apto para o cuidado não só do paciente, como do familiar deste.

França e Batomé (2005) afirmam que a confrontação constante com o processo de morrer, com a morte e com o luto é realidade habitual na vida dos profissionais de Saúde, que nem sempre estão preparados para lidar com esse fenômeno. Essa dificuldade os leva a pensar na sua fragilidade e na sua própria finitude.

A morte, conforme já mencionado, é um fenômeno presente, constante e desafiador na rotina dos profissionais de saúde. Desse modo surge, então, como consequência o sentimento de impotência frente à terminalidade do ciclo da vida dos pacientes, a qual pode provocar certa carga de sofrimento nesses profissionais. Tinoco (1997) afirma que o fracasso ante a morte é mais que a perda de alguém, é algo que remete à capacidade que cada um acredita possuir de evitar a própria finitude e a dos outros.

Os profissionais de saúde ao se depararem com a morte, conforme Freitas (2008), desencadeiam manifestações comportamentais e emocionais que estão relacionadas de acordo com as exigências de suas funções. No entanto, os efeitos dessas exigências podem influenciar a maneira como se percebem em termos afetivos e comportamentais.

Considerando os aspectos emocionais dos profissionais de saúde frente à morte, Kovács (2010) afirma que a dificuldade, ao lidar com problemas emocionais no decorrer da relação diária com paciente junto à família e colegas, tem ocasionado situações de estresse de difícil solução para os profissionais. Portanto, vários são os sentimentos vivenciados por essa situação, sentimentos estes de impotência, revolta e frustração.

De acordo com Freitas e Oliveira (2010), a morte, como parte do cotidiano humano, afeta de forma negativa a qualidade de vida dos profissionais que lidam constantemente com ela. No entanto, esses autores ainda destacam que os profissionais interagem de modo diferente diante da fase terminal. Enquanto uns lidam com a morte de forma técnica e profissional, outros apresentam sentimentos e comportamento que são característicos da fragilidade emocional. Nesse caso, a maneira de encarar o sentimento do outro, paciente ou familiar, não assegura que esses profissionais de saúde estejam preparados para lidar com a morte e com o morrer.

Santos e Hormanez (2013) corroboram Kubler-Ross (1998) quando afirmam que um dos mecanismos de defesa mais utilizados pelos profissionais de saúde tem sido a negação, com o propósito de proteger o contato com experiências dolorosas e também para enfrentar eventos que envolvem a morte. Ao lançar mão desse mecanismo, o profissional se torna vulnerável às mais variadas consequências do luto mal elaborado, ao entrar em contato com as doenças e as pessoas adoecidas.

Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de saúde diz respeito ao confronto vivenciado diariamente com a morte, pois é passível o desencadeamento da Síndrome de Burnout, que está relacionada ao esgotamento físico e emocional do profissional, suscitado pela exposição crônica aos estressores psicossociais presentes no desempenho do seu trabalho, motivados pela exposição direta, intensa e prolongada. E esse fenômeno pode prejudicar sua eficiência nas atividades diárias, ensejando interferir em outros aspectos da sua vida (Costa & Lima, 2005).

Freitas (2008) ressalta que o profissional de saúde, ante essas situações, se vê angustiado devido à repetição das mortes e à impossibilidade de controlá-las, uma vez que, ao vivenciar experiências dolorosas de confrontação com a morte, o profissional se depara com a sua própria fragilidade.

2.4 O papel do psicólogo frente à morte no contexto hospitalar

O psicólogo no hospital atua junto com outros profissionais fazendo parte de uma equipe multidisciplinar. Sendo assim, o convívio do profissional de saúde com a morte está acontecendo de forma mais constante. Logo, é de suma importância a contribuição da Psicologia nesta área, pois segundo Kovács (1992, p.229):

Se a morte é uma preocupação universal do homem, e a psicologia estuda a relação do homem com mundo, então a morte deveria ser área de preocupação primordial da psicologia, como campo de estudo e como prática profissional.

O papel do psicólogo tornou-se essencial nas instituições hospitalares pelo fato de estar capacitado, nessa área, a lidar com situações que envolvem sentimentos em torno do adoecimento que, por muitas vezes, são negligenciadas por outros profissionais da saúde.

O psicólogo que atua em equipes de saúde multidisciplinar auxilia na capacitação desses profissionais a enfrentar a morte de modo mais natural, já que a morte faz parte da vida e do processo de cuidado a pacientes sem possibilidades de cura. Tal profissional colabora para diminuir as fontes de tensão internas provenientes da prática profissional frente ao morrer, possibilitando a utilização de técnicas psicoterapêuticas que facilitem o retorno do equilíbrio emocional. Desse modo, a intervenção do psicólogo em equipes de saúde pode possibilitar um estado maior de tranquilidade para lidar com situações complicadas, como o da terminalidade da vida dos pacientes hospitalizados. Vale ressaltar a importância de um olhar diferenciado e humanizado ao estado emocional dos familiares e pacientes em uma conduta profissional que não interfira negativamente em sua estrutura emocional e no seu fazer profissional (Mendes, Lustosa & Andrade, 2009).

Corroborando o autor supracitado, Baptista e Furquin (2003) afirmam que o trabalho do profissional de Psicologia no âmbito hospitalar é bastante amplo, no que tange ao trabalho realizado em torno do tratamento do paciente, da dor da família e do apoio à equipe dos profissionais da saúde. Nesse sentido, o psicólogo torna-se um agente facilitador do diálogo na relação da tríade: família-paciente- equipe, com o objetivo de minimizar a dor e o sofrimento que a hospitalização causa à pessoa adoecida e aos familiares.

A representação de morte para o psicólogo que atua nessa área é formada, além das vivências e aspectos pessoais, pelo tipo de vivência experienciada no campo profissional. Desta forma, é importante tentar entender ambas as vivências a partir do momento no qual se entende que o trabalho desse profissional em contato constante com a morte é permeado por sua própria significação dada à morte (Tinoco, 1997).

Para Kovács (2005), com base em Tinoco (1992), a atuação dos profissionais de saúde tem sido direcionada para a formação de pactos de silêncios, nos quais se evita falar da dor, sofrimento e morte. Referido pacto tem como principal mecanismo de defesa a negação da morte e do sentimento de impotência frente a ela. Sendo assim, no momento de informar ao paciente a respeito do seu diagnóstico os familiares e a equipe de saúde, na maioria das vezes, optam pelo silêncio, por temer a reação do paciente. E é nesse âmbito que o psicólogo pode atuar na busca para facilitar as manifestações dos sentimentos, de angústias, medos e ansiedades de todos os envolvidos no processo de adoecimento e morte, além de contribuir para a diluição do pacto pelo silenciamento desses temas e sentimentos no contexto hospitalar.

Ressalta-se, no entanto, que é de essencial importância a presença do Psicólogo Hospitalar frente a situações da morte e do morrer. Nesse momento ele ajuda a elaborar os sentimentos vivenciados diante da morte, através da escuta psicológica tanto do paciente, quanto de sua família e da equipe de saúde que o acompanha, bem como na sua tarefa de acolhimento e humanização. A partir das intervenções psicológicas é possível diminuir a probabilidade de ocorrência de alguns sintomas psicopatológicos futuros, como a depressão e ansiedade, decorrentes da perda ou do luto não elaborados (Brown, 2001).

Considerando-se que a morte é um processo natural do desenvolvimento humano, e que consequentemente acaba fazendo parte do dia a dia do psicólogo, surge uma necessidade de abrir espaços nos currículos dos cursos de Psicologia, os quais envolvam questões relacionadas à morte. Para Schmidt, Gabarra e Gonçalves (2011), é de igual importância a qualificação sobre o tema para as demais áreas de saúde, assim como a preparação desses profissionais para atuarem de forma integrativa e com interdisciplinaridade, portanto o referido tema surge como desafio fundamental para uma concepção de saúde a fim de trabalhar o processo de morte.

 

3. MÉTODO

Neste artigo realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa, fundamentada nos estudos de natureza descritiva e com base bibliográfica. O estudo foi dividido nas seguintes etapas: a escolha do tema, busca de fontes, leitura do material, organização e planejamento da revisão bibliográfica, levantamento bibliográfico, formulação da problemática, redação do texto.

Segundo Gil (2010), a pesquisa bibliográfica desenvolve-se através das seguintes etapas: escolha do tema, levantamento bibliográfico preliminar, formulação do problema, elaboração do plano provisório de assunto, busca das fontes; leitura do material e fichamento; organização lógica do assunto e redação do texto. A pesquisa qualitativa tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social, no sentido de reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação (Neves, 1996).

Foram realizadas demandas por artigos de revistas e periódicos científicos, pesquisas em sites de mecanismo de buscas (Google Acadêmico) e sites especializados de revistas e periódicos científicos (LILACS e Scientific Electronic Library Online - SciELO), com as palavras-chave: Profissionais da saúde, morte, luto, perda, Psicologia hospitalar, familiares.

O levantamento bibliográfico do tema proposto foi feito através da literatura de textos, análise de dados, planejamento e organização das ideias, com o objetivo de ampliar o aprendizado e o amadurecimento no campo de estudo a partir das perspectivas dos autores, a fim de possibilitar um maior direcionamento das pesquisas sobre o tema proposto.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que este estudo pôs em evidência o percurso do exercício dos profissionais de saúde, cujo principal objetivo é salvar vidas e evitar, a qualquer custo, a morte. Mas, em consequência da vivência com os processos de morte e do morrer, o labor pode ocasionar desgaste emocional seguido de sentimentos de fracasso e frustração. A propósito, afirmam Carvalho e Valle (2006), que a equipe de saúde sofre ao enfrentar a aflição dos pacientes no processo de morrer, e tal sentimento agrava-se quando ocorre a perda. Sendo assim, estar diante da morte de um paciente é uma tarefa difícil para esses profissionais, pois estão expostos e em ao contato com a fantasia de sua própria finitude e ainda têm de reviver o término da vida de pessoas da família ou que lhe são próximas.

Outro ponto de destaque do estudo foi que Kovács (2010) corrobora os autores supracitados afirmando que os profissionais de saúde, ante o sofrimento de pacientes hospitalizados, enfrentam diversos conflitos de como se posicionar frente a suas fragilidades, além de que precisam elaborar perdas de pacientes com quem estabeleceram vínculos intensos. O convívio com esses sentimentos enseja ao profissional a vivência de seus processos internos, sua sensibilidade, vulnerabilidade, medos e incertezas que, na maioria das vezes, são omitidos.

Verificou-se, então, ao considerar os pontos de vista dos autores referenciados ao longo da pesquisa, que os sentimentos de fracassos e derrotas dos profissionais de saúde, que lidam cotidianamente com a morte, são atribuídos a fatores como o despreparo acadêmico para o enfrentamento perante essa situação, assim como a dificuldade em discutir sobre o assunto e até mesmo da não aceitação da morte como um evento que faz parte da vida, e que não deveria complicar suas tomadas de decisões, uma vez que estes precisam compreender que a morte é uma etapa que precisa ser vivida. Sendo assim, deve-se estimular esses profissionais a pensar e discutir melhor sobre o processo do morrer, possibilitando-lhes reflexões para melhor enfrentamento diante dessa situação.

Os profissionais de saúde enfrentam cotidianamente em seu trabalho acontecimentos que podem afetar seu emocional, e este fenômeno abrange a postura do profissional frente ao processo de terminalidade do paciente. Costa e Lima (2005), em suas pesquisas feitas com profissionais de enfermagem, pressupõem que esses profissionais têm conhecimentos limitados para lidar com a terminalidade de vida, pois sua formação é mais voltada para ações técnicas e práticas do que para os fundamentos reais das necessidades do paciente e da família, ou seja, os que estão no processo da morte e do morrer. Assim, quando se defrontam com o paciente fora da possibilidade de cura, esses profissionais têm dificuldades de oferecer cuidado ao paciente e à família.

Mota et al. (2011), através de suas pesquisas com os profissionais da equipe de saúde, evidenciaram que, embora a morte faça parte da rotina do hospital, ainda existe uma resistência em falar do assunto. Dessa maneira, alguns profissionais usam como mecanismo de defesa a negação, o que consequentemente pode influenciar nos trabalhos prestados ao paciente. Já outros profissionais mantêm-se neutros, permitindo dessa forma viver os sentimentos que envolvem a situação de maneira mais humanizada, na qual acreditam que a cada vivência se fortalecem, sofrendo menos.

A lógica do pensamento revela que tais comportamentos expressos pelos profissionais, no cotidiano do seu trabalho, ao lidar com o paciente em processo de terminalidade, são mecanismos de defesa utilizados para evitar seu próprio sofrimento, e desta forma, facilitar o cuidado. Esse sentimento surge, na maioria das vezes, de forma involuntária, sem a intenção de prejudicar os pacientes e familiares.

No que se refere aos aspectos pessoais relacionados à morte, as pesquisas realizadas por Pereira, Thofehrn e Amestoy (2008), em um estudo com enfermeiras que já passaram pela experiência da eminência da própria morte, observaram mudanças nas atitudes dessas profissionais em relação ao modo de cuidar do paciente e optaram por fazer um atendimento mais atencioso, realizando uma assistência mais humanizada, com melhor compreensão dos sentimentos e emoções dos pacientes, pelo fato de já terem vivenciado tal situação.

Constatou-se que, ao vivenciar uma experiência de enfrentamento, seja ela de barreira física, seja emocional, existe a possibilidade de fazer uma reflexão sobre como se dá a própria trajetória de vida que leva a um crescimento pessoal. Desta maneira, surge então uma sucessão de mudanças perante a vida, quando se busca dar uma maior importância para os relacionamentos interpessoais, bem como viver intensamente o momento presente.

A partir dos estudos supracitados é notório que os aspetos pessoais dos profissionais de saúde em relação à morte se dão de modo singular. Sendo assim, foi possível perceber que nem sempre a equipe de saúde está consciente e sensibilizada quanto ao modo de cuidar do paciente pelo fato de vivenciar uma projeção e uma possível identificação com a fragilidade do paciente, o qual pode permitir um conhecimento mais profundo dos sentimentos presentes e, assim, elaborar um cuidado coerente com as reais necessidades da pessoa hospitalizada.

Essas pesquisas corroboram o estudo de Kovács (2010), o qual afirma que a formação dos profissionais de saúde está voltada de forma predominante para um ponto de vista técnico, levando-se em consideração somente o manejo da doença, deixando de lado a pessoa. Nota-se também a ausência de disciplinas voltadas para a discussão dos aspectos cognitivos e afetivos relacionados ao processo da morte e do morrer.

Há uma clara percepção de que profissionais que prestam assistência a pacientes fora da possibilidade de cura são carentes de mais formação a respeito do assunto abordado, alguns até têm conhecimentos das alterações psicológicas que os pacientes apresentam, mas não sabem de que maneira devem ser trabalhadas.

Os dados mostram que acadêmicos e profissionais da área da saúde têm expectativas, no que se refere ao oferecimento pelo curso de graduação de auxílio prático clínico para lidar profissionalmente com a morte. Ou seja, muitos profissionais não encontram, durante sua educação formal, conhecimentos necessários para complementar suas necessidades de formação.

Este artigo tem o intuito de buscar compreender os aspectos emocionais que envolvem o luto e a morte em profissionais de saúde na assistência a pacientes fora das possibilidades de cura, além de ressaltar as repercussões da morte e suas implicações no cotidiano deste profissional. Cabe destacar que a exposição constante ao estresse causado pelo contato diário com o processo da morte e do morrer sem que haja recursos protetores e de enfrentamento para seu alívio pode refletir na qualidade de vida e estrutura psicológica, e, desse modo, interfere na atuação técnica do profissional. 

A literatura científica relata sentimentos manifestados em forma de tristeza, impotência e percepção da finitude nos profissionais de saúde que convivem constantemente com o processo da morte e do morrer em instituições hospitalares. De igual modo, percebe-se que o estresse relacionado à grande carga de demandas e atividades debilita o profissional que deve aprender a lidar com o desgaste emocional ao qual é submetido por conta de sua profissão.

Destaca-se que a formação acadêmica é um fator importante, pode e deve contribuir para a atuação do profissional diante das situações inesperadas que requerem habilidades para atuar prestando o auxílio necessário ao paciente, a seus familiares, bem como na sua preparação para lidar com seus próprios sentimentos e sofrimentos que se referem à perda.

Nesse sentido, é fundamental que os profissionais de saúde recebam instrumentalizações ao longo de sua graduação para enfrentar o processo da morte e do morrer. Para isso, é imprescindível que considerações acerca da temática sejam colocadas em pauta na academia, a fim de sensibilizar os educadores para o aprimoramento do assunto, visando a uma melhor abordagem no que concerne à educação para a morte.

É necessário também ressaltar a urgência da criação de espaços nas instituições hospitalares feitos através de programas educacionais permanentes para tratar do assunto, além de discussões e reflexões, centradas na preparação emocional e nas relações interpessoais que emergem na prática de cuidar, para que esses profissionais tenham a possibilidade de expressar suas angústias, desejos, medo e satisfações durante o acompanhamento do processo de morte e morrer dos pacientes, bem como o desenvolvimento de habilidades e atitudes de forma a facilitar as intervenções junto ao paciente e qualificar a assistência profissional.

Verificou-se, durante este estudo, que há poucas pesquisas sobre essa temática, visto que a maioria dos artigos sobre a morte no contexto hospitalar provém da área da enfermagem. Desse modo, pretende-se contribuir com pesquisas prospectivas, bem como ampliar o olhar sobre a morte, o morrer e o luto, tanto para os acadêmicos, quanto para os profissionais da saúde que vivenciam os cuidados a pacientes fora da possibilidade de cura, ou seja, considerando o paciente na sua totalidade, que possa oferecer uma abordagem de cuidados essenciais, a fim de propiciar conforto físico e psicológico no processo de finitude.

 

5. REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
E-mail: simony.faria@hotmail.com

 

 

1Psicóloga; Docente do Curso de Psicologia da Universidade CEUMA - Maranhão, Brasil.
2Psicóloga; Egressa do Curso de Psicologia da Universidade CEUMA - Maranhão, Brasil.

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