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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof v.4 n.1-2 São Paulo dez. 2003
ARTIGOS
Instrução superior e profissionalização feminina: as mães dos vestibulandos VUNESP e suas influências sobre as escolhas dos filhos (anos 80 x anos 90)
Higher education and feminine professionalization: VUNESP university candidates’ mothers and their influence on their children’s choices (the eighties x the nineties)
Instrucción superior y profesionalización femenina: las madres de los aspirantes a la UNESP y sus influencias sobre las opciones de los hijos (años 80 / años 90)
Elis Cristina FiamengueI *; Dulce Consuelo Andreatta WhitakerII ** 1
I UNIMEP, Piracicaba
II CNPq/UNESP, Araraquara
RESUMO
Apresentamos, neste artigo, dados referentes à instrução e ocupação da mãe analisados na pesquisa “10 anos depois: UNESP - Diferentes perfis de candidatos para diferentes cursos (Estudos de variáveis de capital cultural)”, visando contribuir para o debate acerca das conquistas femininas e ainda discutir as influências das mães sobre as escolhas dos vestibulandos. Nossa perspectiva é a análise sociológica e buscamos apreender e compreender as transformações da sociedade brasileira a partir do fenômeno VESTIBULAR no intuito de fornecer subsídios adicionais para a reflexão da orientação profissional. A análise de dados quantitativos quando realizada de forma qualitativa, buscando estabelecer relações, pode fornecer pistas importantes acerca dos processos sociais.
Palavras-chave: Vestibular VUNESP, Influência materna, Escolhas profissionais.
ABSTRACT
In this paper we present data about the education and occupation of candidates’ mothers, analyzed on the research entitled “10 years after: UNESP - Different candidates’ profiles for different courses (cultural capital variables studies)”, aiming at contributing to the debate about women’ conquests and at discussing the mother’s influence over university candidates’ choices. Our perspective is the sociological analysis, and we search to apprehend and understand changes in the Brazilian society, using for that the University Entrance Test phenomena, with the purpose of giving additional subsidies for the professional guidance issue. Quantitative data analysis, when done in a qualitative way, trying to establish connections, may lead to important clues about social processes.
Keywords: VUNESP entrance test, Mother’s influence, Professional choices.
RESUMEN
Presentamos, en este artículo, datos referentes a la instrucción y ocupación de la madre analizados en la encuesta “10 años después: UNESP - Diferentes perfiles de candidatos para diferentes cursos (Estudios de variables de capital cultural)” buscando contribuir en el debate acerca de las conquistas femeninas y también discutir las influencias de las madres sobre las opciones de los candidatos. Nuestra perspectiva es el análisis sociológico y buscamos aprender y comprender las transformaciones de la sociedad brasileña a partir del fenómeno Examen de Ingreso con la intención de proveer elementos adicionales para la reflexión de la orientación profesional. El análisis de datos cuantitativos, cuando se lo realiza de forma cualitativa, buscando establecer relaciones, puede suministrar pistas importantes acerca de los procesos sociales.
Palabras clave: Examen de ingreso UNESP, Influencia materna, Elecciones profesionales.
As conquistas femininas na sociedade de modo geral têm sido investigadas por especialistas de diferentes áreas. Alguns estudos celebram conquistas inegáveis, outros avaliam as contradições do processo e muitos deles chamam atenção para distorções e até perversidades de um sexismo que se traveste de modernidade, impedindo o avanço real da mulher em alguns setores – mercado de trabalho, por exemplo.
Para alimentar esse debate, trazemos aqui dados de uma pesquisa sobre o vestibular VUNESP que desvelam fenômenos surpreendentes1.
A pesquisa tomou os dados do questionário sócio-econômico preenchido pelos candidatos ao sistema VUNESP, o qual inclui instrução e ocupação da mãe. Destacaremos, aqui, portanto, a parte da pesquisa que analisa esses dados.
O ponto de partida da investigação é um trabalho publicado pela VUNESP sobre o perfil dos vestibulandos e ingressantes de 1985/862 (Whitaker, 1989). Tomamos estes dados e os comparamos com o perfil apresentado por esses candidatos em 1995/96, tentando apreender as transformações da sociedade brasileira na era pós - globalização e suas influências sobre a demanda pelo vestibular.
O estudo dos anos 80 tomava seis cursos da UNESP, sendo dois para cada uma das grandes áreas em que se divide o vestibular. O critério para escolha desses cursos foi o maior e o menor grau de prestígio medido pela relação candidato/ vaga: a maior relação candidato/vaga indicou o curso de maior prestígio da área, enquanto a menor relação candidato/vaga indicou o de menor prestígio, como mostra a Tabela 1.
Tabela 1
Relação de áreas, cursos e campi analisados na década de 80
Decorridos dez anos, temos uma UNESP ampliada e intelectualmente enriquecida, Fomos obrigados então a acrescentar mais quatro cursos ao conjunto, para torná-lo mais representativo. Como resultado, além dos seis cursos analisados para 1985/86, tínhamos então mais duas Engenharias Elétricas (a de Guaratinguetá, criada em 1987, e a de Bauru, encampada em 1989) e mais dois cursos de prestígio na área de Humanidades: Arquitetura e Direito (o primeiro do campus de Bauru, encampado em 1989, e o segundo do campus de Franca).
Além deste acréscimo de quatro cursos, tínhamos o de Direito com dois turnos - o matutino e o noturno – e os dados de Ciências Sociais também desagregados para dois turnos, o que não nos fora oferecido dez anos antes. Resultado: um conjunto que se estruturava em seis cursos para 1985/86 se encontrava hoje praticamente dobrado. As tabelas dos anos 90 apresentam então dados para análise de doze cursos (são dez cursos, dois deles desdobrados em dois turnos).
Estamos considerando como comparações verticais aquelas que se fazem entre os dois diferentes momentos do vestibular – anos 80 e 90, e como horizontais aquelas que emergem entre os diferentes cursos, para um mesmo ano.
Cumpre lembrar ainda que as análises de dados quantitativos quando realizadas do ponto de vista sociológico e com intensa vigilância epistemológica oferecem possibilidades para infinitas relações. Cabe ao sociólogo escolher aquelas que melhor respondem às inquietações que impulsionam o seu trabalho.
Passemos aos dados para observarmos o que eles revelam, e teremos em primeiro lugar algumas pistas importantes para avaliar a influência da mãe no momento da escolha pelo curso superior pelos filhos.
A força do Capital Cultural: A instrução da mãe influenciando os caminhos
A importância da instrução da mãe tem sido observada em diferentes países, pelas pesquisas de Sociologia da Educação.
“A instrução da mãe é, teoricamente, um fator de maior importância na formação do Capital Cultural do estudante dada a rigidez com que ainda se configura em nossa sociedade o papel da mulher no casamento, como o responsável pela educação dos filhos e conseqüentemente acompanhamento da sua vida escolar.” (Whitaker, 1989, p.25)
Não é fácil comparar as tabelas de 1985 com as de 1995. Àquela época, as categorias de nível de instrução eram completamente diferentes. Por trás dessas diferenças estão as mudanças na estrutura de ensino impostas a partir da Lei 5.692/ 71. Assim é que os pais dos vestibulandos de então haviam estudado numa estrutura de primário, ginásio e colegial, enquanto os vestibulandos dos anos 90, provavelmente, são filhos de gerações posteriores que já vivenciaram a estrutura de 1º e 2º graus3. Nos anos 80, a variável instrução da mãe se distribuía por oito categorias, enquanto hoje temos apenas seis.
Optamos por comparar diretamente apenas as categorias extremas e fazer algumas considerações gerais sobre os graus intermediários. Mais do que isso, seria aprofundar relações ao infinito, o que tornaria o texto cansativo e bizantino. Observem as tabelas de 1985 (Tabela 2) e de 1995 (Tabela 3).
Tabela 2
Distribuição dos candidatos inscritos e matriculados, conforme nível de instrução da mãe, no vestibular UNESP 1985
Tabela 3
Distribuição dos candidatos inscritos e matriculados segundo nível de instrução da mãe - Ano 1995
Antes disso, porém, há dados sobre mães analfabetas que merecem comparações. Em 1985, conforme se pode ver pela Tabela 2, as porcentagens de mães analfabetas eram muito baixas (entre 0,7% e 1,1%). No entanto, Engenharia Cartográfica e Ciências Sociais exibiam porcentagens bem mais elevadas (3,5% e 7,3%). Nosso comentário naquele momento era:
“Vagarosamente, o candidato a Ciências Sociais (e menos claramente o de Engenharia Cartográfica) vão se especificando por suas carências. Prestígio do curso e urbanização do município vão evidenciando seus efeitos.” (Whitaker, 1989, p.25)
E 10 anos depois? Se tomarmos apenas os seis cursos analisados em 1985/86, temos repetição do fenômeno; as duas exceções são as mesmas: Engenharia Cartográfica com 7,6% e Ciências Sociais noturno com 8,6% de mães analfabetas (Tabela 3). O fenômeno ocorre ainda, ao que parece, para os candidatos do curso noturno. Direito apresenta 2,2% de candidatos nessa categoria. Nada muito novo, portanto ...
Naquele momento, as maiores porcentagens para todos os cursos estavam na categoria lê, escreve, primário completo e incompleto, o que evidenciava a baixa escolaridade da mulher na sociedade brasileira em passado recente. Afinal, porcentagem substancial para todos os cursos, até mesmo para os de prestígio, vinha de famílias cujas mães não haviam completado o antigo curso primário ou não haviam passado do quarto ano de escolaridade. Nesse sentido, os dados de 1995 e 1996 mostram o extraordinário avanço da mulher brasileira das camadas privilegiadas, em termos de escolaridade. Hoje, as maiores porcentagens de mães concentram-se nas mais altas categorias de instrução, principalmente para os cursos de maior prestígio. As exceções são as de sempre, e serão comentadas no decorrer da análise.
A Tabela 3 permite várias leituras: as mais altas porcentagens das categorias referentes aos mais elevados níveis de instrução estão nos cursos mais tradicionalmente de prestígio: Medicina (46,1%) e Direito matutino (48,6%). Arquitetura acompanha a tendência. Em 1996, Direito e Medicina vão atingir porcentagens ainda mais altas, 51,1% e 48,3%, respectivamente. As Engenharias Elétricas não são assim tão elitizadas, já que suas porcentagens nessa categoria se aproximam daquela de Ciências Sociais diurno. Quanto a Ciências Sociais noturno, exibe novamente as porcentagens mais baixas do conjunto (Tabelas 2 e 3).
Vejamos agora a influência dessa variável nos resultados do vestibular. Em 1985, constatávamos que o nível de instrução da mãe pesou apenas na escolha da carreira. Medicina apresentava uma das mais altas porcentagens de candidatos cujas mães tinham curso superior completo: 21,7%. E, se somássemos a esta porcentagem os 4% da categoria superior incompleto, tínhamos 25,7%. No entanto, como se pode observar na Tabela 2, o ingresso não estava fortemente associado a esta variável. Na transição inscritos/matriculados, as porcentagens se mantinham ou até caíam ligeiramente nas categorias de maior instrução das mães. Os dados de 1986 já anunciavam mudanças: a categoria “mães com curso superior completo” subiria de 22,7% de inscritos para 28,9% dos matriculados.4
E realmente as mudanças ocorreram. Hoje, as mães fazem valer seu capital cultural na escolha e na aprovação. A maioria absoluta dos ingressantes na Medicina pertence a essa categoria – 54,4% dos matriculados. Eram 46,1% dos inscritos. Os candidatos de Medicina estão, em praticamente 70% dos casos, concentrados nas duas categorias de mais alto grau de instrução das mães. A categoria de mães analfabetas desaparece, e a queda se dá evidentemente em todas as outras categorias (Tabela 3).
Os dados de 1996 nada mais fazem do que repetir o fenômeno com ainda maior intensidade, já que agora só ganha pontos a mais alta categoria de instrução da mãe, cujos inscritos passam de 48,3% para 58,9% dos matriculados (Tabela 4).
Tabela 4
Distribuição dos candidatos inscritos e matriculados segundo nível de instrução da mãe - Ano 1996
Lembrando novamente que o mundo das relações sociais é praticamente infinito, deixamos em aberto uma série de questões que podem ser desvendadas pelo raciocínio sociológico, desde que o pesquisador tenha incorporado teorias e mediações substanciais.
É possível, por exemplo, fazer análises e comparações entre os cursos, tal como fizemos para a categoria mães analfabetas. É possível também colocar uma grande questão. Esta variável atua mesmo, tanto na escolha como, agora, no desempenho dos vestibulandos? Ou está associada a outras que impedem a chegada dos filhos de mães com baixa escolaridade aos cursos de prestígio, em relações recíprocas e constantes?
Assim é que, para quase todos os cursos, os filhos de mães analfabetas são engolidos pela voragem do vestibular. Exceções? Engenharia Cartográfica, Ciências Sociais e Engenharia Elétrica de Guaratinguetá (Tabela 3). E há aspectos surpreendentes. Em Ciências Sociais, os candidatos dessa categoria fazem crescer suas porcentagens na transição, o que se explicaria, talvez, por meio das listas de chamadas posteriores. Mas, o que explicaria o fenômeno em Guaratinguetá com seu curso de alto prestígio?
Um exercício do mesmo tipo pode ser feito em relação às mães com 1º grau incompleto (4º ano primário do passado?). Elas comparecem em porcentagens que são mais altas quanto menor prestígio tenha o curso; comparecem, também em porcentagens altas, nos cursos noturnos. Assim é que, mesmo num curso de prestígio como o de Direito, os inscritos para o noturno são, em quase 30% dos casos, filhos de mães com 1º grau incompleto (Tabela 3).
Análise das relações por área: Biológicas
Voltemos às análises horizontais, agora por área, curso a curso. Em 1985, os candidatos ao curso de Ciências Biológicas ainda eram, em mais de 50% dos casos, filhos de mães “primárias”. E os dados mostravam que, contrariamente a Medicina, havia certa influência da variável instrução da mãe, com maior sucesso para as duas categorias mais altas, nas quais 4,7% e 19,6% dos inscritos passavam para 8% e 24% dos matriculados, respectivamente (Tabela 2). O movimento dos dados seria o mesmo em 1986, com algumas nuanças.
Interessante observar que nos anos 90 essa variável não parece ter tanta influência no desempenho dos candidatos de Biologia. A influência se dá na escolha, já que apenas 26,2% das mães têm superior completo (contra 46,1% na Medicina). Além disso, há dispersão muito maior do que na Medicina, e a segunda porcentagem mais expressiva está na categoria de inscritos cujas mães possuem o 1º grau completo, que são 24,6% – a mais alta porcentagem no conjunto de cursos para esta categoria, com exceção de Ciências Sociais noturno. E esta é também a categoria que mais cresce na transição considerada. Os filhos de mães com 1º grau completo serão 36% dos matriculados. Observem na Tabela 2 como caem as matrículas nas categorias de mais alto nível de instrução da mãe. E também nas de mais baixo. Se o crescimento se dá nos níveis médios, não houve influência. O que nos dizem os dados de 1996? Que aqueles dados talvez tenham sido conjunturais, já que há sim, agora, influência da variável nos resultados. A porcentagem mais alta de inscritos se desloca para a categoria 1º grau incompleto (38%), confirmando a relação direta: menor instrução da mãe – escolhas de menor prestígio. Mas, na transição para os matriculados5, a categoria sofre desfalque, com crescimento para todas as categorias de maior instrução da mãe (Tabela 3).
Bem, os dados podem ser conjunturais para 1996. Como saber? O fato é que essa dança meio incoerente dos números é reveladora, no entanto, do óbvio. Na área das biológicas, o curso de maior prestígio é também mais elitizado no que se refere a esse indicador de capital cultural – a instrução da mãe.
Análise por área: As exatas
O fenômeno se repete nas outras áreas? Tem a mesma intensidade? Na área de Exatas, em 1985, o curso de Engenharia Elétrica de Ilha Solteira tinha mais prestígio do que o de Ciências Biológicas, mas era menos elitizado com relação à instrução da mãe, tanto na procura como principalmente no resultado final. Observem os dados na Tabela 2. Era a segunda menor porcentagem de inscritos cujas mães estavam na categoria curso superior completo (16,1%). E a porcentagem já alta da categoria “mães primárias” passava de 44,2% dos inscritos para 55,2% dos matriculados. Era um dado inesperado! Os filhos de mães mais instruídas, que supostamente deveriam fazer crescer sua participação, caíam de 20,9% dos inscritos para 6,9% dos matriculados. Em 1986, tal quadro atípico não se repetiria. Os filhos de mães com curso superior conseguiriam manter sua participação na matrícula, mas ainda assim o crescimento mais expressivo seria nas categorias médias e baixas de instrução da mãe, ginásio completo e incompleto.
Observando para 1995 as Engenharias Elétricas em bloco, vemos que os dados concentram os inscritos nas mais altas categorias de instrução das mães. Tanto essas porcentagens, quanto a distribuição das outras, são muito semelhantes entre eles com diferenciação para o curso de Bauru, que empurra seus dados para cima, já que tem menores porcentagens de mães analfabetas e com 1º grau incompleto (Tabela 3).
Na matrícula, porém, tais similitudes se dissolvem. Em Bauru, o sucesso é maior para os candidatos cujas mães têm curso superior – que vão de 38,8% dos inscritos para 50% dos matriculados. Mas em Ilha Solteira, esta categoria mal se mantém. Já o curso de Guaratinguetá apresenta discrepâncias em relação aos outros cursos de prestígio. Uma queda grande na porcentagem da categoria mais alta, com ganhos para todas as outras categorias, inclusive a das mães analfabetas (Tabela 3).
Realmente, a instrução da mãe, que era “baixa” para os vestibulandos dos anos 80, tornou-se fator importantíssimo em Engenharia Elétrica, atuando na performance dos candidatos. É bem verdade que em Ilha Solteira esta influência não é tão marcante, sendo o maior crescimento percentual na categoria mães com 2º grau completo (21% dos inscritos saltam para 32,5% dos matriculados). E em Guaratinguetá, o efeito ainda se dá ao contrário, conforme já observado.
O que acontece em Guaratinguetá? Exercício interessante é comparar a elitização da Engenharia Elétrica de Bauru com a “democratização” do mesmo curso nessa cidade do Vale do Paraíba – região fortemente urbanizada, cujo curso apresenta idiossincrasias. Observem a Tabela 3: em Bauru, as mães de 75% dos matriculados se concentram nos dois mais altos graus da escolaridade. Já em Guaratinguetá, essa concentração é alta, porém bem menor (50%), e a porcentagem de matriculados com mães universitárias é a mesma da categoria mães com 1º grau incompleto.
Um rápido olhar mostra para Ilha Solteira uma situação intermediária: quase 70% dos ingressantes estão nas mais altas categorias. No entanto, o crescimento maior na transição considerada foi na categoria mães com 2º grau completo. Os dados de 1996 para Ilha Solteira revelam que o perfil da procura é o mesmo do ano anterior (com nuanças), mas os dados da matrícula revelam “deselitização” do curso, com quedas substanciais nas duas mais altas categorias de instrução da mãe e crescimento surpreendente da categoria mães com 1º grau incompleto, que passa de 18,1% dos inscritos para 27,5% dos matriculados (Tabela 4).
Engenharia Elétrica de Bauru mostra mais uma vez, em 1996, que as variáveis atuam melhor sobre a demanda, repetindo-se aí também as porcentagens de inscritos do ano anterior, com nuanças (Tabela 4). Na matrícula, as porcentagens variam muito mais do que no ano anterior. Mas, contrariamente a Ilha Solteira, com aprofundamento da elitização. Exceção para os filhos de mães com 1º grau incompleto, que vieram em porcentagem ligeiramente maior do que em 1995 (são agora 15,5%) e que caem muito pouco no momento da matrícula.
Vejam nessa Tabela como esse ganho faz cair as porcentagens em categorias mais altas, sem afetar, porém, a de mães com curso superior (55,9%), que mantém a tônica elitizante deste curso.
Também Guaratinguetá repete, ainda com mais semelhança, os dados da demanda do ano anterior, confirmando a influência do nível de instrução das mães na escolha. Os dados da matrícula sugerem de início certa elitização, já que, comparando-se com 1995, desaparecem os filhos de mães analfabetas e há perdas na categoria 1º grau incompleto. No entanto, essas perdas são compensadas pelos ganhos na categoria, ainda baixa, mães com 1º grau completo, que sobe de 13% dos inscritos para 22,9% dos matriculados (Tabela 4).
Coerente com o resto do conjunto, em 1985, esta variável não influenciava a performance no curso de menor prestígio das Exatas, Engenharia Cartográfica. Mas, os dados revelavam algumas surpresas. Por exemplo: a porcentagem dos inscritos cujas mães tinham curso superior era mais elevada do que para Engenharia Elétrica, o que se explicava, talvez, pelo maior grau de urbanização e relativa tradição universitária de Presidente Prudente, comparada a Ilha Solteira. A outra surpresa seguia direção contrária: a categoria de inscritos com mães analfabetas não só não desaparecia como crescia na transição, de 3,5% para 6,7% dos matriculados (Tabela 2). Os dados de 1986 confirmariam dramaticamente a não influência desta variável nos resultados, já que em todas as categorias em que as mães tinham instrução ginasial (ou inferior) havia ganhos na transição considerada, enquanto nas de maior instrução as perdas aconteciam.
Hoje, observa-se que a variável instrução da mãe começou a atuar neste curso de menor prestígio, mas não tão intensamente como nas Engenharias convencionais. Assim é que, em 1995, este curso concentra maior porcentagem de procura na categoria mães com 1º grau incompleto, embora não seja desprezível a porcentagem dos inscritos cujas mães passaram pela universidade (20% que, no entanto, é das menores no conjunto). Importante observar, por outro lado, o crescimento das categorias superiores, que concentrarão 46,6% dos ingressantes. Mas, a grande concentração de matriculados com mães nas três categorias inferiores não deve ser desprezada, já que atinge exatamente 46,6%.
Cursos da área de Humanas
Os dados do curso de Letras-Tradutor mostram claramente a diferença entre prestígio (medido pela procura) e elitização (medida por fatores de capital cultural e outras formas de capital). Assim, a procura pelas Engenharias pode ser maior do que a de um curso de Letras, mas os fatores de elitização nem sempre dependem da procura. Assim, já em 1985, o curso de Tradutores apresentava indicadores de elitização muito evidentes. Por exemplo: a mais alta porcentagem de inscritos filhos de mães com instrução superior. E, o mais importante: a influência dessa variável já se fazia sentir, embora de forma incipiente.
Os dados de 1986 confirmariam com um pouco mais de intensidade esta observação. Naquele ano, o curso de Letras-Tradutor apresentaria 30% de matriculados na categoria mães com curso superior completo e grande expressividade nas mudanças de porcentagens das duas categorias extremas no espectro desta variável, aprofundando a elitização.
O fenômeno, que já se anunciava, confirmase para 1995. Candidatos cujas mães passaram pela universidade pularam de 38,5% para 43,8% dos matriculados. Quem perdeu? Todas as outras categorias. Mas o curso de Tradutores não apresenta o fenômeno com mais intensidade do que os outros, já que os ganhos femininos na educação são amplos e atingem todos os cursos, principalmente os de prestígio.
Observem que 20% são filhos de mães com 1º grau incompleto. Esses jovens que ousaram buscar curso tão elitizante não sofreram tão grande revés. Conseguiram 15,6% das vagas. As perdas não foram tão grandes e, na categoria 2º grau incompleto, houve ligeiro ganho, diferente de 1985/ 86. Tal como nesses anos, a instrução da mãe influi nos resultados. Mães com curso superior também parecem orientar seus filhos para cursos de maior prestígio, e preferivelmente para cursos diurnos, se de prestígio.6
Por exemplo, se tomarmos os dados dos candidatos ao curso de Direito, as porcentagens dos inscritos para o noturno são maiores do que as para o diurno, desde a categoria mãe analfabeta até mãe com 2º grau incompleto. Nas duas categorias superiores inverte-se a relação: 48,6% dos candidatos ao matutino são filhos de mães com curso superior contra apenas 25,1% dos candidatos ao noturno. Observem que 29,2% dos candidatos ao noturno (maior porcentagem do conjunto) têm mães com 1º grau incompleto (Tabela 3).
Interessante ainda observar que a instrução da mãe influencia o ingresso em ambas as situações, porém com mais intensidade nos candidatos ao diurno. Vale a pena ajustar o foco sobre esses dados. Observem como os inscritos para o matutino caem ou mal conservam suas porcentagens nas categorias inferiores, até 2º grau incompleto (inclusive nesta eles desaparecem). Eles crescem ligeiramente quando suas mães têm o 2º grau completo. E observem o salto de inscritos para matriculados na categoria mães com curso superior completo/incompleto, passando de 48,6% para 62,7% (Tabela 3).
Observem agora os dados para os candidatos ao curso noturno. A instrução superior da mãe atua ainda, porém com menor intensidade. Os inscritos cujas mães passaram pela universidade ainda crescem percentualmente mais de 10 pontos, mas a influência parece não ocorrer claramente nos graus médios de instrução. Por exemplo, há quase 30% de inscritos cujas mães não completaram o 1º grau. E eles conseguem manter sua participação no momento da matrícula (Tabela 3).
Os dados de 1996 repetem o modelo de ingresso do ano anterior para o matutino, embora não tão mecanicamente (o movimento dos dados é mais suave, sem saltos). Paradoxalmente, é no curso noturno que a instrução da mãe vai atuar com mais expressividade. Assim, 30,1% dos inscritos filhos de mães que passaram pela universidade serão 40% dos matriculados. Cresce a categoria 2º grau completo e caem quase todas as outras, com uma nuança na 1º grau completo. E 2,9% dos candidatos filhos de mães analfabetas desaparecem (Tabela 4).
Em suma, para o curso de Direito, o grau de instrução da mãe está fortemente associado à opção pelo matutino e influencia a performance do candidato, muito claramente no matutino e com certas nuanças no noturno.
Quanto ao curso de Arquitetura e Urbanismo, oferece uma distribuição dos candidatos muito parecida com a de Direito em 1995. Mas, na transição inscritos/matriculados, os dados se comportam de forma diferente. A instrução da mãe altera menos as porcentagens no topo da pirâmide e a categoria que mais cresce é a dos filhos de mães com 1º grau completo, que salta de 12,7% para 26,7% dos matriculados. Em 1996, os dados de Arquitetura se comportarão de forma ainda mais democrática. Matriculam-se até filhos de mães analfabetas. Embora haja queda na transição para as duas categorias relativas ao 1º grau, ela não é tão acentuada para os inscritos com mães com 1º grau completo. A queda é bem menor para a categoria 2º grau completo, enquanto os inscritos cujas mães nem completaram o 2º grau sobem de 7,1% para 15,6% dos matriculados. Como conseqüência, os inscritos com mães que chegaram ao topo da pirâmide sobem apenas 1,5 pontos percentuais na transição considerada.
Os dados parecem sugerir que esta variável se associa mais fortemente à escolha do que ao sucesso, mesmo para cursos tradicionais.
Em 1985, o curso com maior porcentagem de inscritos filhos de mães analfabetas era o de Ciências Sociais. Este curso exibia ainda o maior contingente de “mães primárias” e a menor porcentagem de mães com curso superior (6,5% – porcentagem discrepante em relação a um conjunto que oscilava entre 16,1% e 23,5%). Observem na Tabela 2 a influência incipiente da variável aqui considerada. Cresciam as porcentagens dos filhos de mães universitárias no momento da matrícula. Mas cresciam também as dos filhos de mães analfabetas e nos graus médios da escolaridade. Estes dados seriam dramaticamente confirmados em 1986, quando a porcentagem da categoria superior incompleto foi zerada, e a categoria superior completo teve apenas 2,7% dos inscritos, caindo para 1,7% dos matriculados. Em números absolutos, a matrícula no primeiro ano de Ciências Sociais teve apenas um aluno filho de mãe com curso superior. Havia três alunos filhos de mães analfabetas, enquanto quarenta matriculados (66,7%) concentravam-se nas categorias que não alcançam o quarto ano primário (apenas lê, escreve ou tem menos de quatro anos de escolaridade).
O que mudou em 10 anos? Os dados de 1995 desagregados em matutino e noturno, mostram que essas carências se situam no noturno (o trabalhador que estuda). De modo geral, pode-se apontar que os que procuraram o noturno em 1995 exibem a menor porcentagem de mães universitárias e quase a mesma porcentagem de mães analfabetas (9,4% versus 8,6%). Quase 50% dos inscritos para o noturno são filhos de mães que não completaram o 1º grau. Enquanto isso, os candidatos ao matutino exibem um percentual de mães universitárias semelhante ao das Engenharias. Mas, atenção! As semelhanças param por aí. A porcentagem de 2º grau completo é a mais baixa do conjunto, e a segunda mais alta porcentagem está na categoria mãe com 1º grau incompleto, que, aliás, é altíssima para o noturno (23,3% versus 43,8%, respectivamente, matutino versus noturno).
Resumo da transição inscritos/matriculados. Ela é típica desse curso: variáveis negativas afetam positivamente os resultados. E graus mais elevados da escolaridade da mãe afetam negativamente a transição. Observem os dados do matutino: 35,9% dos filhos de mães universitárias caem para 32,3% dos matriculados, enquanto 1,9% dos inscritos com mães analfabetas serão 6,5% dos matriculados e aqueles 23,3% cujas mães não completaram o 1º grau serão 32,3% dos matriculados. Ou seja, mesmo no curso diurno de Ciências Sociais, quase 40% dos matriculados serão filhos de mães que não completaram o 1º grau. E no noturno eles serão 62,5%, com 12,5% de mães analfabetas.
Embora os candidatos ao noturno tenham crescido de 9,4% dos inscritos para 12,5% na categoria “mães universitárias”, o fato é que houve queda nas categorias médias e crescimento expressivo nas faixas mais baixas de escolaridade da mãe. Os dados de 1996 dispensam análise, já que confirmam, com nuanças, os de 1995, exceção para a queda na categoria mãe analfabeta no diurno).
Parece que a eleição de 1995, com um Sociólogo como vencedor, não foi suficiente para convencer as mães mais instruídas de que o curso de Ciências Sociais apresentava caráter promissor para o futuro.
Mais importante, no entanto, do que analisar o efeito da instrução da mãe sobre as escolhas e o sucesso dos filhos no momento do vestibular é buscar as relações dadas pela profissionalização das mães na região modernizada do país. Veremos aqui, não só alguns dados que revelam essas influências, como teremos agora evidências sobre as dificuldades históricas enfrentadas pelas mulheres no momento da profissionalização mesmo quando conseguem chegar ao final de um curso superior.
A ocupação da mãe: Um grande susto!
Para análise dos dados de ocupação da mãe faremos uma rápida e panorâmica reavaliação dos dados dos anos 80. Esta análise será muito rápida uma vez que em 1985/86 as mulheres não apareciam em porcentagens expressivas nos mais altos níveis das categorias profissionais, o que não surpreendia para quem conhecia a face patriarcal da sociedade brasileira tradicional. Também eram raros, obviamente, inscritos cujas mães freqüentassem as categorias profissionais “masculinas” do espectro ocupacional de então. Vimos a ascensão da mulher em termos de escolarização, claramente exibida pelos dados das “mães VUNESP” em 10 anos. Nossa hipótese era de que esta ascensão se refletiria nos dados de ocupação das mães dos vestibulandos. Mães com maior escolaridade teriam conquistado maior participação profissional num mercado cujo contingente de mão-de-obra feminina cresceu muito nestas duas décadas. Mas os dados de 1995/96 nos causaram um “grande susto!” As porcentagens mais altas de ocupação das mães estão exatamente naquela categoria número 6 (“não exerce atividade remunerada”), o que significa que são donas de casa ou trabalham na economia informal. A exceção é apenas para Direito matutino – curso elitizado por excelência. Mas se na maioria dos casos, mais de 40% (e até 64,1%), as mães destes jovens privilegiados não se profissionalizaram, temos que repensar as conquistas femininas celebradas por alguns estudos de gênero no Brasil.
Mas observemos primeiramente o quadro geral da ocupação das mães nos dois momentos considerados, o que ajudará a compreender a correlação entre as mães profissionalizadas e as escolhas de prestígio dos seus filhos, fenômeno de grande interesse para quem trabalha com orientação profissional. Para tanto, vejamos as duas tabelas dos anos 80 sobre as ocupações das mães de então, que nos permitem visualizar a baixa inserção da mulher no mercado de trabalho naquele momento.
Em primeiro lugar vamos à rápida visão panorâmica desta variável para 1985. Naquele momento obviamente as porcentagens de inscritos com mães sem atividade remunerada eram bem maiores. Iam de 50,1% (caso dos inscritos para Tradutores) a 61% (caso de Ciências Sociais). Hoje elas caíram para todos os cursos, menos para Ciências Sociais (se comparamos dados de 1985 com 1995/96).
Como se apresentavam as mães dos inscritos em 1985? Não havia mães grandes proprietárias ou executivas, a não ser para Medicina (0,2%). Elas apareciam em porcentagens modestas no nível 02 (profissionais liberais e técnicas de nível superior). Interessante observar que os pais nesta categoria já eram porcentagens expressivas, enquanto as mães ficavam entre 2,4% para Ciências Sociais e 6,1% para Medicina. Diferenças coerentes com o maior patriarcalismo da época em que nasceram estes pais e mães.7 A variação das porcentagens também era coerente com a variação do prestígio do curso, o que já indicava influência positiva das mães mais instruídas na escolha da carreira. Mas não nos resultados, já que essas porcentagens caíam no momento da matrícula para quase todos os cursos (Tabelas 5 e 6). Em 1986 os dados seriam ainda menos expressivos para esta categoria.
Tabela 5
Distribuição dos candidatos inscritos segundo ocupação da mãe ou responsável * - 1985
* Códigos das ocupações: | 14. Militares não-oficiais e atletas profissionais |
Tabela 6
Distribuição dos candidatos matriculados segundo ocupação da mãe ou responsável* - 1985
* Códigos das ocupações: | 14. Militares não-oficiais e atletas profissionais |
Nas categorias 03 e 04 as porcentagens de inscritos eram tão baixas que não oferecem significado. Os dados mostram que em 1985 as mulheres não atingiam o mundo dos negócios nem como proprietárias nem como administradoras, pelo menos dentro dos grupos interessados em mandar seus filhos para a Universidade Pública no interior do Estado. Os dados de 1986 confirmariam esta análise com exceções (como tendência talvez) para Engenharia Cartográfica, curso de pouco prestígio que teve 5,5% de inscritos subindo para 6,9% dos matriculados no nível 04 (Administradores, mas não exatamente do mundo dos negócios). Mas 6,9% não é porcentagem significativa, principalmente quando traduzida para os números absolutos.
Interessa recordar o nível 06 – mães professoras do secundário. As porcentagens eram mais altas para mães do que foram para os pais neste nível (observem as Tabelas 5 e 6). Ser professor secundário nem sempre tem o mesmo significado para homens e para mulheres. Assim esperava-se sucesso maior agora para os filhos de mães professoras secundárias. Mas não aconteceu. Todas as porcentagens caíram na transição para os matriculados, com exceção dos inscritos para Tradutores, o que fazia pensar em mães professoras de línguas. Assim, o fato de ter mãe professora secundária não “favorecia” o sucesso no vestibular a não ser para o curso de Letras na modalidade tradutores.
Quanto às mães professoras primárias, vale a pena repetir a análise dos anos 80.
“E quanto às mães professoras primárias (nível 10), aqui as porcentagens de inscritos são significativas (também não surpreendentemente). E vão de 7,3% para Ciências Sociais, a 21,2% para Tradutores, girando as outras entre 11,0% e 15%. E aqui a grande surpresa: esta variável parece ter pesado favoravelmente. Todas as porcentagens sobem na transição, 11,4% de inscritos em Medicina serão 12,2% de matriculados, 15,7% de Biologia serão 22,0% de matriculados, etc. Inexplicável influência ou apenas coincidência? Ou tais mães eram bem casadas como queria para todas as professoras um governador de triste memória?” (Whitaker, 1989, p.40)
Voltemos agora ao nível dos pequenos proprietários (nível 08 de 1985/86). As mães conseguiam ser pequenas proprietárias em porcentagens mais significativas, embora bem menores que as dos pais. Elas íam de 4,9% a 9,3%. E a pequena propriedade ainda favorecia o desempenho. O crescimento dos inscritos para matriculados nesse nível do espectro ocupacional de então acontecia para todas as carreiras e era substancial para algumas delas (ver dados nas Tabelas 5 e 6).
Bem, não havia mães mestres ou contramestres e nem militares, mecânicas ou metalúrgicas. Hoje haveria? Como saber se o espectro da Vunesp mudou tanto? Também não havia mães nos níveis 17, 18, 19 e 20 e por motivos óbvios. São setores de transporte, construção, madeira, etc., espaços masculinos por excelência. Mães trabalhadoras reapareciam para os inscritos nos níveis 21 e 22 (indústrias têxteis, de couro, artesanais e serviços) mas sempre em porcentagens baixas. Havia uma única porcentagem mais expressiva em Ciências Sociais (9,8%). Não é surpresa que seja para este curso.
As mães trabalhadoras não tiveram sorte de ver seus filhos matriculados na Unesp em 1985. É bem verdade que os inscritos para Medicina fizeram crescer um pouco suas porcentagens nos níveis 21 e 22 (1,4% e 1,6% respectivamente para 3,3% e 2,2%). Também os de Engenharia Elétrica cresciam na matrícula o que causava espanto por acontecer em duas carreiras de elite. A superseleção traz alguns poucos campeões das classes populares. Mas são poucos, como se sabe. O padrão é queda violenta na transição, inclusive para 0%. Os filhos de mães trabalhadoras rurais compareciam em porcentagens mínimas e a escola continua implacável para com eles, que desapareciam inexoravelmente na voragem do vestibular.
Os dados de 1986 não apresentavam novidades em relação aos do ano anterior. As nuanças encontradas acentuavam aspectos característicos do feminino: cresciam as porcentagens de mães donas de casa, confirmava-se a ausência de “mães mulheres de negócio”, etc.
Mas havia nuanças. Por exemplo, os níveis 03, 04, 05 que haviam sido até ignorados, apresentavam um pequeno crescimento nas porcentagens de inscrição e até cresciam na matrícula anunciando tendências. Naquele momento observava-se:
“Os dados sugerem que a profissão “moderna” da mãe influenciou positivamente a transição. Sugerem apenas. Devemos ser cuidadosos, dadas as baixas porcentagens em jogo e que se traduzem, principalmente para cursos de pouca procura, em números absolutos muito pequenos.” (Whitaker, 1989, p.78)
Todas as outras análises se confirmaram, com talvez um pouco mais de alegria para as mães trabalhadoras, cujos filhos conseguiram algumas poucas vagas em quase todos os cursos, com exceção do curso de Tradutores, no qual o manejo da norma culta é fundamental na concorrência.
A ruralidade da mãe continuava o grande obstáculo. Interessante observar que nessa categoria de nível 23, a ruralidade do pai não foi um tão inexorável obstáculo. Mas a mãe é fator mais importante na definição do Capital Cultural e o caso acima ilustra bem o fenômeno.
Bem, vejamos agora os dados de 1995 e as comparações possíveis. Tal como em 1985, continuam baixas as porcentagens de candidatos filhos de mães empresárias e administradoras. Mas são hoje mais significativas? Para compreender isso devemos fazer a comparação, somando as categorias 01 e 03 dos anos 80 que separavam os grandes dos médios empresários hoje unificados no nível 018. O caso merece uma tabela específica (Tabela 9).
Tabela 7
Distribuição dos candidatos inscritos e matriculados segundo ocupação da mãe - Ano 1.995
Tabela 8
Distribuição dos candidatos inscritos e matriculados segundo ocupação da mãe - Ano 1.995
Tabela 9
Inscrições dos filhos de mães empresárias grandes e médias.Quadro comparativo: 1985/86, 1995/96
Os dados acima mostram que a mulher não atingiu o mundo dos altos empreendimentos. E nem dos médios. Assim o crescimento das porcentagens do nível 01 entre 1985 e 1995 seria mais significativo se não tivéssemos somado os dois níveis de 1985/86 que foram compactados no espectro profissional posterior.
Mas estas porcentagens merecem análise mesmo sendo tão baixas, já que a mãe é um elemento forte de definição do Capital Cultural, conforme as teorizações mais aceitas. Não há porcentagens altas de mães grandes proprietárias ou executivas. Mas começando com uma análise vertical da Tabela 7 observa-se que há maior probabilidade de ter esse tipo de mãe para candidatos a Direito (diurno), Medicina e Tradutores – os cursos realmente mais elitizados. Nem os futuros engenheiros elétricos e arquitetos alcançarão 2% de mães grandes negociantes. Já os inscritos para cursos de menor prestígio ou noturnos, a porcentagem é abaixo de 1% ou é zero.
Mesmo as mães do nível “pequenos negócios” comparecem em porcentagens de inscritos um pouco maiores para cursos de prestígio e que não sejam Engenharias.9
Análise dos dados para a área Biológica
Mas voltemos às análises horizontais. Qual o perfil das mães para os estudantes que se inscrevem para o curso de Medicina? Como era de se esperar não são muitas as mulheres de negócios já que mesmo no nível 02 há só 11,2%. Uma boa porcentagem está no nível 03, o que era de se esperar já que devem estar ali médicas e principalmente professoras. Finalmente são baixas as porcentagens de mães Técnicas e Operárias. O nível 06 nos reservou aquela surpresa que vai se repetir para todos os cursos. Mais de 40% das mães não exercem atividade remunerada. Se cruzarmos essa tabela com a da instrução da mãe veremos que nesta categoria muitas mulheres estudaram mas não entraram no mercado de trabalho, uma vez que não têm profissão. Isto relativiza muito nosso entusiasmo com a instrução feminina dos anos 90 conforme já observamos. Daí a metáfora do “Grande Susto”. Na verdade se cresceu a escolarização feminina e as maiores porcentagens de mães em quase todas as categorias chegou ao curso superior, temos aí uma intersecção nos dados: um grande contingente de mulheres escolarizadas que não se profissionalizou e no limiar da passagem do milênio permanecia em casa (ou no mercado informal?)
Vejamos agora se a instrução da mãe ajuda ou atrapalha a aprovação. No nível 01 houve queda de 2,2% para 1,1% (em números absolutos 267 inscritos x 1 matriculado). O mundo dos negócios não ajuda muito mesmo o candidato a Medicina. Mesmo no nível 02, a porcentagem mal se mantém. Os maiores ganhos estão realmente no nível 03, há queda nas outras duas categorias e os filhos de mães que não exercem atividade caem apenas 3 pontos percentuais na transição.
Já os candidatos à Biologia crescem justamente nos 3 níveis mais baixos do espectro profissional das mães. É fantástico! No nível dos negócios ninguém foi aprovado? A queda percentual é brutal para o nível 03. Aguardemos os dados de 1996.
Dados de 1995 para a área de exatas
Passemos às Exatas. Conforme já assinalado, é de pouco mais de 1% a porcentagem de filhos de mães grandes negociantes inscritos para as três Engenharias Elétricas. Porcentagens um pouco maiores envolvem filhos de mães “pequenos negócios”. Mais de 30% estarão no nível 03. Não há novidade nas porcentagens baixas dos níveis 04 e 05 e a constante alta do nível 06. Aqui são mais de 45% as mães que não exercem atividade remunerada. Quase 50% para Guaratinguetá. Transição – os filhos de mães grandes negociantes desaparecem. Mas crescem as porcentagens no nível 02, quase dobrando para Ilha Solteira. Quanto ao nível 03, só em Bauru crescem muito as porcentagens de filhos de profissionais liberais e professoras. E crescem quase 10 pontos percentuais. Em Guaratinguetá há perdas e em Ilha Solteira pequena alteração. Outra surpresa! Quando a mãe é técnica de nível médio a influência parece ser positiva. De 4,7% vão para 10% os aprovados em Ilha Solteira. De 6,3% para 10% em Guaratinguetá. Em Bauru já era baixa e desaparece essa porcentagem numa exceção difícil de explicar (ou coerente com o maior grau de elitização desse curso?).
Filhos de operárias com pouca qualificação não costumam ter sucesso no vestibular para cursos de prestígio. A exceção – mais uma vez – Engenharia Elétrica de Guaratinguetá, onde os candidatos desse nível passam para 5% (18 inscritos para 2 matriculados). E os do nível 06? Nos três cursos de Engenharia Elétrica os inscritos perdem pontos na transição. Ter mãe em tempointegral só ajudou até agora os inscritos para Biologia. Questões de gênero estão envolvidas.
Se há poucos filhos de grandes empresárias nas Engenharias Elétricas que têm mais prestígio, imaginem na Engenharia Cartográfica. Eles nem se inscrevem. No nível 02 a procura é percentualmente semelhante à de Guaratinguetá. A concentração percentual do nível 03 não acompanha a tendência geral. É bem mais baixa (23,5%), já que vão aparecer porcentagens mais substanciais nos níveis mais baixos (04 e 05) e 50% no nível das mães sem atividade remunerada – um perfil mais democrático do que o de Biologia.
Transição: cai pela metade o percentual no nível 02. Os filhos de professoras e profissionais liberais sobem quase 10 pontos percentuais. Ganham ligeiramente os técnicos de nível médio, enquanto os filhos das operárias caem mais de 3 pontos percentuais. Na categoria 06 a presença da mãe dona de casa continua não ajudando os candidatos na transição inscritos-matriculados.
Os dados da área de Humanas
Vejamos agora o curso de Tradutores. Filhos de mães empresárias associam-se bem com esta procura. Nos dois níveis temos porcentagens altas quando comparadas com o conjunto na vertical. A concentração maior, porém, é no nível 03 (com exceção da categoria 06 que é a constante aqui). Não são tão baixas as porcentagens nos níveis 04 e 05 – quando se pensa no caráter elitizante do curso (detectado em 1985/86). A porcentagem de mães sem atividade remunerada acompanha o modelo.
Transição? Opa! O mundo dos grandes negócios ajuda o sucesso para Tradutores (já observado para 1985/86). É um dos poucos casos em que esta categoria não desapareceu. O outro é Medicina. Mas aqui o percentual cresce (de 2% para 3,1%).
Cai o percentual no nível 02 e pasmem! – sobe muito pouco no nível 03, nível no qual supostamente esta profissão deveria ser valorizada (ou não?). E cresce de 5,7% para 12,5% entre os técnicos de nível médio (!). Com os dados de 1996 ver-se-á se esta profissão deselitizou. Filhos de operárias sem qualificação e de mulheres sem atividade remunerada também perdem terreno. Mas a porcentagem de filhos de dona-de-casa continua alta como em todos os outros cursos. Direito matutino (aleluia!) vai ser a exceção. Vejamos o conjunto.
Mães grandes empresárias se correlacionam melhor com cursos diurnos para os filhos (motivos óbvios). Assim, as porcentagens da procura pelo matutino são maiores do que pelo noturno até o nível 03. A partir do nível 4 a relação se inverte. Tomemos apenas os dados das duas concentrações: no nível 3 são 43,7% dos candidatos ao período matutino enquanto para o noturno são apenas 26,2%. Já para mães que não trabalham a porcentagem é bem maior no noturno (48,5% contra 36,3% no diurno). Mas os filhos de grandes empresárias são eliminados na transição(!). Crescem, no entanto, no nível 02 para o matutino (5 pontos percentuais), perdendo apenas 2 pontos no noturno. O nível 03 vê crescerem as porcentagens como no padrão vigente. Técnicas de nível médio fazem crescer sua porcentagem para o matutino e filhos de operárias perdem sempre (observar noturno). Na categoria 06 há perdas substanciais para os candidatos do diurno, enquanto cresce a participação dos inscritos no noturno. Mães donas de casa parecem favorecer o sucesso nos cursos de menor prestígio e no noturno, mas vai acontecer para Arquitetura também. Mães dona de casa estariam então associadas a outras categorias que encaminham para o sucesso nestes cursos. Questão a ser pesquisada. Na verdade estas porcentagens de inscritos com mãe sem atividade remunerada é sempre maior no curso de menor prestígio de cada área em relação ao de maior prestígio. Exemplo: Engenharia Cartográfica 50,4% x Engenharia Elétrica 47,2%, 48,1% e 49,2% em cada um dos três cursos da UNESP.
O mundo dos altos negócios femininos não é tão incompatível com Arquitetura – 1,7% é um pouco mais do que as escolhas por Engenharia Elétrica. Mas é no mundo dos pequenos negócios que a escolha por Arquitetura suplanta os outros cursos (pensar nas questões estéticas ligadas a decoração, design, programações etc.). De resto sem novidade – a mesma concentração no nível 03, baixas porcentagens nos níveis 04 e 05 e muita mãe em casa (41,2%), mas não tanto quanto nas Engenharias Elétricas.
Aprovação? Desaparece a já pequena porcentagem do nível 01. Sucesso relativo dos filhos de “mães pequenos negócios” (de 12,9% para 15,6%). A categoria de maior sucesso – nível 03 – aqui mal se mantém (!). Perdas nas duas outras (operárias desaparecem). Quem ganhou? O nível 06. Aguardemos os dados de 1996 para ver se Arquitetura é mesmo tão diferenciado em termos dos efeitos provocados pela ocupação das mães.
Vejamos agora a performance desta variável no curso de Ciências Sociais. Bem, até aqui as mães empresárias não impediram inscrição dos filhos no matutino.
Mas 1,9% são apenas 2 candidatos. São poucos também os candidatos filhos de mães do nível 02 – tanto para o matutino quanto para o vespertino. A grande concentração no nível 03 segue o modelo no diurno. Mas não acontece no noturno. Aqui é baixíssima, para o conjunto, a porcentagem de inscritos no nível 03. Poucos candidatos são filhos de técnicas de nível médio, tanto no matutino (1,9%) quanto no noturno (2,3%). Mas é significativa no conjunto a porcentagem de filhos de operárias. Não é para se desprezar os 16,4% desse nível (05). Mães donas de casa, estas sim comparecem de forma expressiva. No diurno acompanham o modelo, e no noturno são 64,1% – maioria esmagadora. Como se correlaciona a profissão da mãe com a aprovação neste reduto de inscrições populares?
Os candidatos do nível 01 foram reprovados ou desistiram?
Pequeno sucesso no nível 02 e pasmem! – a boa profissão da mãe nada ajudou na matrícula para os candidatos do matutino que perderam quase 10 pontos percentuais na transição mas ajudou os candidatos do noturno – de 11,7% foram para 17,5% dos matriculados.
Filhos de técnicas de nível médio cresceram um pouco no diurno e perderam todos os inscritos para o noturno. Filhos de operárias tiveram boas performances, paradoxalmente melhor no diurno. Quanto ao nível 06 ganhou no diurno e perdeu no noturno.
Antes de buscar os dados de 1996 para confirmar estas análises vejamos duas questões pouco claras no texto. Quais são essas questões?
A primeira delas é: a profissão da mãe influi na escolha? Dados muito concentrados dificultam a busca das relações. Mas essas relações aparecem de forma interessante no caso das mães que não exercem atividade remunerada. As porcentagens desta categoria guardam alguma relação com cursos de menor procura, com cursos noturnos e com a área de Exatas. A organização dos dados da inscrição em porcentagens decrescentes denuncia.
O primeiro dado: se traçarmos uma separação 6 por 6, veremos que todos os curso de Exatas estão na parte superior (porcentagens mais altas de mães donas de casa).
Segundo dado: “distância” entre o curso diurno e o noturno nessa classificação decrescente.
Inferências possíveis: candidatos com escolhas menos ambiciosas serão mais provavelmente filhos de mães donas de casa. Ou, quando a mãe exerce trabalho remunerado, seus filhos aspirarão tendencialmente profissões de mais prestígio. Mas a relação não é mecânica.
Será mediada por dois fatores: área de prestígio (e por isso Biologia está no segundo bloco da tabela) e caráter diurno do curso (e por isso o diurno de Direito é o mais elitizado desta categoria e o de Ciências Sociais noturno ocupa o topo da lista).
E mais um sintoma de que a área de Exatas não é assim tão prestigiosa.
É claro que na transição a ordenação se embaralha e muito. Em que medida a mãe dona de casa favorece-desfavorece a aprovação? É fascinante ver que de alguma forma os resultados restabelecem a hierarquia dos cursos. Observem a Tabela 11:
Tabela 10
Inscritos e matriculados do nível 06 nos diferentes cursos – 1995
Tabela 11
Matriculados da categoria nível 06 nos diferentes cursos - ordem decrescente
1) São filhos de mães predominantemente profissionais: aprovados para Direito, Engenharia Elétrica de Ilha Solteira, Medicina, Engenharia Elétrica de Bauru;
2) São filhos de mães medianamente profissionais: Tradutores, Ciências Sociais diurno, Engenharia Elétrica de Guaratinguetá, Arquitetura, Engenharia Cartográfica;
3) São filhos de mães predominantemente sem atividade remunerada: Direito noturno, Biologia e Ciências Sociais noturno.
Realmente, para 1995 a correlação entre prestígio do curso e esta variável não pode ser desprezada.
Há três cursos elitizadíssimos em relação inversa com os aprovados cujas mães são predominantemente donas de casa. E os dois cursos noturnos guardam relação positiva com as maiores porcentagens de matrículas de filhos de mães sem atividade remunerada.
Os dados de 1996 - nuanças inesperadas
Quanto aos dados de 1996, já vimos que confirmam os de 1995 no caso do nível 01. Confirmam também as porcentagens um pouco mais expressivas da categoria “mãe pequenos negócios” que aparecem em 1995 (ou oposição a 1985/ 86 quando eram baixíssimas). No entanto, o movimento dos dados na transição inscritos-matriculados não oferece qualquer lógica. Quando os números dançam demais o pesquisador tem que enfrentar o imponderável. Como explicar que em 1995 os candidatos a Biologia filhos de pequenas empresárias fracassam tão redondamente caindo para 0% e em 1996 alcancem sucesso retumbante quase dobrando sua porcentagem. Com efeito, não há correlação entre o fato da mãe ser pequena empresária e o sucesso no vestibular. A concentração de inscritos no nível 03 se repete para todas as categorias, porém a alta concentração se dá mesmo na de nível 06, com a mesma exceção de 1995 para o matutino de Direito que exibe orgulhosamente 44,1% de inscritos com mães profissionais do nível 03 contra 33,3% com mães donas de casa (novamente a menor porcentagem na vertical), ilustrando bem nossa hipótese de que mães profissionalizadas pressionam os filhos tendencialmente para carreiras de mais prestígio.
Mas vejamos as confirmações (e nuanças) na horizontal. A distribuição percentual dos inscritos para Medicina repete a de 1995 com impressionante similitude nos dados, mas com resultados muito diferentes. Agora a grande propriedade da mãe não atrapalhou os resultados no nível 01, mas sim no nível 02. Observem como a porcentagem de inscritos-matriculados passa de 2,4% para 5,6% (mais do que o dobro) no nível 01, caindo pela metade no nível dos filhos de mãe pequenos negócios – aonde teoricamente deveria subir. Os ganhos dos candidatos do nível 03 são ainda maiores do que em 1995 e as quedas nos outros níveis repetem o ano anterior. O movimento dos dados para Medicina repete o do ano anterior, com exceção das categorias “empresariais” que são menos significativas no caso da ocupação das mães.
Para Biologia, conforme já assinalado, predominam os imponderáveis. O caso merece análise comparativa que possa sugerir explicações.
Os dados de 1996 contrariam em quase tudo o movimento dos dados de 1995, confirmando apenas a inexistência de candidatos com mães grandes ou médias empresárias. Mas até as profissionais liberais “afastaram” seus filhos deste curso, que vai ter agora porcentagem de inscritos bem mais substanciais nos níveis mais baixos do espectro considerado – um ano realmente atípico para curso de Biologia (São José do Rio Preto).
Engenharia Elétrica de Ilha Solteira confirma o perfil de distribuição dos inscritos do ano anterior. Quanto aos dados da matrícula há uma concentração de aprovados no nível 06 (são 50% de aprovados filhos de donas de casa, fenômeno já assinalado), o que faz cair, na transição considerada as categorias mais baixas sem prejudicar as mais altas.
Na Engenharia Elétrica de Bauru repetem-se as altas porcentagens no nível 03, que em 1996 irão se acentuar ainda mais. Ocorre queda surpreendente no nível 06, tanto na inscrição como no momento da matrícula. Assim, os números dançam para as outras categorias. Agora os filhos de “mães grandes empresárias” fazem crescer seu percentual no momento da matrícula. E esse sucesso faz com que os filhos de “mães proprietárias de pequenos negócios” percam 4,1 pontos percentuais na transição.
Já a Engenharia Elétrica de Guaratinguetá repete 1995, com algumas nuanças no perfil da inscrição. No momento da matrícula os números dançam e os filhos de técnicas de nível médio desaparecem na transição. Perdas também para os filhos de mães “pequenos negócios”, nível 02, em relação à 1995 (10% contra 8,6% em 1996). Ganhos surpreendentes para o nível 06 (mais de 6 pontos percentuais - 45,0% em 1995 contra 51,4% em 1996). Guaratinguetá e suas especificidades!
As variáveis afetam mais a inscrição do que os resultados (na transição interferem os imponderáveis). Repete-se o fenômeno com Engenharia Cartográfica, que reproduz a distribuição do ano anterior com mudanças nas duas categorias que apresentam as concentrações características desta variável. Cresce a porcentagem de inscritos com mães profissionais liberais (são agora 29,5% contra 23,5% do ano anterior). Conseqüentemente cai a porcentagem de inscritos com “mães donas de casa” (que são agora 47,3% contra 50,4% do ano anterior).
No entanto, a distribuição das porcentagens na matrícula não é assim tão diferente daquela do ano anterior. Lá está o mesmo vazio no primeiro nível, porcentagens muito semelhantes no nível 03 e concentração um pouco menor apenas no nível dos matriculados filhos de “mães donas de casa”. A variável influiu nessa distribuição? O quadro é tão ambíguo como o de 1995 e repete a má performance da categoria 06.
O curso de Tradutores repete ainda com mais nitidez os dados de inscrição do ano anterior. Na matrícula repetem-se as porcentagens das categorias de nível 03 e 06 (exatamente as de mais alta concentrações), variando todas as outras. Desta vez o mundo dos grandes negócios não ajudou o sucesso para o curso de Tradutores. Mas o dos pequenos negócios ajudou bastante (contrariamente a 1995). Confirmando 1995, as mães do nível 03 não fazem subir consideravelmente as porcentagens dos filhos na transição considerada. Cai agora a participação dos filhos dos técnicos de nível médio e de operários mostrando que a carreira não se deselitizou (sugestão que ficara dos dados do ano anterior).
Novamente a correlação entre ocupação da mãe e escolha se expressa. O curso de Direito repete os dados do ano anterior para os inscritos de 1996 com mais impressionante clareza ainda do que Tradutores. A transição inscritos-matriculados sofre, como sempre, nuanças e perturbações, principalmente no noturno. O curso noturno de Direito vai então sofrer um processo de elitização no momento da matrícula aproximando seu perfil do diurno com relação a esta variável.
Arquitetura e Urbanismo sem novidades nas inscrições com dados semelhantes aos de 1995. A transição considerada repete os dados de desaparecimento dos candidatos com “mães grandes empresárias” mas não repete o sucesso dos inscritos com mães pequenas empresárias que aqui caiu para 4,4% dos matriculados. Os filhos de profissionais liberais sobem muito pouco enquanto os filhos de mães técnicas de nível médio mais do que dobram sua participação. Repete-se o desaparecimento da categoria profissional mais baixa que já ocorrera em 1995 e repete-se também o sucesso dos filhos de mães donas de casa, confirmando o caráter diferenciado de Arquitetura, sugerido pelos dados do ano anterior. O curso de Ciências Sociais repete os dados inexpressivos de 1995 para inscritos da mais alta categoria ocupacional que tornam a desaparecer (diurno e noturno). Caem aqui as porcentagens dos filhos de pequenas empresárias que subiam na transição em 1995. Mães do nível 03 são agora em porcentagens ainda mais baixas, tanto para inscritos quanto para matriculados e tanto inscritos quanto matriculados concentram-se mais ainda nas categorias profissionais mais baixas, confirmando boas performances do ano anterior e o desastre dos filhos de técnicas de nível médio na transição considerada.
A análise dos dados sobre o efeito da ocupação das mães é bastante reveladora da ambigüidade das relações de gênero na sociedade dita “modernizada”. Afinal estamos lidando com a suposta modernidade do pais neoliberal, no seu Estado mais industrializado e desenvolvido em espaços de camadas médias que aspiram a Universidade.
No entanto, as grandes constantes dos dados de ocupação estão sempre, tanto para 1995 como para 1996, em categorias profissionais tradicionalmente femininas - o nível 06 (no qual estão claramente as donas de casa) e o nível 03 (no qual estão professoras).
Nas outras categorias profissionais as porcentagens são sempre muito baixas. Os dados mostram correlação positiva entre ocupação de prestígio da mãe e profissões de mais prestígio no momento da escolha (inscrição). Na transição a dispersão atrapalha a busca das relações. No entanto elas estão claramente explicitadas no texto porque entendemos que devemos explorar cada relação possível tentando extrair dela o máximo de informações e deixando ainda em aberto as sugestões que enriquecem e estimulam a pesquisa em diferentes direções.
O exercício que fizemos para 1995 correlacionando os inscritos da categoria 06 (mães donas de casa) com o prestígio do curso escolhido e alcançado pode ser repetido infinitamente: para 1996, para a categoria 03, ou para todas as categorias. Mas isso estenderia esse texto monotonamente ao infinito.
O notável daquele exercício é o seu caráter quase sinfônico, apontando para resoluções das contradições e dissonâncias num modelo quase perfeito de reprodução do real. Não cremos que os dados de 1996 repitam a proeza e por isso não nos esforçamos em reproduzi-los. Mas deixamos o convite para que outros o façam.
Mas vejam como as porcentagens para Medicina, e Direito noturno repetem as tendências apontadas. E vejam como Ciências Sociais também reproduz a compatibilidade entre mãe dona de casa e curso de menor prestígio. A novidade aqui é que Direito noturno e Ciências Sociais evoluem agora para posições mais próximas dos seus epônimos. É como se o prestígio do curso diurno acabasse contaminando o noturno. E vice-versa.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Ao encerrar este artigo devemos agradecer a paciência do leitor que nos acompanhou até aqui. Conforme temos reiterado, dados quantitativos quando analisados guardam relações qualitativas. E como tais relações são infinitas, devemos insistir em análises exaustivas (embora não se esgotem as relações infinitas). O leitor pode se debruçar mais sobre aquelas que mais o interessarem, e pode também buscar os dados nas tabelas e estabelecer outras relações.
No entanto devemos agora ao leitor, uma síntese tranquilizadora a respeito das correlações que mais interessam ao profissional da Orientação Profissional. E esta síntese pode ser expressa como segue:
1) Não dá para desprezar o papel da mãe no momento crucial em que o adolescente pensa em escolha profissional;
2) Esse papel, no entanto é cheio de nuanças e contradições. Pela lei dos grandes números porém ficou clara a correlação entre a profissionalização da mãe e escolhas de mais prestígio no momento do vestibular;
3) A influência das mães parece mais forte nos anos 90 do que nos anos 80 e se dá muito mais através da profissionalização do que da instrução;
4) Mães de vestibulandos no interior do Estado mais urbanizado, industrializado e supostamente modernizado do país ainda enfrentavam, ao final do milênio, obstáculos para se profissionalizarem, mesmo após terem invadido quase todos os cursos superiores existentes.
A conclusão final é de que relações de gênero devem ser levadas em conta com muita atenção pelos profissionais da Orientação Profissional, para evitar que os resquícios do patriarcalismo perturbem ainda mais um processo já por si tão complexo como a escolha da carreira.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 11/06/2003
Revisão: 01/07/2003
Aceite final: 10/07/2003
1 Endereço para correspondência: Av. Espanha 60, apto. 121, Araraquara, SP, CEP 14800-130, Fone (16) 222-5764, e-mail: dcawhitaker@ig.com.br.
1 Este artigo foi construído a partir dos dados e constatações do Relatório de Pesquisa “10 anos depois: UNESP - Diferentes perfis de
candidatos para diferentes cursos (Estudo de variáveis de capital cultural)” publicado pela série Pesquisa VUNESP nº 11, 1999,
VUNESP, São Paulo. Importante ressaltar aqui que a Fundação VUNESP é a instituição que organiza o vestibular da UNESP - a
terceira Universidade Estadual de São Paulo, que tem suas faculdades e institutos espalhados por todo o interior desse Estado.
2 Optamos por não apresentar os dados de 1986 para não sobrecarregar o texto com tabelas. Apresentamos, no entanto, as análises
desses dados no corpo do texto quando eles fornecem pistas significativas para a melhor compreensão das relações envolvidas.
3 Manteremos a nomenclatura 1º e 2º graus, já ultrapassada, considerando que os dados são anteriores à Lei 9294/96 que alterou essas denominações para ensino fundamental e médio, mas sem alterar a estrutura. Entendemos que 1º e 2º graus são expressões mais
dinâmicas e auxiliam a fluidez de um texto já tão sobrecarregado de dados.
4 Optamos por não colocar tabelas com dados de 1986 para não sobrecarregar o texto, já que os fenômenos se confirmam na maior
parte das relações observadas.
5 Do ponto de vista sociológico, a análise da transição inscritos-matriculados é crucial para medir sucesso ou insucesso de uma
categoria no vestibular.
6 Podem estar orientando ou fazem parte de uma totalidade na qual os jovens naturalmente se encaminham nessas direções.
7 Um dado interessante: 1985 as mães dos candidatos a Ciências Sociais eram o único caso de mães mais instruídas do que os pais
2,4% x 1,8% de pais. Mas na matrícula havia empate.
8 Em 1993 a VUNESP reduziu as categorias ocupacionais com as quais trabalhara até então para estratificar pais e mães dos vestibulandos e os próprios vestibulandos quando trabalhadores. Dos 24 níveis utilizados anteriormente passou-se para 6 categorias bastante generalizantes, como seguem:
- Proprietárias e Administradoras de grandes e médias empresas
- Proprietárias e Administradoras de pequenos negócios
- Profissionais Liberais, Professoras e Técnicas de nível superior
- Técnicas de nível médio
- Operárias com pouca qualificação
- Não exerce atividade remunerada.
9 Começa a chamar a atenção o caráter menos elitizante das Engenharias Elétricas, principalmente Guaratinguetá e Ilha Solteira.
Sobre os autores
* Elis Cristina Fiamengue, é socióloga, com Mestrado e Doutorado em Sociologia pela UNESP - Campus de Araraquara - SP de Araraquara, docente da UNIMEP, Piracicaba.
** Dulce Consuelo Andreatta Whitaker, Professora (aposentada) do Departamento de Sociologia da UNESP - Campus de Araraquara – SP. Especializada em Sociologia da Educação. É pesquisadora do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e professora vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp (Araraquara). Autora de diversos livros.