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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.11 no.2 São Paulo dez. 2010
ARTIGO ORIGINAL
Psicologia escolar e orientação profissional: fortalecendo as convergências
School psychology and career guidance: strengthening the convergence
Psicología escolar y orientación profesional: fortaleciendo las convergencias
Tatiana Oliveira de CarvalhoI, 1; Claisy Maria Marinho-AraujoII
IInstituto Geist, São Luís-MA, Brasil
IIUniversidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
RESUMO
Este estudo defende que a Orientação Profissional é um campo de atuação relevante em Psicologia Escolar. Concebe a instituição educativa, preferencialmente a escolar, como o espaço privilegiado em que este trabalho deve se organizar, a partir da interface Psicologia e Educação. Faz um breve resgate histórico dos avanços teórico-metodológicos presenciados nas últimas décadas, no Brasil, tanto na área da Psicologia Escolar quanto no campo da Orientação Profissional, elucidando a possibilidade de convergência entre ambas na constituição de uma perspectiva de atuação que almeje a promoção do desenvolvimento da carreira e a construção da cidadania, fundamentada nos princípios da educação para a carreira.
Palavras-chave: psicologia escolar, orientação profissional, educação para a carreira
ABSTRACT
This paper supports the idea that Career Guidance is a relevant field in School Psychology. It conceives the educational institution - preferably the school - as a privileged space in which that role must be played through the use of both Psychology and Education. The paper briefly describes the theoretical-methodological advancements that occurred in the last decades in both School Psychology and Career Guidance.Thus, it proposes the possibility of convergence of the two areas to constitute a perspective of a course of action aiming at the promotion of career development and the construction of citizenship, based on career education principles.
Keywords: school psychology, career guidance, career education
RESUMEN
Este estudio defiende que la Orientación Profesional es un campo de actuación relevante en Psicología Escolar. Concibe la institución educativa, preferentemente la escolar, como el espacio privilegiado en que este trabajo debe organizarse a partir del intercambio en Psicología y Educación. Hace un breve rescate histórico de los avances teórico-metodológicos presenciados en las últimas décadas, en Brasil, tanto en el área de la Psicología Escolar como en el campo de la Orientación Profesional, dilucidando la posibilidad de convergencia entre ambas en la constitución de una perspectiva de actuación que busque la promoción del desarrollo de la carrera y la construcción de la ciudadanía, fundamentada en los principios de la educación para la carrera.
Palabras clave: psicología escolar, orientación profesional, educación para la carrera
A Psicologia Escolar e a Orientação Profissional no Brasil têm passado por significativas transformações em seus fundamentos teórico-metodológicos, o que vem possibilitando que em ambas as áreas se estabeleçam intervenções cada vez mais focadas na promoção do desenvolvimento humano e na construção da cidadania. A concepção de intervenção do psicólogo escolar aqui defendida traz à luz a pertinência de se tomar a Orientação Profissional como um campo relevante de sua atuação. Defende-se que se fortaleçam as convergências entre as duas áreas, propondo-se que, para isso, o psicólogo escolar fundamente-se nos princípios da educação para a carreira.
Na primeira seção do artigo, faz-se uma contextualização da Psicologia Escolar brasileira, demonstrando suas recentes revisões críticas e ampliação das perspectivas de atuação. Na segunda seção, traça-se um breve histórico da Orientação Profissional no Brasil, enfatizando-se os avanços que hoje ainda se fazem necessários para que esta seja cada vez menos restritiva e assuma um caráter genuinamente educativo. Em seguida, na terceira seção, aborda-se a Orientação Profissional como campo de atuação do psicólogo escolar, para, na quarta seção, aprofundar-se essa discussão, apontando para a necessidade de fortalecimento das convergências entre essas duas áreas.
Contextualizando a Psicologia Escolar brasileira
A Psicologia Escolar é uma área de produção de conhecimentos, pesquisa e intervenção de psicólogos que atuam em estreita relação com o campo educativo. Tida como uma das mais antigas áreas da Psicologia, já mencionada na Lei Federal nº 4.119/62, que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil, veio sofrendo profundas transformações paradigmáticas nas últimas décadas.
Caracterizou-se, inicialmente, por práticas que focavam a avaliação e o atendimento de indivíduos, servindo muitas vezes à mera classificação, estigmatização e normalização dos sujeitos. A partir da década de 1970, porém, surgiram fortes críticas e questionamentos quanto a seu papel na transformação do cenário educacional. Identificou-se que, ao atuar na escola, o psicólogo escolar acabava por corroborar a ideia de culpabilização do aluno nos conflitos surgidos nesse contexto, quer estes se referissem a dificuldades no processo de ensino-aprendizagem, a problemas comportamentais ou a problemáticas relacionadas ao desenvolvimento da carreira, sem considerar as dimensões sócio-culturais e históricas neles implicadas.
A década de 1980 foi marcada por reflexões críticas e reformulações nos pressupostos teóricos e metodológicos da Psicologia Escolar, o que possibilitou que, especialmente na década de 1990, fossem elaboradas novas propostas de atuação do psicólogo nos meios educacionais. Um novo paradigma estava surgindo, expresso na ideia de que esse profissional deveria estar inserido na educação não mais como um mero perpetuador das concepções e práticas educacionais vigentes, mas sim como um agente de transformação, incentivador de processos reflexivos que levassem à ressignificação de saberes e fazeres dos educadores.
Da década de 1990 aos anos 2000, a bibliografia de Psicologia Escolar foi ampliada, apontando para possibilidades críticas e inovadoras de atuação, na promoção do desenvolvimento humano. Tende-se a conceber a abrangência institucional e o caráter transformador do trabalho do psicólogo, afastando-o de uma perspectiva curativa ou de mera solução de problemas (Correia & Campos, 2004; Cruces, 2003; Marinho-Araujo & Almeida, 2005; Meira & Antunes, 2003).
Essa tendência está expressa no relatório que sintetiza as discussões realizadas por psicólogos de todo o Brasil, entre os anos de 2008 e 2009, que culminaram, neste último ano, no Seminário Nacional do Ano da Educação, promovido pelo Sistema Conselhos de Psicologia (Conselho Federal de Psicologia, 2009). O referido documento propõe diversos encaminhamentos, considerando como prioridade a construção de uma atuação profissional comprometida com a inclusão social, que rompa com concepções e práticas classificatórias, fragmentadas e individualizantes.
Dentre outros aspectos, são ressaltados: a importância da dimensão institucional do trabalho do psicólogo na educação formal e não formal; o compromisso com as funções sociais da escola de possibilitar o acesso aos bens culturais construídos pelo homem ao longo de sua história e de promover a autonomia dos indivíduos; o trabalho na perspectiva de projetos coletivos e contextualizados com os atores do cenário escolar/educacional; a necessidade de apropriação da dinâmica da escola e intervenção de forma interdisciplinar; o exercício da Psicologia Escolar/Educacional como conjunto de práticas fortalecedoras de pessoas e grupos, agregando todos os que fazem parte da comunidade escolar; a consideração da dimensão subjetiva, sem reduzi-la a uma perspectiva individualizante, afastando-se do modelo clínico; a importância de conectar-se com o saber dos alunos, sua vida, suas necessidades, de modo a oferecer uma educação que cumpra sua função social (Conselho Federal de Psicologia, 2009).
Tais princípios são assumidos na visão de Psicologia Escolar aqui adotada. O que se defende coaduna-se ao que Marinho-Araujo e Almeida (2005) chamam de atuação institucional preventiva em Psicologia Escolar, que reconhece como objetivo central do psicólogo a promoção do desenvolvimento humano, considerando-o como um processo complexo, constituído pela interação contínua de fatores internos e externos ao indivíduo, em que a troca de significados entre sujeitos que interagem em um determinado contexto tem papel definidor. Daí as autoras enfatizarem as relações sociais como o foco principal de análise e intervenção do psicólogo escolar.
Nessa ótica, sua intervenção é entendida como dinâmica, participativa e sistemática. Uma grande diversidade de ações pode ser realizada, de acordo com as demandas específicas de seu contexto de atuação, no sentido de proporcionar a construção de relações sociais propícias ao desenvolvimento dos atores institucionais, nas quais os sujeitos assumam um papel ativo, consciente e crítico. A atuação do psicólogo escolar, segundo Marinho-Araujo e Almeida (2005), deve ancorar-se em quatro dimensões interrelacionadas: (a) mapeamento institucional, (b) escuta psicológica, (c) assessoria ao trabalho coletivo, (d) acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem.
O mapeamento institucional é um conjunto de ações voltadas à investigação, análise e reflexão sobre o contexto institucional, que cria subsídios para compreensão dessa realidade e para a intervenção do psicólogo escolar. Utiliza-se de análise documental, entrevistas, observações, grupos de reflexão e outros. Acompanha todo o processo de intervenção, mas tem seus momentos de "pico", como na chegada do psicólogo escolar à instituição. Busca-se, através do mapeamento: investigar e evidenciar convergências, conflitos e contradições entre as práticas educativas e os discursos dos sujeitos; analisar as concepções que orientam as ações dos atores institucionais; discutir o processo de gestão escolar, incluindo relações entre grupos e entre a instituição e a comunidade; contribuir na elaboração da proposta pedagógica da escola (Marinho-Araujo & Almeida, 2005).
A escuta psicológica refere-se à sensibilidade do psicólogo escolar de estar com o outro, perscrutar os fenômenos subjetivos no contexto escolar, encontrar as pessoas, os grupos e a instituição por meio de suas histórias e de seus afetos, acolher as angústias, as ansiedades e o sofrimento psíquico de alunos, professores, pais e outros. Nesta dimensão de sua atuação profissional, encontra-se a especificidade do suporte psicológico na escola (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Os espaços de escuta psicológica podem se constituir tanto em situações emergenciais no cotidiano escolar quanto em atividades planejadas intencionalmente para esse fim, como encontros para orientação à equipe escolar, alunos ou familiares, estudos de casos, relatos de experiências e outros.
A dimensão de assessoria ao trabalho coletivo diz respeito ao suporte que o psicólogo deve fornecer a toda a equipe escolar para promover reflexão, conscientização e transformação nas concepções orientadoras das práticas pedagógicas, através da criação de espaços de interlocução com e entre professores, coordenadores pedagógicos e diretores, em fóruns constituídos institucionalmente. Inclui, também, a necessária contribuição do psicólogo à realização de formação continuada em serviço dos profissionais, no que compete ao conhecimento psicológico, e no desenvolvimento de ações que dêem subsídios à ressignificação da identidade profissional de professores e membros da equipe técnico-pedagógica (Marinho-Araujo & Almeida, 2005).
O acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem refere-se à meta do psicólogo de contribuir à melhoria do desempenho escolar dos alunos, empenhando-se em promover uma cultura de sucesso, na qual suas habilidades e competências sejam mais valorizadas do que as dificuldades. Isso inclui avaliação co-participativa com o professor sobre a produção dos alunos que apresentam queixa escolar, utilização sistemática da observação da dinâmica de sala de aula e dos demais espaços socioeducativos, análise e intervenção sobre aspectos instersubjetivos presentes na relação professor-aluno, além do trabalho com professores subsidiando-os na construção de alternativas diversificadas de ensino e de avaliação e na promoção de situações didáticas de apoio à aprendizagem do aluno (Marinho-Araujo & Almeida, 2005).
A proposta teórico-metodológica de intervenção em Psicologia Escolar apresentada por Marinho-Araujo e Almeida (2005) subsidia uma atuação competente do psicólogo, uma vez que se compromete com o todo da instituição, consciente de que as relações estabelecidas no cotidiano escolar definem e são definidas por aspectos intersubjetivos que incidem significativamente no desenvolvimento acadêmico dos alunos. Reconhece-se nesse aporte uma via segura e consistente para fundamentar o trabalho do psicólogo enquanto orientador profissional, no contexto escolar, a partir de uma perspectiva desenvolvimentista, ampliada pelos princípios da educação para a carreira. Essa discussão será aprofundada posteriormente, sendo necessário, na seção que se segue, fazer-se uma breve análise dos percursos históricos e dos avanços necessários à Orientação Profissional no Brasil.
Orientação Profissional no Brasil: avanços necessários
A Orientação Profissional (OP) é compreendida como uma intervenção processual que objetiva instrumentar a pessoa a realizar escolhas conscientes e autônomas na definição de sua identidade profissional (Melo-Silva & Jacquemin, 2001).
A OP brasileira nasceu sob forte influência da Psicometria, por volta da década de 1920, em institutos de Psicologia Aplicada. A metodologia utilizada abrangia diagnóstico das tendências vocacionais e aptidões dos indivíduos, através do uso de testes psicológicos, e aconselhamento para seu melhor ajustamento ao trabalho. Seu desenvolvimento, nas décadas seguintes, esteve intimamente relacionado à criação de cursos de formação e aperfeiçoamento de psicotécnicos e orientadores profissionais no Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), organizado por Emilio Mira Y López, na Fundação Getúlio Vargas, cuja criação, segundo Cruces (2003), figurou como relevante para a consolidação da Psicologia brasileira, especialmente em sua interface com a Educação.
Desde a chegada da OP ao Brasil, portanto, ela esteve atrelada à ciência e à prática psicológica, embora mantivesse interfaces com outras áreas, como a Educação. Foi na década de 1940 que ela adentrou as escolas, estabelecendo-se gradualmente como campo de atuação de psicólogos e pedagogos. Melo-Silva, Lassance e Soares (2004) demonstram que, no que diz respeito à atuação de pedagogos, a OP surgiu como atividade no campo da Orientação Educacional, destinada às classes menos favorecidas que frequentavam as escolas profissionais. Na lei 5.692/71, chegou a ser estabelecida como atribuição específica do orientador educacional, devendo ser oferecida em todas as escolas.
Quanto à atuação no âmbito da Psicologia, as autoras indicam que a OP desenvolveu-se em três domínios: (a) da Psicologia do Trabalho, vinculada à Seleção de Pessoal, cujas intervenções centraram-se na modalidade estatística; (b) da Psicologia Educacional, centrando-se na questão da passagem de um ciclo educativo a outro; e (c) do Aconselhamento, focalizando determinadas crises evolutivas no ciclo vital.
Com a expansão das práticas de psicólogos após a regulamentação de sua profissão, na década de 1960, a OP foi-se vinculando cada vez mais à Psicologia Clínica, recebendo influências teóricas diversas, conforme demonstram diversos autores (Abade, 2005; Melo-Silva et al., 2004; Sparta, 2003). Dentre as principais influências que os psicólogos receberam, a partir deste período, estão as advindas da Psicanálise e, especialmente, da estratégia clínica de orientação do psicólogo argentino Rodolfo Bohoslavsky (1977/1991). A ênfase, aqui, recai sobre o trabalho de autoconhecimento do indivíduo como forma de ajuda para a superação dos conflitos psíquicos presentes na problemática profissional.
A literatura da área indica, também, que os trabalhos da Prof.ª Maria Margarida de Carvalho, na Universidade de São Paulo, na década de 1970, foram responsáveis pela criação e difusão do processo grupal em OP, que configurou um modelo brasileiro peculiar de orientação, tendo influenciado muitos psicólogos. Abade (2005) informa que o processo desenvolvido pela referida professora, fundamentado na dinâmica de grupo, constava de cinco sessões de três horas de duração cada uma e tinha como objetivos ensinar a escolher a profissão e possibilitar a decisão por meio de autoconhecimento, informação ocupacional e de mercado de trabalho. "Superando a abordagem estritamente estatística em Orientação Profissional, ela buscava ligar a aprendizagem experiencial com a cognitiva, num processo de valor terapêutico para os participantes" (Abade, 2005, pp. 20-21).
A partir da década de 1980, novas contribuições teóricas influenciaram a OP brasileira, levando-a a questionar pressupostos arraigados à abordagem clínica, em difusão àquela época. Autores como Pimenta (1981), Ferretti (1997) e Bock (2002) apontavam para a insuficiência das teorias psicológicas para sustentar a intervenção sobre a escolha da profissão ou desenvolvimento da carreira dos indivíduos. Ferreti (1997) criticava, por exemplo, a tendência de se atribuir ao indivíduo a responsabilidade por sua "desorientação" frente à escolha de uma profissão, como se ela fosse fruto de um desajustamento psicológico. Tende-se a não se considerar, nessa perspectiva, que a falta de orientação é mais efeito da complexidade do sistema produtivo do que de dificuldades relacionadas à decisão.
O autor sugere que a OP se proponha criar condições para que a pessoa a ela submetida reflita sobre o processo e o ato de escolha profissional no contexto mais geral da sociedade onde tais ações se processam. Considera-se que essa é uma premissa fundamental ao psicólogo escolar dedicado à intervenção de carreira, tendo em vista seu compromisso com a autonomia e fortalecimento de indivíduos e grupos por meio de conscientização e acesso ao conhecimento construído pela humanidade. Desenvolver um conceito de si e definir uma trajetória de carreira de forma consciente implica a possibilidade da pessoa se posicionar ativa e criticamente no contexto em que está inserida, reconhecendo-se como sujeito da e na história.
Tal perspectiva crítica tem influenciado psicólogos brasileiros, que compreendem a dimensão educativa e emancipatória de sua atuação, embora ela divida o cenário atual com outras perspectivas, que não comungam dos mesmos pressupostos, como a psicométrica, por exemplo, ainda presente nas práticas atuais. Alguns estudos realizados sobre a configuração atual da OP no Brasil são analisados por Melo-Silva, Bonfim, Esbrogeo e Soares (2003), que sintetizam resultados apontados pelos pesquisadores: (a) são fundamentalmente as teorias psicológicas que sustentam as práticas em OP; (b) além dos psicólogos, também pedagogos, professores, assistentes sociais, sociólogos, administradores de empresa, economistas, comunicólogos, dentre outros profissionais, atuam nesta área, o que não se dá, porém, de forma integrada; (c) os determinantes socioeconômicos e políticos da escolha profissional são abordados de forma genérica e distorcida; (d) predominam os modelos tradicionais de intervenção advindos da concepção psicologizante que valoriza as características individuais e das profissões em detrimento da análise crítica do contexto socioeconômico.
Sabe-se, ainda, que a OP realizada no Brasil tem-se voltado essencialmente ao atendimento de jovens do ensino médio, e que são os psicólogos os profissionais que mais estão atuando neste campo, nas últimas décadas (Melo-Silva et al., 2004). Esta atuação se dá tanto no contexto educativo quanto no do consultório psicológico, ainda com grande ênfase no último. Em pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, Crestani (2010) constatou que uma minoria das escolas pesquisadas oferece OP. Quando oferecem, algumas o fazem num modelo curricular, mas a maioria utiliza estratégias desvinculadas do currículo escolar.
Nas instituições educativas, tem-se que ainda é rara a presença do psicólogo, e quando ele está presente, a comunidade escolar costuma criar expectativas de uma atuação voltada para resolução de problemas emergenciais, relativos a aprendizagem, comportamento e outros. "Com tantos problemas escolares, em um cenário de ausência de equipe interdisciplinar, a atividade de Orientação Profissional, que é relevante em termos de promoção da saúde e educação de qualidade, acaba recebendo tratamento secundário" (Melo-Silva et al., 2004, p. 42).
Vê-se, portanto, que apesar dos inúmeros avanços teórico-metodológicos no contexto nacional, nas últimas décadas, muitos outros são ainda necessários. Além dos aspectos acima apontados, faz-se mister atentar-se para a pouca ênfase que tem sido dada à necessidade de aprimorar a formação dos psicólogos escolares para atuarem em OP no Brasil. É pela via da formação que se pode vislumbrar o desenvolvimento das competências necessárias a uma atuação mais ampliada e integradora (Carvalho, 2007).
Outra inquietação diz respeito à quantidade restrita de pessoas que se beneficiam das intervenções de carreira, tão importantes em momentos críticos de decisão na trajetória de pessoas e grupos. Uma maior oferta de serviços dessa ordem seria viabilizada por meio de políticas públicas que se comprometessem com essa questão. Destaque se dá às políticas educacionais, que deveriam garantir que todos tivessem acesso a este tipo de intervenção ao longo de seu processo de escolarização, nos diversos níveis de ensino, tendo em vista a necessidade de auxílio aos alunos na tomada de decisões de carreira, em uma sociedade tão complexa quanto a atual.
A institucionalização da OP nos espaços educativos levaria a uma visão mais ampliada da mesma, a exemplo do que vem acontecendo no cenário internacional. Na medida em que vem tendo reconhecida sua importância, tem-se admitido que a OP possui um papel significativo em debates sobre o currículo escolar. Isso deu espaço ao nascimento da Educação para a Carreira, em países desenvolvidos, que possibilitou que a orientação fosse progressivamente considerada mais como um processo evolutivo do que prescritivo, ou seja, "que pode promover, nos estudantes, a aquisição de atitudes, conhecimentos e capacidades necessárias para a tomada das suas próprias decisões numa perspectiva desenvolvimentista" (Moreno, 2008, pp. 38-39). O foco da OP passou a estar mais perto de uma concepção de natureza educativa, levando-a a integrar-se no currículo escolar.
Considera-se que este é um dos mais significativos avanços que se fazem necessários no contexto brasileiro. A Educação para a Carreira, pouco difundida no Brasil, onde até a literatura especializada ainda trata do tema de forma bastante incipiente, reivindica a presença do psicólogo nas instituições educativas, atuando no sentido de fornecer apoio intencional aos processos de desenvolvimento de carreira ao longo das diversas fases da vida dos alunos. Necessário se faz reconhecer a pertinência de se compreender a OP como um campo de atuação relevante do psicólogo escolar. Isso será abordado na seção seguinte.
Orientação Profissional como campo de atuação do psicólogo escolar
Apesar dos recentes avanços da Psicologia Escolar, pouco se tem refletido acerca de como estes podem contribuir à ressignificação das práticas do psicólogo escolar no âmbito da OP. Compreende-se que a pouca ênfase ao tema em questão relaciona-se ao fato de, nas últimas décadas do século XX, devido à extrema valorização da psicologia clínica no cenário brasileiro, muitos psicólogos consideraram o consultório como o espaço característico no qual ocorreria essa intervenção. A OP nas instituições escolares e educacionais, nessa perspectiva, foi tida como algo secundário; ou, como afirmam Correia e Campos (2004), uma atividade periférica do psicólogo escolar.
Em oposição ao supracitado, defende-se que a OP é um campo de atuação relevante em Psicologia Escolar, embora ela não se encerre na intervenção psicológica, uma vez que requer a contribuição de outras áreas também. Como afirma Pimenta (1981), auxiliar uma pessoa na tomada de decisões profissionais não se reduz a "ajudá-la psicologicamente", pois esta seria uma ajuda parcial e fragmentária. Contribuições advindas de ramos como a pedagogia, sociologia e economia, por exemplo, são também fundamentais nesse processo.
Concebe-se a instituição educativa, preferencialmente a escolar, como o espaço privilegiado em que este trabalho deve se organizar, de forma interdisciplinar. Não se pretende, com isso, invalidar as práticas realizadas no âmbito clínico ou mesmo em outros contextos, como o do trabalho. Busca-se, sim, defender que a OP se insere muito apropriadamente na especificidade da atuação da Psicologia Escolar, especialmente pelo caráter educativo que encerra, em qualquer contexto em que é realizada.
O documento "Atribuições profissionais do psicólogo no Brasil", do Conselho Federal de Psicologia (1992), define, que o psicólogo escolar, "desenvolve programas de orientação profissional, visando um melhor aproveitamento e desenvolvimento do potencial humano, fundamentados no conhecimento psicológico e numa visão crítica do trabalho e das relações do mercado de trabalho" (§ 65).
Na escola, são inúmeras as possibilidades de intervenção do psicólogo escolar para contribuir ao desenvolvimento da carreira dos alunos. Uma perspectiva desenvolvimentista favorece que sua atuação supere o enfoque remediativo, estando mais focada nas competências do que nos déficits ou dificuldades da clientela. Ao ter como objetivo central de seu trabalho contribuir à promoção do desenvolvimento global dos alunos, cabe ao psicólogo escolar assumir como uma de suas tarefas essenciais implementar a OP na escola, encarando o desenvolvimento acadêmico e da carreira como processos relacionados, que se apoiam e suplementam mutuamente, em benefício do aluno (Taveira, 2005).
A ideia básica aqui posta é a de que o desenvolvimento do indivíduo é um processo contínuo, ininterrupto. Portanto, os programas que visam promover o desenvolvimento humano no domínio da carreira, devem partir desse pressuposto, fazendo com que a orientação não se restrinja a uma sequência de ações pontuais, mas que se torne parte integrante do processo de educação formal.
Nas origens dessa perspectiva desenvolvimentista, encontra-se a teoria compreensiva de Super (1957, citado por Herr, 2008, p. 20), nascida na década de 1950, que concebia o desenvolvimento da carreira "como um processo de síntese no qual o seu principal constructo - o desenvolvimento e implementação do autoconceito - desempenha uma função importante". Buscava compreender a forma como fatores, influências e processos do comportamento relacionado com a carreira se desenvolviam ao longo da vida. A orientação profissional era entendida como o processo de ajudar a pessoa a desenvolver e aceitar uma imagem integrada e adequada de si, e a transformar essa imagem numa realidade.
A partir desse aporte teórico, ao longo dos anos, as propostas de intervenção de carreira foram se tornando cada vez mais integradoras e evidentes em instituições educativas. Discussões mais recentes foram dando corpo a um "novo conceito de orientação" (Moreno, 2008, p. 32), definido como Educação para a Carreira, dirigido por concepções sóciolaborais e psicopedagógicas complementares às da orientação propriamente dita.
A Educação para a Carreira, segundo Herr (2008), é uma das intervenções planejadas de carreira mais intencionalizadas. Enquanto prática, pode assumir diversas formas, desde a infusão de conceitos do desenvolvimento da carreira no currículo escolar até a organização de sessões ou pequenos cursos que ajudem os estudantes a desenvolverem atitudes, competências e conhecimentos necessários a uma transição favorável da escola para o mundo do trabalho contemporâneo.
Para efetivar essa prática no cotidiano escolar, faz-se necessário que o psicólogo conceba sua intervenção em termos macro. Taveira (2005, p. 150) recomenda que, para isso, ele recorra a teorias do desenvolvimento da carreira, contribuindo para que os alunos compreendam o conteúdo e o processo da tomada de decisão e formem um quadro de referência cognitivo-motivacional na escolha profissional, "que reduza a ambiguidade, a incerteza/indecisão e favoreça o aumento da confiança na tomada de decisão".
Citando Gysbers, Heppner e Johnston, Taveira (2005) chama atenção para a necessidade de se enquadrar a intervenção de carreira num quadro de referência mais geral, o do papel do psicólogo numa escola:
O psicólogo a trabalhar numa escola é um elemento de uma equipa, partilha preocupações, medidas e programas com professores, administradores, outros educadores e membros da comunidade geral onde a escola se insere. Neste contexto, deve ser um modelo positivo de relações humanas, ajudar a criar um clima e um crescimento favorável na escola, e estar sensível às características e necessidades associadas ao desenvolvimento, ao gênero, à etnia, e ao estatuto socioeconômico dos seus clientes (Taveira, 2005, p. 150).
Observa-se que o trabalho de OP fundamentado na perspectiva desenvolvimentista, envolvendo os princípios da Educação para a Carreira, vai muito além da mera orientação, apresentando convergências significativas com a concepção de intervenção em Psicologia Escolar aqui defendida, que considera as relações sociais estabelecidas no contexto educativo como principal foco de análise e intervenção do psicólogo. Na seção seguinte, são levantadas reflexões que lançam luz às possibilidades do psicólogo escolar desenvolver intervenções de carreira ancorando-se nas dimensões propostas por Marinho-Araujo e Almeida (2005): mapeamento institucional, assessoria ao trabalho coletivo, acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem e criação de espaços de escuta psicológica.
Psicologia Escolar e Orientação Profissional: fortalecendo as convergências
Embora pouco enfatizada nos meios educacionais, a atuação do psicólogo escolar em OP é tão legítima como necessária. Fala-se aqui de uma Psicologia Escolar comprometida socialmente com a cidadania, cujas práticas estejam orientadas por finalidades transformadoras; que objetive a promoção do desenvolvimento humano, superando perspectivas meramente remediativas ou de solução de problemas. Cabe ao psicólogo empenhar-se na reflexão sobre a emergência da sociedade do conhecimento e como as transformações no contexto sócio-histórico têm afetado o desenvolvimento dos sujeitos, em todas as fases da vida. É indispensável que ele provoque debates acerca dos futuros papeis que os alunos desempenharão, enquanto cidadãos, perante uma nova dimensão do trabalho, em que será cada vez mais relevante a atitude e disposição para aprender continuamente, ao longo do curso de vida.
Para cumprir integralmente com seu objetivo de promover o desenvolvimento dos alunos, o psicólogo escolar precisa atuar em sintonia com o que é defendido pela educação para a carreira e que é assim expresso por Moreno (2008, p. 34): "preparar as pessoas para trabalhar deveria ser uma meta básica do sistema educativo total". O trabalho é aqui definido como um esforço consciente, dirigido para produzir benefícios socialmente aceitáveis para si e para os outros. A ideia de ser consciente implica em ser significativo para o indivíduo, em servir à sua necessidade de realização.
Acrescenta-se aí a noção de que ser consciente também envolve a possibilidade da pessoa ter autonomia, autodeterminar-se e fazer escolhas de carreira a partir do reconhecimento de sua realidade pessoal e social, vendo-se na condição de transformá-la. O processo de conscientização, que deve iniciar cedo, no ensino básico, e com o qual o psicólogo escolar deve estar comprometido, "é mais do que uma mudança de opinião sobre a realidade, é a mudança na forma de se relacionar no mundo." (Guzzo, 2005, p. 27).
Compreende-se que, ao atuar na perspectiva da Educação para Carreira, o psicólogo escolar deve favorecer a implicação de toda a instituição educativa na realização de ações voltadas ao desenvolvimento da carreira dos alunos. Propõe-se que sua intervenção se inicie com o mapeamento institucional (Marinho-Araujo & Almeida, 2005), através do qual o psicólogo pode compreender as concepções de educação, escola, trabalho, desenvolvimento humano e outras, que orientam as ações dos atores institucionais. Assim, ele constrói subsídios para contribuir com a reflexão dos educadores acerca de como suas concepções direcionam suas práticas pedagógicas e influenciam suas relações com os alunos.
É também pelo mapeamento que se torna possível identificar necessidades de grupos específicos, de forma que o psicólogo possa planejar ações orientadoras direcionadas a estes. A depender da realidade da escola e dos alunos, pode ser necessária a organização de programas intencionalmente direcionados para o apoio às tomadas de decisão para a carreira. Nesse trabalho, junto aos alunos, sua função é mediar processos subjetivos envolvidos no desenvolvimento da carreira, tais como processos de autoconhecimento, de significação e ressignificação das decisões, de conscientização acerca do mundo do trabalho, das profissões e da formação profissional. Uma dimensão essencial desse trabalho é favorecer a percepção, por parte dos alunos, daquilo que condiciona suas decisões, por um lado, e, por outro, de sua condição de sujeito que se constrói em uma relação dialética com o contexto no qual está inserido. Promover o desenvolvimento humano, propiciando o exercício do pensamento crítico dos sujeitos, deve ser a meta orientadora do trabalho do psicólogo.
Valore (2003) propõe que o processo de OP, assim pensado, seja ofertado pelo psicólogo escolar mediante a realização de seis a dez encontros grupais, semanais, com duração de aproximadamente duas horas, de caráter não-obrigatório, com utilização de técnicas e instrumentos variados, incluindo dinâmica de grupo, dramatizações, jogos relativos às profissões, visitas a instituições de ensino superior e de trabalho e outros.
Corroborando uma atuação em nível institucional, mediante o trabalho integrado à equipe pedagógica, a autora demonstra diversas outras possibilidades de atuação do psicólogo enquanto articulador de ações relacionadas à OP, tais como: desenvolvimento de instrumentos de avaliação dos interesses e potencialidades dos alunos; elaboração de ações pedagógicas, visando à discussão de temas relacionados à escolha da profissão; realização de oficinas com os alunos, nas quais sejam trabalhados conflitos, medos e mitos referentes à adolescência; realização de feiras e elaboração de material informativo sobre profissões e cursos de formação profissional e outros. Afirma:
Através de nossa experiência, tem se podido perceber o alcance da OP como importante instrumento de exercício da cidadania, na medida em que incentiva a prática coletiva e o re-pensar de si e de seu projeto no interior dessa coletividade (seja o grupo de OP, seja o macro-grupo social). Seu alcance também se faz presente diante da pretensão de se ter no psicólogo um agente de mudança capaz de auxiliar na formação de sujeitos mais ativos (igualmente agentes de mudança), tanto na construção de seu destino individual, quanto no destino da comunidade à qual pertencem (Valore, 2003, p. 4)
Outros autores têm também enfatizado a riqueza do trabalho de OP em grupo (Bock, 2002; Lucchiari, 1993), seja na instituição escolar ou em outros espaços nos quais o processo assume uma intenção educativa. A diversidade de situações já vivenciadas pelos sujeitos orientandos faz com que se privilegie o trabalho grupal, por se entender que a dinâmica estabelecida no grupo enriquece o processo, pois permite aos participantes a observação mútua das dificuldades, opiniões, valores, interesses e projetos de vida.
Ao mediar as relações sociais entre os integrantes do grupo, ou mesmo ao compartilhar suas próprias experiências, visões de mundo, conhecimentos, o psicólogo escolar promove desenvolvimento psicológico, por meio do confronto dos significados anteriormente construídos pelos participantes. Enquanto sujeitos ativos, os orientandos geram seus próprios sentidos subjetivos, em um processo contínuo de conscientização, desenvolvendo a capacidade de pensamento crítico e autocrítico. Dessa forma, enquanto orientador profissional, o psicólogo escolar contribui à maximização do processo educativo de jovens.
A OP numa perspectiva desenvolvimentista, dentro de um processo mais amplo de Educação para a Carreira, não se restringe, como vem sendo demonstrado, ao trabalho de orientação propriamente dito. Dessa forma, torna-se relevante que as ações orientadoras do psicólogo escolar estejam articuladas a outra dimensão essencial de sua intervenção na escola: a assessoria ao trabalho coletivo (Marinho-Araujo & Almeida, 2005).
O psicólogo pode criar espaços de interlocução com e entre educadores para promover transformação nas concepções orientadoras de suas práticas no sentido de assumirem-se como co-responsáveis pela formação de seus alunos e influenciadores em suas decisões de carreira. A ressignificação da identidade profissional de professores e membros da equipe técnico-pedagógica, resgatando e elaborando aspectos subjetivos relacionados às suas próprias opções de carreira, muitas vezes se faz necessária. O psicólogo pode, no trabalho com professores, sensibilizá-los a perceberem os mecanismos pelos quais, a partir de seu discurso e de suas relações com os alunos, contribuem à construção da identidade profissional desses, uma vez que influenciam na imagem que eles constroem de si mesmos e das profissões. Para isso, podem ser realizadas oficinas com os docentes, de forma que seja possível trabalhar conceitos de maneira vivencial, mobilizando processos subjetivos que os levem à compreensão do desenvolvimento da carreira dos alunos e de sua mediação nesse processo.
Valore (2003) propõe, ainda, que sejam trabalhados diversos temas com os docentes, como: a função do trabalho na saúde mental, os fatores intervenientes na escolha e os conflitos daí decorrentes, os diferentes conteúdos curriculares e sua relação com as ocupações, dentre outros. Vê-se que a participação do psicólogo na formação continuada da equipe escolar é fundamental. Diversas estratégias podem ser utilizadas para este fim, desde palestras, seminários, grupos operativos, oficinas temáticas e outras.
Sem um trabalho consistente de formação dos professores torna-se inviável concretizar uma proposta de Educação para a Carreira. É também por meio da formação continuada que o psicólogo escolar pode dar contribuições significativas ao envolvimento e motivação dos docentes para promoverem uma autêntica inovação educativa, aceitando o desafio de construir um currículo que inclua conceitos referentes ao desenvolvimento da carreira, além de valores, habilidades e competências necessárias aos futuros trabalhadores.
Cabe ao psicólogo escolar estar inteiramente implicado nessa construção coletiva da proposta curricular da escola, junto à equipe de educadores, o que envolve outra dimensão de sua intervenção, que é o acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Ele deve contribuir para que a equipe reconheça que o próprio currículo pode produzir efeitos orientadores. Deve incentivar os professores a desvendarem aos alunos a necessidade de aquisição de competências acadêmicas básicas e as relações entre as disciplinas e as ocupações laborais; a utilizarem uma variedade de estratégias didáticas para contribuir com a aprendizagem dos alunos, enfatizando a importância das experiências ligadas ao mundo do trabalho; a estimular o trabalho em equipe, a iniciativa e a criatividade; a promoverem, no espaço escolar, a prática de hábitos de trabalho relevantes, como pontualidade, compromisso com o resultado, cooperação, responsabilidade e outros.
Moreno (2008) apresenta diferentes estratégias através das quais se pode elaborar um currículo focado no desenvolvimento da carreira. As estratégias infusivas referem-se à disseminação de conceitos relativos à carreira por todas as disciplinas e atividades curriculares. As estratégias aditivas dizem respeito à implementação da Educação para a Carreira integrada no horário escolar no formato de uma disciplina específica. As estratégias mistas promovem a integração da Educação para a Carreira nas disciplinas de ciências sociais e humanas.
Independente da forma escolhida pelo coletivo da escola para trabalhar em prol do desenvolvimento da carreira dos alunos, o psicólogo escolar tem contribuições relevantes a oferecer. Ainda no que diz respeito ao acompanhamento ao processo ensino-aprendizagem, ele precisa se comprometer com a construção de uma cultura de sucesso escolar, propondo, junto aos professores, alternativas teórico-metodológicas de ensino e de avaliação com foco no desenvolvimento de competências dos alunos (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Ter reconhecidas, valorizadas e ressaltadas suas competências se torna essencial para favorecer o autoconhecimento e autoconceito dos educandos, a configuração de sua identidade e incentivar sua permanência no sistema de ensino, em direção à formação profissional.
Muitas vezes, faz-se necessário que o psicólogo provoque os alunos à ressignificação de sua história escolar, quando esta foi marcada por contínuos fracassos e desestímulos. Ele precisa envolver o professor como co-responsável por este processo. Como bem sintetizam Meira e Antunes (2003), o psicólogo escolar deve favorecer os processos de humanização e reapropriação da capacidade de pensamento crítico dos indivíduos, contribuindo para que a escola cumpra sua função social de socialização do conhecimento historicamente acumulado e trabalhe para a formação ética e política dos sujeitos.
Tudo o que foi exposto até agora leva à consideração de outra dimensão essencial da intervenção em Psicologia Escolar, a escuta psicológica (Marinho-Araujo & Almeida, 2005). Cabe ao psicólogo oportunizar "um lugar de fala e de escuta também para a escola" (Valore, 2003, p. 4). É essencialmente nessa possibilidade de criação de espaços de escuta psicológica no espaço educativo que reside a especificidade da contribuição da Psicologia Escolar. Quaisquer que sejam as ações desenvolvidas pelo psicólogo na escola, tal escuta deve ser compreendida como uma dimensão fundamental de seu trabalho, pois é a partir dessa que ele poderá compreender e intervir nos aspectos intersubjetivos presentes no cotidiano escolar.
A escuta psicológica envolve o estar com o outro, perscrutando os fenômenos psicológicos; é encontrar a pessoa, o grupo ou a instituição por meio de suas histórias e de seus afetos. É através desta escuta, tanto em momentos programados intencionalmente para isso como na urgência do cotidiano escolar, que o psicólogo escolar desenvolve meios de assessorar o trabalho coletivo da equipe técnico-pedagógica (Marinho-Araujo & Almeida, 2005).
Uma atuação em Psicologia Escolar que busque abranger toda a instituição educacional e que se comprometa com um trabalho de caráter mais desenvolvimentista do que remediativo, não pode prescindir de ter como foco de intervenção as relações interpessoais que se processam no cotidiano institucional. É através dessas que se compartilham significados e se constroem concepções de mundo, de educação, de desenvolvimento humano. É também intervindo sobre elas, por meio da escuta psicológica, que o psicólogo pode se tornar um mediador de processos de ressignificação que possibilitem aos educadores, alunos e familiares se reconhecerem como sujeitos históricos, assumindo suas responsabilidades no processo educacional.
Cabe ao psicólogo escolar, nas intervenções de carreira, dispor-se a ocupar um lugar de escuta, tanto junto aos sujeitos orientandos quanto junto aos demais atores do contexto educativo. Que ele esteja disponível a escutar e compreender as vivências dos educandos acerca da relação que estabelecem com o sistema educativo, com o mundo do trabalho e consigo mesmos, contribuindo à construção de processos de conscientização destes sujeitos e de seus educadores.
Muitas vezes se faz necessário que o psicólogo esteja disponível, na escola, para fornecer apoio aos alunos com queixas relacionadas ao desenvolvimento da carreira. Uma escuta psicológica atenta a questões dessa ordem pode contribuir para que os alunos consigam "elaborar e concretizar projetos de ação relacionados com o trabalho, com a educação e com a família, encarados como fenômenos interrelacionados", afirma Taveira (2005, p. 152). Ainda quando isso requer atendimento individualizado, quando praticado em contexto escolar, continua a autora, demonstra-se mais efetivo, em termos de resultados. Não se deve perder de vista, porém, que as intervenções preventivas e promocionais são um meio privilegiado de ajudar os indivíduos com suas questões de carreira.
Considerações finais
Buscou-se demonstrar, aqui, que a perspectiva desenvolvimentista de intervenção de carreira na escola, inspirada nos princípios da Educação para a Carreira, coaduna-se aos avanços teórico-metodológicos presenciados nas últimas décadas tanto na área da Psicologia Escolar quanto no campo da Orientação Profissional, trazendo à luz a convergência entre ambas. É assumindo esse tipo de intervenção como uma dimensão importante da atuação, que deve estar articulada às demais dimensões, que o psicólogo escolar pode contribuir eficazmente para a construção da cidadania dos educandos, fortalecendo, assim, tal convergência.
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Recebido: 12/03/2009
1ª Revisão: 09/09/2010
Aceite Final: 11/09/2010
Sobre as autoras
Tatiana Oliveira de Carvalho é psicóloga do Instituto Geist e da Secretaria de Estado de Educação do Maranhão, Mestre em Psicologia (Área Desenvolvimento Humano no Contexto Sócio-Cultural).
Claisy Maria Marinho-Araujo é psicóloga, Doutora em Psicologia, Pesquisadora e Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Humano e Saúde da Universidade de Brasília.
1 Endereço para correspondência: Av. Atlântica, qd. 03, cs. 07, Olho d'Água, 65.067-430, São Luís-MA, Brasil. Fone: 98 91289660. E-mail: tatiana@institutogeist.com.br