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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.1 São Paulo jun. 2011
ARTIGO
Do ensino superior para o trabalho: contributo dos estágios para inserção profissional
From higher education to work: contributions of practicum training to job insertion
De la enseñanza superior al trabajo: la contribución de las prácticas para la inserción profesional
Diana Aguiar VieiraI, 1; Susana CairesII; Joaquim Luís CoimbraIII
IInstituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal
IIUniversidade do Minho, Braga, Portugal
IIIUniversidade do Porto, Porto, Portugal
RESUMO
O presente trabalho visou analisar o papel dos estágios na transição para o trabalho, entendendo-se a inserção profissional como um processo temporalmente alargado constituído por três fases interdependentes: a formação académica, a procura de uma actividade remunerada e a adaptação ao mundo laboral. Mais especificamente, pretendeu-se estudar o impacto dos estágios curriculares na promoção de variáveis psicológicas centrais nesta transição - exploração vocacional, auto-eficácia e objectivos de investimento profissional - numa amostra de 337 finalistas do ensino superior português. Os resultados encontrados evidenciaram que os estudantes que tiveram a oportunidade de realizar um estágio curricular apresentaram maiores níveis de exploração vocacional, de auto-eficácia, bem como objectivos de investimento profissional mais robustos, quando comparados com aqueles que não realizaram estágio.
Palavras-chave: transição escola-trabalho, estágio profissionalizante, ensino superior, auto-eficácia, inserção profissional
ABSTRACT
This study aims at analyzing the contributions of practicum training in the transition-to-work. In this study, job insertion is understood as a broad process including three interrelated phases: academic training, search for a paid job and adaptation to work. Specifically, our aim was to investigate the impact on career exploration, self-efficacy and career goals in a sample of 337 senior Portuguese students. The results showed benefits in terms of career exploration, self-efficacy and career goals with students that had a practicum experience, as compared to the ones who had not had that opportunity.
Keywords: school-to-work transition, practicum experience, higher education, self-efficacy, job insertion
RESUMEN
El presente trabajo trató de analizar el papel de las prácticas en la transición al trabajo, entendiéndose la inserción profesional como un proceso temporalmente prolongado constituido por tres fases interdependientes: la formación académica, la búsqueda de una actividad remunerada y la adaptación al mundo laboral. Se pretendió, más específicamente, estudiar el impacto de las prácticas curriculares en la promoción de variables psicológicas centrales en esta transición - exploración vocacional, eficacia propia y objetivos de inversión profesional - en una muestra de 337 finalistas de la enseñanza superior portuguesa. Los resultados encontrados evidenciaron que los estudiantes que tuvieron la oportunidad de realizar una práctica curricular presentaron mayores niveles de exploración vocacional y de eficacia propia, así como objetivos de inversión profesional más robustos, cuando se compararon con aquellos que no realizaron práctica.
Palabras clave: transición escuela-trabajo, prácticas de capacitación, enseñanza superior, eficacia propia, inserción profesional
Quando se aborda um tema que tem vindo a constituir-se como objecto de estudo de diversas áreas disciplinares - como é o caso da inserção profissional - urge começar pelo enquadramento do significado deste termo no presente trabalho. Neste sentido, e numa abordagem predominantemente psicológica, a inserção profissional é um processo dilatado no tempo, vivenciado pelo sujeito e influenciado por uma multiplicidade de factores relacionados com a pessoa e com o contexto no qual esta se insere (Blustein, Phillips, Jobin-Davis, Finkelberg, & Roarke, 1997; Lent, Hackett, & Brown, 1999, 2004; Reitzle, Vondracek, & Silbereisen, 1998; Savickas, 1999). Mais especificamente, e no que se refere à sua dimensão temporal, a inserção profissional contempla as vivências subjectivas do sujeito ao longo do seu percurso formativo, durante a procura por uma actividade remunerada após a conclusão do curso, bem como no período em que o sujeito assume e se adapta ao papel de trabalhador (Vieira, 2008).
No entanto, estes três marcos temporais da transição para o trabalho interpenetram-se de forma dinâmica, o que se consubstancia na relação que o indivíduo vai estabelecendo com o mundo da formação e do trabalho, embora a magnitude de cada marco varie consoante os momentos da vida de cada indivíduo em particular. Por exemplo, previamente ao início do exercício profissional, é o percurso formativo que tende a agregar os investimentos vocacionais do sujeito. Porém, quando o indivíduo opta por dar início à sua actividade profissional, é o processo de procura de uma actividade remunerada que geralmente se torna o foco dos seus investimentos. Após a aquisição de uma posição profissional remunerada, a adaptação ao trabalho emerge usualmente como o marco mais significativo.
Na actualidade, ao longo da vida dos sujeitos, as movimentações entre os espaços formativos e os espaços laborais são cada vez mais frequentes e, até mesmo, concomitantes. No entanto, não será apenas o esbatimento das fronteiras entre estes espaços o factor responsável pela interpenetração destes três marcos - da formação, da procura de emprego e da adaptação ao trabalho. Com efeito, o próprio modo como alguns dispositivos de formação estão organizados procuram atenuar as fronteiras entre os espaços formativo e laboral, como é o caso, por exemplo, da inclusão de estágios em contexto de trabalho nos percursos formativos.
Segundo vários autores, as aprendizagens mais significativas e duradouras são as que decorrem de experiências concretas e da experimentação activa, implicando o envolvimento directo dos formandos em actividades e contextos reais de trabalho (Knowles, 1980; Kolb, 1984; Lave & Wenger, 1991; Schön, 1992, 1995). Através da imersão directa em situações de prática real, do confronto e resolução de problemas concretos, e da interacção com outros participantes, competências, símbolos e ideias que integram o contexto profissional, o aprendiz terá a oportunidade de construir uma ideia geral daquela que é "a prática da comunidade" (Caires, 2001, 2003; Lave & Wenger, 1991). O contacto prolongado com a mesma permitir-lhe-á, entre outros aspectos, conhecer os seus diferentes actores; aquilo que fazem; como fazem; do que gostam; do que não gostam; em que é que colaboram; onde colidem; ou, o que é que precisam de aprender para se tornarem plenos membros dessa comunidade (Lave & Wenger, 1991).
Schön (1992), um forte defensor do valor epistemológico da prática, assume o encontro com a mesma como um momento privilegiado de integração de competências. A iniciação nas convenções, saberes e linguagens específicas da profissão, e o diálogo com a própria acção permitem a tomada de consciência das exigências, limitações e desafios que a profissão encerra. Serve, também, como oportunidade para a apreciação das suas próprias limitações e capacidade de actuação, confrontando-se directamente com os problemas e reflectindo sobre estes para, posteriormente, agir e testar a validade das soluções hipotetizadas (Dewey, 1974; Schön, 1992). Através de uma verdadeira metodologia do 'aprender a fazer fazendo e pensando', o indivíduo tem, pois, a oportunidade de construir activamente uma forma pessoal de conhecer e de agir.
Refira-se, também, no âmbito destas abordagens, a ênfase dada, por alguns autores, ao carácter diverso, informal e espontâneo de muitas das actividades, práticas e interacções que têm lugar nos contextos reais de trabalho. O seu impacto equipara-se ou sobrepõe-se ao das experiências altamente estruturadas, tradicionalmente associadas ao treino no local de trabalho, constituindo-se, igualmente, como fontes de aprendizagem significativa (McNally, Cope, Inglis, & Stronach, 1997; Sanches & Petrucci, 2002).
No contexto do Ensino Superior, o contacto directo com a prática profissional e com contextos reais de trabalho surge, geralmente, no âmbito dos estágios curriculares - uma disciplina que integra o plano de estudos de vários cursos. A sua definição como uma experiência de formação estruturada e como um marco fundamental na formação e preparação dos estudantes do ensino superior para a entrada no mundo profissional, tem sido uma noção largamente difundida entre os docentes, as entidades empregadoras e os próprios alunos (Caires, 2001, 2003; Melo-Silva, 1999, 2003; Ryan, Toohey, & Hughes, 1996; Vieira & Coimbra, 2004). Os objectivos desta formação, o formato e duração da mesma, os processos de aprendizagem e de socialização profissional e institucional dos neófitos, ou, os ganhos decorrentes dos estágios emergem como alguns dos grandes enfoques da investigação e reflexões nesta área (Caires & Almeida, 2002; Kuzmic, 1994; Ryan et al., 1996). O confronto com os desafios e exigências do estágio e a mobilização de recursos e ajustamentos que este implica, resulta em actuações e interacções de progressiva eficácia, flexibilidade e espontaneidade em diferentes domínios: técnico, social, intra e interpessoal (Caires, 2001, 2003; Fuller & Bown, 1975; Kagan, 1992; McNally et al., 1997; Ryan et al., 1996; Scorsolini-Comin, Gameiro, Inocente, & Matias, 2009). De entre os ganhos apontados destacam-se ainda a edificação de uma visão mais integrada e contextualizada da prática profissional e/ou uma maior competência e autonomia na tomada de decisões e na resolução de problemas, ou o desenvolvimento de uma visão mais realista do mundo profissional (Caires, 2001, 2003; Kagan, 1992; Scorsolini-Comin, Souza, & Santos, 2008).
Por outro lado, e focalizando o processo de inserção profissional, estudos longitudinais com estudantes do Ensino Superior evidenciam que a exploração vocacional, a auto-eficácia e os objectivos vocacionais promovem o sucesso na inserção profissional de diplomados do ensino superior em termos da aquisição de uma actividade laboral remunerada após a conclusão do curso bem como da satisfação no trabalho (Vieira, 2008). A exploração vocacional pode ser entendida como o conjunto de actividades destinadas a aumentar o conhecimento acerca de si próprio e do meio, nas quais o indivíduo se envolve de forma a progredir em termos do seu desenvolvimento vocacional (Blustein, 1992, 1997; Taveira, 2001). A auto-eficácia consiste na confiança que a pessoa tem na sua capacidade para realizar as acções necessárias para alcançar determinados tipos de desempenhos (Bandura, 1986, 1997).
Com efeito, quando o indivíduo pensa: "Será que eu consigo desempenhar com sucesso esta tarefa?" está a questionar as suas crenças de auto-eficácia face a essa tarefa (Vieira & Coimbra, 2006). A proposta é que as crenças de auto-eficácia ajudam a determinar as escolhas do indivíduo relativamente a acções e tarefas, assim como o esforço, a persistência, os padrões cognitivos e as reacções emocionais quando os indivíduos são confrontados com obstáculos (Bandura, 1986, 1997). De facto, a confiança que o indivíduo tem na sua capacidade para desempenhar com sucesso determinada tarefa ou conjunto de tarefas, ajuda a determinar se o indivíduo irá iniciar, perseverar e ser bem sucedido em determinados desempenhos (Lent et al., 1999). Por sua vez, os objectivos referem-se à intenção do indivíduo de se envolver numa dada actividade ou para alcançar um resultado futuro, tal como o concluir um curso ou encontrar um emprego específico (Lent et al., 1999, 2004), constituindo-se como um mecanismo crítico mediante o qual o sujeito exerce agência ou controlo pessoal. Isto é, a partir da selecção de objectivos, o sujeito orienta os seus próprios comportamentos académicos e profissionais (vocacionais, em sentido amplo) (Lent, Brown, & Hackett, 1994). De facto, os objectivos actuam essencialmente através da capacidade do indivíduo para representar simbolicamente os futuros resultados desejados e para reagir de forma auto-avaliativa relativamente ao seu próprio comportamento, tendo por base padrões internos de desempenho (Bandura, 1986).
Neste enquadramento, o estágio pode ser considerado como uma actividade privilegiada de exploração vocacional na medida em que possibilita o contacto com o mundo profissional, potenciando um maior conhecimento de si próprio e do mundo do trabalho. Adicionalmente, o estágio também poderá actuar como uma fonte de auto-eficácia, uma vez que viabiliza experiências de aprendizagem directa, mas também a aprendizagem por observação. Com efeito, o estágio possibilita que o sujeito vivencie experiências directas de mestria e sucesso em actividades profissionais bem como a aprendizagem vicária através da observação do desempenho de outros profissionais.
Adicionalmente, a experiência de estágio poderá influenciar os objectivos vocacionais, no sentido da sua clarificação.
O objectivo do presente estudo consiste em analisar o impacto da experiência de estágio na auto-eficácia na transição para o trabalho, nos objectivos profissionais e na exploração vocacional, comparando estas variáveis entre finalistas que realizaram (ou não) o estágio ao longo da formação académica.
Método
Participantes
A amostra do presente estudo é constituída por 337 alunos finalistas (65% do sexo feminino) de diversas graduações do Ensino Público Politécnico da região do Norte de Portugal, distribuídas por quatro grandes áreas formativas: ciências sociais (34%), artes e humanidades (26%), engenharia (24%) e saúde (16%). A média de idade é de 23 anos e o desvio-padrão é de 2 anos. Na Tabela 1 apresenta-se a amostra por sexo e pela realização (ou não) de estágio curricular durante a graduação. Cerca de metade dos sujeitos da amostra realizaram estágio (n = 166) e a sua distribuição, dentro de cada área formativa é de 32% em ciências sociais, 72% em artes e humanidades, 32% em engenharia e 83% em saúde, verificando-se, portanto, uma maior percentagem de estágios realizados nas áreas das artes e humanidades e da saúde.
Instrumentos e procedimentos
Para avaliar a auto-eficácia utilizou-se a escala "Auto-Eficácia na Transição para o Trabalho" (AETT) (Vieira & Coimbra, 2005), um instrumento de auto-relato constituído por 28 itens que avalia em que medida o sujeito se sente confiante na sua capacidade para realizar tarefas relacionadas com a procura de emprego e com o início da actividade laboral, bem como o seu grau de confiança para lidar com os desafios colocados no processo de transição para o mundo do trabalho, tanto em termos de procura de emprego como em termos da adaptação ao trabalho (α = .95). As instruções solicitam que os sujeitos indiquem o nível de confiança na sua capacidade actual para desempenhar várias actividades, numa escala tipo Likert de 6 pontos (desde "nada confiante" até "totalmente confiante"). A AETT possui três dimensões: a auto-eficácia na adaptação ao trabalho (12 itens; α = .94), que avalia o sentimento de confiança face às tarefas e aos desafios que frequentemente surgem no exercício de uma actividade profissional num novo contexto laboral (exemplo de item "Ser empenhado/a no cumprimento das minhas funções profissionais"); a auto-eficácia na regulação emocional (9 itens; α = .94) que se centra na avaliação do sentimento de confiança face à auto-regulação emocional e cognitiva no decorrer do processo de procura de emprego (exemplo de item "Não desanimar perante as dificuldades encontradas na procura de emprego"); e, a auto-eficácia na procura de emprego (7 itens; α = .84) que, embora também se refira à confiança no processo de procura de emprego, foca na capacidade para evidenciar comportamentos de procura de emprego (exemplo de item "Procurar oportunidades de emprego na Internet").
A qualidade e adequação das características psicométricas da AETT têm sido evidenciadas em diversos estudos junto de amostras independentes, tanto em Portugal (Vieira, Maia, & Coimbra, 2007; Vieira, 2008) como no Brasil (Vieira, Soares, & Polydoro, 2006). Quanto mais elevada for a pontuação na AETT, maior é a confiança do indivíduo na sua capacidade para desempenhar as tarefas colocadas na transição para o trabalho.
Os objectivos foram avaliados através da utilização da escala "Objectivos de Investimento Profissional" (OIP) (Vieira, Maia, & Coimbra, 2006). Este instrumento de auto-relato é constituído por 5 itens que avaliam as intenções dos finalistas para se envolverem e investir na vida profissional após a conclusão do curso (α = . 86). Nas instruções solicita-se ao sujeito que indique em que medida cada afirmação representa os seus planos logo após a conclusão do curso, sendo as respostas numa escala tipo Likert de 6 pontos, desde (1)"discordo totalmente" até (6)"concordo totalmente" (exemplo de item "Concentrar grande parte da minha energia na vida profissional"). A adequação das características psicométricas da OIP tem sido evidenciada em estudos anteriores junto de diferentes amostras (Vieira et al., 2006; Vieira, 2008). Quanto mais robusta for a intenção de investir na vida profissional, maior será a pontuação obtida na OIP.
Com o objectivo de avaliar a exploração vocacional utilizou-se a escala "Resultados do Processo de Exploração Vocacional" (RPEV) (Vieira, 2008; α = .76). Este instrumento de auto-relato com 6 itens visa avaliar o nível de conhecimento dos sujeitos acerca do mundo do trabalho (por exemplo, relativamente às saídas profissionais do curso e às possibilidades de emprego na área profissional) e de si próprios (por exemplo, o conhecimento daquilo que são capazes de fazer e do tipo de trabalho mais ajustado a si próprios). Nas instruções da RPEV solicita-se aos sujeitos a indicação do grau de concordância (numa escala de resposta tipo Likert de 6 pontos) relativamente a um conjunto de afirmações que reflectem resultados positivos do processo de exploração vocacional relacionados com o conhecimento de si próprio e com o conhecimento do mundo do trabalho (exemplo de item "Conheço bem as saídas profissionais do meu curso"). Pontuações mais elevadas reflectem um maior nível de conhecimento de si próprio e do mundo do trabalho.
No que diz respeito aos procedimentos deste estudo, para a recolha dos dados os instrumentos foram aplicados de forma colectiva e em contexto de sala de aula, aproximadamente um mês antes de terminarem a respectiva graduação. Os participantes foram esclarecidos quanto ao objectivo do estudo, ao carácter voluntário da sua participação bem como quanto ao anonimato e à confidencialidade dos resultados individuais. Para a análise dos dados recorreu-se à correlação e à análise de variância multivariada, utilizando o programa estatístico SPSS (versão 17).
Resultados
Para uma análise preliminar dos dados calculou-se o coeficiente de correlação de Pearson entre as seguintes variáveis dependentes: auto-eficácia na adaptação ao trabalho, auto-eficácia na regulação emocional, auto-eficácia na procura de emprego, objectivos de investimento profissional e exploração vocacional (Tabela 2).
Conforme antecipado, encontraram-se relações significativas entre todas as variáveis consideradas. Por um lado, as correlações entre as três dimensões da auto-eficácia na transição para o trabalho vem corroborar a adequação da estrutura tridimensional da AETT, dado que a auto-eficácia na adaptação ao trabalho se correlaciona positivamente com a auto-eficácia na regulação emocional (r = 0,58; p < 0,001) e com a auto-eficácia na procura de emprego (r = 0,45; p < 0,001), e esta última se correlaciona positivamente com a auto-eficácia na regulação emocional (r = 0,63; p < 0,001). Por outro lado, a magnitude dos objectivos de investimento profissional relaciona-se positivamente tanto com a auto-eficácia (as correlações com as três dimensões variam entre 0,16 e 0,43; p < 0,001) como com a exploração vocacional (r = 0,42; p < 0,001). Finalmente, a exploração vocacional relaciona-se de forma positiva com a auto-eficácia (as correlações com as três dimensões variam entre 0,34 e 0,54; p < 0,001).
Seguidamente realizou-se uma análise de variância multivariada tendo como variável independente a realização (ou não) de estágio curricular. Os resultados evidenciam um efeito principal do estágio sobre as cinco variáveis dependentes consideradas conjuntamente (Pillai's Trace = 0,09; F(5,325) = 7,08; p < 0,001). Com base nas análises univariadas constata-se que o grupo dos estudantes que realizaram estágio apresenta médias significativamente mais elevadas nas dimensões da auto-eficácia na adaptação ao trabalho (F = 13,17; p < 0,001), da auto-eficácia na procura de emprego (F = 10,59; p < 0,01), dos objectivos (F = 5,92; p < 0,05) e da exploração vocacional (F = 23,31; p < 0,001). Porém, o estágio não diferencia os dois grupos de estudantes em termos da auto-eficácia na regulação emocional (F = 2,14; p = 0,15) (ver Tabela 3).
Com base nestes resultados, a experiência de estágio parece actuar como promotora da auto-eficácia na transição para o trabalho, isto é, tende a desenvolver a confiança na própria capacidade para desempenhar tarefas comportamentais na procura de emprego e no contexto laboral, bem como para negociar apoios e barreiras durante o processo de adaptação ao trabalho, sob diferentes níveis de condições desafiantes. Porém, em termos da auto-eficácia na regulação emocional durante o processo de procura de emprego, a realização (ou não) do estágio não diferenciou os estudantes. Adicionalmente, a realização de estágio em contexto laboral durante a formação académica contribui para um aumento do conhecimento acerca de si próprio e do mundo do trabalho, desenvolvendo uma maior focalização do sujeito no sentido da concretização de objectivos profissionais.
Discussão
Este trabalho comparou dois grupos de estudantes finalistas de diversas graduações pertencentes a uma instituição pública de ensino superior localizada no norte de Portugal: um grupo que realizou estágio curricular durante a graduação e outro grupo de estudantes cujos cursos não incluíam a realização de estágio em contexto profissional. Os resultados evidenciaram uma associação inequívoca entre os estudantes que viveram a experiência de estágio e os benefícios ao nível da auto-eficácia na transição para o trabalho, dos objectivos de investimento profissional e da exploração vocacional. Com efeito, o estágio proporcionou ganhos em termos do sentimento de confiança do estudante finalista face à sua capacidade para ser bem sucedido na realização das tarefas necessárias durante a procura de emprego, no desempenho do papel de trabalhador e na adaptação ao contexto de trabalho. No entanto, uma das dimensões da auto-eficácia na transição para o trabalho - a auto-eficácia na regulação emocional na procura de emprego - não evidenciou esse efeito diferenciador da experiência de estágio. Este resultado poderá eventualmente ser explicado pelo facto dos estudantes ainda não se terem confrontado com a experiência de procura de emprego, o que poderá resultar em percepções de auto-eficácia algo irrealistas. Com efeito, uma das principais fontes de auto-eficácia é a experiência passada e estes estudantes ainda não experimentaram a "rejeição" que frequentemente acontece nas primeiras candidaturas a empregos. Por outro lado, o estágio permitiu desenvolver planos mais robustos de investimento profissional após a conclusão do curso, traduzindo-se numa maior determinação em termos dos objectivos profissionais, além de possibilitar um maior conhecimento de si próprio e do mercado laboral.
Deste modo, o estudo realizado veio corroborar a literatura teórica e empírica que propõe o estágio como uma experiência positiva para o desenvolvimento vocacional dos estudantes. Além disso, tendo em conta o facto da auto-eficácia e dos objectivos dos finalistas serem preditores de um maior sucesso na transição para o trabalho - ao nível da satisfação com o percurso académico-profissional, da aquisição de uma actividade profissional remunerada e da satisfação no trabalho (Vieira, 2008) - concluímos que a experiência de estágio desenvolve aspectos processuais positivos para a facilitação da inserção profissional dos graduados do ensino superior.
Tais conclusões trazem implicações ao nível do processo ensino-aprendizagem e estrutura curricular nas graduações do nível superior na medida em que apontam para a pertinência de se integrar estágios em contexto laboral ao longo do percurso formativo.
Assim, a multiplicação de experiências de contacto com o mundo da vida e do trabalho combinada com ocasiões de expressão, reflexão e integração é da maior relevância, visto que certas aprendizagens de qualidade só encontram condições de se realizarem em ambientes e condições proporcionadas pela instituição de ensino superior e que outras só ocorrem em contextos reais, de vida e de trabalho. Daí que a alternância - entendida como a exposição a experiências de acção fora do contexto da formação (Imaginário, 1999; Coimbra, 2001) - talvez devesse ser o princípio estruturante de qualquer formação, independentemente do nível de qualificação académico e/ou profissional, incluindo o superior. Aliás, o papel do estágio para a preparação da transição para o mundo do trabalho também tem sido apontado pelos próprios estagiários que identificam o contacto com o mundo do trabalho ao longo da formação académica como um dos aspectos mais preponderantes (Imaginário, 1999; Vieira & Coimbra, 2004).
No entanto, estudos futuros deverão ter em atenção outros factores que poderão moderar ou mediar os resultados encontrados no presente trabalho. Com efeito, embora o foco deste estudo tenha sido a análise da realização do estágio curricular enquanto experiência diferenciadora da qualidade dos benefícios dos estudantes em termos da auto-eficácia na transição para o trabalho, da robustez dos objectivos profissionais e da exploração vocacional, estamos cientes que outros factores poderão influenciar esses aspectos, tais como, por exemplo, diferenças ao nível da personalidade, das formações, das profissões ou até das características do respectivo mercado de trabalho.
Concluindo, a investigação realizada veio reforçar a pertinência dos estágios como uma via de articulação entre o espaço formativo e o espaço profissional, o qual, a par de promover o desenvolvimento vocacional dos estudantes, potencia o sucesso na transição para trabalho.
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Recebido: 25/05/2010
1ª Revisão: 11/08/2010
Aceite final: 20/08/2010
Sobre os autores
Diana Aguiar Vieira é Doutorada em Psicologia pela da Universidade do Porto (UP), Professora Adjunta no Instituto Politécnico do Porto e membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Aprendizagem ao Longo da Vida, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UP.
Susana Caires é Doutorada em Psicologia pela Universidade do Minho e Professora Auxiliar do Instituto de Educação na mesma Universidade. As principais áreas de investigação são a experiência de estágio, os processos de supervisão e a transição para o trabalho.
Joaquim Luís Coimbra é Professor Associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (FPCE) da Universidade do Porto (UP) e membro do Centro de Desenvolvimento Vocacional e Formação ao Longo da Vida da FPCE-UP.
1 Endereço para correspondência: Rua de Santos Pousada, 1229, 4000-490, Porto, Portugal. Fone: 00 351 96658819. Email: dianavieira@eu.ipp.pt