Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.14 no.1 São Paulo jun. 2013
ARTIGO
Percepções parentais sobre sua participação no desenvolvimento profissional dos filhos universitários
Parents' perceptions of their participation in their undergraduate children's career development
Percepciones parentales sobre su participación en el desarrollo profesional de los hijos universitarios
Clarissa Tochetto de OliveiraI; Ana Cristina Garcia DiasII
IPsicóloga, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria com bolsa CAPES/DS
IIPsicóloga, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo e professora no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria
RESUMO
Buscou-se conhecer a percepção dos pais sobre sua participação no desenvolvimento de carreira dos filhos. Foram entrevistados nove genitores de estudantes concluintes do curso de Psicologia de uma universidade do interior do Rio Grande do Sul. Após análise de conteúdo temática, foram identificadas três categorias: diálogo, apoio emocional e material, e influência pelo exemplo. Os pais não só conversavam com os jovens sobre o mercado de trabalho, mas também apoiavam escolhas, amparavam inseguranças e ofereciam suporte financeiro. Na opinião dos participantes, suas atitudes frente ao trabalho podem influenciar a escolha do filho por uma profissão. Acredita-se que estes resultados possam promover melhorias para o atendimento prestado aos jovens e aos seus pais no que se refere à orientação profissional.
Palavras-chave: estudantes universitários, pais, escolha profissional, desenvolvimento profissional
ABSTRACT
This study aimed to investigate parents' perception of their participation in their children's career development. Nine parents of undergraduate students from the fifth grade of a Psychology course were interviewed. After content analysis, three categories were identified: conversation, emotional and material support, and influence by example. Parents not only talked to their children about the job market, but also supported them in their choices and insecurities, and offered financial support. In the parents' opinion, their attitudes towards career can influence their child's occupational choice. These results may improve the assistance to young people, and also benefit both children and parents in terms of professional counseling and career development.
Keywords: college students, parents, occupational choice, professional development
RESUMEN
Se buscó conocer la percepción de los padres sobre su participación en el desarrollo de carrera de sus hijos. Se entrevistó a nueve padres de estudiantes concluyentes del curso de Psicología de una universidad del interior de Rio Grande do Sul. Después del análisis de contenido temático, se identificaron tres categorías: diálogo, apoyo emocional y material, e influencia por el ejemplo. Los padres no sólo conversaban con los jóvenes sobre el mercado de trabajo, sino que también apoyaban opciones, amparaban inseguridades y ofrecían soporte financiero. En la opinión de los participantes sus actitudes frente al trabajo pueden influenciar la opción del hijo por una profesión. Se cree que estos resultados pueden promover mejorías en la atención prestada a los jóvenes y a sus padres en lo que se refiere a la orientación profesional.
Palabras clave: estudiantes universitarios, padres, opción profesional, desarrollo profesional
A família é o contexto de influência mais relevante para a escolha profissional dos filhos (Bardagi, Lassance, & Teixeira, 2012). É no meio familiar que se constroem percepções, valores e crenças sobre si e sobre o mundo, inclusive sobre o mundo do trabalho. Da mesma forma, percepções das próprias capacidades, das opções consideradas aceitáveis ou inaceitáveis e a construção de projetos pessoais e profissionais são resultados, principalmente, das relações estabelecidas com os outros significativos para cada indivíduo, sendo que a família se apresenta um contexto de destaque na emergência dessas relações (Bardagi et al., 2012; Magalhães, 2008).
A aquisição de conhecimento, crenças e valores sobre ocupações ocorre, principalmente, durante a infância e início da adolescência, sendo os pais as principais fontes destas informações (Bryant, Zvonkovic, & Reynolds, 2006). Assim, a formação da identidade profissional de um indivíduo está, em certa medida, relacionada com a percepção da satisfação ou insatisfação de seus pais com o trabalho que realizam. Por exemplo, é possível que a reclamação constante de um pai sobre sua profissão transmita valores que, mais tarde, podem influenciar na opção por um curso (Soares, 2002). Se a reclamação refere-se à falta de tempo provocada pelo trabalho para a família, o filho poderá vir a desconsiderar as profissões que limitam o tempo de convivência familiar. Dessa forma, as experiências ocupacionais dos genitores possibilitam ao filho identificar, avaliar e decidir sobre o significado do papel de trabalhador que será adotado na vida adulta (Nascimento, Coimbra, & Menezes, 2005). Além disso, a sobrecarga no trabalho dos pais pode ser um fator limitante ao desenvolvimento vocacional dos filhos, já que, em geral, esses pais possuem menor tempo para passar com os jovens e estimular experiências que proporcionem exploração e conhecimento ocupacional (Bryant et al., 2006).
O desenvolvimento de carreira também é influenciado pela relação estabelecida entre pais e filhos, que deve ser pautada no apoio oferecido pelos genitores, no interesse dos pais pela vida acadêmica dos filhos e na comunicação entre ambos. O apoio pode ser expresso tanto através da aprovação, incentivo e compreensão das escolhas dos filhos, quanto pela ajuda na resolução de problemas. O interesse refere-se ao acompanhamento dos filhos no dia a dia, nas decisões de carreira, na vida escolar e nas situações problema com as quais os jovens se deparam. Já a comunicação visa esclarecer o filho sobre questões profissionais, alertar para dificuldades e, ainda, incentivar a participação em experiências de exploração vocacional (Carvalho & Taveira, 2009).
A exploração vocacional consiste em buscar informações sobre si e sobre as ocupações para que essas embasem as escolhas relacionadas ao desenvolvimento da carreira. O envolvimento de crianças em jogos, hobbies e trabalhos escolares, exemplos de atividades que propiciam a exploração vocacional, contribui para a formação de autopercepções e para o desenvolvimento de comparações sociais. Essas, por sua vez, constroem as características que formarão os autoconceitos vocacionais dos indivíduos e as concepções do papel de trabalhador (Savickas, 2002). Dessa forma, os indivíduos colhem informações para, então, considerarem quais profissões pretendem seguir. Assim, ao incentivar certas atitudes e comportamentos e reprimir outras iniciativas da criança, os pais determinam não só a forma como seus filhos veem o mundo, mas também na formação de seus hábitos e interesses, inclusive aqueles relacionados ao desenvolvimento profissional (Soares, 2002).
A influência familiar pode ser percebida com maior facilidade no momento da escolha profissional. As expectativas dos pais podem aparecer de diferentes formas, seja através da expressão de opinião, oferta de apoio, discordância, incentivo a determinadas atividades que interessam os pais, ou através da pressão para que o filho opte por determinada profissão (Almeida & Pinho, 2008; Noronha & Ambiel, 2008; Santos, 2005). Nesse sentido, os comportamentos familiares, especialmente dos pais, afetam a forma como o jovem se sente frente à realização de uma escolha profissional. Os adolescentes parecem necessitar de certo respaldo familiar para tomada de decisão referente a um curso a ser seguido ou dada profissão, pois jovens que se sentem com muita liberdade para decidir nem sempre se sentem felizes e seguros para realizar uma escolha. Assim oferecer liberdade, mas também oferecer opiniões sobre o assunto pode ser uma forma de auxiliar o filho nesse processo de escolha profissional (Santos, 2005). Ademais, o apoio ainda revela-se necessário para a construção dos projetos de vida (Santos, 2005), já que suporte e encorajamento sustentam o comportamento exploratório e, portanto, a construção da carreira (Bardagi et al., 2012).
Geralmente, durante o período de escolha profissional, o adolescente vive uma crise de identidade, na qual o conflito entre o desejo de crescimento e o de continuar desfrutando dos privilégios da infância pode dificultar o processo de escolha. Um conflito semelhante também ocorre com os pais, esses podem experimentar o desejo de manter a dependência dos filhos e o de que eles se tornem independentes (Teixeira & Hashimoto, 2005). Atualmente, é possível observar que alguns pais agem como se seus filhos estivessem mais expostos e menos preparados para enfrentar os perigos inevitáveis da vida, estabelecendo uma divisão drástica entre mundo infantil e adulto. Essa atitude pode contribuir para que os filhos apresentem um medo do futuro e uma dificuldade no estabelecimento de metas e projetos pessoais. Assim, as dúvidas dos jovens no momento de escolha profissional podem resultar da falta de confiança em suas próprias capacidades, gerada tanto por fatores internos como externos (Barreto & Aiello-Vaisberg, 2007).
Supõe-se que algumas posturas parentais possam prolongar a fase da moratória vivenciada pelos filhos durante esse período do desenvolvimento. Nesta fase, o indivíduo vive uma crise de interesses, que é importante para a implementação de uma exploração de opções ocupacionais. Após essa exploração, espera-se que o indivíduo se comprometa com a profissão escolhida. Considera-se que o indivíduo que experimenta essas etapas e consegue concluí-las com êxito adquire uma "identidade realizada" (identity achievement). Entretanto, nem sempre isso é possível. Há indivíduos que permanecem na fase da moratória, ou seja, vislumbram várias possibilidades, mas não se comprometem com nenhuma escolha de fato (Marcia, 1966). A partir disso, pensa-se que o apoio incondicional demonstrado por alguns pais pode transmitir a mensagem de que o filho pode explorar opções por tempo indeterminado, já que esses indivíduos são apoiados pelas figuras de referência, sem, necessariamente a realização de uma escolha e comprometimento com a mesma.
Nesse sentido, considera-se que a família é um dos principais fatores que pode tanto ajudar quanto dificultar o processo de decisão do jovem sobre sua escolha profissional (Santos, 2005). Há famílias que não se preocupam em ensinar aos filhos habilidades de exploração e de tomada de decisão. Em decorrência disto, escolhas de carreira podem ser realizadas sem o conhecimento das implicações das mesmas em termos de tarefas, dificuldades e responsabilidades. A falta de informação entre os universitários é significativa, demonstrando um processo de exploração vocacional pobre no momento da escolha profissional, que frequentemente não é desenvolvido durante a realização do curso universitário (Bardagi, Lassance, & Paradiso, 2003). Além disso, a ausência de diálogo sobre essa decisão, insatisfações e experiências acadêmicas pode isolar o indivíduo de suas principais figuras de referência - seus familiares. Este distanciamento pode resultar em uma trajetória universitária com pouca troca afetiva e de informações, o que pode não só empobrecer, mas também prejudicar o desenvolvimento de carreira do indivíduo, de forma geral (Bardagi, 2007).
No Brasil, o volume de estudos realizados sobre relações familiares e o desenvolvimento de carreira dos filhos ainda pode ser considerado pouco expressivo. Entre 1999 e 2009, foram encontrados apenas 41 estudos sobre a influência familiar na escolha e no desenvolvimento de carreira dos filhos, na consulta realizada às bases de dados - Scielo, Pepsic e IndexPsi - e ao Banco de Teses Capes. Destes trabalhos, somente quatro realizaram a coleta de dados com os pais, investigando suas perspectivas (Bardagi et al., 2012). Desta forma, são raros os estudos que abordam a percepção dos pais frente às escolhas e ao desenvolvimento profissional dos filhos e sua participação e influência nesse processo (Bardagi & Hutz, 2008; Bardagi et al., 2012). O presente estudo visa conhecer a percepção dos pais sobre seu papel e sua participação no desenvolvimento de carreira dos filhos. Acredita-se que os genitores possuirão maior facilidade em identificar suas ações e influência nos momentos de escolha profissional e de decisão de carreira formais, como escolha do curso universitário e escolhas a serem realizadas após a conclusão do curso universitário. Por outro lado, apresentarão maiores dificuldades em apontar outros fatores que também podem ser importantes para o desenvolvimento da trajetória profissional dos filhos, por exemplo, sua influência no processo de adaptação à universidade.
Método
Participantes
Participaram deste estudo nove genitores (dois pais e sete mães) de estudantes do último ano do curso de Psicologia de uma universidade de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. A idade dos participantes variou de 41 a 63 anos. Em relação ao estado civil, seis eram casados, dois eram divorciados e um era viúvo. A escolaridade dos participantes também variou, seis possuíam o ensino superior completo e três, o ensino médio completo. Dos genitores entrevistados, três eram médicos, um era advogado, uma era astróloga, uma era professora, uma era funcionária pública estadual, uma era secretária e uma era dona de casa.
Optou-se por investigar a percepção de pais de estudantes do último ano da Psicologia porque se entende que essas pessoas já vivenciaram o momento da escolha profissional, de adaptação ao curso universitário e, atualmente, estão vivendo um novo momento no qual as decisões de carreira dos filhos se encontram em jogo. O número de sujeitos entrevistados foi definido pelo critério de saturação das informações. Minayo (1992) indica que a coleta dos dados é interrompida quando as informações tornam-se repetitivas, sendo que a realização de novas entrevistas não traz novos elementos para análise. O presente projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal de Santa Maria CAE 0090.0.243.000-11. Serão utilizados nomes fictícios para se referir aos participantes e a seus filhos para preservar o anonimato dos informantes.
Instrumento e Procedimentos
O instrumento utilizado para coleta de informações foi uma entrevista semiestruturada. Essa forma de entrevista permite a inclusão de aspectos não previstos no roteiro elaborado, bem como auxilia o participante a expressar-se livremente sobre as suas experiências (Gil, 1987). A entrevista utilizada nesta pesquisa foi desenvolvida pelas pesquisadoras com o objetivo de compreender a percepção dos pais sobre sua participação no processo de desenvolvimento de carreira dos filhos universitários.
Inicialmente, foi realizado contato com a coordenação do curso de Psicologia, no qual se desenvolveu o estudo, apresentando o presente projeto de pesquisa e solicitando a colaboração da mesma para realização da pesquisa. Foi solicitada a listagem dos alunos concluintes do curso durante o ano de 2011 a fim de divulgar os objetivos e procedimentos de pesquisa para os alunos concluintes. Os universitários receberam uma carta convite do pesquisador para entregar a seus genitores e os interessados forneceram o nome e telefone de um dos pais para o pesquisador do estudo entrar em contato.
O primeiro contato com os genitores visava explicar brevemente os objetivos da pesquisa e verificar se havia interesse em participar do estudo. Após o aceite da colaboração, agendou-se local e horário de melhor conveniência para o participante para realização da entrevista. No horário agendado, o pesquisador explicou novamente os propósitos da pesquisa e tudo o que envolvia a participação do genitor no estudo. A entrevista iniciou-se após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O período das entrevistas decorreu de maio a setembro de 2011.
Análise das Informações
As entrevistas foram transcritas integralmente e analisadas a partir do método de análise de conteúdo temática, utilizado em pesquisas qualitativas. A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos, que permitem inferir conhecimentos a partir do conteúdo das mensagens analisadas (Bardin, 1979). Trata-se de um método que busca compreender melhor um discurso, aprofundando suas características e extraindo os dados mais importantes (Richardson, 1999). Alguns temas se repetiam nas falas dos participantes. Com base nisso, foi possível identificar três categorias, que indicavam diferentes níveis de influência: (a) diálogo, (b) apoio emocional e material e (c) influência pelo exemplo. A categoria denominada diálogo compreende não só as conversas que os pais estabeleciam com os filhos sobre a vida acadêmica, mas também a transmissão de valores e informações sobre as profissões e sobre o mundo do trabalho. O apoio emocional e material refere-se às atitudes dos genitores de encorajar que os filhos explorem seus interesses, à aceitação das escolhas dos jovens, ao amparo das inseguranças demonstradas pelos filhos e ao apoio financeiro para compra de livros, participação em eventos, entre outros. Por fim, a influência pelo exemplo corresponde aos hábitos dos participantes e à experiência profissional destes que foram, em alguma medida, observadas e aprendidas pelos filhos.
Resultados e Discussão
Os pais entrevistados neste estudo refletiram sobre sua participação e sobre seu papel no desenvolvimento de carreira dos filhos ao longo da vida. Os três níveis de influência identificados são comuns a diferentes etapas do desenvolvimento dos filhos, que compreende desde a infância até o período atual que corresponde ao último ano do curso de Psicologia.
Diálogo
O diálogo foi bastante mencionado por todos os pais como forma de participação ao longo do desenvolvimento de carreira dos filhos. Os genitores conversam com os filhos sobre valores referentes ao trabalho, sobre rotina escolar e acadêmica, e sobre atividades extraclasses.
Ao longo da nossa vida, a gente sempre comentou isso em casa, da importância de se capacitar, de se qualificar, de ter um diferencial com relação aos outros profissionais. Tudo que puder acrescentar em termos de formação vai te dar um diferencial. [...] Hoje, competência é uma condição sine qua non pra se estabelecer profissionalmente. [...] O diferencial não é só a qualificação técnica, é a qualificação pessoal, como pessoa, a capacidade de gerenciar conflitos, a capacidade de se adaptar a diferentes situações de trabalho, a convivência com colegas. [...] É o currículo oculto (Camila, 57 anos, médica).
[...] Que ele tinha livre arbítrio de continuar os estudos ou não. Que ele poderia ter uma função dentro do meio ambiente sem estudar muito, mas se preparar em uma questão de... de... de implicação de trabalho. Então ele poderia optar [...]. Nós sempre focamos isso aí pros filhos, que o importante era eles atuarem no mundo em que estavam vivendo com dignidade e honra (Helena, 63 anos, professora).
A aquisição de conhecimento, crenças e valores sobre ocupações ocorre, principalmente, na infância e no início da adolescência, sendo os pais as principais fontes destas informações (Bryant et al., 2006). Assim, as estratégias utilizadas para realizar escolhas de carreira podem ser definidas pela forma como as decisões são tomadas na família (Savickas, 2002), já que os genitores transmitem aos filhos aquilo que consideram importante para o sucesso profissional (Sobral, Gonçalves, & Coimbra, 2009).
Muitos pais interagem com os filhos sobre questões de carreira e trabalho, seja na infância ou na adolescência (Whiston & Keller, 2004). O que geralmente se observa são conversas pontuais sobre a escolha da profissão e o grau de certeza do filho sobre essa escolha (Bardagi & Hutz, 2008). Contudo, há genitores que conduzem o diálogo de forma a proporcionar informação sobre o mundo do trabalho, mostrando aos filhos as oportunidades existentes (Pinto & Soares, 2004).
Neste estudo, os pais entrevistados perceberam a importância e a delicadeza da escolha profissional. Alguns pais, inclusive, confessaram não saber como agir nesse momento, embora percebessem que seus filhos se mostravam tranquilos e decididos. Sua participação consistiu na oferta de informações sobre o mercado de trabalho e sobre as profissões de interesse do filho, visando informar e facilitar a tomada de decisão. Além disso, tentaram explicar aos filhos o que se faz na sua profissão e orientaram que esses buscassem informações a respeito das oportunidades e locais de trabalho. Contudo, todos os pais enfatizaram não direcionar escolhas.
Como mãe que tem grande conhecimento, o papel, a responsabilidade da gente é maior. Não na indução dessa ou daquela profissão, o papel é mostrar os prós e os contras de cada profissão, e a importância de levar uma profissão a sério, qualquer que ela seja [...] (Camila, 57 anos, médica).
Olha, o que a gente pode fazer... é falar um pouco da gente, da vida, do trabalho que a gente tem, né. [...] Eu acho que o exemplo que a gente pode dar é o que a gente faz [...]. Eu acho que era isso que a gente podia passar pra ela, "eu faço isso, eu sou feliz com o que eu faço, eu recebo meu dinheiro, e eu acho que isso é importante pra ti, tu escolher alguma coisa que te dê prazer e que tu consiga te sustentar também" [...] (Rita, 49 anos, médica).
[...] Eu nunca exerci nenhum tipo consciente de pressão, posso ter exercido inconscientemente, agora consciente, não. Nunca falei pra ela "Faça isso!" ou "Faça aquilo!" (Tiago, 59 anos, médico).
De fato, o processo de escolha profissional é bastante delicado, uma vez que reflete a visão que o indivíduo tem de si e da pessoa que deseja ser (Savickas, 2002). Ademais, a escolha da profissão representa a primeira grande decisão do adolescente (Almeida & Melo-Silva, 2011). Tendo isso em vista, é natural que os genitores apresentem dificuldades referentes ao que fazer e ao que dizer ao filho(a) nesse momento (Pinto & Soares, 2004). Entretanto, os adolescentes parecem necessitar de certo respaldo familiar para realizar suas escolhas. Assim, oferecer liberdade, mas oferecer opiniões pode ser uma forma de auxiliar o/a filho(a) a optar por uma profissão (Santos, 2005). Os pais também podem conversar sobre questões profissionais, alertar para dificuldades e problemas e, ainda, incentivar a participação em experiências de exploração vocacional (Carvalho & Taveira, 2009).
Entretanto, há famílias que não ensinam aos filhos habilidades de exploração e de tomada de decisão. A deficiência dessas habilidades pode resultar na realização de escolhas de carreira desinformadas, isto é, sem o conhecimento das tarefas, dificuldades e responsabilidades de determinada profissão ou campo de atuação (Bardagi et al., 2003).
Embora a escolha profissional seja um marco no desenvolvimento de carreira do indivíduo, a decisão por si só não garante que o jovem alcançará a meta idealizada. Para atingir este objetivo, um longo percurso deve ser percorrido (Soares, 2002). O ingresso no ensino superior traz uma série de mudanças às quais o jovem deve se adaptar, como as exigências de desempenho, as regras da instituição e a interação com novos colegas, professores e funcionários (Teixeira, Dias, Wottrich, & Oliveira, 2008).
Os filhos dos participantes deste estudo continuaram morando na mesma casa dos pais após o ingresso no ensino superior. Isso permitiu que os genitores acompanhassem de perto a adaptação à universidade e o desenvolvimento profissional desses jovens. Nesta fase, os pais mostravam-se interessados na rotina acadêmica e, aqueles que possuíam conhecimento na área de estudo do filho sugeriam leituras, discutiam sobre os temas trabalhados em aula e liam os trabalhos escritos pelos filhos.
Sempre a gente conversa. A gente pergunta. Às vezes eu, às vezes ela chegava e contava, mais ela que chegava e contava, o que estava acontecendo ou não. Bem, a gente perguntava "Ah Bruna tu não está tendo dificuldade?", porque tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, né (Carla, 54 anos, secretária).
[...] Eu sempre espezinhei ela, que ela ainda não começou a fazer leitura mesmo, ela ainda está na leitura técnica, ela ainda está na leitura dentro do currículo do curso. Pra te dar uma ideia, se tu falares em Freud, tu tens que falar nos precursores de Freud que nem se falava em Psiquiatria e Psicanálise, ã... Schopenhauer, Kant, Heiddeger. [...] Isso a Joana não descobriu, ainda. [...] A Joana me manda as coisas dela por escrito pra ver o que eu acho. Não que ela vá fazer qualquer modificação, porque eu faço modificação e quando eu vou ver não tem nada do que eu fiz. Mas ela me manda pra ver a minha opinião (Tiago, 59 anos, médico).
Essas atitudes, além de mostrarem o interesse do genitor na vida acadêmica do(a) filho(a), podem ter sido uma das formas de motivar seu desenvolvimento vocacional. Neste caso, a motivação consiste em mostrar-se disponível para participar do desenvolvimento do(a) filho(a), demonstrar interesse pela vida acadêmica e incentivá-lo(a) a assumir responsabilidade e confiança na própria trajetória profissional (Pinto & Soares, 2004).
No entanto, nem sempre há conversas sistemáticas entre pais e filhos sobre a vida universitária, as atividades, as relações e as dificuldades. O diálogo é mais comum nos períodos de decisão, tanto de entrada quanto de saída da graduação, quando os problemas e as inseguranças em relação ao curso e à profissão são comunicadas aos pais (Bardagi & Hutz, 2008). A ausência de diálogo sobre a escolha, insatisfações e experiências acadêmicas podem isolar o indivíduo das suas principais figuras de referência - seus familiares. É possível que este distanciamento resulte em uma trajetória universitária com pouca troca afetiva e de informações, o que pode não só empobrecer, mas também prejudicar o desenvolvimento de carreira do indivíduo de forma geral (Bardagi, 2007).
Apoio emocional e material
O principal papel dos pais no desenvolvimento de carreira dos filhos, na visão dos próprios genitores, consiste em oferecer apoio emocional e material. O apoio emocional pode ser expresso de várias formas. Uma delas é encorajar a exploração dos interesses dos filhos e endossar suas escolhas.
Eu dizia "vamos pegar livros", que é importante, vamos fazer coleção de revistas, de figurinhas, sabe aquelas coleções? Ele tem ainda... e brinquedinho, se você se interessa por isso, vamos explorar esse... esse interesse. Embora eu adulta, sabia que podia modificar completamente, mas naquele momento ele estava empolgado. Como é que eu ia tirar a empolgação daquele ato daquele menino? [...] "Maravilha! Vamos lá, vamos procurar, vamos estudar" (Helena, 63 anos, professora).
[...] A hora que ela decidiu, eu disse "não, se tu achas que é isso que tu queres, eu acho que vai ter que passar por isso, vai ter que fazer a faculdade pra ter a certeza de que é isso que tu queres, não sou eu que vou dizer se é certo ou não, tu vais ter que viver isso daí pra ver se é o que tu queres, né". [...] A gente sempre deixou ela bem à vontade caso chegasse lá no meio e "não, não é isso que eu quero". Ela teve toda a liberdade de recomeçar se fosse o caso, mas enfim, não foi necessário (Rita, 49 anos, médica).
Sabe-se que suporte e encorajamento sustentam o comportamento exploratório e, portanto, a construção da carreira (Bardagi et al., 2012). Na infância, o apoio dos pais auxilia os filhos a continuar explorando soluções para seus problemas (Bryant et al., 2006). Mais tarde, sentir-se apoiado pelos genitores, somado à capacidade de exploração, pode trazer, também, outros benefícios. Supõe-se que sujeitos mais exploradores podem experimentar mais oportunidades para desenvolver suas habilidades sociais. Consequentemente é possível que esses indivíduos sintam-se mais competentes socialmente, o que se reflete numa maior integração social no contexto universitário, elemento importante para a persistência na universidade (Teixeira, Castro, & Piccolo, 2007).
Além disso, o apoio parental é um fator que pode auxiliar o processo de adaptação à universidade. Estimular envolvimento do filho com o curso, com atividades e professores, possivelmente, facilita o processo de identificação do estudante com a profissão, o que pode não ocorrer com jovens cuja escolha não corresponde às expectativas parentais (Teixeira et al., 2007).
Amparar as inseguranças dos filhos também é uma forma de apoio emocional. Durante o curso universitário, os filhos dos participantes enfrentaram algumas dificuldades, como o relacionamento com colegas e professores, e a busca de oportunidades profissionais. Nessas situações, os genitores procuraram oferecer segurança aos filhos, mostrando-se dispostos para conversar e consolando os jovens quando necessário.
Eu acho que o papel dos pais seria dar segurança. Dar, assim, uma ideia positiva de que o filho vai vencer e que aconteça o que acontecer, tu estás ali pra dar o teu apoio. Acho que os filhos tem que sentir que podem vir quando precisarem dos pais e que vão encontrar amor, carinho... apoio (Aline, 54 anos, astróloga).
As coisas não são assim tão rápidas, às vezes ela quer que as coisas aconteçam rápido sabe, mas às vezes as coisas demoram mais, né. Isso que eu tento passar pra ela, que não é assim "Vupt!" [...] Não é que eu queira desestimular ela, eu só quero que ela entenda assim ó, que isso é um processo, que ela vai chegar lá no que ela quer, mas é um processo que pode demorar um pouquinho, não é já. [...] (Carla, 54 anos, secretária).
[...] Às vezes ela chegava assim, meio angustiada com as coisas que ela ouvia. [...] Às vezes até ela ficava chateada, de alguma coisa ela não ter conseguido, sei lá... [...] Mas enfim, a realidade é essa, nem sempre vai estar, assim, tudo tão harmônico e nem sempre essa troca vai ser muito fácil. [...] Então eu acho que ela está sentindo agora o peso da responsabilidade que é, ela está começando a sentir que a responsabilidade é grande, eu acho que isso está assustando um pouquinho ela." (Rita, 49 anos, médica).
Ter que lidar por conta própria com um grande volume de exigências, tanto acadêmicas, quanto administrativas, é uma experiência que pode provocar sentimentos de estar perdido e pouca motivação. Então, aprender a lidar com as frustrações referentes ao curso é fundamental para que o jovem consiga se adaptar à universidade. Nessas situações, os pais possuem papel importante, pois são percebidos pelos filhos como principal fonte de apoio (Teixeira et al., 2008). Os genitores deste estudo buscaram mostrar aos filhos as características que os mesmos possuíam e que eram importantes para alcançar os objetivos dos jovens quando estes demonstravam inseguranças relacionadas à vida profissional. Ademais, os participantes sugeriam opções para o período após a conclusão do curso universitário e explicavam porque as estavam sugerindo.
Sabe que a gente conversa de vez em quando, ela está bem fora nessa epocazinha, assim, bem pensativa mesmo "o que eu vou fazer agora quando eu me formar? Pra onde eu vou?". Ela está se queixando bastante, eu vejo que ela está bem angustiada com isso. [...] A gente conversa muito, assim, ela vem me perguntar, ela está preocupada. Está difícil pra ela escolher, no entanto, eu fico tranquila porque tem opções. [...]. Ela é muito persistente, quando ela quer. Ela, quando ela tem que estudar, ela estuda, chega um bom concurso e faz. Então eu acho que ela tem muitos pontos que são favoráveis, eu acho que vai dar tudo certo assim. (Rita, 49 anos, médica).
Eu estou direcionando para o mestrado. [...]. Eu acho que é mais importante pra ela no momento o mestrado, então eu estou forçando do ponto de vista de dar opinião, se ela vai fazer é outro assunto, né. [...] (Tiago, 59 anos, médico).
O desenvolvimento de carreira e a maturidade de universitários são influenciados, especialmente, pelo apoio emocional dos pais, estímulo à autonomia, encorajamento e entusiasmo (Whiston & Keller, 2004). Experiências que mostram o apoio parental e o fácil acesso aos genitores levam os jovens a desenvolverem uma percepção de autoeficácia para o trabalho e a satisfação com escolhas profissionais (Bryant et al., 2006). O apoio oferecido e o interesse contribuem para o desenvolvimento e a concretização de escolhas de carreira.
O apoio ofertado pelos pais também pode ser de ordem material. Neste estudo, verificou-se que o apoio financeiro oferecido para a realização de atividades extracurriculares na infância, na adolescência e durante a faculdade tende a permanecer após a formatura. Os genitores compreendem que, muitas vezes, os filhos ainda não possuem condições de se sustentar. Então, auxiliam na compra de livros, pagam taxas de inscrição em eventos, oferecem carona para cursos e concursos, entre outros. Além disso, manifestam a preocupação de continuar trabalhando para poder ajudar aos filhos no início da carreira até os mesmos conseguirem se sustentar.
Escuto muito quando ela chega eufórica que foi bem em uma prova, ela me conta tudo que ela está estudando, [...]. Mas assim, eu acho que... ah... tento... financeiramente com o que precisa, incentivo que vá atrás, que se comprar um livro, ela venha me mostrar e eu acho bem bom, fico faceira e feliz [...]. Até ela já andou fazendo uns concurso nos municípios, eu andava levando ela e mais umas junto (Maria, 50 anos, funcionária pública estadual).
Nós nos preocupamos, inclusive, de continuar trabalhando mais pra ajudá-los no início da carreira. [...] Nós queremos ajudar eles na fase em que eles precisam. E eles vão precisar no início da carreira. Sei lá, casa, dinheiro, o que precisar, né, porque essa fase é muito difícil, a gente precisa muito de ajuda até se estabelecer. [...] Claro que ela vai ter que batalhar pra ela, iniciativa dela, nisso a gente não pode interferir, mas a gente vai estar lá pra ajudar no que precisar (Camila, 57 anos, médica).
Não são poucos os universitários que vivem na casa dos pais, não trabalham e, geralmente, continuam assim até concluir seus estudos e/ou conseguirem trabalho. Então, o incentivo e apoio oferecidos pelos genitores no desenvolvimento de carreira, muitas vezes, assume a forma de ajuda financeira (Santos, 2007). Ademais, a qualidade das trajetórias profissionais dos jovens está relacionada com as possibilidades que os contextos familiares viabilizam aos filhos, principalmente em termos de apoio emocional e material. Há pais que demonstram progressivo envolvimento e intencionalidade de apoiarem os filhos na construção dos projetos profissionais (Gonçalves & Coimbra, 2007). Essas ações podem contribuir para que os jovens sintam-se apoiados em relação aos seus planos profissionais e, portanto, apresentem níveis mais elevados de decisão de carreira (Teixeira & Gomes, 2005).
Embora se conheçam o impacto positivo do apoio no desenvolvimento de carreira dos filhos e o impacto negativo quando este é ausente, questionam-se as possíveis consequências do apoio incondicional oferecido por alguns pais. Esse tipo de suporte pode transmitir a mensagem de que não há problema em explorar opções por tempo indeterminado, seja nos repetidos ingressos e evasões no ensino superior ou, ainda, nos planos pós-formatura. Um comportamento assim pode ser compreendido como a procrastinação de realizar uma escolha e comprometer-se com ela, que corresponde à definição de Marcia (1966) da fase da moratória. Assim, supõe-se que algumas posturas parentais possam prolongar a fase da moratória vivenciada pelos filhos, impedindo que estes adquiram sua identidade (identity achievement). Contudo, sugere-se que mais estudos sejam realizados no intuito de verificar essa hipótese.
Pra mim não importa muito o que ela escolhesse, desde que ela se sentisse bem na escolha dela, desde que ela se sentisse adequada consigo mesma em escolher aquilo ali (Tiago, 59 anos, médico).
Eu, que acompanhei toda a vida escolar dela, só tenho que me render e dizer que ela está certa. Só tenho que apoiar, continuar apoiando do jeito que eu acho que eu tenho, venho vindo, né [...]. Acho que qualquer pai deve fazer isso. Depois se tiver que dar mais uma mão na questão financeira, questão de montar um apartamento, tudo isso aí sempre envolve a gente, é um jeito de tu apoiar, porque precisam da gente ainda, não conseguem dar os passos sozinhos ainda. Até um bom tempo, acho que os filhos precisam ainda muito dos pais. E feliz daqueles pais que podem ajudar, né, e não dão as costas, ou de qualquer maneira, a gente se mate pra fazer com que a coisa aconteça. E eu acho que a gente só tem que... ficar sempre do lado, [...] saber que é o porto-seguro deles, o pai ou a mãe, mesmo que vão embora, tem o ninho pra voltar [...] (Maria, 50 anos, funcionária pública estadual).
Influência pelo exemplo
O exemplo profissional e os hábitos dos genitores também foram mencionados por alguns participantes como influência importante no desenvolvimento de carreira dos filhos. Os hábitos dos pais e de outros familiares com quem o indivíduo convive parecem ter direcionado os interesses deste.
Uma vez que eu tenho curso superior, a mãe dela teve curso superior, a minha segunda mulher também tinha curso superior, então quer dizer, toda a entourage em torno da Joana era de pessoas com curso superior [...]. Então isto traz a pessoa obviamente pro, é impossível que não conviva com jornal, com livro, com discussões acerca de política, acerca de filosofia, não vá buscar conhecimento. E o conhecimento está onde? Na universidade, nos livros. Então a pessoa obviamente vai trilhar por esse caminho [...] (Tiago, 59 anos, médico).
Então acho que a nossa trajetória é... foi um exemplo positivo por tudo que a gente fez. Pelas questões sociais que eu me envolvi, a Giana é a única que me acompanhou nisso, na prefeitura, na secretaria de saúde, agora a Giana já foi na câmara de vereadores bater boca e ela não me contava isso. Eu via na TV, digo "olha ali a Giana! Giana, tu foi lá...", "Mãe, esquece!", "Não, Giana, fiquei super orgulhosa! Que legal que tu estás te envolvendo com isso, nunca pensei que fosse se envolver. Tu estás se envolvendo com isso, isso é cidadania!". [...] Por isso que é importante quando se tem filho, a gente precisa ter uma responsabilidade muito maior do que a gente imagina. Não é nem no que a gente diz, é pelo que eles veem que a gente faz no dia a dia. Não adianta! Então se tu pegar uma família onde os pais trabalham, eles respeitam um ao outro, enfim... é, eu acho que isso é positivo. E a mesma coisa quando tu tens uma família que não te orgulha nada do que teus pais fazem, jamais vai seguir o que eles fazem, vai pelo lado oposto (Camila, 57 anos, médica).
O nível socioeconômico e as conquistas parentais influenciam a direção de carreira dos filhos, especialmente no que se refere às aspirações e expectativas. Altas expectativas de adolescentes relacionadas ao trabalho estão associadas a um ambiente familiar apoiador e a pais que apresentam altas expectativas em relação a seus filhos (Whiston & Keller, 2004). De qualquer forma, mesmo que os filhos não sigam a mesma profissão dos pais, eles tendem a procurar um padrão de vida semelhante ao de seus genitores (Pinto & Soares, 2004).
Verificou-se, ainda, que as atitudes dos pais entrevistados em relação ao trabalho podem direcionar ou não a escolha profissional do filho. Desde a infância, os filhos dos participantes observaram tanto a forma como estes percebiam sua profissão, quanto como eram as práticas profissionais em termos de atividades e ambiente de trabalho.
Influência a gente sempre tem na escolha profissional deles. Porque desde pequenos, [...] a gente influencia pelo exemplo. Pelo exemplo do trabalho, pelo exemplo da seriedade, pelo exemplo do comportamento, da ética, de tudo isso! Que pode trazer os filhos inclusive pela admiração pelo trabalho que o pai e a mãe estão fazendo pra mesma profissão. Ou o contrário também é verdadeiro. Se o modelo não é bom, pela rejeição ao trabalho que o pai e a mãe fazem, os filhos podem enveredar pelo lado totalmente oposto. [...] Os pais podem, tem influência direta na busca de oportunidade dos filhos, tanto positiva, quanto negativa. Eu nunca tinha pensado o lado negativo, que é aquele filho que quer tudo menos ser parecido com o que o pai faz. [...] Então acho assim, eu interpreto quando um filho segue a tua carreira, ou fica dentro da tua linha, eu interpreto isso como uma manifestação de valorização e de admiração pelo trabalho. (Camila, 57 anos, médica).
A Joana visitava pronto-socorro, visitava enfermaria, a Joana visitava hospital, conhecia as atividades, conhecia o que fazia, às vezes até eu acho que ela teve algumas surpresas desagradáveis quanto a isso. Como eu fazia muita cirurgia, ocasionalmente, eu chegava em casa e ela já estava dormindo. E quando eu saía, ela ainda continuava dormindo [...]. E então não sei se toda a experiência da Joana comigo como médico, vivendo essa experiência de forma bastante intensa, acredito eu, [...] deva ter tido um peso bem grande na decisão dela [...]. É claro que essa vivência toda pode ter feito um não direcionamento, pode ter feito com que a escolha fosse por um outro lado e tivesse saído para Psicologia, mas da minha parte, não houve direcionamento algum para que ela fizesse a escolha. Então, não creio que tenha havido direcionamento da minha parte de forma direta, mas é claro que indiretamente... (Tiago, 59 anos, médico).
De fato, a percepção da satisfação ou insatisfação dos pais com o trabalho que realizam parece exercer alguma influência na identidade profissional do(a) filho(a). Além disso, a própria sobrecarga no trabalho dos pais pode interferir no desenvolvimento acadêmico dos jovens, pois, geralmente, quanto maior a sobrecarga, menos tempo esses pais possuem para passar com os filhos e estimulá-los (Bryant et al., 2006). Dessa forma, mostrar interesse e oferecer informações, sugestões e feedback, que são as atividades conjuntas frequentemente mencionadas por pais no sentido de facilitar o desenvolvimento de carreira dos filhos (Whiston & Keller, 2004), podem ficar comprometidas. Entretanto, isso não foi observado neste estudo. Um dos participantes reconheceu o impacto da sua intensa experiência profissional na escolha da profissão da filha, mas criou momentos de interação, como aulas de equitação, e buscou conversar com a jovem sobre sua vida acadêmica, lendo seus trabalhos e sugerindo leituras, conforme já exemplificado na primeira categoria.
Como eu viajava também bastante para o exterior pra fazer cursos, às vezes demorava, e quando eu voltava, ela era pequena, ela também... ficava assim "é o pai, não é o pai?", sem saber quem era que tava chegando de volta. Deve ter tido alguma influência também para ela tudo isso. E influência, acredito eu, que não deva ter sido das melhores, portanto, ela não escolheu Medicina, escolheu Psicologia [...] Uma das coisas que, que a gente começou a fazer junto foi equitação. É, aos 10 anos de idade dela, logo após a morte da mãe dela, eu sentindo também a necessidade de me aproximar mais ainda da Joana do que eu já estava aproximado dela, e de ter algo pra conversar com mais intensidade, né. [...] Algo que a gente pudesse fazer junto e fazendo junto, conversar a respeito. E... trocar... emoções, ideias, experiências, e foi o que a gente fez. Nós fomos para aula de equitação juntos. [...] E durante a equitação que a gente fez junto por muito tempo, e continua gostando e comentando e falando, a gente fazia outras coisas, é claro, obviamente. Ah viajávamos, eu, a Joana e a mãe dela. Ah, tudo quanto era coisa que tinha pra fazer a gente fazia, essas coisas de colégio aí, estava sempre presente, sempre fui um pai presente. (Tiago, 59 anos, médico).
Considerações finais
Está posto que o desenvolvimento de carreira de um indivíduo é influenciado por diversos fatores, principalmente, pelos próprios pais. Entretanto, nem sempre é possível compreender como isso acontece. Por isso, este estudo buscou investigar a percepção dos genitores sobre seu papel e sua participação no desenvolvimento de carreira dos filhos na visão dos próprios pais.
Após análise das entrevistas, verificou-se que a participação parental no desenvolvimento de carreira dos filhos se iniciou na infância e permaneceu até o momento presente, que, neste caso, corresponde ao período de conclusão da graduação. Além disso, foi possível identificar três níveis de influência: (1) diálogo, (2) apoio emocional e material, e (3) influência pelo exemplo.
A participação dos genitores entrevistados no desenvolvimento de carreira dos filhos ocorre, principalmente, através do diálogo. No momento da escolha profissional, os pais ofereceram aos jovens informações sobre as profissões e mercado de trabalho, além de falar sobre sua própria experiência profissional. Após o ingresso dos filhos no ensino superior, os genitores demonstravam interesse na rotina acadêmica, conversando sobre as atividades diárias, lendo trabalhos e sugerindo leituras. Os participantes deste estudo, estando cientes de sua função ao longo da trajetória vocacional do(a) filho(a), demonstram, inclusive, a dificuldade de não saber como e o quanto interferir neste processo, já que reconhecem a importância de não induzir o(a) filho(a) na escolha do curso e nos planos pós-formatura. No entanto, enfatizaram não direcionar escolhas.
Os pais consideram que o seu principal papel no desenvolvimento de carreira dos filhos é oferecer apoio emocional e material. Então, encorajavam a exploração de interesses, endossavam escolhas, mostravam-se disponíveis para dialogar, bem como amparavam as inseguranças dos filhos, pois entendem quão delicadas são as situações que o jovem vivencia ao longo deste processo. Além disso, concordavam em pagar livros e participação em eventos, e em dar caronas, já que os filhos ainda não possuíam condições de se sustentar.
Alguns genitores ainda perceberam o impacto tanto positivo, quanto negativo da forma como vivenciam suas ocupações. Para eles, o exemplo profissional, somado às atitudes que demonstram frente ao trabalho, pode influenciar a escolha do(a) filho(a) por uma profissão e a maneira como este irá se relacionar com ela. Neste sentido, os pais também identificaram a importância dos hábitos familiares no direcionamento dos interesses dos filhos.
Embora o presente estudo tenha atingido seu objetivo, devem ser mencionadas algumas limitações do mesmo. No que se refere aos participantes, a maioria dos pais entrevistados morava com os filhos, o que lhes permitiu uma maior proximidade e acompanhamento da trajetória profissional dos jovens. Contudo, sabe-se que morar com a família durante a graduação não é a regra para todos os universitários. Ademais, é possível que os genitores mais envolvidos com os filhos, em geral, e/ou com a sua formação tenham concordado em participar do estudo, de forma que a percepção de pais menos preocupados ou envolvidos não tenha sido abordada nesse estudo. Ressalta-se, ainda, que os presentes resultados podem também ter sido enviesados tanto pelo nível socioeconômico e cultural dos participantes (maioria com profissões de nível superior) quanto por questões de gênero dos filhos (predominantemente do sexo feminino). A partir disso, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas abrangendo pais que não moram com seus filhos durante a trajetória universitária, no intuito de verificar de que forma esses genitores participam dessa etapa da carreira dos filhos. Estudos com pais de diferentes níveis socioeconômicos (e de diferentes níveis de escolaridade) também podem ser úteis para identificar possíveis diferenças quanto ao papel que acreditam desempenhar nesse processo do desenvolvimento dos jovens.
Os resultados deste estudo podem auxiliar a pensar estratégias para melhoria de programas de orientação profissional voltados para pais interessados em auxiliar seus filhos nesse processo. Por exemplo, programas de orientação aos pais podem abordar temas tais como a importância do diálogo sobre trabalho e carreira, o incentivo ao comportamento exploratório, a reflexão e a conscientização sobre os valores e os modelos relacionados ao mundo do trabalho que circulam na família. O estudo mostrou ainda que os pais não apenas percebem que desempenham um papel importante neste processo, mas que também se preocupam com a forma como podem e devem agir para que possam facilitar as experiências dos filhos. Nesse sentido, é importante que as intervenções voltadas aos pais abordem também aspectos práticos de como os pais podem envolver-se efetivamente no processo de escolha dos filhos, permitindo que as suas preocupações sejam expressas e elaboradas. Um desafio que se coloca para o futuro é avaliar a eficácia de programas de orientação profissional voltados a pais, verificando de que forma e em que aspectos tais programas apresentam algum impacto, seja sobre os próprios pais ou mesmo os adolescentes e suas escolhas.
Referências
Almeida, F. H., & Melo-Silva, L. L. (2011). Influência dos pais no processo de escolha profissional dos filhos: Uma revisão de literatura. Psico-USF, 16(1), 75-85. doi:10.1590/S1413-82712011000100009 [ Links ]
Almeida, M. E. G. G., & Pinho, L. V. (2008). Adolescência, família e escolhas: Implicações na orientação profissional. Psicologia Clínica, 20(2), 173-184. doi:10.1590/S0103-56652008000200013 [ Links ]
Bardagi, M. P. (2007). Evasão e comportamento vocacional de universitários: Estudos sobre o desenvolvimento de carreira na graduação (Tese de doutorado não publicada). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. [ Links ]
Bardagi, M. P., & Hutz, C. S. (2008). Apoio parental percebido no contexto da escolha inicial e da evasão de curso universitário. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 9(2), 31-44. [ Links ]
Bardagi, M. P., Lassance, M. C. P., & Paradiso, A. C. (2003). Trajetória acadêmica e satisfação com a escolha profissional de universitários em meio de curso. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 4(1-2), 153-166. [ Links ]
Bardagi, M. P., Lassance, M. C. P., & Teixeira, M. A. P. (2012). O contexto familiar e o desenvolvimento vocacional de jovens. In M. N. Baptista & M. L. M. Teodoro (Orgs.), Psicologia de família: Teoria, avaliação e intervenções (pp. 135-144). Porto Alegre, RS: Artmed. [ Links ]
Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70. [ Links ]
Barreto, M. A., & Aiello-Vaisberg, T. (2007). Escolha profissional e dramática do viver adolescente. Psicologia & Sociedade, 19(1), 107-114. doi:10.1590/S0102-71822007000100015 [ Links ]
Bryant, B. K., Zvonkovic, A. M., & Reynolds, P. (2006). Parenting in relation to child and adolescent vocational development. Journal of Vocational Behavior, 69(1), 149-175. doi:10.1016/j.jvb.2006.02.004 [ Links ]
Carvalho, M., & Taveira, M. C. (2009). Influência de pais nas escolhas de carreira dos filhos: Visão de diferentes atores. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 10(2), 33-41. [ Links ]
Gil, A. C. (1987). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo, SP: Atlas. [ Links ]
Gonçalves, C. M., & Coimbra, J. L. (2007). O papel dos pais na construção de trajetórias vocacionais dos seus filhos. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 8(1), 1-17. [ Links ]
Magalhães, M. O. (2008). Relação entre ordem de nascimento e interesses vocacionais. Estudos de Psicologia (Campinas), 25(2), 203-210. doi:10.1590/S0103-166X2008000200005 [ Links ]
Marcia, J. E. (1966). Development and validation of ego-identity status. Journal of Personality and Social Psychology, 3(5), 551-558. doi:10.1037/h0023281 [ Links ]
Minayo, M. C. S. (1992). Desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo, SP: Hucitec. [ Links ]
Nascimento, I., Coimbra, J. L., & Menezes, I. (2005). Intergenerational (dis)continuities in the commitment to work: The relational impact of parent's work. In I. Menezes, J. L. Coimbra, & B. P. Campos (Eds.), The affective dimension of education: European perspectives (pp. 135-150). Porto, Portugal: Centro de Psicologia da Universidade do Porto. [ Links ]
Noronha, A. P. P., & Ambiel, R. A. M. (2008). Fontes de eficácia e interesses profissionais: Relações entre pais e filhos. Evaluar, 8, 32-45. [ Links ]
Pinto, H. R., & Soares, M. C. (2004). Approches de l'influence dês parents sur le développement vocationnel des adolescents. L'orientation Scolaire et Professionnelle, 33(1), 1-18. [ Links ]
Richardson, R. J. (1999). Pesquisa social: Métodos e técnicas. São Paulo, SP: Atlas. [ Links ]
Santos, L. M. M. (2005). O papel da família e dos pares na escolha profissional. Psicologia em Estudo, 10(1), 57-66. doi:10.1590/S1413-73722005000100008 [ Links ]
Santos, G. M. G. (2007). O desenvolvimento de carreira dos acadêmicos: Uma análise centrada na relação entre o trabalho e a família (Tese de doutorado não publicada). Universidade do Minho, Braga, Portugal. [ Links ]
Savickas, M. L. (2002). Career construction: A developmental theory of vocational behavior. In D. Brown & L. Brooks (Orgs.), Career choice and development (4th ed., pp. 149-205). San Francisco, CA: Jossey-Bass. [ Links ]
Soares, D. H. P. (2002). A escolha profissional do jovem ao adulto. São Paulo, SP: Summus. [ Links ]
Sobral, J. M., Gonçalves, C. M., & Coimbra, J. L. (2009). A influência da situação profissional parental no desenvolvimento vocacional dos adolescentes. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 10(1), 11-22. [ Links ]
Teixeira, M. A. P., & Gomes, W. B. (2005). Decisão de carreira entre estudantes em fim de curso universitário. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21(3), 327-334. doi:10.1590/S0102-37722005000300009 [ Links ]
Teixeira, M. A. R., & Hashimoto, F. (2005). Família e escolha profissional: A questão espacial, temporal e o significado dos nomes. Pulsional Revista de Psicanálise, 18(182), 63-73. [ Links ]
Teixeira, M. A. P., Castro, G. D., & Piccolo, L. R. (2007). Adaptação à universidade em estudantes universitários: Um estudo correlacional. Interação em Psicologia, 11(2), 211-220. [ Links ]
Teixeira, M. A. P., Dias, A. C. G., Wottrich, S. H., & Oliveira, A. M. (2008). Adaptação à universidade em jovens calouros. Psicologia Escolar e Educacional, 12(1), 185-202. doi:10.1590/S1413-85572008000100013 [ Links ]
Whiston, S. C., & Keller, B. K. (2004). The influences of the family of origin on career development: A review and analysis. The Counseling Psychologist, 32(4), 493-568. doi:10.1177/0011000004265660 [ Links ]
Endereço para correspondência:
Rua Porto Verde, 185, Camobi
9110-590, Santa Maria-RS, Brasil
Fone: 55 3226 2381
E-mail: clarissa.tochetto@gmail.com
Recebido: 23/05/2012
1ª Revisão: 04/09/2012
Aceite final: 20/11/2012