Introdução
Problematizar as dificuldades de permanência na universidade, desde o ingresso até a diplomação, e posterior inserção profissional, tem movimentado o debate acadêmico nas mais diferentes áreas, inclusive no campo da orientação profissional e de carreira (Ambiel & Barros, 2018; Ambiel, Santos, & Dalbosco, 2016; Ebling, Santos, & Oliveira, 2020; Oliveira, Melo-Silva & Taveira, 2021). Se, por um lado, entrar na universidade e concluir um curso superior faz parte dos objetivos de carreira de parte da população mundial, por outro, são perceptíveis as dificuldades de permanecer na universidade, concluir o curso e, posteriormente, inserir-se no mercado de trabalho em ocupações compatíveis com a formação de nível superior (Nora, 2017; Nunes, 2021).
Tradicionalmente, o conceito de evasão universitária está associado à perda do vínculo do estudante com a universidade (Silva & Mariano, 2021). Nas publicações, é recorrente a utilização do documento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES, 1996), que diferencia três perspectivas: evasão do curso, da instituição e do sistema. De modo sucinto, a evasão do curso se dá em casos de abandono, desistência, transferência, ou, ainda, por exclusão. A evasão da instituição ocorre quando o estudante se desliga da instituição na qual está matriculado. Já a evasão do sistema acontece quando o estudante abandona de forma definitiva ou temporária o ensino superior. Recentemente, o conceito foi atualizado, definido como a saída antecipada da universidade, antes da conclusão do ano, série ou ciclo, por desistência, independentemente do motivo, exceto falecimento (INEP, 2017).
Outros estudos abordam a evasão a partir dos conceitos da Teoria de Integração Estudantil de Vicent Tinto, elaborada inicialmente em 1975, e aprimorada em estudos subsequentes (Tinto, 2006). Em síntese, o modelo defende que, ao ingressar na universidade, um conjunto de características do estudante, pré-universitárias, como a origem familiar (classe social, valores) e atributos individuais (idade, sexo, etnia) interagem com outras variáveis, tais como o compromisso com a conclusão do curso e a qualidade da integração institucional, social e da aprendizagem, determinando o interesse do estudante em permanecer ou evadir-se (Bitencourt, Silva & Xavier, 2022). Existem ainda estudos que abordam a evasão enquanto problema público e a definem considerando as desigualdades sociais e a necessidade de garantir igualdade nas condições de permanência e de conclusão da graduação. Essa perspectiva se interessa por temáticas que discutem a capacidade do sistema universitário em prevenir e diminuir a evasão e aprimorar os programas e projetos de assistência estudantil (Silva & Mariano, 2021).
Para tornar ainda mais complexo o enquadramento dos estudos da evasão universitária, em 2020, a crise sanitária causada pela pandemia do coronavírus impôs às universidades diversos desafios. A necessidade de implementação do ensino remoto emergencial trouxe consigo novas problemáticas, como a falta de suporte psicológico aos professores e estudantes, a falta de tempo para planejamento das atividades e acesso limitado ou inexistente aos meios digitais (Gusso et al., 2020). Todos esses fatores, sem dúvida, refletiram e continuarão refletindo nos índices de evasão dos estudantes, especialmente no que concerne ao ensino público (Nunes, 2021).
Assim, investir em estudos sobre evasão no ensino superior brasileiro e compartilhar boas práticas de enfrentamento é uma demanda social contemporânea, isso porque dados nacionais sinalizam que, aproximadamente, um quarto dos estudantes que ingressaram no ensino superior não concluíram o curso (Bitencourt, Silva & Xavier, 2022). Esse dado é preocupante, pois o insucesso na permanência e na conclusão da graduação impede que a população implemente suas expectativas de carreira, além de reduzir os efeitos positivos das políticas governamentais de acesso ao ensino superior, como, por exemplo, o Programa de Reestruturação das Universidades Federais (REUNI), a Política de Cotas, e a implantação do Sistema de Seleção Unificada (SISU) (Brasil, 2007; 2012).
Deste modo, entende-se que garantir o acesso da população ao ensino superior não é condição suficiente para a conclusão do curso. Por isso, governos, universidades e profissionais da orientação de carreira devem investir esforços em propor ações que diminuam a evasão e garantam a permanência dos estudantes na universidade, do ingresso à formatura, e após a conclusão da graduação, na transição para o mercado de trabalho (Oliveira, Melo-Silva & Taveira, 2021). Assim, para o planejamento de intervenções efetivas, é imprescindível uma análise multinível dos fatores de risco de evasão. É recomendado manter a base de dados institucionais atualizada e analisá-la em conjunto com informações qualitativas dos envolvidos no processo (Araújo, Silva & Pederneiras, 2022). Inclusive, ferramentas de inteligência artificial têm sido desenhadas para permitir melhor detalhamento de dados e adoção de estratégias específicas à instituição (Bitencourt, Silva & Xavier, 2022).
Dada a diversidade de perspectivas de análise da evasão, em muitos casos, torna-se difícil diferenciar se a evasão é decorrente de fracassos acadêmicos ou de abandonos voluntários, ou evasões definitivas daquelas temporárias e, até mesmo, discriminar o abandono das transferências entre instituições (Silva & Mariano, 2021). Por isso, conhecer qualitativamente os motivos da evasão na perspectiva do estudante evadido pode ser útil para esclarecer a trajetória dos estudantes que evadiram e planejar ações efetivas.
Pelos argumentos apresentados, a evasão universitária se apresenta como um problema acadêmico e de carreira que pode ser mitigado com políticas públicas de permanência e com a melhoria da estrutura dos serviços de apoio ao estudante (Ambiel, Santos & Dalbosco, 2016). Nesse sentido, esta investigação foi delineada buscando articular o tema da evasão universitária ao planejamento de serviços de apoio ao estudante universitário. Partindo de um levantamento, esta investigação teve como objetivo descrever o perfil do estudante evadido e os motivos da evasão universitária e recomendar iniciativas para os serviços de apoio ao estudante com potencial para contribuir com a permanência na graduação.
Método
Foi realizado um estudo empírico, de abordagem qualitativa e quantitativa, e de tipologia descritiva. Quanto aos procedimentos técnicos, o estudo configura-se como um levantamento, o qual envolve a coleta de dados diretamente com as pessoas cujo comportamento se deseja conhecer (Gil, 2009).
O levantamento foi realizado com estudantes evadidos de quatro cursos de graduação de um campus descentralizado de uma universidade federal do Nordeste do Brasil. Trata-se de um recorte da dissertação de mestrado da primeira autora e orientado pela segunda, junto ao Programa de Mestrado Profissional em Administração Pública (PROFIAP).
Participantes
Participaram da pesquisa 110 estudantes, de um total de 699 alunos evadidos dos cursos participantes da pesquisa, entre os anos de 2015 e 2019. A amostra contou com 62 mulheres (57%) e 48 homens (43%), com idades entre 18 e 51 anos, (M=25,8; DP= 5,94). A maioria dos respondentes declarou ser de etnia parda (48%), com renda familiar de até R$ 2.090,00, valor entre um e dois salários mínimos (49%).
Instrumentos
Foi desenvolvido um questionário com questões abertas e fechadas, dividido em três seções. Na primeira seção, as questões se referiam ao perfil sociodemográfico dos estudantes e aspectos relacionados à vida acadêmica. A segunda seção, de natureza descritiva, apresentou uma lista com 27 motivos para a evasão, além de um espaço para listar outros motivos. Para cada um desses fatores, o participante poderia atribuir um peso em sua decisão de evadir do curso. As opções de resposta estavam dispostas em formato tipo Likert de quatro pontos, sendo: 1 - esse motivo não influenciou em nada para minha saída do curso; 2 - influenciou pouco; 3 - influenciou muito; e 4 - esse motivo foi determinante para minha saída do curso.
A última seção foi destinada a aprofundar qualitativamente a compreensão acerca do processo de evasão e a sugestão de ações que poderiam contribuir com a permanência. Foram elaboradas três perguntas abertas: a) O que poderia ter influenciado sua permanência no curso? (sugestão para ações); b) Qual o seu sentimento com relação a ter evadido? c) Você poderia descrever como se deu seu processo de evasão?
Procedimentos de Coleta e Análise de Dados
A coleta de dados foi feita de forma online, via formulários Google Forms. Foi enviado convite para 699 estudantes que evadiram dos cursos eleitos para o estudo, no período de 2015 a 2019. Junto ao questionário foi encaminhado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para que os participantes pudessem expressar sua concordância em participar do estudo. O e-mail dos participantes foi fornecido pelas coordenações dos cursos.
Os dados quantitativos foram organizados e analisados por meio do software Excel. Foram realizadas análises descritivas, como frequências e cálculos de médias. Já os dados qualitativos foram analisados a partir da análise de conteúdo (Bardin, 2010). A partir dos relatos dos participantes foram criadas categorias empíricas de análise, tais como: motivos para evadir do curso, sentimentos relacionados à evasão e ações que apoiam a permanência do estudante, as quais estarão dispostas na seção dos resultados.
Cuidados éticos
O projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil, tendo sido aprovado por Comitê de Ética (CAAE: 40715820.0.0000.5182). Em todos os momentos da análise dos dados, foi mantido o sigilo absoluto com relação aos sujeitos participantes e, para participação na pesquisa, foi necessária a aceitação voluntária através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Assim, foram cumpridos os requisitos da Resolução CNS 466/12 e suas normas complementares.
Resultados e Discussão
Em um primeiro momento, o levantamento buscou conhecer o perfil e os motivos da evasão na perspectiva de quem evadiu. Na sequência, a partir desse diagnóstico, foram feitas recomendações de iniciativas para os serviços de apoio ao estudante com potencial para contribuir com a permanência dos discentes na graduação.
Perfil dos estudantes evadidos
O estudo contou com a colaboração de 110 estudantes evadidos, que forneceram informações relevantes sobre suas características pessoais e sobre os seus motivos para evasão. Uma das informações analisadas foi o semestre de ingresso e o de evasão de cada respondente. Na amostra em questão, a maioria dos estudantes abandonou o curso nos semestres iniciais, especialmente no primeiro (34%, n = 37) e no segundo semestre (17%, n = 19), ou seja, mais da metade dos participantes desse estudo desistiram ainda no primeiro ano de curso.
Outros estudos apresentaram tendência semelhante (Arrigo, Souza & Broietti, 2017; Gomes et al., 2019; Moura, Mandarino & Silva, 2020; Pena, Matos & Coutrim, 2020). As evidências sugerem maior evasão no semestre de entrada, em decorrência de diversos fatores, como a falta de identificação com o curso, dificuldades financeiras, aprovação em outra instituição ou em outro curso e dificuldade com os conteúdos, muitas vezes devido à precariedade da formação básica (Gomes et al., 2019). Por outro lado, Moura, Mandarino e Silva (2020) apontam ainda que, quanto mais próximo dos semestres finais do curso, menor é o índice de evasão. Enquanto isso, a troca de graduação é mais frequente entre primeiro e quarto semestres do curso (Andrade & Campos, 2019; Gomes et al., 2019).
No entanto, Leonarde e Silvestre (2020) afirmam que, embora a evasão seja mais acentuada nos primeiros semestres, alguns estudantes acabam permanecendo no curso por anos até tomarem a decisão de evadir. No estudo realizado pelos autores, 44% dos alunos ficaram com suas matrículas ativas na universidade por cinco anos ou mais antes de evadirem. Esse dado está condizente com os resultados desta pesquisa, onde 25% (n=27) dos estudantes permaneceram no curso de cinco até dezoito semestres antes de evadir.
Por outro lado, a saída de alunos no primeiro ano do curso não está totalmente vinculada ao insucesso escolar ou à evasão definitiva do sistema universitário. Considerando o modelo elaborado pela ANDIFES (1996), constatou-se que 71% (n=59) dos respondentes do levantamento mudaram de universidade, caracterizando uma evasão da instituição; enquanto 28% (n=32) dos participantes evadiram do sistema, ou seja, abandonaram de forma definitiva ou temporária (até o momento em que responderam à pesquisa) o ensino superior. Dos estudantes que mudaram de universidade, 16% (n=13) permaneceram no mesmo curso.
Os dados do levantamento mostraram ainda que 72% (n=79) dos participantes afirmaram já ter iniciado outra graduação. Resultados parecidos foram relatados no estudo de Marques (2020), no qual mais da metade dos alunos que haviam evadido, posteriormente retornaram ao ensino superior. Um terço desses sujeitos voltou a estudar ainda no mesmo ano em que se desvinculou do curso, e em torno de 25% retornaram para a mesma instituição. Esta informação reforça a argumentação apresentada por Silva e Mariano (2021) de que a evasão não necessariamente deve ser compreendida como um fim em si, podendo sinalizar o desejo do estudante de cursar outra graduação ou mudar de universidade, o que caracteriza um processo de mobilidade, e não exclusivamente de evasão (Rangel et al., 2019).
Também foi analisada a quantidade de cursos de graduação já iniciados durante a vida acadêmica. Na amostra, 4% (n=4) dos respondentes afirmaram não ter iniciado nenhum curso, o que pode indicar que apenas fizeram a matrícula na instituição, mas nunca chegaram a começar as atividades acadêmicas, fenômeno denominado de falsa evasão (Machado, Melo Filho & Pinto, 2005). Enquanto isso, 27% (n=29) dos respondentes afirmam terem iniciado somente um curso de graduação, podendo-se inferir que essa foi sua única experiência no ensino superior, e que ainda não conseguiram retornar ao sistema após a evasão.
Além disso, 46% (n=50) dos participantes afirmaram já ter iniciado dois cursos superiores, 15% (n=16) já ingressaram em três graduações, 5% (n=5) em quatro, e outros 5% (n=5) já deram início a cinco cursos de graduação. Esse dado demonstra uma aparente fragilidade das novas escolhas ao trocar de curso, conforme analisam Bardagi e Hutz (2005). Para os autores, no contexto brasileiro, o número de estudantes universitários que estão em sua terceira, quarta ou quinta graduação é cada vez maior, o que indica que esse processo tem sido feito sem o devido engajamento do estudante.
Outro dado importante se refere à participação desses estudantes em programas acadêmicos, como pesquisa, monitoria e extensão. O levantamento apontou que 84% (n=92) dos respondentes não estavam inseridos em nenhum desses programas à época da evasão. A partir dessa informação, é possível pensar o papel das atividades extracurriculares na decisão de evasão. Saccaro, França e Jacinto (2019) afirmam que a participação em atividades como estágios, monitorias, projetos de extensão e iniciação científica, sejam eles remunerados ou não remunerados, reduzem consideravelmente a chance de o estudante evadir do curso, e alunos que têm uma atividade acadêmica remunerada apresentam um tempo de sobrevivência quase três vezes maior em comparação aos que não possuem.
Motivos para a evasão
O levantamento também analisou os motivos que contribuíram para a evasão, divididos em quatro categorias: a) motivos de ordem pessoal, b) motivos institucionais, c) motivos interpessoais, e d) preocupações a respeito da carreira futura. A Figura 1 mostra a hierarquia dos motivos que influenciaram na decisão de evadir.
Os motivos relacionados aos “interesses pessoais” foram os que mais contribuíram para que a evasão se concretizasse. Em seguida, “não se sentir parte daquele contexto” e o “adoecimento psíquico” foram cruciais para a decisão de evadir. Os resultados mostraram que os três principais motivos para a evasão são de ordem pessoal, interpessoal e de saúde mental. Estes resultados podem ser interpretados a partir da Teoria de Integração Estudantil de Tinto (2006), visto que os motivos relatados para a evasão são de natureza distinta, mesclando características pessoais e qualidade da integração institucional e social.
O motivo “mudança de curso” apareceu em quarto lugar e relaciona-se diretamente com a “não identificação com a carreira”, quinto item que mais contribuiu para a decisão do estudante de evadir. Nessa mesma direção, o estudo realizado por Bardagi e Hutz (2009) relatou que a falta de informação, a sensação de urgência na hora da decisão e a percepção da obrigatoriedade de fazer uma escolha comprometem a escolha inicial dos estudantes e, posteriormente, a permanência na graduação escolhida. Ainda, Silva e Figueiredo (2018) apontam que muitos estudantes já ingressam em um curso com o pensamento de sair e entrar em outra graduação no futuro. Na perspectiva de Rangel et al. (2019), esse movimento indica mobilidade acadêmica.
Os problemas financeiros foram o sexto motivo mais determinante para a evasão dos participantes, também tendo sido apontados em outro estudo como importante preditor para o abandono do curso (Nascimento & Beggiato, 2020). Importante ponderar que esse motivo influencia não somente na evasão, mas pode impedir que muitos estudantes tenham sequer a oportunidade de ingressar no ensino superior.
As dificuldades financeiras também estão relacionadas à necessidade de buscar trabalho remunerado em paralelo ao curso (Diogo et al, 2016), fator que também foi associado à evasão no estudo realizado. O fato de alguns alunos precisarem realizar atividades que competem com os estudos pode levar aqueles que têm condições socioeconômicas específicas e responsabilidades inadiáveis, como gastos com a família, a priorizarem as atividades profissionais em detrimento das acadêmicas (Daitx, Loguercio e Strack, 2016; Cunha & Durso, 2016).
De forma complementar, a “dificuldade para conciliar estudo e trabalho” apareceu como importante motivo para a evasão, especialmente entre os estudantes do turno da noite. Para os estudantes do diurno, esse motivo foi determinante para a desistência em 20% dos casos. Enquanto isso, para os respondentes do noturno, o fator foi determinante para a evasão em 50% dos casos, o que demonstra que os estudantes da noite sofrem mais com a dificuldade em conciliar as atividades acadêmicas com as atividades laborais.
Esse dado é compatível com a pesquisa de Lamers, Santos e Toassi (2017), que apontam que a maioria dos estudantes de cursos noturnos precisa conciliar a condição de estudante e de trabalhador, o que é considerado um fator complicador para a permanência e conclusão do curso. Nesse contexto, a menor disponibilidade de tempo para dedicação aos estudos, o cansaço e a redução da concentração influenciam o rendimento do estudante e, consequentemente, a evasão. No estudo de Cunha e Durso (2016), a falta de compreensão e flexibilidade dos docentes frente a essas situações foi apontada como fator decisivo para o abandono do curso.
Outro motivo apontado pelos respondentes como sendo decisivo no processo foi a “didática de ensino dos professores”. Lamers, Santos e Toassi (2017) apontam que as aulas expositivas muito longas e a utilização de recursos antigos e pouco atrativos foram consideradas como fatores desmotivadores e de risco para a evasão. As dificuldades na relação aluno-professor e os fatores de natureza pedagógica, como a forma de avaliação e o método de ensino, também foram apontados como razões que aumentam a probabilidade de evasão (Daitx, Loguercio & Strack, 2016; Diogo et al., 2016; Leonarde & Silvestre, 2020).
A “dificuldade de aprendizagem” e o “baixo desempenho acadêmico/reprovações” aparecem como 10° e 11º motivos que cooperaram para a saída dos estudantes do curso. Isso demonstra grande necessidade de investir em serviços de orientação e apoio pedagógico (Tontini & Walter, 2014). Sobre esse tema, Daitx, Loguercio e Strack (2016) analisaram a relação entre evasão e rendimento acadêmico. No estudo, a maioria dos evadidos apresentava rendimento acadêmico insuficiente, especialmente nas disciplinas iniciais, o que contribui para a retenção e dificulta a evolução do aluno no curso.
Diante do exposto, a decisão de evadir do Ensino Superior é atravessada por inúmeros motivos. Por isso, as instituições educacionais precisam se preparar para oferecer não só uma formação técnica e científica de qualidade, mas também para promover o desenvolvimento pessoal e vocacional dos estudantes, além de favorecer a melhoria das estratégias pedagógicas e a qualidade da integração institucional e social.
Relatos sobre a vivência da evasão e sentimentos envolvidos
Para se conhecer a percepção sobre a decisão de evadir, foi solicitado aos participantes que, de forma livre, escrevessem o sentimento atual em relação à evasão. A partir da análise das questões abertas, os termos foram agrupados em 14 categorias. Conforme aponta a Figura 2, 63% dos participantes expressaram emoções e sentimentos positivos. Nessa mesma direção, o estudo de Bardagi e Hutz (2009) reportou avaliações positivas relacionadas à decisão de evadir. Os autores explicam que isso pode ter se dado pelo fato de que o estudo foi realizado tempos após a saída do curso e com muitos participantes já de volta ao ensino superior, o que pode ter substituído sentimentos iniciais de frustração, raiva e culpa por uma ressignificação da experiência e um olhar mais positivo acerca dos acontecimentos.
As questões abertas mostraram que a decisão de desistir do curso, apesar de difícil, também foi um ato de cuidado com a saúde mental. Na sequência são apresentados alguns trechos dos relatos dos participantes. Sobre a evasão:
Foi uma das decisões mais difíceis que tomei, mas hoje tenho a convicção que fiz a coisa certa, no momento certo. Sentimento de liberdade e leveza. Hoje, estudo e convivo com professores e alunos do mesmo curso, porém outra instituição, que se esforçam para levar o melhor de si para dentro da sala de aula. (Estudante 22)
Olho para trás vejo minha turma se formando (...) poderia ser eu, mas, eu escolhi, e conquistei muitas coisas, e fui muito feliz, então é isso, não me arrependo, eu vivi momentos únicos por ter desistido, eu escolhi minha saúde mental! (Estudante 57)
Senti que fiz a escolha certa dentro das possibilidades que se apresentavam para mim no momento. Minha saúde mental e, até a física, que por consequência estava sendo afetada, era mais importante. (Estudante 85)
Embora os relatos apresentados apontem que a maioria dos participantes demonstram percepção positiva da decisão de ter evadido, outros participantes apresentaram em seus relatos sentimentos negativos, como tristeza, frustração, culpa e impotência.
Me sinto bem por ter me afastado do que me adoecia e com isso recuperar a saúde psíquica. Mas ainda me sinto um pouco frustrado por não ter continuado o curso, já que era um dos melhores da turma, como os professores e colegas deixavam claro. Então é um sentimento um tanto quanto ambíguo, porque eu sei que se tivesse continuado, eu iria adoecer cada vez mais, mas a sensação de fracasso ainda me atormenta. (Estudante 9)
Vejo meus colegas formados e sinto-me frustrado; não sei se terei condições de iniciar outro curso superior. (Estudante 49)
Mesmo com todos esses anos às vezes bate o sentimento de culpa seguido por arrependimento, ainda é difícil pra mim pensar que abandonei o meu sonho. (Estudante 108)
Meu processo de evasão começou desde quando entrei na (instituição pesquisada). Graças a essa universidade desenvolvi ansiedade. Alguns professores agem totalmente sem ética e respeito aos alunos. Reprovação e atraso de curso por conta de 0.1 décimo. (Estudante 06)
Comecei o curso já com problemas de ansiedade, passava mal nas aulas e até pensei em suicídio por não ter sido capaz de realizar o curso. Até hoje me dói muito essa fase da minha vida. Eu quero conseguir voltar e realizar esse sonho. (Estudante 84)
Comecei a não me sentir bem e chorar todos os dias por não querer estar mais no curso, já que não chegava nem perto do curso dos meus sonhos. Fiquei muito mal, conversei com minha família, eles me apoiaram na minha decisão e eu tranquei o curso. (Estudante 35)
Iniciei o curso porque sempre gostei dessa área, porém sou casada e tenho dois filhos (...). No início deu para conciliar trabalho, família e faculdade. Viajava todos os dias. Era gratificante para mim estar realizando um sonho, mas infelizmente no segundo período não deu para conciliar, pois as cadeiras que queria pegar eram de manhã e tarde. Não tive escolha. Precisava trabalhar, porque também era o que pagava minhas passagens para ir para a faculdade. (Estudante 27)
A partir da análise dos relatos, ficou evidente que, em alguns casos, a evasão do curso é uma estratégia de prevenção ao adoecimento mental, muitas vezes já instalado. É interessante apontar o fato de que dois relatos, de estudantes de cursos distintos, expressaram a vivência na universidade como sendo um “sonho que se tornou um pesadelo”, indicando que as experiências, nesse contexto, podem ser bastante negativas e, muitas vezes, adoecedoras para alguns discentes, sobretudo quando já existe uma demanda de saúde mental anterior ao ingresso na faculdade.
Os relatos indicam episódios de depressão, ansiedade e síndrome do pânico, e muitos associaram o surgimento e o agravamento desses sintomas à universidade e ao sentimento de que não havia ninguém a quem pedir ajuda naquele contexto. Na interface saúde mental e evasão, o estudo realizado por Nascimento e Beggiato (2020) também menciona quadros clínicos semelhantes aos encontrados nesta pesquisa, como depressão, ansiedade, síndrome do pânico e algumas questões de saúde familiar, que foram decisivos para o abandono do curso pelo estudante.
Outro aspecto decisivo para a evasão dos estudantes no contexto avaliado foi a relação entre aluno e docente. Situações de abuso psicológico e de assédio foram citadas como motivo para o abandono do curso. Nesta direção, Silva e Ribeiro (2020) indicam que a falta de uma relação amistosa entre aluno e professor, ou seja, o relacionamento distante entre esses sujeitos, pode trazer consequências negativas para a vida acadêmica, favorecer o abandono do curso e contribuir para o processo de evasão da universidade.
Além da relação professor-aluno, a didática utilizada pelos docentes, os métodos de avaliação e as sucessivas reprovações em uma disciplina acabam desmotivando o estudante e gerando um sentimento de contínuo fracasso. No estudo de Daitx, Loguercio e Strack (2016), muitos estudantes apontaram como um dos motivos para sua evasão do curso o fato de alguns professores proferirem discursos que culpabilizam o estudante pelo baixo rendimento acadêmico em sala de aula.
Outra questão bastante presente nos relatos dos participantes esteve relacionada à indecisão quanto à escolha do curso e da profissão. Conforme Barlem et al. (2012), a escolha de um curso superior é reconhecidamente uma tarefa difícil, repleta de ansiedades, dúvidas, incertezas e grande responsabilidade, tendo em vista que as consequências desta opção podem implicar em insatisfação e desapontamento com o curso escolhido. Embora a escolha do curso seja algo anterior à entrada na universidade, ela faz parte de um processo de construção que se estende por toda a experiência do estudante no ensino superior. À medida que o estudante percebe que suas expectativas iniciais não se realizarão na área escolhida, ele tende a abandonar o curso e a buscar outro que possa oferecer maior realização pessoal e retorno financeiro.
Outros relatos apontaram para a impossibilidade de dar continuidade ao curso devido a responsabilidades relacionadas ao trabalho e ao contexto familiar. Aspectos como cuidado com os filhos ou com parentes mais velhos, especialmente para as estudantes mulheres, interferem na motivação para abandonar o curso. Em conjunto, os relatos permitem entender como o fenômeno da evasão se constitui no atravessamento de características individuais e fatores internos e externos às instituições, reforçando as argumentações da ANDIFES (1996). Nesse sentido, as instituições educacionais precisam oferecer, além de uma formação técnica e científica de qualidade, serviços especializados de apoio ao estudante que contribuam com a promoção da saúde mental e com o desenvolvimento pessoal e vocacional dos estudantes nos diferentes estágios da vida acadêmica e da carreira.
Recomendações para os serviços de apoio ao estudante com potencial para contribuir com a permanência na graduação
Para finalizar, foi indagado aos participantes que mencionassem possíveis ações e situações que poderiam ter contribuído para sua permanência na universidade. Conforme indicado na Figura 3, 19,5% das respostas indicaram que nenhuma ação da universidade poderia ter mudado a decisão do estudante de sair do curso, mostrando que em alguns casos a instituição não conseguirá intervir previamente no processo de evasão.
Em contrapartida, 12% dos participantes relataram que o ingresso em algum programa de assistência estudantil ou que proporcionasse auxílio financeiro, como programas de moradia, restaurante universitário ou bolsa estudantil, teriam possibilitado sua permanência na universidade. Esse dado denota a importância de fortalecer e incrementar ações de assistência estudantil nas universidades e reitera a necessidade de compreender a evasão enquanto um problema público (Silva & Mariano, 2021).
Em seguida, 8,5% dos respondentes afirmaram que modificações no relacionamento professor-aluno poderiam ter mudado sua decisão de evadir. Para finalizar, o suporte psicológico e o fato de estar bem psiquicamente foram citados em 5% das respostas como fatores que teriam sido importantes para a permanência na universidade. Isso demonstra uma maior percepção por parte dos estudantes acerca do bem-estar psíquico e da importância de ações de suporte psicológico no contexto da universidade.
A partir das informações coletadas, é possível traçar algumas sugestões para o planejamento de serviços de apoio ao estudante com potencial para contribuir com a permanência dos discentes na graduação. Inicialmente, considerando-se que grande parte dos casos de evasão têm se dado nos dois primeiros semestres do curso, entende-se que o fortalecimento de ações de integração dos discentes para conhecimento da estrutura do curso e da universidade, nos moldes da Oficina de Integração Acadêmica apresentada por Rodrigues, Oliveira, Melo-Silva & Taveira (2020), podem ser úteis. Além disso, a oferta de orientação de carreira individual, monitorias, tutorias e programas de assistência estudantil pode facilitar o acolhimento e a aprendizagem dos ingressantes.
No que se refere à troca de curso, que acaba sendo um dos principais motivos para a evasão, Marques (2020) sugere a implementação de serviços de orientação para facilitar a reopção de curso dentro da mesma instituição. Outra sugestão do autor é a criação dos bacharelados interdisciplinares, os quais constituem uma etapa preparatória para a continuidade da formação profissional e acadêmica.
Por outro lado, é de suma importância abordar a escolha profissional ainda no ensino médio e antes do ingresso na universidade (Oliveira, Melo-Silva & Taveira, 2020). Nessa perspectiva, a universidade, em parceria com instituições de ensino médio, pode planejar iniciativas como as feiras de profissões, para fornecer informações sobre os cursos aos estudantes que estão para ingressar no ensino superior, contribuindo para a desconstrução de estereótipos profissionais e de informações generalizadas e pouco consistentes sobre os cursos e as profissões (Isquerdo et al., 2016).
Problemas de saúde mental também foram apontados como motivo para a evasão. Nesse sentido, recomenda-se o planejamento de intervenções voltadas à promoção da saúde mental dos universitários, oferecendo desde o acolhimento individual até ações coletivas, como rodas de conversa e espaços de convivência. Tais ações são prementes nesse contexto, tendo em vista que o bem-estar psicológico e uma percepção positiva do ambiente universitário podem favorecer tanto a permanência dos estudantes no ensino superior quanto proporcionar o desenvolvimento profissional, emocional e cognitivo dos alunos. Como afirmam Ariño e Bardagi (2020) para além da evasão, o adoecimento psíquico gera impactos na vida acadêmica e na carreira dos estudantes, trazendo consequências como redução no rendimento acadêmico, redução da qualidade de vida e da autoestima, consumo abusivo de álcool e outras substâncias e suicídio. Nesse contexto, o abandono do curso é sentido por muitos como uma alternativa de promoção da saúde mental.
Para isso, recomenda-se a criação de serviços de atendimento ao estudante, sobretudo o psicológico. A instituição de ensino superior precisa, em conjunto com os professores, assumir as responsabilidades na identificação de problemas e na busca de encaminhamentos necessários, utilizando os recursos da comunidade acadêmica e da rede de saúde pública, conforme a situação (Oliveira, Melo-Silva & Taveira, 2020). Paralelamente, o fortalecimento de políticas públicas que apoiem a permanência do aluno dentro da universidade precisa ser incentivado para contribuir com a redução da evasão.
Considerações Finais
Entrar na universidade e concluir um curso superior faz parte dos objetivos de carreira de parcela significativa da população. Contudo, para muitas pessoas que conseguem ingressar na universidade, tem sido difícil permanecer, concluir o curso e, posteriormente, inserir-se no mercado de trabalho em ocupações compatíveis com a formação de nível superior.
A partir do levantamento realizado, ficou evidente que a evasão no ensino superior é um problema complexo, atravessado por determinantes pessoais e fatores internos e externos às instituições de ensino. Explorar qualitativamente os motivos da evasão, na perspectiva do estudante evadido, possibilitou ampliar a compreensão do fenômeno ao identificar aspectos comuns da trajetória desses sujeitos. Partindo do diagnóstico situacional, foram feitas recomendações para os serviços de apoio ao estudante com potencial para contribuir com a permanência dos discentes na graduação.
No entanto, é importante ressaltar que existem desafios para a implementação de tais ações, pois, infelizmente, muitas universidades ainda não possuem uma política integrada para a permanência dos estudantes, além da falta de recursos humanos e investimentos nos serviços de apoio ao estudante. Nesse sentido, é imprescindível mapear ações, programas e recursos já disponíveis e criar parcerias com os diversos atores da comunidade universitária.
Outro desafio está na complexidade do fenômeno, pois a formação de estudantes na universidade não depende somente da política de ensino, mas especialmente de fatores sociais, econômicos, culturais e acadêmicos. É preciso expandir a compreensão da evasão enquanto problema público, mapeando marcadores das desigualdades sociais e implementando políticas públicas que garantam igualdade nas condições de permanência e de conclusão da graduação, com ênfase no aprimoramento dos programas e projetos de assistência ao estudante. Contudo, é preciso ir além para garantir, além da permanência, a conclusão do curso e a futura inserção profissional em ocupações compatíveis com a formação universitária.
Quanto às limitações deste estudo, destaca-se o fato de ter sido realizado em um lócus estrito, o que limita a projeção de seus resultados a outras realidades. Além disso, a amostra de estudantes foi somente de 15% da população total de evadidos, o que restringe a generalização dos dados e uma compreensão mais aprofundada acerca do fenômeno da evasão no lócus de estudo. Também não foi possível implementar as ações sugeridas, a fim de comprovar sua efetividade e viabilidade no contexto real da universidade.
Por outro lado, o estudo permitiu compreender o perfil, as motivações e explorar relatos associados à evasão para um grupo relevante de estudantes universitários, superando uma das principais dificuldades de estudos sobre o tema, que é o de obter uma interlocução com esses sujeitos. As vivências e experiências dos estudantes pesquisados podem repercutir em sintonia com a realidade de outros estudantes do ensino superior no Brasil e servir como parâmetro para que outras universidades planejem ações direcionadas à permanência na graduação.