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Mental
versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X
Mental vol.11 no.20 Barbacena jan./jun. 2017
ARTIGOS
Narrativa de um atleta de bocha paralímpica: ouvindo os que não falam
Narrative of an paralympic boccia athlete: listening to those who do not speak
Narrativa de un atleta de bocha paralímpica: oyendo a los que no hablan
Márcio de Souza SantosI; Carolina Gonçalves da Silva FourauxI; Valéria Marques de OliveiraII
IProfessor de Educação Física e Mestre em Psicologia PPGPSI/UFRRJ.
IIPsicóloga; Pedagoga; Psicopedagoga; Especialista em RH, Psicoterapia, Gestalt-terapia e Educação Especial; Mestre em Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (EURJ); Doutora em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Pós-Doutora em Educação da UERJ. Professora de Psicologia nos cursos de graduação e Mestrado em Psicologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
RESUMO
A bocha paralímpica é um esporte desafiador para pessoas com deficiência com comprometimento motor nos quatro membros. Um grupo desses atletas, mesmo com a prática esportiva, permanece prejudicado pela incapacidade de oralização e falta de comunicação por outros meios. Baseado na Psicologia Cultural buscou-se entender como essas pessoas se constroem, por meio da narrativa desses sujeitos, considerando a importância de se fazer presente no mundo por meio da comunicação e se fazer presente para si mesmo, pela necessidade de se fazer inteligível ao outro, estabelecendo o diálogo. Propôs-se alternativas na expressão narrativa e posterior análise, considerando as características dos sujeitos: comunicação por tradutor ou computador com teclado adaptado; expressões, sons e gestos alterados pela deficiência; escolha de fotos; e análise da rede social do sujeito. Isso fez com que o papel dos pesquisadores fosse da maior importância, ao estabelecer vínculos com os sujeitos, possibilitando o diálogo com objetivo de conhecer a história de vida de pessoas acostumadas a serem interpretadas e não ouvidas. Conjecturou-se que a bocha adaptada, diferentemente do que se acreditava, não é a salvação de uma vida estagnada. Ao contrário, ela é, primeiramente, uma ponte para a socialização e para o lazer; em segundo lugar, constitui-se como a profissão do atleta, trazendo sua outra identidade. A pesquisa narrativa possibilitou mostrar os bastidores do presente trabalho e permitiu a articulação de métodos de coleta de dados que melhoraram o diálogo entre pesquisador e sujeito pesquisado, que se mostrou um atleta maduro, inteligente, não tão independente como se acredita ser ideal, mas tão autônomo quanto possível.
Palavras-chave: narração; psicologia do esporte; pessoas com deficiência.
ABSTRACT
The Paralympic boccia is a challenger sport for the disabled with motor impairment in all four limbs. A group of these athletes, even with the sports practice, remains hampered by oralization inability and lack of communication by other means. Based on Cultural Psychology sought to understand how these people are constructed, through the narrative of these subjects, considering the importance of being present in the world through communication and do this for yourself, by the need to make intelligible to the other, establishing dialogue. It is proposed adjustments in the narrative and subsequent analysis, considering the characteristics of the subjects: communication by translator or computer with adapted keyboard; expressions, sounds and gestures changed by disability; choice of pictures; and social network analysis of the subject. Because of this, the researcher's role was of great importance, establishing links with the subjects, which allowed dialogue, and aiming to know the life story of people accustomed to be interpreted and not heard. It was noticed that the boccia adapted, different than the researcher believed, is not the salvation of a stagnant life, but it is primarily a bridge for socializing and recreation; and, secondly, the athlete's career, bringing his other identity. The narrative research allowed the study to show the behind the scenes of this work, and the joint data collection methods improved the dialogue with the subject, showing a mature athlete, intelligent, not as independent as it is believed to be ideal, but as autonomous as possible.
Keywords: narration; psychology, sports; disabled persons.
RESUMEN
La bocha es un deporte paralímpico desafiante para las personas con discapacidad y alteraciones motoras en las cuatro extremidades. Un grupo de estos atletas, incluso con la práctica deportiva, sigue siendo obstaculizado por la incapacidad de oralización y la falta de comunicación por otros medios. Sobre la base de la Psicología Cultural se trató entender cómo estas personas se construyen a través de la narrativa de estos sujetos, teniendo en cuenta la importancia de estar presente en el mundo a través de la comunicación y se hacer presente por sí mismo, por la necesidad de hacer inteligible el uno al otro, estableciendo un diálogo. Se propusieron alternativas en la expresión narrativa y el análisis posterior, teniendo en cuenta las características de los sujetos: Comunicación por traductor o computador con teclado adaptado; expresiones, sonidos y gestos alterados por la deficiencia; elección de fotos; y análisis de la red social del sujeto. Esto hizo que el papel de los investigadores fuera de gran importancia para establecer vínculos con los sujetos, lo que permite el diálogo, con el fin de conocer la historia de vida de la gente acostumbrada a ser interpretada y no oída.. Se conjeturó que la bocha adaptada, diferentemente de lo que se creía, no es la salvación de una vida estancada. Al contrario, ella es, principalmente un puente para la socialización y el ocio; en segundo lugar, se constituye como la profesión del atleta, trayendo su otra identidad. La investigación narrativa hizo posible mostrar los bastidores de este trabajo lo que permitió la articulación de los métodos de recopilación de datos que han mejorado el diálogo entre el investigador y el sujeto de la investigación, que muestra un atleta maduro, inteligente, no tan independiente como se cree que es ideal, pero lo más autónomo posible.
Palabras clave: narración; psicología del deporte; personas con discapacidad.
1 APRESENTAÇÃO
O presente trabalho começou a ser esboçado quando os autores tiveram seu primeiro contato com a bocha paralímpica, por intermédio da professora Márcia da Silva Campeão, que também é coordenadora da modalidade pelo Comitê Paralímpico Brasileiro, e conheceram o esporte por várias vertentes: como treinadores, pesquisadores, amigos dos jogadores e árbitros. Buscando entender a qualidade de vida dos atletas, os autores aplicaram um questionário de bem-estar subjetivo em um projeto piloto, porém algumas pessoas não puderam responder porque, como será melhor descrito, são afetadas neurologicamente na área responsável pela fala, impossibilitando a comunicação oral e o desenvolvimento da língua de sinais. Nesse momento, remodelou-se o formato de pesquisa para se estabelecer uma comunicação viável entre atleta e pesquisadores, sem a intervenção de terceiros, ampliando o objetivo (antes apenas a qualidade de vida) para conhecer a história de vida dessas pessoas.
Nos próximos tópicos serão apresentadas: a bocha adaptada ou paralímpica; a importância de se comunicar; e a narrativa e sua possibilidade como método de pesquisa.
2 BOCHA PARALÍMPICA
A bocha paralímpica é um esporte que foi desenvolvido na década de 1970 nos países nórdicos para que pessoas afetadas severamente nos quatro membros, pela paralisia cerebral (PC), pudessem praticar um esporte (CAMPEÃO, 2002).
Moore (2009) diz que a PC é uma disfunção neural que pode acometer o feto ou o recém-nascido nas fases pré, peri e pós-natal, por anomalias genéticas e infecções, complicações na hora do parto (gerando anóxia) e por traumatismos ou infecção pós-parto.
O jogo de bocha paralímpica é desenvolvido em uma quadra retangular de 12,5 x 6,0 metros. Normalmente joga-se 1 x 1, mas existem torneios de pares (2 x 2) e equipes (3 x 3). Na modalidade individual, um jogador tem seis bolas vermelhas e o adversário, seis azuis. O jogador de bolas vermelhas inicia a partida lançando uma bola branca dentro da área delimitada da quadra; em seguida, o mesmo lança uma bola vermelha tentando aproximá-la da bola alvo. Depois o jogador de bolas azuis tenta o mesmo. Quem estiver mais distante da bola branca continua fazendo lançamentos até que acabem as bolas dos dois. No fim, quem acabar com sua bola, ou bolas, mais próxima(s) da bola alvo é o vencedor da parcial. Nos individuais, os jogos têm quatro parciais (SANTOS, 2016).
Existem quatro categorias de jogadores: BC1 – pessoas com PC que necessitam de um auxiliar para mover a cadeira de rodas e fazer os lançamentos; BC2 – pessoas com PC que não necessitam de auxílio para jogar; BC3 – pessoas com PC ou outra deficiência que impeça a movimentação voluntária dos quatro membros (às vezes esses atletas também são incapazes de falar e são esses que decidimos trabalhar no presente estudo); BC4 – atletas com outras deficiências diferentes da PC, mas que apresentam o mesmo comprometimento motor da categoria BC2 (SANTOS, 2016).
3 COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM
De acordo com Vygotsky (1991) dois componentes são fundamentais para se compreender a comunicação: pensamento e linguagem. Para o autor, pensamento e linguagem são dois processos paralelos: separados, mas, ao mesmo tempo, relacionados e interdependentes. Ele afirma a possibilidade de existência do pensamento sem linguagem e da linguagem sem pensamento, mas destaca que está na sua intersecção o salto da espécie humana, única a manejar tal encontro com destreza e capaz de produzir o pensamento verbal. O pensamento abstrato, a capacidade de representação, a possibilidade de construção de outro espaço-tempo fora do real advém dessa conexão. Na comunicação, isso se revela na capacidade de construir a realidade; o conhecimento não é apenas imputado de fora para dentro, ou herdado de dentro para fora, ele é construído na interação homem ambiente, utilizando as funções psicológicas superiores. Diferentemente dos outros animais, o homem possui a capacidade de ter consciência de si e do mundo, de modificar a si e ao ambiente, de fazer história e de superar muitas de suas limitações físicas.
A relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém entre a palavra e o pensamento; nesse processo a relação entre o pensamento e a palavra sofre alterações que, também elas, podem ser consideradas como um desenvolvimento no sentido funcional. As palavras não se limitam a exprimir o pensamento: é por elas que este acede à existência. Todos os pensamentos tendem a relacionar determinada coisa com outra, todos os pensamentos tendem a estabelecer uma relação entre coisas, todos os pensamentos se movem, amadurecem, se desenvolvem, preenchem uma função, resolvem um problema. Esta corrente do pensamento flui como um movimento interno através de uma série de planos. Qualquer análise da interação entre o pensamento e a palavra terá de principiar por investigar os diferentes planos e fases que um pensamento percorre antes de se encarnar nas palavras (VYGOTSKY, 1991, p. 124).
O autor trata nesse trecho da interação do pensamento com a palavra, e diz que é necessário conhecer a trajetória percorrida até a externalização para se compreender a interação entre o pensamento e aquilo que é comunicado. Dessa forma, é importante entender o desenvolvimento do pensamento. O autor enumera as correntes psicológicas que tentaram, quase sem nenhum avanço, compreender a interação entre pensamento e palavra, todos os resultados se encaminhavam para o reducionismo do associacionismo, teoria que acredita que toda palavra teria seus significados consolidados e que a tarefa de se comunicar seria feita pela simples associação entre pensamento e significado de palavras predefinidas. O autor discorda dessa hipótese e, no texto acima destacado, explica que, sob seu ponto de vista, o discurso interno e o externo estão em constante fluidez, sendo reestruturado o tempo todo (VYGOTSKY, 1991).
Na busca de compreender os discursos interno e externo, o autor remonta ao desenvolvimento infantil e fala sobre o discurso egocêntrico: fase na qual a criança aparentemente mantém conversas audíveis consigo mesma. Inicialmente, acreditava-se que a criança falava tudo que lhe vinha à mente, num processo egocêntrico, e que, chegada a idade escolar, percebia que ela era mais um entre vários indivíduos, não fazendo sentido falar em voz alta tudo aquilo que pensasse. O autor formula outra hipótese. Para ele, não há ruptura de um discurso para o outro. Na verdade, o discurso egocêntrico seria parte do desenvolvimento para o discurso interior: no primeiro, o sujeito ainda não consegue abstrair suas ideias a ponto de apenas pensá-las, e a fala ajuda fortalecendo aquilo que se pensa (em outras palavras, nesse período o pensamento é externo à pessoa); depois dessa etapa, o discurso para si mesmo passa a ser apenas interno e "o discurso interno interior é um discurso sem palavras" (VYGOSTKY, 1991, p. 144).
Ao contrário do discurso, o pensamento não é constituído por unidades separadas. Quando desejo comunicar o pensamento de que hoje vi um rapaz descalço de camisa azul a correr pela rua abaixo, não vejo cada elemento em separado: o rapaz, a camisa, a cor desta última, a corrida do rapaz, a ausência de sapatos. Concebo tudo isto num só pensamento, mas exprimo o pensamento em palavras separadas. Um interlocutor leva por vezes vários minutos a expor um só pensamento. No seu espírito o pensamento encontra- -se presente na sua globalidade num só momento, mas no discurso tem que ser desenvolvido por fases sucessivas (VYGOTSKY, 1991, p. 148).
Enriquecendo esse debate, Luria (1990) discorre que no processamento de informação e, consequentemente, transformações em conhecimento, diversas variáveis atuam não apenas o aspecto cognitivo com a qualidade do raciocínio, mas também os aspectos afetivos e sociais, como, por exemplo, a motivação e a interação social.
Questão importantíssima para se compreender a forma de comunicação das pessoas que não oralizam, tanto os sujeitos desse trabalho, como as pessoas mudas que usam a Libras: ao se comunicar – os primeiros pela digitação adaptada e os segundos pelos sinais –, os indivíduos reduzem as frases ao máximo, exprimindo em poucos, ou até mesmo em um termo, frases complexas. Para ilustrar, podemos criar uma situação: em uma conversa com um amigo você avista ao longe outro colega e diz, em linguagem oral: "com licença, vou ali falar com meu colega!". Caso a mesma situação ocorresse com os sujeitos da pesquisa, ter-se-ia: "eu-ir- -colega", por exemplo. É possível perceber que a frase, da mesma forma que a primeira, é inteligível, porém o uso de conjugações, conectores e outros é substituído pela interpretação de pronomes e verbos. Vygotsky (1991) percebeu essa relação entre palavra e significado no estudo do desenvolvimento infantil e explicou que existem dois processos antagônicos em sua estrutura, mas complementares em sua relação: fonética e semântica. Nos primeiros anos do desenvolvimento da linguagem, a criança deseja expressar alguns desejos, porém ainda não tem um arcabouço definido de palavras em seu estoque para se socializar. Sendo assim, faz um grande esforço para apreender algumas palavras. Em contrapartida, a semântica devida à falta de recurso linguístico tem que ser mais elaborada, já que as poucas palavras que serão, esforçadamente, pronunciadas devem conter significados mais elaborados, para que o trabalho seja produtivo e haja decifração pelos interlocutores. Assim, enquanto a fonética é básica, a semântica é complexa.
A relação entre fonética e semântica dá pistas de quando há a bifurcação na comunicação das pessoas que não oralizam e das que oralizam. Enquanto as pessoas que oralizam desenvolvem a comunicação seguindo a lógica cultural de toda a raça humana (na qual a linguagem falada é o próximo nível, com grande desenvolvimento da fonética), as pessoas com deficiência nessa área continuarão fazendo e desenvolvendo a semântica em suas formas alternativas de comunicação.
Essa questão se segue até a fase adulta e, pela experiência que foi adquirida na relação com esse grupo, pode-se perceber que na alfabetização a escrita se manteve, e se mantém, com características da fala. Dessa forma, espera-se nesse trabalho que as narrativas produzidas entre os sujeitos e os pesquisadores estejam bem desenvolvidas pela semântica e menos pela fonética.
Tendo conhecimento básico sobre os processos de organização do pensamento e como este "encarna" nas palavras, mais que isso, como "encarna" na comunicação – compreendendo que comunicação é muito mais que palavras... – vamos adentrar agora o resultado disso: a narrativa.
4 NARRATIVA
O que faz as coisas terem valor? Em Atenas, na Idade Antiga, poderíamos falar da honra, do conhecimento; no medievo, da religião; na modernidade, da produção, do positivismo. E agora, o que é valorativo por nossa sociedade? Partirse-á do ponto de vista de que, assim como os sofistas disseram há muito tempo, não existe verdade; a verdade não é composta por fatos verossímeis, mas pelo melhor discurso. Evidente que, ao dizerem isso, os sofistas estavam inseridos em um meio social, no qual essa postura era favorável para a elaboração de discursos, em uma sociedade que era regida por aquele que falava melhor em público (SOUZA, 2005). Alguns milhares de anos mais tarde, Cassirer (1992) também fala algo sobre a improbabilidade de se encontrar a verdade na linguagem, já que, para o autor, ao enunciarmos, ao retirarmos do mundo das ideias uma informação e transmiti-la, estamos corrompendo a "pureza abstrata" da verdade, mitificando a ideia original.
Então, até que ponto a verdade das coisas é verdade, e até que ponto isso importa? Para Bruner (1997) essa questão, ao trabalharmos com o discurso, não deve ser um obstáculo.
Uma psicologia culturalmente sensível (especialmente uma que conceda um papel central à psicologia popular como fator mediador) é, e deve ser, embasada não apenas no que as pessoas realmente fazem, mas no que elas dizem que fazem e no que elas dizem que as fez fazer o que elas fizeram. Ela também está interessada no que as pessoas dizem que os outros fizeram e porquê. E, acima de tudo, ela está interessada em como as pessoas dizem que seus mundos são (BRUNER, 1997, p. 25).
O autor do presente trabalho também pensa que não podemos negligenciar o conhecimento do senso comum – chamado por Bruner (1997) de "psicologia popular" –, pois é ele que guia grande parte das ações humanas. Mesmo quando advém de um conhecimento científico, logo é adaptado para que as pessoas comumente possam utilizá-lo. Para conhecermos e estudarmos esse conhecimento é preciso estarmos dispostos a entender o que as pessoas têm a dizer. O foco aqui não é refutar ou comprovar cada dado, cada data, cada nome que o discurso dos sujeitos vai disponibilizar, é entender os fatores que atravessam o que eles estão falando sobre o tema desenvolvido. A verdade canônica, perfeita e inatingível não importa no presente estudo, o que realmente importa é a verdade de cada um, porque ela é contada de tal forma e não de outra, qual a importância que ela tem para a pessoa que conta, porque ela conta para os entrevistadores dentro de um espaço-tempo e não em outro, e assim por diante.
Há uma deformação curiosa na acusação de que "o que as pessoas dizem não é necessariamente o que elas fazem". Ela implica que o que as pessoas fazem é mais importante, mais "real", do que o que elas dizem, ou que esta última categoria é importante apenas pelo que pode revelar a respeito da primeira. É como se o psicólogo desejasse lavar suas mãos totalmente dos estados mentais e de sua organização, como que afirmando que "dizer", afinal, trata apenas do que nós pensamos, sentimos, acreditamos, experimentamos. É curioso que haja tão poucos estudos indo na outra direção: como as pessoas de fato revelam o que elas pensam, ou sentem, ou acreditam? Isto independentemente do fato de que a nossa psicologia popular é sugestivamente rica em categorias como "hipocrisia", "insinceridade" e similares (BRUNER, 1997, p. 26).
O trabalho falará brevemente sobre o conceito de narrativa, tendo em vista a importância do diálogo, principalmente nos dois níveis que foram apresentados: o processo de formação do discurso interno para o externo; e o processo de comunicação (sendo o primeiro, questão primordial para o desenvolvimento do segundo).
Bruner (2001) apresenta a narrativa como veículo privilegiado de organiza- ção e estruturação de significado. O homem pode usar da narrativa para aprimorar sua relação com o mundo, com caráter proativo, ele lê, interpreta, problematiza e dirige sua interação com a realidade. O contexto sociocultural e as novas experiências levam a novas narrativas. O processo de invenção e construção da realidade é ininterrupto e infinito. Quanto mais consciente de si e maior o autoconhecimento, maior a probabilidade de autonomia. A seleção, organização, resgate e aplicação das informações transformados em conhecimentos passam pela escolha e atividade do sujeito. Assim, significado e sentido se ligam, compreendendo significado como a conotação compartilhada, e sentido como a construção pessoal. Bruner distingue dois tipos de pensamento: paradigmático e narrativo (o segundo pode favorecer o primeiro). O pensamento paradigmático aproxima-se do científico, ou acadêmico, e contempla a objetividade. O pensamento narrativo aproxima-se do literário, do mítico e contempla a subjetividade. O autor aponta, ainda, que a narrativa é um dos caminhos para o desenvolvimento da metacognição. A narrativa expressa uma leitura de mundo, uma interpretação que se apresenta por meio de um canal de expressão, por exemplo, a língua, emitida por sons ou por sinais.
É difícil encontrar uma síntese do conceito de narrativa pela abordagem da psicologia cultural justamente pela sua abrangência e ao mesmo tempo singularidade, o que dificulta generalizações. Sem intenção de definição, Bruner (1997) diz que a narrativa é um princípio "pelo qual as pessoas organizam sua experiência no mundo social, seu conhecimento sobre ele e as trocas que com ele mantêm" (BRUNER, 1997, p. 41) e completa dizendo que essa forma de "organizar as experiências" é diferente da organização científica, porque adota determinadas características específicas, divididas pelo autor em cinco:
- Sequencialidade: a narrativa segue uma ordem de eventos únicos, que são formulados pelo narrador de acordo com seus critérios de sequencialidade sem regras externas a ele; da mesma forma o ouvinte/ pesquisador precisa estar aberto à narrativa, significando aquilo que se apresenta a partir de seus próprios critérios subjetivos, ou seja, não é uma exposição de fatos, é uma relação dialógica;
- Indiferença factual: o que se apresenta pode fazer parte de uma história "real" ou "imaginária", sem prejuízo de valor. O que importa na narrativa é a sequência dos fatos e o motivo de serem dispostos como tal, e não sua veracidade. Dutra (2002) concorda com o pensamento de Bruner ao dizer que, na narrativa, não existe informação; a narrativa é apenas história contada, de acordo com as lembranças e com a forma que o narrador quer, podendo ser interpretada pelo pesquisador por meio da sua própria experiência. Ao contrário da informação, que é objetiva, já dada com respostas, com justificativa;
- Forma singular de manejar afastamentos do canônico: a sociedade é formada por "regras" de comportamento que facilitam nossa interação social. Quando existe um desvio, a narrativa se incumbe de ajustar aquela situação dentro de uma possível explicação convincente. Nas palavras de Bruner (1997), "a função de uma história é encontrar um estado intencional que atenue ou pelo menos torne compreensível um afastamento de um padrão cultural canônico" (BRUNER, 1997, p. 50);
- Qualidade dramática: para se narrar é preciso de um ator, uma ação, uma meta, um cenário e um instrumento; quando ocorre um desvio moral dentro desse equilíbrio teatral, surge um problema, mas mesmo nesse caso a moral ainda é uma questão dominante na narrativa, "mesmo que se seja uma posição moral contra as posições morais" (BRUNER, 1997, p. 51);
- Paisagem dual: enquanto o narrador conta sua história e pode-se observar essa externalização, existem "eventos mentais" acontecendo simultaneamente — e eles dialogam, construindo uma história não apenas para quem ouve, mas para o próprio narrador. Silva (2010) acrescenta:
As narrativas têm a função de ferramentas na construção e reconstrução das identidades sociais, caracterizando um processo que se desenvolve no desenrolar do próprio narrar. Envolvem, portanto, uma negociação dos seus valores e de como as ações deverão ser compreendidas e interpretadas por quem as ouve (SILVA, 2010, p. 5).
Ainda sobre a paisagem dual, mas dialogando com as outras características descritas por Bruner (1997), Dutra (2002) escreve:
[...] o ato de contar e ouvir uma experiência envolve um estar-com-no- -mundo, uma relação de intersubjetividades, que se dá num universo de valores, afetos, num passado que se articula com o presente e apoiado numa situação que reflete, revela, conserva e transcende o mundo em que esses personagens estão inseridos (DUTRA, 2002, p. 374).
Marques e Satriano (2014, p. 3) consideram o método narrativo como "um exercício de autonomia e autoria do pensamento", questão importantíssima para grupos marginalizados socialmente, e complementam:
A escolha pela narrativa no processo de enunciação tem como meta implí- cita o empoderamento da pessoa e do grupo. Quando as pessoas conversam mais, quando compartilham mais espaços sociais (quadras, clubes, praças etc.) amplia-se a possibilidade da interlocução, da identificação e da organização sociopolítica. (MARQUES; SATRIANO, 2014, p. 14).
Vieira e Henriques (2014), citando McAdams (2001), concordam com Marques e Satriano (2014) ao dizerem, em outras palavras, como é importante "estar-com-no-mundo":
Na medida em que o autoentendimento de uma pessoa está integrado sincronicamente e diacronicamente, de modo que ela possa se situar de maneira significativa em algum nicho psicossocial e possa prover sua vida com algum grau de unidade e propósito, esta pessoa tem identidade (MCADAMS, 2001 apud VIEIRA; HENRIQUES, 2014, p. 167).
A narrativa vem sendo utilizada em diversos trabalhos como forma de repensar o diálogo tradicional entre dominante-dominado, embora essa perspectiva seja comumente ligada ao autoritarismo sobre crianças e adolescentes, principalmente quando se encontram em estado de risco, como em situação de precariza- ção de higiene e alimentar, abandono, deficiência, entre outras (TANAKA, 2007; MARQUES; SATRIANO, 2014).
Para Vieira e Henriques (2014), apenas temos clareza daquilo que pensamos quando externalizamos o pensamento a partir da linguagem. Nas palavras dos autores: "A mente não pode ser entendida senão como uma construção intersubjetiva, a qual é objetivada através da linguagem partilhada por uma determinada cultura" (VIEIRA; HENRIQUES, 2014, p 168). Narrativa, então, teria uma relação direta com identidade, pois é por meio da primeira que nos anunciamos no mundo em que vivemos, passando de indivíduos passivos dentro de nossos grupos para pessoas atuantes em nosso meio, com poder de diálogo (SILVA; TRENTINI apud MARQUES; SATRIANO 2014; VIERA; HENRIQUES, 2014; DUTRA, 2002).
5 NARRATIVA DA PESSOA COM PARALISIA CEREBRAL E AFASIA MOTORA
Para Polonio e Silva (2013), a dificuldade na comunicação das pessoas com PC decorrente de uma lesão motora orofacial que prejudica a articulação dos músculos da face e, assim, a capacidade de oralização, pode resultar em prejuízos no desenvolvimento intelectual, social e afetivo. Para os mesmos, a comunicação é considerada elementar para a aquisição de conhecimento e para o desenvolvimento humano, visto que é por meio dela que ocorre a construção do pensamento, o que permite que nos relacionemos uns com os outros e com o mundo. Dessa forma, entende-se que o desenvolvimento da inteligência se dá na medida em que as funções orgânicas dos sujeitos estejam ligadas aos círculos social e cultural (POLONIO; SILVA, 2013).
De acordo com Castellano e Freire (2014) e Castellano (2010), a comunica- ção das pessoas com PC pode não se dar apenas pela locução verbal, mas também por gestos, traços, expressões ou designações como meios de comunicação. Assim, elas podem ter a necessidade de serem ouvidas e reconhecidas pelos outros sujeitos por meio de suas expressões da face e do corpo e da produção de seus silêncios e sons, pois tudo isso pode ser considerado linguagem. Dessa forma, a pessoa com PC transforma-se em um corpo falado, tornando-se falante de tantas outras formas subjetivas, e necessitando ser interpretado pelo outro por meio de uma relação intersubjetiva (CASTELLANO; FREIRE, 2014; CASTELLANO, 2010).
Apesar de as consequências da PC terem sua incidência principalmente na motricidade, o acometimento da linguagem em crianças com esse tipo de deficiência tem registrado níveis significantes (MASSI, 1997). Desta forma, a linguagem deve ser vista como um evento interativo que abrange uma adaptação ininterrupta de imagens que os sujeitos fazem entre si, a construção do significado, a troca de papéis e de informações mútuas. Assim, a pessoa com PC pode ter um acometimento em sua linguagem justamente pela falta da interação intersubjetiva com outros sujeitos desde a fase da infância, levando isso para a vida adulta. Assim, torna-se essencial aos indivíduos com PC que seus conhecidos colaborem com o desenvolvimento de comunicação alternativa para a substituição da comunicação verbal quando esta está comprometida, a fim de estimular o desenvolvimento cognitivo dessas pessoas (MASSI, 1997; MIRANDA; GOMES, 2004).
O desenvolvimento da fala e da cognição em pessoas com PC deve ser incitado desde a infância, quando a criança com PC é estimulada principalmente pela mãe (CESA, 2010). A mãe da criança com PC tem um papel fundamental para o seu desenvolvimento, tornando-se (quando presente) a pessoa mais importante para ela. Porém, algumas mães acreditam que apenas a linguagem corporal é suficiente para que elas consigam fazer uma interpretação do que se quer comunicar, o que sugere que, de forma inconsciente, a mãe acaba desenvolvendo um medo da independência do filho(a), resultando muitas vezes em frustração e insatisfação por parte da criança, fazendo com que esta simplesmente aceite o que a mãe "traduz", prolongando a relação de simbiose até a fase adulta (CESA, 2010). Comin e Amorin (2010), concordando com Cesa (2010), afirmam que as pessoas e ambiente ao redor da pessoa com deficiência têm influência direta sobre seu desenvolvimento. Para os autores, o contexto em que a pessoa está inserida torna-se essencial para a constituição de suas peculiaridades. Eles ainda afirmam que uma pessoa "surge" e desenvolve sua identidade por intermédio de sua relação com o outro, passando a se ver a partir do olhar do outro. Dessa forma, a interação entre os indivíduos acontece de forma simbólica, de maneira que os sujeitos podem ser entendidos de forma original, já que o outro é referenciado não como algo externo à pessoa, mas como alguém que é parte integrante desta, colaborando para um método de constituição de uma identidade que só pode existir por causa da visão do outro (COMIN, AMORIN, 2010).
Ao se considerar as características físicas e sociais relacionadas à PC, é perceptível que existe uma discrepância entre a relação autonomia/independência que esses sujeitos têm, e a que poderiam ter. A autonomia representa a liberdade pessoal de tomada de decisão dentro dos princípios éticos da comunidade, enquanto a independência está ligada à capacidade física necessária para dar manutenção à vida, executando os desejos e necessidades pessoais. Ou seja, a pessoa com PC, embora muito dependente de outras pessoas e/ou tecnologias para viver, poderia, teoricamente, ter sua autonomia preservada, já que sua capacidade intelectual normalmente não é afetada pela deficiência. Mas não é esse o quadro visto no Brasil, o que é demonstrado tanto pela experiência dos pesquisadores, quanto pelos resultados encontrados na literatura (CAMARGO et al., 2012).
Usando o indicador Paralisia Cerebral, encontrou-se 219 artigos. Esse mesmo indicador somado (+) a Afasia Motora, Discurso, Narrativa, Enunciação, Atleta e Bocha, apresentaram, respectivamente, 0, 3, 0, 0, 0, 0 como resultados para trabalhos científicos.
Dos 219 artigos encontrados que perpassavam o tema "paralisia cerebral", apenas três deles relacionavam "paralisia cerebral e discurso", sendo que apenas um referia-se ao discurso da própria pessoa com paralisia cerebral (MASSI et al., 2009). Os demais versavam sobre outros atores envolvidos, quer seja fisioterapeuta, médico ou educador (BORTAGARAI, RAMOS, 2013).
Considerada a escassez de trabalhos na área de pessoas com PC, associados a qualquer outra questão que não seja a própria deficiência, é evidente que esse grupo se encontra fragilizado socialmente. Mesmo entre os três trabalhos que pretendem debater a questão da PC, apenas um busca a própria pessoa com defici- ência, e esta é uma criança de quatro anos. O foco, nesse caso, foi desenvolver a comunicação, e não saber o que o sujeito tinha a dizer (MASSI et al, 2009).
No presente trabalho, buscou-se uma aproximação com o sujeito pesquisado, a fim de dialogar com ele e conhecer seu mundo, reconhecendo que os pesquisadores sabem muito menos da vida do sujeito do que ele próprio. Abaixo descreve-se a metodologia empregada para tanto.
6 METODOLOGIA
A presente pesquisa seguiu o constructo da psicologia cultural de Bruner, concordando com a importância que o autor dá para o diálogo na formação cultural, que é condição básica para a existência humana, assim como a conhecemos (BRUNER, 1997, p. 25):
Uma psicologia culturalmente sensível (especialmente uma que conceda um papel central à psicologia popular como fator mediador) é, e deve ser, embasada não apenas no que as pessoas realmente fazem, mas no que elas dizem que fazem e no que elas dizem que as fez fazer o que elas fizeram. Ela também está interessada no que as pessoas dizem que os outros fizeram e porquê. E, acima de tudo, ela está interessada em como as pessoas dizem que seus mundos são.
Jovchelovitch e Bauer (2002) categorizam a pesquisa narrativa como um método qualitativo de pesquisa social. O autor se respalda na pesquisa narrativa como coleta de dados descrita por Schutze (citado por JOVCHELOVITCH; BAUER, 2002), que tem sua relevância, para a presente pesquisa, no fato de estruturar e apontar uma forma de dialogar com questões subjetivas, utilizando-se da intersubjetividade proporcionada pela interação social. Entretanto, os objetivos desses pesquisadores levaram a estudos historiográficos e investigativos, como eles próprios apontam, sem focar no diálogo com o "estar-com-no-mundo" (DUTRA, 2002) e incentivar a "autonomia e autoria" do pensamento (MARQUES; SATRIANO, 2014), independente da veracidade e dependente da sequencialidade, como diz Bruner (1997).
O trabalho tem caráter qualitativo e buscou conhecer a história de vida de um atleta de bocha paralímpica, com deficiência física severa nos quatro membros, por meio da narrativa. Sendo assim, o trabalho se interessou pela interpretação da interação da pessoa com o mundo à sua volta, e como tudo isso é sentido e expressado por meio da comunicação. Dutra (2002) chama a atenção sobre a importância e peculiaridades da narrativa, tanto para o narrador, quanto para o ouvinte, e como a narrativa pode ser uma eficaz técnica metodológica:
A narrativa contempla a experiência contada pelo narrador e ouvida pelo outro, o ouvinte. Este, por sua vez, ao contar aquilo que ouviu, transforma-se ele mesmo em narrador, por já ter amalgamado à sua experiência a história ouvida. A consonância com tal modo de pensar a experiência e a narrativa como a sua expressão levam-nos a eleger a narrativa como uma técnica metodológica apropriada aos estudos que se fundamentam nas ideias fenomenológicas e existenciais. Através da narrativa, podemos nos aproximar da experiência, tal como ela é vivida pelo narrador. A modalidade da narrativa mantém os valores e percepções presentes na experiência narrada, contidos na história do sujeito e transmitida momento para o pesquisador. O narrador não "informa" sobre a sua experiência, mas conta sobre ela, dando oportunidade para que o outro a escute e a transforme de acordo com a sua interpretação, levando a experiência a uma maior amplitude, tal como acontece na narrativa (DUTRA, 2002, p. 374).
Foi desenvolvida a análise narrativa, visto que o objetivo não era julgar se o conteúdo narrado é verossímil, mas buscar conhecer dados sobre sua construção, seu sentido, sua motivação e inferir o porquê daquela mensagem estar sendo dita naquela hora para aquela pessoa.
A proposta foi que o atleta desenvolvesse a narrativa com frases, ou até mesmo apenas palavras, carregadas de sentido, muitas vezes sem fazer uso de conectores, pronomes e outros recursos linguísticos (assim como descrito em item anterior, sobre linguagem), menos fonética e mais semântica. Sendo assim, a microanálise foi utilizada para nos embrenharmos nos sentidos e nos porquês de cada palavra/frase digitada. Strauss e Corbin (2008) falam que a microanálise faz parte de um primeiro olhar sobre um texto ou imagem, buscando analisar linha por linha, e sugerem que esse tipo de trabalho deva ser feito em frases carregadas de conteúdo, que em uma leitura "salte" aos olhos, considerando a subjetividade dos pesquisadores no processo de organizar e relacionar o conteúdo narrado pelo atleta. Mas, no presente trabalho, buscou-se desenvolver microaná- lise sobre o texto como um todo, dadas as características da escrita, carregada de informação em poucas palavras.
Foi considerado o momento de troca entre pesquisador e pesquisado, sendo anotados expressões e sentimentos percebidos pelo pesquisador no diário de campo.
7 OBJETIVO
7.1 Objetivo geral
Analisar a construção narrativa de um atleta paralímpico de bocha adaptada, sob seu ponto de vista, considerando o impacto do esporte na sua vida, por meio da análise narrativa de sua história de vida.
7.2 Objetivos específicos
- Verificar os métodos de comunicação alternativa que atletas de bocha paralímpica não oralizados utilizam;
- Identificar indicativos de mudanças na vida cotidiana de pessoas que se tornam atletas de bocha paralímpica;
- Desenvolver um método de análise narrativa para pessoas com grave comprometimento motor e comunicacional.
8 SUJEITO DA PESQUISA
8.1 Critérios de seleção do sujeito
Foi selecionado um participante que cumpria os seguintes pré-requisitos de exclusão/inclusão:
- Adulto entre 18 e 60 anos; residente no estado do Rio de Janeiro; atleta de bocha paralímpica da classe BC3; incapaz de oralizar (por deficiência motora); sem comprometimento intelectual; com paralisia cerebral severa (comprometimento nos quatro membros, além da fala — condi- ção também de elegibilidade para a prática de bocha na categoria BC3); disponibilidade e interesse para entrevista; de ambos os sexos.
8.2 Atleta Sujeito da Pesquisa (ASP)
O atleta sujeito da pesquisa (ASP) selecionado tem as seguintes características: homem; 25 anos; 1,70 m de altura; 65 kg de massa corporal; cabelo e olhos castanhos; pele branca; ensino médio completo (superior incompleto); residente no bairro de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro (RJ); mora com a mãe, professora do ensino fundamental da rede pública do Estado do Rio de Janeiro (pessoa responsável pela higiene, alimentação, comunicação — com seu filho e como intérprete entre seu filho e outras pessoas —, transporte, e todas as outras atividades básicas). O pai do atleta morreu no primeiro semestre de 2015.
A paralisia cerebral no ASP é do tipo mista (espástica e atetóide), desenvolvida de uma forma incomum: ele não utiliza grandes agrupamentos musculares, seu corpo permanece com poucos movimentos amplos, exceto pela movimentação da cabeça no lançamento da bola durante o jogo, mesmo assim com muita dificuldade, lentidão e insistência. Além da musculatura do pescoço, os músculos da mandíbula também se mantêm razoavelmente preservados, permitindo se alimentar com algum esforço; os músculos da face, responsáveis pelas expressões, como sorrir, podem ser acionados com bastante dificuldade; por fim, a motricidade dos olhos está preservada quase que por completo, sendo muito utilizada para a comunicação (como, por exemplo: olhar para a esquerda e direita rapidamente significa não; olhar para frente e piscar uma vez significa sim). Pernas, braços e tronco não possuem movimento voluntário, e quase nenhum involuntário. Como exceção, pode-se perceber o tônus muscular elevado em ocasiões de tensão e concentração durante o jogo de bocha; o olhar tem algum traço atetóide em sua movimentação lenta, com perda de foco em algumas situações.
9 INSTRUMENTOS
Câmera filmadora GoProHero 03: vídeo com resolução 1.920 x 1.080 pixels e 23 quadros/s. Diário de campo. Computador com teclado adaptado. Fotos. Correio Eletrônico. Redes Sociais.
10 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS
- Submissão do projeto ao Comitê de Ética da UFRRJ.
- Estabelecidos os critérios de seleção para o alcance dos objetivos da pesquisa, efetuou-se a seleção dos sujeitos pesquisados.
- Obtenção do aceite na participação da pesquisa.
- Coleta de dados por meio de quatro propostas:
- entrevista livre – buscando conhecer e explorando os canais de comunicação espontâneos de cada sujeito de pesquisa, valorizando as expressões e todo o clima de interação social vivenciado. Esta etapa foi desenvolvida em duas visitas à casa do sujeito pesquisado, em intervalos que garantissem a produção de dados. Essa etapa transcorreu em dois meses;
- escolha de fotografias para montar uma linha do tempo de história de vida;
- análise da linha do tempo de rede social (Facebook);
- comunicação textual escrita no computador com teclado adaptado para o sujeito (via correio eletrônico).
- Análise dos dados.
11 RESULTADO
11.1 Método de análise narrativa para pessoas com grave comprometimento motor e comunicacional
Nesse tópico, são apresentados exemplos nos quais foram aplicados os fundamentos da análise narrativa utilizados. Nesse caso, para que os dados resultantes da coleta realizada durante a pesquisa ganhem sentido, por vezes o tempo "presente" é ultrapassado e são apontados aspectos do passado ou expectativas futuras que possivelmente interferiram na interação pesquisador-sujeito pesquisado.
11.2 Narrativa abstraída por Seleção Fotográfica
Dada a característica e a relevância do sentido captado nas fotografias, foram escolhidas 13 fotos pelo sujeito pesquisado para ilustrar sua linha de tempo de vida, com destaque para antes e depois da bocha. As fotos foram entregues aos pesquisadores na segunda entrevista. Curioso perceber que, dentre as fotos, houve apenas uma que fazia menção à bocha paralímpica, mas representando a equipe e não uma foto dele próprio jogando. Diante da variedade das fotos, podemos supor que elas existam, mas que não foram escolhidas intencionalmente. Todas as outras fotos aparentemente demonstraram aspectos importantes da vida do entrevistado.
11.3 Narrativa abstraída por meio digital
O segundo método adotado para conhecer a história do ASP foi a análise da rede social utilizada pelo mesmo, o Facebook. O ASP raríssimas vezes escreveu algum comentário e, mesmo quando o fez, foi para intitular uma imagem. Então, a forma possível de analisar sua linha do tempo foi por meio das fotos. Se praticando o esporte ele é sério, compenetrado e, às vezes, até nervoso, nas redes sociais, o ASP esbanja alegria!
O atleta tem, até o presente momento, 365 amigos no Facebook, dos quais a grande maioria se divide entre família e pessoas relacionadas à bocha adaptada (atletas, treinadores, árbitros, equipe técnica). A influência do esporte na vida do ASP fica evidente nas últimas amizades adicionadas na rede: nos últimos dois anos, foram feitos 66 novos amigos, dos quais 35 são pessoas relacionadas à bocha adaptada, isso considerando aquelas que o entrevistador conhece.
Nas fotos publicadas pelo ASP, ou naquelas em que ele foi mencionado, o assunto que mais se destaca é a bocha paralímpica. Enquanto o seu time tem quase exclusividade nas imagens publicadas, as fotos da família em datas comemorativas e assuntos variados possuem, respectivamente, um segundo e terceiro lugar de respeito em número e qualidade de fotos. Entre as fotos variadas, os assuntos giram em torno de religião, viagens, rádio, exposições e cinema.
11.4 Narrativa abstraída por meio de conversa por e-mail
O último método de coleta de dados proposto nesse estudo serviu como uma retroalimentação não explícita. Com os dados colhidos na visita (por meio do vídeo, anotações, conhecimento prévio e opinião do entrevistador), somados às imagens/fotos no Facebook do ASP, pôde-se desenvolver algumas conjecturas. Essas foram expostas por correio eletrônico (e-mail) para que o ASP pudesse responder calmamente em casa (de preferência sem a presença de outra pessoa, para que não houvesse influência na sua construção das respostas).
12 COMUNICAÇÃO: PARA ALÉM DA ORALIDADE
Tendo em vista a valorização da narrativa do atleta, alguns desafios foram coletar e interpretar a narrativa do atleta por meios não orais garantindo sua autenticidade e autonomia.
Supomos que o ASP tenha um pensamento rico, mas a formação do discurso em palavras para se tornar uma narrativa implica um trabalho grande: visto sua dificuldade, ele precisa escolher palavras emblemáticas, que resumam a ideia que deseja transmitir. Mesmo quando utiliza a comunicação verbal por meio da escrita no computador, essa ação exige muito esforço e dedicação, e a melhor solução é a economia de palavras. Para situações do cotidiano, várias escolhas são resolvidas com três opções: sim, não e talvez; gosto, não gosto e mais ou menos; quero, não quero e agora não. Entretanto, tal canal de expressão não acompanha o ritmo de seu pensar, e seus planos de construção narrativos precisam suplantar suas dificuldades de expressão motora. Sua estruturação narrativa aponta para o trabalho semântico de construção do pensamento (VYGOSTKY, 1991).
A literatura sugere métodos de Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) (NUNES; NUNES, 2005) e Comunicação Alternativa Suplementar (CAS) (PAURA, MANZINI; DELIBERATO, 2002; DELIBERATO et al., 2013; PAURA; DELIBERATO, 2014), que não foram encontrados na comunicação usada cotidianamente pelo atleta. Embora ele utilize métodos de comunicação alternativos (no sentido de que qualquer método que não for o mais usual será alternativo), não são aqueles sugeridos pela literatura para facilitar a comunicação habitual e diária, tais como: a) utilização de símbolos pictográficos e/ou ideográficos; b) pranchas de comunicação; c) software para tablete, celulares ou computadores.
Para comunicação imediata, ASP faz uso de "pistas de contextualização" paralinguística e extralinguística (TAVARES, 2003). Por exemplo: quando perguntado sobre algo que não queria responder, ele assumia feições sérias e olhar fixo; quando queria sinalizar que concordava com algo, piscava uma vez pausadamente e movia levemente a cabeça para baixo e para cima. Essas "pistas" da comunicação não foram suficientes para que o atleta pudesse se expressar de forma mais complexa, e seria necessário que o narrador tivesse liberdade para externalizar seus pensamentos, já que a narrativa, nas palavras de Marques e Satriano (2014) "é um exercício de autonomia e autoria do pensamento". Delineia-se um obstáculo da comunicação, porém simultaneamente sua resolução: em vez de diminuir a interação comunicacional ou antecipar as dificuldades e "falar" pelo narrador, o interlocutor poderia ampliar sua capacidade interpretativa controlando a sua ansiedade, ampliando o contato com o narrador e incentivando outras formas criativas de comunicação.
O ASP não utilizou a locução verbal, visto que não se comunica oralmente, mas sua narrativa se compôs nos seus gestos, tonicidade, expressões corporais e, principalmente, faciais, espelhando o "corpo falado" representante de sua subjetividade.
Embora o ASP seja visivelmente dependente de sua mãe, devido ao seu comprometimento motor, inferimos que sua autoria de pensamento e autonomia na construção do pensamento busca (e em alguns momentos encontra) formas de se constituir e se fortalecer, enfrentando o naturalizado nessa situação (CAMARGO et al., 2012).
Além da mãe, os pesquisadores foram o fator que mais influenciou a narrativa do atleta. Silva (2010) diz que narrar envolve uma negociação de valores entre quem narra e quem ouve e, para Dutra (2014), narrar faz parte de uma troca de papéis: em um momento existe um narrador e um ouvinte e, depois que a narrativa do primeiro é absorvida e interpretada pelo ouvinte, esse último se torna o narrador da história anteriormente contada, mas agora ressignificada pelos seus valores. Nas palavras de Bruner, a narrativa é um princípio "pelo qual as pessoas organizam sua experiência no mundo social, seu conhecimento sobre ele e as trocas que com ele mantêm" (BRUNER, 1997, p. 41). Sendo assim, a participação proposital do narrador foi crucial para o desenrolar da pesquisa. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se dizer que, em todas as pesquisas que trabalham a relação do ser humano, existe essa influência, e isso aparece de forma nítida no tipo de pesquisa proposto. A relação entre pesquisadores e ASP, que influenciou diretamente na narrativa, começou desde o primeiro contato com o atleta, quando esse sabia da relação dos pesquisadores com a bocha paralímpica, passando por aquilo que o atleta julgou coerente transmitir para os pesquisadores e, por fim, a ressignificação que os pesquisadores fizeram, para elaborar novas perguntas e suas hipóteses.
Dito como chegou-se à narrativa do atleta, pode-se avançar para outro objetivo: qual o impacto do esporte na vida do sujeito.
13 MUDANÇAS NA VIDA COTIDIANA DO ATLETA PARALÍMPICO APÓS A PRÁTICA DA BOCHA
A literatura diz o quanto a vida de uma pessoa pode ser afetada negativamente pela paralisia cerebral (CAMPEÃO, 2011, 2002; CESA, 2010; JOSSO, 2007; MAIA, 2010). Os autores desse trabalho reconhecem a importância do esporte na vida do atleta. Assim como o atleta mesmo disse: "BOCHA BOM MINHA VIDA".
Porém, o que não se encontra na literatura é um olhar do sujeito com deficiência sobre sua própria vida. Muito menos de pessoas com o comprometimento físico como o que trabalhou-se aqui. Isso demonstra o quão deficientes e pretensiosas as pessoas "não deficientes" estão sendo em relação às pessoas com deficiência, quando não buscam saber diretamente delas o que desejam e o que aspiram para si. No caso do atleta pesquisado, sua vida não se resume à bocha paralímpica. Embora ele não narre isso — pelo menos não literalmente — o sujeito pesquisado parece ter mencionado a bocha algumas vezes na entrevista apenas pela relação que os pesquisadores tiveram com o esporte anteriormente. Pelo menos foi essa a sensação em todas as vezes que os pesquisadores se depararam com esse tema nas variadas formas de coleta de dados empregadas aqui. A bocha, assim como outros temas, é apenas um dos caminhos que o atleta trilha na sua vida, e não "o" caminho, ou o único caminho.
Não foram encontrados relatos expressivos indicando diferenças claras entre a vida do atleta antes e depois da prática paralímpica. Só foi encontrada uma foto com a marca de tempo clara: uma foto do atleta quando bebê. Nas demais, não havia marcas temporais que pudessem indicar e alimentar a comparação do antes e depois da prática paralímpica. É preciso considerar a escolha dos métodos de coleta de dados principais: a escolha de foto, a visita no Facebook e a troca de e-mails.
14 MÉTODO DE ANÁLISE NARRATIVA PARA PESSOAS COM GRAVE COMPROMETIMENTO MOTOR E COMUNICACIONAL
Apresentar-se-ão algumas características básicas para a narrativa, sugeridas por Bruner (1997), demonstrando em que a narrativa do ASP se encaixa, em seguida abordar-se-ão os objetivos específicos do presente trabalho.
Sequencialidade: a escolha das fotos e imagens, aquilo que foi escrito e a comunicação visual seguiram uma ordem única, não determinada pela historicidade e acontecimentos, e sim determinada pela escolha do atleta. Infelizmente a narrativa do sujeito não foi completamente sua, como se desejou, visto que a interferência da mãe foi significativa, principalmente nas visitas à residência onde vivem. Porém, a escolha das fotos e as respostas das perguntas feitas por e-mail, mesmo essas direcionando o assunto, foram de autoria do sujeito; são suas narrativas. E é isso que interessa nesse tipo de pesquisa, a forma que o ASP ordena os acontecimentos, construindo sua realidade: ele começa falando sobre a bocha, fala do seu time, do seu pai, sobre amigos e termina com sua formatura do ensino médio. Cronologicamente, seu último assunto foi o primeiro a ocorrer, porém Bruner (1997) diz que isso não é importante nesse tipo de pesquisa, pois a ordenação influenciada por fatores mais relevantes como: para quem está se falando, por que está se falando, onde está se falando, quem mais ouve o que está se falando, em que momento da vida o narrador está narrando.
Indiferença factual: não se buscou, por meio dos variados métodos de coleta de dados, saber se os fatos apresentados pelo sujeito realmente ocorreram. Ele estava livre para construir sua narrativa, porque a busca não é pelo que ele tem a dizer, mas como ele constrói o que tem a dizer. Até mesmo no caso de uma foto do sujeito com o Ziraldo (famoso cartunista brasileiro), seguida da frase "meu amigo de sempre". Analisando a rede social encontramos outra foto, o que elucidou a frase do ASP. Mas esse achado não foi proposital e apenas facilitou o entendimento do contexto, sem o objetivo de provar a verdade do fato.
Forma singular de manejar afastamentos do canônico: o ASP apresenta sua primeira foto resolvendo o "afastamento do canônico" que foi a presença de um árbitro o procurar para conversar sobre sua vida, ou seja, ele deu uma explicação para um fato "estranho" de uma forma única.
Qualidade dramática: os preceitos dramáticos fazem parte de toda narrativa porque ela é uma história, nesse caso uma história de vida;
Paisagem dual: voltamos para a construção da narrativa, enquanto o narrador narra e o interlocutor recebe a narrativa, existe um processo paralelo que é de escolha e formulação, no caso da presente pesquisa, das fotos e frases escritas de acordo com o feedback que o interlocutor apresenta e como o sujeito o interpreta. Esse fluxo de processamento-liberação-absorção-processamento-liberação entre pessoas é o que torna a narrativa tão única, não só como pesquisa, mas como mantenedora e modificadora da cultura de uma forma geral. Nas palavras de Silva (2010, p. 5): "Envolve, portanto, uma negociação de seus valores e de como as ações deverão ser compreendidas e interpretadas para quem as ouve".
Visto como a pesquisa se encaixa dentro dos critérios de Jerome Bruner (1997) para o que ele chamou de narrativa, deter-se-á na Psicologia Cultural que o autor desenvolveu. O autor diz que uma psicologia culturalmente sensível deve estar interessada, acima de tudo, em como as pessoas dizem que seus mundos são (BRUNER, 1997, p 25). Vê-se que o psicólogo não retém seu interesse no que as pessoas têm a dizer, mas sim em como elas constroem o que têm a dizer. A presente pesquisa se iniciou com os pesquisadores buscando as duas coisas.
O ASP mostra que a falta de comunicação oral e gesticulação habitualmente conhecidas não o impedem de se comunicar e se fazer presente. O que anteriormente era considerado pelos pesquisadores como deficiência, percebe-se que não o é. O atleta se mostrou capaz de apresentar sua opinião. É verdade que de forma bem mais lenta e, empregado o método comum de entrevista, sua mãe teve presença ativa, dificultando a narrativa puramente do atleta. Conforme sinalizado por Tavares (2005), no diálogo direto, presencial, além da informação verbal (oral ou escrita) existem as "pistas de contextualização". No caso do atleta, as pistas de natureza paralinguísticas expressas nas pausas, no ritmo de expressão, na tonicidade, colaboravam para a inferência e/ou compreensão da mensagem.
Um fator primordial no desenvolvimento da narrativa é a identidade. Vieira e Henriques (2014, p.167) dizem que quando uma pessoa esta integrada "sincronicamente e diacronicamente" com um grupo social e seus valores, essa pessoa possui identidade. Silva (2010, p. 5) diz que a narrativa é fundamental para "a construção e reconstrução de das identidades sociais". E o ASP constrói muito bem suas identidades, seja como filho, amigo, atleta, torcedor etc.
15 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a singular proposta de se trabalhar com um grupo marginalizado socialmente, com pouca produção científica sobre eles (pessoas com tetraplegia pela paralisia cerebral, atletas de bocha paralímpica, incapazes de oralizar) e um método de pesquisa e análise novo (a narrativa segundo a psicologia cultural), os autores consideram que foi atingido parcialmente o objetivo geral de análise da narrativa construída pelo atleta. Parcialmente porque houve a interferência inicial da mãe na narrativa; e também porque, na fase de análise da rede social do sujeito, o entrevistador também produziu sua narrativa, considerando o conteúdo anteriormente assimilado e as fotos/imagens e amigos que o atleta possuía em seu perfil. Porém, nenhum desses fatores foi negativo. As narrativas, embora sejam uma construção pessoal, só têm sentido dentro de um diálogo. Assim, abusou-se dessa intersubjetividade no presente trabalho. Não foi um erro de manejo: foi uma escolha consciente, e o resultado ajudou a conhecer esse atleta e como o fato de ser atleta afetou sua subjetividade. Espera-se que esta pesquisa também o tenha ajudado em seu próprio autoconhecimento.
Sobre a influência da bocha adaptada na vida dele: é perceptível que o esporte não é o salvador de um grupo que encontra em sua prática um objetivo para a vida, pelo menos não para o sujeito pesquisado. A bocha adaptada tem, sim, fim em si mesma: ela é a profissão do ASP, ela o instiga à competição, ao desejo de vitória, de reconhecimento e, até mesmo, de autonomia financeira. Mas o esporte, diferentemente do que o entrevistador esperava, é muito mais importante para o ASP como ponte para a socialização, para conhecer novas pessoas e fazer amizades. Também é importante como lazer, possibilitando ao ASP viajar e conhecer lugares diferentes.
Quanto à comunicação, métodos alternativos (como pranchas de comunicação alternativa e ampliada) foram buscados; todavia, percebeu-se que a melhor forma de se comunicar com alguém é partindo do método previamente utilizado pelo narrador. Os pesquisadores perceberam, ao longo do processo, como era ingênua a tentativa de facilitar a comunicação do sujeito: não era a o atleta que não entendia os pesquisadores; quem não entendia o método de comunicação do atleta eram eles, ou seja, a deficiência nesse diálogo estava nos entrevistadores, não no entrevistado. Por isso, buscou-se conhecer quais eram as formas que o atleta usava para se comunicar. Foram elas: expressões e gestos sutis; escrita digital; fotos e imagens; e, nessa pesquisa como variável interveniente, sua mãe.
Quanto ao objetivo de identificar indicativos de mudanças na vida cotidiana de pessoas que se tornam atletas de bocha paralímpica, não houve dados conclusivos. Podemos inferir o benefício da bocha paralímpica, mas não seu impacto no antes e depois. O esporte parece ter influenciado positivamente na vida do atleta pesquisado. Há indícios, pelas fotos, pelas respostas do atleta e pelo círculo de amizade virtual, de que antes do esporte o ASP não tinha uma vida social tão ampla como hoje tem, mas não podemos afirmar que não houvesse vida social.
Dada a transição de metodologia para a execução do presente artigo, e o caráter aparentemente inédito que essa pesquisa possui (considerando seu método e seu público alvo), o objetivo secundário de desenvolver método de coleta de dados e, posteriormente, análise na narrativa para pessoas com grave comprometimento motor teve resultado positivo para o sujeito selecionado. Como descrito anteriormente, os métodos de coleta e análise foram alterados durante o processo de aprofundamento, teórico e prático para melhor alcance dos objetivos traçados na investigação.
A narrativa se mostrou como um interessante método de pesquisa ao dar liberdade para os pesquisadores apresentarem suas opiniões e suas justificativas para o andamento da pesquisa por um caminho e não por outro. Pesquisadores positivistas podem argumentar que essa abertura ao pesquisador fragiliza o estudo, mas no contexto do presente estudo um método qualitativo não permitiria o aprofundamento na vida do sujeito como a narrativa permitiu e a opção por mostrar os "bastidores" da pesquisa, as escolhas, os direcionamentos e até mesmo os erros só transparece mais o estudo, facilitando que os outros estudos possam ser desenvolvidos na mesma linha, sem que outros pesquisadores necessitem passar pelos mesmos percalços.
A estrutura de apresentação dos dados coletados, assim como sua análise, é um método inédito, que, como tal, necessita de aperfeiçoamentos. Espera-se que outros pesquisadores tenham o interesse pelo estudo de pessoas com defici- ência física severa e que considerem a possibilidade da narrativa como método. Além disso, espera-se que a narrativa do sujeito dessa pesquisa sirva, para o público em geral, como exemplo da capacidade inerente de todo ser humano de ressignificar sua história, independente das características e dependente da socialização.
Ao iniciar essa pesquisa frisou-se, no referencial teórico, a importância de se narrar, de contar sua história. Falou-se de conceitos-chave, adquiridos ou manifestados na narrativa, como identidade, autonomia, intersubjetividade, enunciação, autoentendimento/conhecimento. Tais conceitos realmente estiveram presentes na pesquisa realizada, mas a intenção dos pesquisadores, ao referenciá-los, era mais do que destacar a contribuição de se narrar: era mostrar como as pessoas com deficiência física severa tinham esses conceitos usurpados por, aparentemente, uma sociedade que os negligenciava. Mas o atleta entrevistado não demonstrou ser carente em nenhum dos aspectos destacados. Sua mãe realmente tem um papel primordial na sua vida, seja operacional ou afetiva, e quem pode dizer que faria melhor ou diferente ao ter um filho com PC?
Quanto mais se aproximou dessas pessoas, especialmente no caso descrito nesse trabalho, pôde-se ver que não existe deficiência; aliás, essa nomenclatura deveria se restringir ao grupo de termos técnicos na área da saúde, quando for referente a seres humanos. O que existe são características específicas do sujeito, assim como para toda pessoa. Nunca se falou tanto em integração/inclusão, mas também nunca se subdividiu tanto a sociedade em grupos, cada vez menores e inferiorizados. É uma bola de neve de contradições: primeiro destaca-se o "deficiente" da sociedade, mostrando o quão diferente ele é dos "normais"; depois se criam leis, políticas, ações etc., para mostrar como os ditos "normais" têm que ser bondosos e fazer do excluído um cidadão novamente! Esse trabalho é um exemplo de que "eles" não precisam tanto assim de "nós".
É evidente que o Brasil precisa de uma reestruturação em sua acessibilidade, mas isso não é para as pessoas com deficiência, é para todos: idosos, crianças, e mesmo cidadãos adultos. Afinal, os centros urbanos estão se tornando um caos que não atende nem às condições das pessoas com deficiência, nem às condições de vida saudável de mais ninguém! O que precisa parar de acontecer na socied de atual é a "forçação de barra" de que as pessoas são iguais. Ninguém é igual a ninguém, todos somos diferentes e isso apenas tem que ser encarado como algo natural. Se as características físicas aparecem mais nos espaços públicos do que as características psicológicas e/ou intelectuais, isso não quer dizer que o tratamento de cada um deva ser diferente, até porque não é possível identificar um estuprador ou psicopata pela aparência, então por que alguém deveria agir diferente ao ver uma pessoa em cadeira de rodas? Negativas ou positivas, as características individuais precisam ser vistas por outro ângulo: em vez de se tentar igualar, deve-se celebrar a diferença. É ela que faz o mundo mais colorido, irregular, surpreendente e incoerente, seja para o bem ou para o mal.
REFERÊNCIAS
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Artigo recebido em: 15/08/2016.
Aprovado para publicação em: 31/10/2016.