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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.17 no.1 Porto Alegre jul. 2013

 

ARTIGOS

 

Avós que assumem a criação de netos

 

Grandmothers that assume grandchildren's raise

 

 

Ana Carolina Mainetti1; Ana Claudia Nunes de Souza Wanderbroocke2

Universidade Tuiuti do Paraná

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo trata de um fenômeno cada vez mais frequente nas famílias da atualidade: avós que assumem a criação de netos. Baseado em entrevistas qualitativas este trabalho teve como objetivo investigar as implicações da criação de netos pelas avós, uma vez que o ciclo de vida familiar tradicional não prevê que mulheres tenham que assumir a criação de uma criança na fase tardia. O presente estudo levantou dados que mostram as mudanças enfrentadas pelas avós que vieram a substituir pais falecidos, despreparados por serem adolescentes ou adultos imaturos, negligentes, desconhecidos, dependentes químicos, abusadores, portadores de deficiências físicas e/ou de transtornos mentais. Para as participantes o papel de mãe destes netos sobrepõe-se ao papel de avó e os dados demonstram que ainda prevalece na sociedade a ideia de que uma mulher é quem deve preferencialmente assumir a criação das crianças.

Palavras-chave: Família, Relacionamento intergeracional, Avó.


ABSTRACT

This article is about an increasingly frequent phenomenon in nowadays families: grandmothers who raise grandchildren. Based on qualitative interviews, this study aimed to investigate the implications of raising grandchildren by grandmothers, since the traditional family life cycle does not predict that women have to raise children in the last stage. This study gathered data that show the changes faced by grandmothers who came to replace deceased parents, unprepared teenagers or immature adults, negligents, unknown, addicts, abusers, with physical disabilities and/or mental disorders. For the participants the role of mother of the grandchildren overlaps the role of grandmother and data shows that the idea that a woman is preferable in rearing children still prevails in society.

Keywords: Family, Intergerational relationship, Grandmothers.


 

 

Introdução

O aumento da longevidade tem permitido a convivência mais prolongada de três ou mais gerações, levando os idosos a participarem mais ativamente da vida de seus familiares. As mulheres idosas em especial, assumem papel importante frente às novas configurações familiares.

As mulheres costumam ter participação ativa na vida familiar ao longo do ciclo vital e segundo Kipper e Lopes (2006), essa participação é renovada quando se tornam avós. De acordo com os autores, esse é um marco evolutivo e fato importante no processo de individuação e na identidade feminina, por ser considerado uma fonte de renovação e renascimento, possibilitando a chance de repensar antigos conflitos. Além disso, o futuro genético representado pela chegada de um neto, em meio às tarefas de aposentadoria, doenças e perda do cônjuge, traz à mulher uma nova importância e utilidade e os netos têm o poder de reavivar desejos, sonhos e ideais adormecidos.

Para Rabinovich, Moreira e Franco (2012) as avós sucedem aos pais na importância nos papéis familiares e há mais uma interdependência emocional do que econômica/funcional com relação à criança. As avós costumam fazer-se presentes na vida dos netos pela transmissão de histórias de vida e informações (Rabinovich & Moreira, 2008), na tarefa de cuidar de netos cujas mães estão trabalhando (Coutrim et al, 2007), oferecendo cuidados e apoio à família quando do nascimento de uma criança com problemas de saúde (Simioni & Geib, 2008) ou com necessidades especiais, minimizando a ausência das mães, envolvidas nas intensas demandas de cuidados (Matsukura & Yamashido, 2012).

Por outro lado, têm-se evidenciado situações em que as avós se tornam cuidadoras integrais e até legais dos netos. Pesquisas apontam diversos problemas relacionados aos pais das crianças que motivam as avós a assumirem a criação dos menores: pais adolescentes despreparados para cuidar dos filhos, desempregados, usuários de drogas, em conflito com a lei, portadores de doenças mentais, falecidos precocemente, separados, recasados sem a aceitação das crianças por parte do novo cônjuge e ainda, abuso infantil e/ou abandono por parte dos progenitores (Lopes, Neri & Park, 2005; Osório & Silva Neto, 2008).

Quanto aos resultados da criação dos netos para as avós, o levantamento da literatura realizado por Lopes, Neri e Park (2005) ressalta que a maioria dos estudos sobre o tema apontam para os efeitos negativos sobre diversos âmbitos da vida das avós que criam os netos, como: sobrecarga financeira, conflitos com os filhos devido à divergências na educação das crianças e às vezes pela custódia legal dos netos. Além disso, queda na qualidade de saúde física e emocional das avós, com incidência de depressão e baixa saúde percebida, interferência na vida social e familiar, cansaço e esgotamento emocional.

Quanto aos aspectos positivos Lopes, Neri e Park (2005) citam o sentimento de renovação pessoal, oportunidade de ter companhia e gratificação por estarem provendo uma nova geração com cuidados e ensinamentos. No estudo de Araújo e Dias (2010) sobre avôs e avós que criam seus netos foi constatado que não medem esforços para cuidar de netos e os querem em sua companhia, pois eles lhes trazem alegrias, amor e um objetivo para viver.

Pensando nas crianças que são criadas pelos avôs, Lopes, Neri e Park (2005) ressaltam que pode ser benéfico tê-los como mentores, porque na ausência dos pais poderão ter uma sensação de pertencimento à sua família de origem. Nesse mesmo sentido, Fu-I e Mararazzo (2001) concluem que as crianças que são adotadas intrafamiliarmente, ou seja, que passam a ser cuidadas pelos avós, tios ou outros parentes, possuem uma saúde mental melhor do que aquelas que são adotadas por outras famílias. Porém, do ponto de vista psicológico não há segurança de que a família relativamente bem estabelecida do ponto de vista social e legal não produza nenhum tipo desvio em seus membros. Como explica Ceccarelli (2007), não há uma forma de organização familiar ideal que garanta um desenrolar mais sadio ou mais patológico para a constituição do sujeito.

O senso comum de que os avós “mimam” os netos e são permissivos, foi desmistificado no estudo de Coutrim (2007) que comprovou que o rendimento escolar é o mesmo entre crianças cuidadas pelas avós em relação às demais. Embora muitas avós tenham baixa escolaridade, transmitem valores e oferecem apoio emocional às crianças sob sua tutela e isso aparece refletido no bom desempenho escolar dessas crianças.

Pesquisas sobre o relacionamento entre avós e netos vêm ocupando cada vez mais o interesse de pesquisadores e entre os aspectos estudados encontra-se: a relação de avós e netos no cotidiano, a coeducação entre as duas gerações, a experiência de se tornar avó, o significado dos avós para crianças e jovens e a representação dos avós na literatura brasileira (Azevedo & Rabinovich, 2012; Coutrim, 2007; Kipper & Lopes, 2006; Machado e Barros, 2009; Marangoni, 2007; Oliveira, Vianna & Cárdenas, 2010; Pedrosa, 2006; Schmidt, 2007). Porém, como a maior parte dos estudos brasileiros vem se desenvolvendo apenas na última década, ainda é importante aprofundar a questão das mulheres que assumem a criação de seus netos e sobre os diversos aspectos que contemplam o fenômeno.

Com base no exposto, surgiram questionamentos sobre o que mobiliza as avós a assumir o lugar de “mães” de seus netos, como a dinâmica dessas famílias foi se estabelecendo até que a responsabilidade pela criação do menor fosse passada para as avós, assim como das consequências para a vida dessas mulheres e para os netos. Portanto, a presente pesquisa tem como objetivo compreender as implicações da criação dos netos pelas avós.

Quando uma avó assume a criação do neto, estabelece-se uma configuração familiar específica e que merece atenção. A partir disso surge a necessidade de se aprofundar o conhecimento acerca do lugar e das atribuições que as mulheres adultas e idosas vêm ocupando na família e na sociedade, bem como das possíveis dificuldades que possam implicar para o processo de desenvolvimento e saúde mental dos envolvidos.

 

Método

O estudo foi realizado em duas escolas municipais de um mesmo bairro da periferia da cidade de Curitiba. Uma das escolas atende crianças do primeiro até o quinto ano do Ensino Fundamental e a outra escola atende alunos de quinta à oitava série do Ensino Fundamental.

Participaram 10 mulheres com idades entre 52 e 72 anos. Os critérios de seleção foram: criar um neto matriculado nestas escolas e não compartilhar o domicílio com os progenitores da criança.

Para coleta de dados foi utilizado entrevistas semiestruturadas, com roteiro composto de itens para o levantamento de dados sociodemográficos e de perguntas estabelecidas a partir dos objetivos e da literatura pertinente à pesquisa.

Para a localização das avós, seguiu-se a indicação das diretoras e pedagogas das duas escolas. O primeiro contato foi realizado por telefone e as entrevistas foram agendadas e realizadas nas dependências das escolas, após os esclarecimentos acerca da pesquisa e solicitação da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizada uma entrevista com cada uma das avós.

Todo o processo de pesquisa atendeu às normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que correspondem às exigências referentes à ética nas pesquisas com seres humanos. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da universidade que as autoras estão vinculadas.

A análise dos dados foi baseada no modelo proposto por Bardin (1977), tendo como técnica a análise categorial temática. A autora propõe iniciar a análise pela leitura flutuante, caminho para a construção do corpus, ou seja, a classificação e reagrupamento das unidades de registro em temas, subtemas e elementos de análise, com o objetivo de tornar inteligível a massa de dados obtidos.

 

Análise e discussão dos dados

Em relação ao perfil sócio-demográfico das participantes cinco eram casadas, quatro viúvas e uma divorciada. Quanto à profissão, três eram donas de casa, três trabalhavam como diaristas, duas estavam aposentadas, uma trabalhava como auxiliar de limpeza e uma era trabalhadora informal. A média da renda familiar foi de R$1.060,00. Sobre o grau de escolaridade, nove possuíam o ensino fundamental incompleto e uma concluiu o ensino fundamental. Cinco avós eram da linhagem materna, o que significa que eram mães da genitora da criança e quatro da linhagem paterna. Uma das entrevistadas não possuía laços sanguíneos com os genitores, criava o sobrinho-neto do marido. Uma das participantes que criava um neto biológico, também assumiu a criação de um filho que a nora teve com outro parceiro que não o seu filho e outra entrevistada assumiu a criação de uma criança adotada por sua filha.

Serão apresentados e discutidos a seguir três temas de análise: a) motivos para as avós assumirem a criação dos netos; b) representação do papel de avó na criação dos netos e c) consequências da criação dos netos pelas avós.

a) Motivos para as avós assumirem a criação dos netos

Foi constatado neste estudo que geralmente a avó já participava dos cuidados do neto antes mesmo de assumirem definitivamente a criação dos mesmos. Isto ocorria devido a disponibilidade para exercer a função de cuidadora durante o período de trabalho dos pais da criança, morando no mesmo domicílio ou residindo em casas próximas.

Nas famílias formadas por três gerações em residência conjunta, pelo fato de as genitoras serem mães solteiras ou de um dos genitores ter se separado e retornado à casa dos pais, a avó também atuava com mais proximidade na criação da criança. Nesses casos, os pais foram considerados pelas avós, despreparados para a função paterna. Elas apontaram para a irresponsabilidade dos filhos, que permaneciam pouco tempo em casa, voltavam tarde, dormiam fora e/ou usavam drogas. Frente a essa percepção, as avós passaram a cuidar dos netos, assumindo gradativamente a responsabilidade dos pais. Também houve caso de uma filha solteira considerada responsável, porém sua deficiência física exigia da avó uma participação mais ativa nos cuidados com o neto, levando ao mesmo desfecho.

A proximidade das avós com as crianças contribuiu para que elas fossem as eleitas para, posteriormente, assumirem a criação no lugar dos pais. Em algumas situações elas sugeriram ou solicitaram que os netos ficassem sob seus cuidados definitivamente e em outras o próprio neto escolheu residir com a avó, conforme depoimentos das entrevistadas:

Ela [a filha] trabalhava e eu que cuidava dele. Daí quando ela mudou-se, ele não quis ir com ela. Acostumou lá em casa. (Avó1)

Depois quando ela separou, ela começou a namorar e daí o menino veio comigo e não quis mais ir embora. Ela saía de noite, ela ia se encontrar com esse homem, eu chorava junto porque a [neta] ficava chorando pela mãe. Ela era tão obcecada por esse homem que ela não valorizou nada os filhos sabe. (Avó 5)

Pelo relato das participantes foi possível perceber que no caso das avós que se disponibilizaram a cuidar dos netos mais ativamente, aumentou a probabilidade de que os pais não assumissem ou assumissem parcialmente as funções parentais. Esse dado se coaduna com os de Lopes, Neri e Park (2005) ao constatarem que no arranjo familiar multigeracional apesar de haver benefícios na presença dos avôs, há também dificuldades como a falta de compromisso por parte dos pais e perda de privacidade. Também com a pesquisa de Barros (1987) ao indicar que os avôs percebem que nem sempre seus filhos aproveitaram a oportunidade de se tornarem pais para se desenvolverem como indivíduos e assumirem a maturidade.

Outros motivos apresentados pelas avós para terem assumido a criação dos seus netos foram os problemas apresentados pelos genitores da criança. O abandono por parte dos pais foi uma das razões, que ocorreu em uma situação de recasamento e mudança de cidade. Também foi mencionado: doença mental, dependência de álcool/drogas e abuso infantil e negligência. Razões que tornaram os pais incapazes de cuidar de seus filhos, na visão das avós, conforme este depoimento:

Largava as crianças a Deus dará. . . . cheias de piolho, o menino todo arranhado. (Avó 7)

Minha filha saiu de casa e largou eles comigo . . . Ela [a mãe]teve a [neta] com 15 anos e o [neto] com 17 anos. Agora que ela está com 24 anos. Então ela é muito desmiolada. Ela não tem aquela responsabilidade de mãe. . . . O [neto], por ela, ela tinha dado pros outros. Eu que não deixei ela dar. (Avó 2)

Ah, ele [pai] nunca prestou. Quando ela era viva, ela que tinha que trabalhar pra sustentar eles. . . . A polícia levou eles lá em casa de noite, que ele estava judiando deles. (Avó 9)

Evidenciaram-se também casos de desconhecimento da paternidade das crianças, não havendo possibilidade de encaminhá-las aos cuidados paternos na falta da mãe. Porém, mesmo nas situações em que o pai era conhecido, prevaleceu a ideia de que uma mulher deveria assumir a responsabilidade pela criação das crianças, contribuindo para que as avós ocupassem o lugar das mães. Esse dado evidencia que apesar de atualmente haver menor desigualdade entre homens e mulheres em diferentes esferas, ainda persiste a crença de que as crianças são responsabilidade da mulher, reforçando a dicotomia mulher cuidadora e homem provedor.

A morte de um ou dos dois genitores foi um dos motivos mais recorrentes para as avós terem se tornado guardiãs dos netos, conforme esta fala: “. . . meu filho morreu acidentado. . . . a nora caiu numa depressão muito grande. . . . e começou a beber”. (Avó 3)

Este depoimento também ilustra outro ponto levantado na pesquisa: a existência de sobreposição de motivos para as avós terem assumido a criação dos netos. Houve caso de mãe solteira deficiente que faleceu e o pai era desconhecido, mãe viúva usuária de droga que abandonou o filho, mãe com doença mental cujo marido era violento e usuário de droga, pai viúvo que recasou e abandonou a criança com a avó. Estes são exemplos que vão ao encontro das causas mais freqüentes, já evidenciadas na literatura para o fenômeno de avós desempenharem o papel de pais substitutos de seus netos apresentados por Dias (2002), Lopes, Neri e Park (2005) e Osório e Silva Neto (2008).

b) Representação do papel de avó na criação dos netos

Ao serem questionadas sobre o que é ser avó, foi verificado que a representação do papel de avó foi considerada similar ao papel de mãe, demonstrando que para as entrevistadas ser avó era similar a ser mãe. Não se pode afirmar se elas já possuíam esta posição antes de atuarem como mães substitutas e nem que elas adquiriram esta opinião por conta da função materna desempenhada por meio do papel de avó. A maior parte das participantes não possuía uma representação do que é ser simplesmente avó, conforme pode ser observado neste exemplo:

Então eu acho que vó que é vó é a mesma coisa que mãe. (Avó 10)

É ser mãe segunda vez. (Avó 4)

Eu não sei como é ser avó porque eles me chamam de mãe. Então eu não sei como é falarem 'vó', então não tem como eu explicar. (Avó 7)

Mesma coisa que se fosse um filho. A gente tem aquele amor por filho, não tem? Então... é a mesma coisa, aquele amor mais dobrado ainda por causa que é neto. (Avó 8)

Entre as participantes, a menor parte considerou o papel de avó diferente do papel de mãe:

Não é igual ser mãe de um filho próprio. (Avó 2)

Ah, avó é bom, mas a gente criar depois de uma certa idade é dureza. . . . A gente quando é mãe, é nova e está disposta, né. Daí que nem eu que tinha meu marido, era mais fácil pra mim. (Avó 9)

A diferença entre os papéis de avôs e pais foi relatada na pesquisa de Barros (1987) como o dos avôs sendo marcado pela transmissão de conhecimentos, valores, afeto e autoridade dentro da família e da participação na vida dos netos. Porém, sem a mesma responsabilidade e obrigação de educar, que é considerado o papel primordial dos pais. Rabinovich, Moreira e Franco (2012) referem que mesmo a responsabilidade pela criação sendo reconhecidamente dos pais, a criação das crianças é marcada pelas presenças femininas além das mães. Os papéis de mãe e de avó também apareceram difusos na pesquisa de Oliveira, Vianna e Cárdenas (2010) na qual as avós incorporam a responsabilidade materna, quando os filhos, por algum motivo, não assumem seus próprios filhos. Ou seja, os dados da presente pesquisa e a literatura confirmam a interdependência entre os membros das famílias e as funções que desempenham nos cuidados às crianças.

c) Consequências da criação dos netos pelas avós

Quanto às mudanças enfrentadas pelas avós em decorrência da criação dos netos, os relatos indicaram que assumir a criação de uma criança numa época da vida mais tardia, onde o trabalho já ocupava um espaço da rotina destas mulheres, levou-as a terem que rever suas vidas profissionais. Para algumas o trabalho tomou um novo significado, pois as necessidades dos netos passaram a ser de sua responsabilidade.

Se não tivesse eles para que eu ia estar trabalhando? Porque agora aumenta as contas e tem que trabalhar pra poder pagar. (Avó 3); Então eu vou trabalhar, eu trabalho 2ª, 4ª e 6ª de diarista, já faz uns 20 anos que eu trabalho com a mesma família. . . . Por isso que eu trabalho, às vezes ele quer ir num jogo, quer comprar alguma coisa, eu dou. (Avó 5)

Para outras, conciliar a educação do neto e o trabalho prejudicou um dos lados, ocorrendo de terem que faltar ao serviço por não terem outra pessoa para tomar conta da criança ou optarem por levar a criança consigo para o trabalho. “Às vezes eu tinha que faltar o serviço por não ter com quem deixar eles. Que nem agora, eu poderia estar trabalhando a semana inteira, mas não posso pegar mais dias porque não tem lugar para deixar ele, não tem ninguém pra cuidar dele”. (Avó 2)

Para outras participantes ainda, não houve mudança em sua vida profissional e elas conseguiram administrar o seu tempo com os netos e com o trabalho sem nenhum prejuízo. “A minha vida sempre foi uma coisa só. Eu vendo roupa em casa, Avon, essas coisas. Eu já fazia isso e hoje em dia continuo fazendo. . . . Mas sempre tive os netos e trabalhando assim em casa”. (Avó 10)

Arcar com as despesas de um neto causou um impacto na vida financeira destas mulheres, que muitas vezes não recebiam pensão exclusiva para as crianças, tendo que redistribuir a renda que já possuíam. Esta sobrecarga financeira foi um dos efeitos negativos apontados por Lopes, Neri e Park (2005) nos casos de avós que criam netos. Araújo e Dias (2010) salientam que mesmo com a sobrecarga financeira os avôs não abandonaram seus netos.

Outra questão presente no relato das entrevistadas foi o aspecto da regularização perante a lei daquilo que já ocorria na prática. Para que as crianças tivessem direito a matrícula na escola ou pudessem confeccionar documentos, era indispensável que a avó tivesse a guarda legalizada, como é possível verificar nesta experiência relatada: “A mulher exigiu a documentação pra eu poder colocar eles na creche, um papel de guarda ou tutela. . . . Daí eu entrei na justiça e demorou mais um ano pra sair, mas daí saiu. . . . Se eu não tivesse esse papel, não ia conseguir tirar a identidade deles”. (Avó 2)

A convivência com um neto de maneira tão próxima trouxe para as avós uma experiência emocional positiva, seja pelo preenchimento da ausência de um filho através do filho dele, ou pela companhia, carinho e alegria que os netos proporcionam:

. . . eu nunca tinha assim aquela alegria. Toda vida sozinha. Acho que agora melhorou eles morando comigo. (Avó 8)

E eu pra mim fez um bem, preencheu um tanto daquele vazio que a gente perdeu. . . . Eu digo que eu não me entreguei e tanto que a gente tem que parar pra pensar que vai uns, mas os outros ficam, né? E se a gente quiser se enterrar tudo, daí não tem quem cuide dos outros. (Avó 9)

Foi que eles me dão carinho também e eu gosto deles muito. . . . A companhia deles. Agora os meus já estão tudo criado, então tenho os menores de companhia, pra sair, às vezes saem comigo. Aonde eu vou às vezes eles vão junto. (Avó 1)

Dados semelhantes foram expressos por Lopes, Neri e Park (2005) sobre os aspectos positivos da situação de assumir o papel de pai ou mãe dos netos: sentimentos de renovação pessoal, oportunidade de ter companhia e gratificação por estarem provendo uma nova geração com cuidados e ensinamentos.

Mas por outro lado, a proximidade com a finitude e a saúde mais frágil apareceu como preocupações dessas mulheres que estavam criando seus netos numa idade mais avançada: “Ai, meu Deus, só falta eu morrer e os meninos ficarem aí. . . . É difícil depois de velha ainda estar cuidando.” (Avó 10)

A preocupação das entrevistadas sobre quem assumiria os netos na impossibilidade de continuarem sendo as responsáveis evidenciou o temor de terem que voltar a ser criados pelos pais que haviam sido considerados incapazes. Ainda sobre as preocupações com o futuro, estas avós temiam que seus netos usassem drogas, que fossem adolescentes revoltados, que sofressem violência na rua ou que se envolvessem em relacionamentos amorosos prejudiciais, evidenciando as dificuldades de lidar com as mudanças sociais que refletem nas relações e comportamentos das novas gerações.

A vida cotidiana das entrevistadas sofreu mudanças se comparada à rotina que tinham antes de criarem os netos. Elas precisaram se responsabilizar pela vida escolar, pela educação, pela saúde e cuidados diários destas crianças, acarretando em novas adaptações, como se pode verificar no seguinte relato:

Então pra mim é bem puxado, é o dia inteiro em função deles. . . . eu que lavo roupa, eu que faço comida, eu que ensino. . . . e eu deixei de ir em baile. (Avó 7)

Daí era muita preocupação pra mim. Porque daí era ele mais pra eu cuidar, me preocupar com o que precisa. (Avó 4)

Porque ele é assim: se ele ficava ruim de noite, uma gripe, alguma coisa, ela ia lá no quarto e dava um remédio. E eu não sei que remédio, sabe? É isso que é difícil. (Avó 10)

A comunidade pode testemunhar as mudanças no ritmo de vidas das participantes, pois após assumirem os netos, as avós passaram a circular por locais anteriormente ocupados pelos pais, como a escola, o reforço escolar, a catequese, a escola de música e o consultório do pediatra. Esse dado vai ao encontro do colocado por Camarano (2003) ao alertar para as mudanças das mulheres que estão envelhecendo nos últimos 20 anos, que já não vivem isoladas da sociedade, mas se mantêm ativas e que muitas vezes, além de cuidadoras, ainda são provedoras.

As mudanças não se restringem a vida das participantes, pois há consequências para os netos que passaram a ser criados por avós. Alguns destes jovens ainda possuíam pais vivos, porém mantinham um contato mais restrito, às vezes harmonioso, às vezes conflituoso, conforme elucidam as narrativas a seguir:

A mãe deles passa tempo sem ver, passa meses e meses. . . . Até um tempo atrás, se ela ficava um tempo sem ver a mãe dela, ela ficava se batendo de noite, chorando. . . . Mas ela teve que fazer tratamento com psicólogo quase dois anos e daí ajudou. . . . Já o menino quando está teimando muito comigo eu digo: 'Eu vou entregar vocês pra tua mãe porque vocês estão me estressando demais'. Daí ele fala: 'Pelo amor de Deus vó, pra minha mãe não'. (Avó 2)

Ele [o pai] vem ali em casa, às vezes ele vai pousar lá. Agora nas férias ele ficou lá um tempo de dia com eles. Liga às vezes de manhã cedo pra jogar bola e vem buscar ele pra jogar bola, vai passear com o pai dele. (Avó 1)

Nas falas das avós esteve presente a ideia de que sem a convivência diária com os pais, a educação ministrada por elas era a que prevalecia. Sendo assim, os netos vivenciavam uma educação menos rigorosa do que a que os pais promoveriam, de acordo com a própria opinião das entrevistadas:

Eu evito ao máximo ficar braba com eles porque já imaginou os filhos serem criados sem a mãe e saber que tem a mãe? A tristeza que essas crianças não podem ter por dentro deles? (Avó 2)

Fui burra, eu dei muita folga para os dois. Ela toma café na cama. Ele, tudo o que quer, eu dou. . . . É, eu sou aquela mãe boba mesmo. (Avó 3)

Frente a esse dado, considera-se que na educação das crianças prevaleceu o papel de avó, cujos limites eram mais flexíveis, apesar de a maioria das entrevistadas ter relatado anteriormente que seu papel era similar ao de mãe. Isto reforça o que foi averiguado na pesquisa de Araújo e Dias (2010) que uma das dificuldades apontadas pelos avôs guardiões é a de colocar limites na educação dos netos.

Na vida cotidiana de algumas famílias, a coabitação dos netos com as avós resultou numa redistribuição de tarefas, e estes netos passaram a ter responsabilidades com os afazeres domésticos. “Ela é muito trabalhadeirinha. Faz o serviço e se não tem comida, ela já faz”. (Avó 5) “Ensino que cada um que come tem que lavar o seu prato. Cada um que dorme, tem que arrumar sua cama. Tudo isso lá em casa é feito”. (Avó 7)

As narrativas das avós indicaram que era comum a participação de outros cuidadores ajudando nas tarefas diárias, como outras noras, outros filhos, vizinhos e creches. Os outros cuidadores colaboravam, principalmente, na adaptação da avó aos papéis simultâneos de mãe e de profissional. Mas na ocorrência da falta de outra pessoa que pudesse, por exemplo, levar e buscar a criança na escola acontecia de o neto faltar aula para acompanhar a avó em suas atividades profissionais ou outros compromissos, como uma consulta médica.

Também ocorreu de o neto estar sob a responsabilidade legal de outros cuidadores antes de serem as guardiãs definitivas, como abrigos e os outros avós.

De acordo com a opinião das entrevistadas, as crianças ou adolescentes que elas passaram a criar estão numa condição melhor de vida do que se estivessem com seus pais, com os outros avós ou em alguma instituição: “. . . eles não passaram fome, não ficaram na rua”. (Avó 6) “Se eu tivesse deixado com ela, era perigoso até o Conselho recolher, porque ela não estava nem aí com as crianças”. (Avó 2)

 

Considerações finais

A pesquisa objetivou estudar as mulheres que passaram a assumir a criação integral de um neto, envolvendo as consequências deste fenômeno, os motivos que ocasionaram tal mudança e as representações que elas possuem sobre os papéis de avó e de mãe.

Foi constatado que estas avós vieram a substituir pais falecidos, pais despreparados por serem adolescentes ou adultos imaturos, pais negligentes, pais desconhecidos, pais dependentes químicos, abusadores, portadores de deficiências físicas e de transtornos mentais. A criação foi assumida preferencialmente por elas, porque na maioria dos casos essas avós já participavam dos cuidados dos netos, quando os pais coabitavam ou quando tomavam conta dos netos para os pais trabalharem. Porém houve casos em que a criança passou por outros responsáveis legais antes de a avó assumir a guarda, como abrigos e outros avôs.

Verificou-se que a maioria das avós participantes não possuía uma representação do que era ser avó para aquele neto que ela criava, pois a função materna nesse caso se sobrepunha ao papel de avó.

Ao assumir um neto para criar, essas mulheres, pertencentes a uma camada mais desfavorecida, tiveram que remanejar sua vida nos aspectos profissional, financeiro e familiar, para darem conta do aumento das despesas e tarefas domésticas. Muitas continuaram desempenhando seu trabalho normalmente contando com a colaboração de outros cuidadores para tomarem conta das crianças durante sua ausência.

A saúde mais frágil e a idade avançada apareceram como pontos negativos desta experiência, causando preocupação quanto ao futuro dos netos que poderiam ficar desamparados na impossibilidade das avós permanecerem ativas ou falecerem.

Os dados da pesquisa apontam para configurações diferentes da tradicional família nuclear. A diversidade de arranjos familiares na atualidade dá espaço para relações baseadas em laços afetivos e não somente em laços consanguíneos. Nesse estudo foi possível verificar que mulheres assumem a criação não apenas de netos biológicos, mas de crianças adotadas por seus filhos, novos filhos da nora viúva e sobrinhos-neto do marido. Estes resultados contribuem para dar visibilidade ao lugar ocupado pelas mulheres na sociedade atual.

Este estudo aponta para um ciclo de vida familiar no qual o envelhecimento das mulheres é acompanhado por filhos adultos que nem sempre deixam a casa dos pais ao constituírem uma nova família, filhos adultos que morrem antes de chegar à terceira idade, filhos adultos que não assumem a criação de seus filhos e consequentemente, netos sendo criados pelas avós.

Há a necessidade de futuros estudos neste tema, abrangendo outras implicações como o impacto na vida conjugal e social das avós e até mesmo as implicações na vida dos netos adultos que foram criados pelas avós.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Ana Carolina Mainetti
E-mail: anawdb@gmail.com

Recebido em: 05/03/2013
Revisado em: 24/07/2013
Aceito em: 29/07/2013

 

1 Graduanda em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná.
2 Docente do curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná.