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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.17 no.2 Porto Alegre dez. 2013

 

ARTIGOS

 

"Pão e Palavras": um diálogo relacional com Prof. Dr. Vincenzo Di Nicola, MD, PhD Universidade de Montreal1

 

"Bread and Words": a relational dialogue with Prof. Vincenzo Di Nicola, MD, PhD Université de Montréal

 

 

Helena Centeno Hintz2, I, II; Maria Inês Godoy Santos Rosa3, II

I Domus
II Associação Gaúcha de Terapia Familiar - AGATEF

Endereço para correspondência

 

 

Entrevista para Revista Pensando Famílias Porto Alegre – RS, Brasil – dezembro de 2013.

1.Revista Pensando Famílias: Gostaríamos de iniciar esta entrevista com algumas considerações sobre seu trabalho atual, suas experiências profissionais e como você se percebe hoje no campo da terapia familiar?

Vincenzo Di Nicola: Obrigado pelo interesse de vocês e por esta oportunidade de fazer um balanço do meu trabalho de prática para a comunidade lusófona, ambos no Brasil e em Portugal, onde eu tenho muitos colegas e amigos queridos. Deixe-me começar com meu lugar no mundo da terapia familiar, até o momento. Sou conhecido pelo meu modelo de Terapia Familiar Cultural (TFC). TFC é a síntese da terapia familiar e da psiquiatria transcultural, refletindo as duas grandes áreas da minha formação em psiquiatria na Universidade McGill, em Montreal, no Canadá. Publiquei enquanto ainda estava em formação (ver Di Nicola, 1985b, 1985c, 1986). As primeiras críticas dos líderes da terapia familiar (por ex., Mara Selvini Palazzoli e Celia Jaes Falicov) e da psiquiatria cultural (por ex., Armando Favazza) aclamaram minha síntese como um empreendimento pioneiro e ousado. Após eu terminar a minha formação em psiquiatria transcultural e psiquiatria infantil no Canadá, e em terapia familiar em Roma, com Maurizio Andolfi, e em Milão, com Mara Selvini Palazzoli, e dez anos de prática, eu apresentei TFC no meu livro, A Stranger in the Family em 1997, publicado no Brasil como Um Estranho na Família: Cultura, Famílias e Terapia em 1998 (ver Di Nicola, 1997, 1998a). Elaborações posteriores incluíram trabalhos com famílias que passaram por um trauma (Di Nicola, 1996), que estavam em fase de transição cultural (Di Nicola, 1998b), e o crescente número de famílias refugiadas "invisíveis" ao redor do mundo (Di Nicola, 2004).

O meu livro levou a convites de muitos institutos de terapia familiar, hospitais, departamentos universitários de psicologia e de psiquiatria aqui no Brasil (Belo Horizonte e Divinópolis em Minas; Florianópolis; Campinas e São Paulo em São Paulo; Gramado, Passo Fundo e Porto Alegre no Rio Grande do Sul; Rio de Janeiro; Salvador; e Vitória); em todo o Canadá, EUA, e em vários países na Europa (Inglaterra, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, e Romênia).

O ponto principal que eu realizei nesse trabalho foi que as famílias são melhores compreendidas no contexto cultural, que cada família tem sua própria cultura, e que a noção de cultura substitui a construção de sistemas. E isso não se aplica somente às famílias de imigrantes ou às famílias submetidas à mudança de cultura dentro de uma sociedade como o Brasil, isso é o contexto fundamental e o maior envelope para situar e investigar todas as questões mentais e relacionais.

No ano passado, eu fui convidado para dar a palestra que é dedicada aos estudos da família na Universidade de George Washington, em Washington, DC, EUA, onde meu modelo de Terapia Cultural Familiar é ensinado, e eu ofereci uma perspectiva desse modelo 15 anos após a publicação do meu livro, e, aproximadamente, 30 anos depois que fiz minha primeira síntese de terapia familiar e psiquiatria transcultural (Di Nicola, 2013a).

Eu iniciei minha palestra perguntando: "Porque nós ainda estamos referindo famílias como sistemas?" "Sistemas" me faz lembrar da curiosa ficção científica de meados do século XX nos EUA, cheia de robôs "tin-can", cibernéticas da era dos computadores com tubos de vácuo que ocupavam grandes edifícios, e uma visão de vida mecânica, tecnocrática, apesar de todas as pretensões sobre teoria de informação e sistemas. Um psiquiatra canadense e pioneiro em terapia familiar, Vivian Rakoff, fez uma crítica devastadora sobre a Terapia Familiar Sistêmica para qual eu tenho ainda que ver uma resposta convincente (1984). Eu aprendi muito com Mara Selvini Palazzoli, e embora eu ache que a crítica de Rakoff tenha sido injusta com ela, Rakoff estava certo em questionar a teoria dos sistemas baseando-se no entendimento dos seres humanos, e sem inspirar a construção dos terapeutas. Os dois homens da Equipe de Milão, Luigi Boscolo (2011) e Gianfranco Cecchin (Boscolo, et al., 1987), foram muito criativos e influentes, e ainda, como eu apontei na minha revisão do trabalho da equipe de Milão, "Visões contrastantes de Milão" (Di Nicola, 1990), eles demonstraram o temperamento tecnocrático como terapeutas. Como afirmei em "Letras", as metáforas deles não são nem psicológicas, nem biológicas, mas materialistas, por exemplo, eles falavam sobre mudar o curso de um rio com barragens.

Toda a ciência, isto é, todas as nossas formas de saber, é a busca por uma analogia, uma forma de entender por comparações. Como Gregory Bateson disse, "a informação é a notícia de uma diferença", o que significa, como é uma determinada coisa diferente do que nós já sabemos ou experienciamos? Um filósofo britânico, Isaiah Berlin, citando o escritor E. M. Forster, colocou isso de forma muito simples: "tudo é como alguma coisa, como é isso?" (Magee, 1978). Eu sou muito atento às palavras, seus significados e suas operações através de analogias, comparações e metáforas. (Isso é por que eu aprecio tais empreendimentos como psicanálise, poesia e filosofia). E eu sou sensível à bagagem que as palavras carregam, especialmente às metáforas. Eu penso que a teoria dos sistemas serve como propósito para nos levar a esse ponto e agora nós precisamos de novas teorias para mover além disso, como a escada de Wittgenstein. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein disse que nós usamos a escada para subir para onde queremos chegar, e então, a descartamos. O tempo vem para descartar a teoria dos sistemas por novas e melhores escadas, que são para emitir hipóteses provisórias e teorias que irão nos permitir escalar mais alto.

Uma declaração completa e um resumo do meu trabalho vai ser exibido em um volume da coletânea dos meus escritos, Na Soleira: Crianças, Famílias e a Mudança Cultural, editado por Armando Favazza, um psiquiatra cultural americano, com um prefácio de Cristina Santinho, uma médica antropologista brasileira (Di Nicola, 2014).

Meu trabalho atual está me levando a novas direções. Em São Francisco, Califórnia, EUA, em maio de 2013, eu apresentei uma nova visão para a Psiquiatria e para a Terapia Relacional: "Prospecto para uma Psiquiatria do Evento" (Di Nicola, 2013b). É baseado no meu trabalho com Alain Badiou (2009, 2011, 2013), um filósofo francês que supervisionou minha tese do doutorado em filosofia (Di Nicola, 2012) que eu cursei após minha formação em trauma com Richard Mollica, Professor de Psiquiatria da Escola de Medicina da Harvard e Diretor do Programa em Trauma de Refugiados da Harvard (Mollica, 2006). Minha tese de doutorado é uma leitura dos três maiores filósofos contemporâneos – Michel Foucault, Giorgio Agamben e Alain Badiou – no tema de trauma. Estudei com os dois últimos pensadores e meu seminário sobre Foucault foi com Thomas Zummer, seu último assistente de pesquisa em Berkeley, Califórnia. Nas minhas investigações, eu fiz uma distinção nítida, uma ruptura radical, entre trauma que é a destruição da experiência e o evento que abre novas possibilidades. O que ambos tanto trauma, quanto evento compartilham é uma ruptura na continuação da vida. Todas mudanças são baseadas na ruptura. Sem uma teoria sobre o Evento, nós não podemos ter nenhuma teoria de mudança em psicologia, psiquiatria ou qualquer forma de psicoterapia. Isso é particularmente relevante para as terapias relacionais onde a mudança é imaginada no espaço intersubjetivo, interpessoal e entre as pessoas.

Com a psicanálise, nós temos uma teoria do trauma psíquico e como isso gera a psicopatologia e as técnicas para desvendar os seus traços. Freud ofereceu insight – tornar consciente o insconsciente – como o produto desse desenlace que poderia produzir alívio ou sofrimento através do seu entendimento. Mas isso não é uma teoria de mudança. Como o slogan dos behavioristas diz, "insight não é igual à mudança do comportamento". E eu poderia adicionar do ponto de vista da psicologia relacional e da terapia que insight também não produz mudanças nos padrões de relacionamento entre as pessoas, seja em uma díade, em uma família ou em um grupo maior.

E aqui nós confrontamos uma verdade fundamental dos seres humanos: as mudanças não se traduzem em qualquer forma óbvia ou mesmo verificável entre os níveis de funcionamento humano. O que acontece no cérebro, por exemplo, não necessariamente determina ou explica a mente. Como psicólogo do desenvolvimento, Jerome Kagan (2006, p. 257) argumenta: "Um entendimento completo do cérebro não é sinônimo de uma plena compreensão da mente". Assim como somente nós não podemos facilmente traduzir do cérebro à mente, não podemos raciocinar de forma simplista da mente para o comportamento, nem do cérebro, da mente ou do comportamento para relações. A psicanálise ficou presa na mente e foi acusada por Leon Eisenberg (1986), um psiquiatra da infância, americano, de Harvard, como sendo "sem cérebro". Psiquiatria biológica, que é cada vez mais dominante na América do Norte sob o disfarce de cérebros e genes (neurociência e genética), é mais "sem mente" que nunca. Nós precisamos de uma psicologia dos seres humanos que leva em conta a nossa natureza social e relacional, onde a biologia e a mente são levadas ao contexto e ao significado através das relações interperssoais que falem de pertencimento e de propósito.

Noções em terapia familiar para processo, contexto, e relação, elaborados no meu trabalho de problemas relacionais como dilemas, e a família como cultura, nos leva mais perto de uma possível teoria de mudança. Mas depois de mais de um século de diferentes formas de terapia, é impressionantemente óbvio que nenhuma forma de terapia, nenhuma teoria de psicologia ou psiquiatria podem por si só nos oferecer uma teoria geral de mudança. Isso é onde o trabalho brilhante de Alain Badiou sobre o Evento pode nos ajudar a oferecer uma profunda ontologia – a ciência do ser – que explica o surgimento do Evento e a possibilidade de novidade e mudança.

1. PF: We would like to begin this interview by considering your current work, your professional experiences, and how you see yourself in the field of family therapy today.

Vincenzo Di Nicola: Thank you for your interest and this opportunity to take stock of my work for the lusophone community of practice, both in Brazil and in Portugal where I have many cherished colleagues and dear friends. Let me start with my place in the family therapy world, so far. I am known for my model of Cultural Family Therapy (CFT). CFT is a synthesis of family therapy and transcultural psychiatry, reflecting two major areas of my training in psychiatry at McGill University in Montreal, Canada that I published while still in training (see Di Nicola, 1985b, 1985c, 1986). Early reviews by leaders in family therapy (e.g., Mara Selvini Palazzoli and Celia Jaes Falicov) and cultural psychiatry (e.g., Armando Favazza) hailed my synthesis as a pioneering and bold venture. After I finished my training in transcultural psychiatry and child psychiatry in Canada and in family therapy in Rome with Maurizio Andolfi and in Milan with Mara Selvini Palazzoli and ten years of practice, I presented CFT in my book, A Stranger in the Family: Culture, Families, and Therapy, published in Brazil as Um Estranho na Família: Cultura, Famílias e Terapia in 1998 (see Di Nicola, 1997, 1998a). Later elaborations included working with families experiencing trauma (Di Nicola, 1996), in cultural transition (Di Nicola, 1998b), and the increasingly "invisible" refugee families around the world (Di Nicola, 2004).

My book led to invitations from many family therapy institutes and hospital and university departments of psychology and psychiatry here in Brazil (Belo Horizonte and Divinópolis in Minas; Florianopolis; Campinas and São Paulo in São Paulo; Gramado, Passo Fundo and Porto Alegre in Rio Grande do Sul; Rio de Janeiro; Salvador; and Vitória), throughout Canada and the USA, and numerous countries in Europe (England, Finland, France, Holland, Italy, Portugal, and Romania).

The main point I made in this work was that families are better understood in cultural context, that each family is its own unique culture, and that the notion of culture replaces the construct of systems. And this does not only apply to immigrant families or families undergoing culture change, although such transitions make my model more salient. Culture does not only apply when confronting differences across cultures or during times of culture change within a society like Brazil, it is the fundamental context and largest envelope for situating and investigating all mental and relational questions.

Last year, I was invited to give the Stokes Endowment Lecture which is dedicated to family studies at George Washington University in Washington, DC, USA, where my model of Cultural Family Therapy is taught, and I offered a perspective on this model some 15 years after my book was published and nearly 30 years after I first made the synthesis of family therapy and transcultural psychiatry (Di Nicola, 2013a).

I started off my lecture by asking the question, Why are we still referring to families as systems? "Systems" reminds me of the quaint science fiction from mid-twentieth century America, filled with tin-can robots, cybernetics in the era of vacuum-tube computers that occupied large buildings, and a mechanical, technocratic view of life, in spite of all the pretensions about information theory and systems. A Canadian psychiatrist and pioneer in family therapy, Vivian Rakoff, delivered a devastating critique of systemic family therapy to which I have yet to see a convincing response (1984). I learned a great deal from Mara Selvini Palazzoli and although I think Rakoff’s critique was unfair to her, he was right to question systems theory as a basis for understanding human beings, let alone to inspire the construction of therapeutics. The two men of the Milan team, Luigi Boscolo (2011) and Gianfranco Cecchin (Boscolo, et al., 1987), were very creative and influential and yet, as I pointed out in my review of the later work of the Milan team, "Contrasting visions from Milan" (Di Nicola, 1990), they demonstrated a technocratic temperament as therapists. As I stated in Letters, their metaphors are neither psychological nor even biological, but materialistic; for example, they talk about changing course of a river with dams.

All science, that is all our ways of knowing, is the search for an analogy, a way to understand by comparisons. As Gregory Bateson said, "information is news of a difference," which means how is a given thing different from what we already know or experience? British philosopher Isaiah Berlin, quoting the writer E.M. Forster, put it very simply, "Everything is like something; what is this like?" (Magee, 1978). I am very attentive to words, their meanings and their operations through analogies, similes and metaphors. (This is why I appreciate such endeavours as psychoanalysis, poetry and philosophy.) And I am sensitive to the baggage that words carry, especially metaphors. I think that systems theory served its purpose to get us to this point and now we need new theories to move beyond it, like Wittgenstein’s Ladder. Austrian philosopher Ludwig Wittgenstein said that we use a ladder to climb up to where we want to reach, then discard it. The time has come to discard systems theory for newer, better ladders, that is to say provisional hypotheses and theories that will allow us to climb higher.

A fuller statement and summary of my work to date will appear in a volume of my collected papers, On the Threshold, edited by Armando Favazza, an American cultural psychiatrist, with a preface by Cristina Santinho, a Portuguese medical anthropologist (Di Nicola, 2014).

My current work is taking me in new directions. In San Francisco, California, USA in May 2013, I presented a new vision for psychiatry and for relational therapy, "Prospectus for an Evental Psychiatry" (Di Nicola, 2013b). This is based on my work with Alain Badiou (2009, 2011, 2013), a French philosopher, who supervised my doctoral dissertation in philosophy (Di Nicola, 2012) which I undertook after my training in trauma with Richard Mollica, Professor of Psychiatry at Harvard Medical School and Director of the Harvard Program in Refugee Trauma (Mollica, 2006). My doctoral dissertation is a reading of three great contemporary philosophers—Michel Foucault, Giorgio Agamben and Alain Badiou—on the subject of trauma. I studied with the latter two thinkers and my seminar on Foucault was with Thomas Zummer, his last research assistant in Berkeley, California. In my investigations, I draw a sharp distinction, a radical break, between trauma, which is the destruction of experience, and the Event which opens new possibilities. What both trauma and Event share is a rupture in the continuity of life. All change is predicated on rupture. Without a theory of the Event, we can have no theory of change in psychology, psychiatry or any form of psychotherapy. This is particularly salient for relational therapies where change is imagined in the intersubjective, interpersonal space between and among persons.

With psychoanalysis, we have a theory of psychic trauma, how this generates psychopathology and techniques for unravelling its traces. Freud offered insight—making conscious the unconscious—as the product of this unravelling that could produce alleviation of suffering through understanding. But this is not a theory of change. As the behaviourist slogan goes, "Insight does not equal behaviour change." And I would add from the point of view of relational psychology and therapy that insight also does not produce changes in relational patterns among people, whether in a dyad, a family or a larger group.

And here we confront a fundamental truth of human beings: changes do not translate in any obvious or even verifiable way among levels of human functioning. What happens in the brain, for example, does not necessarily determine or explain mind. As developmental psychologist Jerome Kagan (2006, p. 257) argues, "A complete understanding of brain is not synonymous with a full understanding of mind." Just as we cannot easily translate from brain to mind, we cannot reason simplistically from mind to behaviour, nor from brain, mind or behaviour to relations. Psychoanalysis got stuck on mind and was accused by Leon Eisenberg (1986), an American child psychiatrist at Harvard, as being "brainless." Biological psychiatry which is ever more dominant in North America in the guise of brains and genes (neuroscience and genetics), is more "mindless" than ever. We need a comprehensive psychology of human beings which takes into account our social and relational nature where biology and mind are given context and meaning through interpersonal relationships that speak to belonging and purpose.

Family therapy notions of process, context, and relationship, elaborated in my work on relational problems as predicaments and the family as a culture, get us closer to a possible theory of change. But after more than a century of different forms of therapy, it is strikingly obvious that no form of therapy, no theory of psychology or psychiatry can in and of itself provide us with a general theory of change. This is where Alain Badiou’s brilliant work on the Event can help us by providing just such a profound ontology—the science of being—that explains the emergence of the Event and the possibility of novelty and change.

2. PF: Em seu livro, Cartas a um Jovem Terapeuta, você escreve a respeito de seu modelo de trabalho com famílias através de culturas. Primeiramente, você faz referência às pessoas que iniciam a terapia para não mudar. Introduz, então, a metáfora das espirais. Você pode ampliar esta ideia?

VDN: Essas são duas ideias diferentes, então deixe-me tentar conectá-las de alguma forma significativa.

Precisamente porque as pessoas não nos autorizam a mudá-las, qualquer intervenção torna-se a priori uma questão ética. Meu modelo para aquilo que eu chamei no meu primeiro livro de "encontro entre estranhos", agora percebo como um encontro face à face, usando a linguagem do filósofo Emmanuel Levinas (1998), que ele constrói como uma questão ética. A filosofia, para Levinas, e a terapia para mim, são primeiramente e acima de tudo ética. A construção terapêutica, como a minha noção relacional de espirais, é, portanto, uma questão ética. Como eu falei em um artigo no início da ética relacional, terapia não é tanto obter corretamente ("getting it right" - compreender e saber como intervir efetivamente, que é a preocupação pragmática de Jay Haley e dos terapeutas estratégicos), mas "ter o direito" ("having the right") de intervir na vida do outro (Di Nicola, 1988).

Eu vejo muitos problemas imbricados aqui: (1) por que as pessoas optam por entrar em terapia, (2) a ética de ser um "agente da mudança" que é o caminho pragmático o qual a maioria das terapias tem sido agora definidas no mundo ocidental, e (3) como reimaginar o encontro terapêutico. Isso significa que: (1) a redefinição de noção freudiana de resistência na terapia relacional (2) resistir à redução da terapia a serviço da normalidade e da funcionalidade, por um lado, e elaborar uma teoria adequada de mudança, do outro, e (3) construir novas formas de imaginar a relação terapêutica como um encontro face à face, que sempre é uma questão ética.

Para além da dimensão de éticas interpessoais é a dimensão de ideologia. Isso também ocorre no nível de leitores dos textos. Um colega americano me falou que eu tinha diminuído o seu ritmo de leitura porque meus textos eram tão densos! Eu escrevo tão claro, preciso e direto quanto eu posso. Essa reação com os meus textos é o que psicanalistas chamam de resistência. Eu penso que Foucault oferece um contexto muito maior e uma leitura mais aprofundada sobre o que é resistência e sobre suas noções de discours (discurso em francês) e dispositif (dispositivo em francês). Esse é o trabalho da ideologia. As pessoas estão comprometidas com a sua visão de mundo, com as suas ideologias, se você quiser, e o quanto mais essa visão de mundo é inculturada em um modo de vida, mais ela se torna "evidente", além da razão e discussão. Nós chegamos ao que o filósofo americano Richard Rorty chama de nosso "vocabulário final", o que significa o ponto no qual nós já não podemos negociar a nossa visão de mundo. A resistência é mais forte quando nos deparamos com vocabulários finais de cada um, o que na política são chamados de intransponíveis "linhas vermelhas". Um bom exercício é ir ao teatro ou assistir a qualquer filme bom, como "Rashomon" de Akira Kurosawa, "Profissão: Repórter" de Michelangelo Antonioni, ou a "Cidade de Deus" de Fernando Meirelles. Como um cidadão de múltiplas alianças e lealdades, estou muito sintonizado com os vocabulários finais das pessoas e com suas linhas vermelhas. Minhas próprias linhas vermelhas encolhem a cada ano. Ninguém pode viver sem elas, mas é incrível de quantas somente podemos desistir!

Espirais é uma maneira de negociar a resistência das pessoas em termos analíticos ou na sua ideologia em termos políticos/filosóficos, e praticar éticas interpessoais, no que Levinas (1998) refere como encontro face à face. As espirais reconhecem a assimetria dos encontros interpessoais, assim como a noção de Levinas de face à face. O ideal de uma hierarquia achatada entre psiquiatra ou terapeuta e paciente ou cliente nem sempre descreve o que eles vivem na realidade. Mais frequentemente há uma assimetria acentuada de poder, ao menos na percepção ou na procura pelo poder, como insistiu Selvini Palazzoli.

Originalmente, eu construí espirais como uma integração do que Sal Minuchin chama "juntar" estruturalmente, Luigi Boscolo e Giancarlo Cecchin de "aberturas" sistêmicas e a narrativa de Michael White de "zig-zagging" (Di Nicola, 1997, 1998). Em "Cartas", eu apresentei o espiral como um processo interpessoal, uma negociação, como o Pequeno Príncipe domando a raposa na encantadora fábula de Antoine de Exupéry. Quando você doma um animal, você se torna responsável pelos seus cuidados. Essa dimensão ética está sempre presente. Por exemplo, como eu digo para meus estudantes que estão ansiosos em realizar um trabalho clínico com crianças, não é difícil conversar com as crianças e adolescentes. A verdadeira questão é: o que você irá fazer com o que eles dizem para você? E o que fazer com o pedido de não compartilhar suas revelações com seus pais ou outras autoridades nas suas vidas? Há uma dimensão prática também: como o cinema, a terapia é a "arte das lentes", como eu frequentemente digo. Saber quando ampliar o zoom (em espiral para dentro de um membro da família) e quando diminui-lo para uma foto grande angular (em espiral para fora, para capturar uma díade, ou a família toda presente na sessão) é parte da arte da terapia. Dentro da sessão, é onde a maioria dos erros técnicos são feitos, ou seja, onde definir o quadro, onde focar e como manter a coerência na arquitetura da sessão. Nós voltaremos a isso quando eu me dirigir a sua pergunta sobre as falhas na terapia.

2. PF: In your book, Letters to a Young Therapist, you write about your model of working with families across cultures. First of all, you refer to people who come into therapy in order not to change. Then you introduce the metaphor of spirals. Could you explain and enlarge on this idea?

VDN: These are two rather different ideas, so let me try to connect them in some meaningful way.

Precisely because people do not authorize us to change them, any intervention becomes a priori an ethical question. My model for what I called "meeting strangers" in my first book I now perceive as the face-to-face encounter, using the language of philosopher Emmanuel Levinas (1998), which he constructs as an ethical question. Philosophy, for Levinas, and therapy for me, are first and foremost ethics. Constructing therapeutics, as with my relational notion of spirals, is hence an ethical question. As I said in an early paper on relational ethics, therapy is not so much of "getting it right" (understanding and knowing how to intervene effectively, which is the pragmatic concern of Jay Haley and the strategic therapists) but of "having the right" to intervene in other people’s lives (Di Nicola, 1988).

I see several problematics imbricated here: (1) why people choose to come into therapy, (2) the ethics of being an "agent of change" which is the pragmatic way in which most therapy has now been defined in the Western world, and (3) how to reimagine the therapeutic encounter. This means: (1) redefining for relational therapy Freud’s notion of resistance, (2) resisting the reduction of therapy in the service of normality and functionality, on one hand, and elaborating a proper theory of change on the other, and (3) constructing new ways of imagining the therapeutic relationship as a face-to-face encounter, which is first and last an ethical question.

Beyond the dimension of interpersonal ethics is the dimension of ideology. This happens at the level of readers of texts as well. An American colleague told me that I had slowed down his reading rate because my texts are so dense! I write with as much clarity, precision and directness as I can. This reaction to my texts is what psychoanalysts call resistance. I think that Foucault offers a much larger context and a more profound reading of what resistance is about with his notions of the discourse (discours en français) and the apparatus (dispositif en français). This is the work of ideology. People are committed to their world view, to their ideology if you will, and the more this world view is enculturated into a way of life, the more it becomes "self-evident," beyond reason and beyond discussion. We arrive at what American philosopher Richard Rorty calls our "final vocabulary" which means the point at which we can no longer negotiate our view of the world. Resistance is strongest when we confront each other’s final vocabularies, which in politics are called uncrossable "red lines." A very good exercise is to go to the theatre or watch very good films like Akira Kurosawa’s "Rashomon," Michelangelo Antonioni’s "Professione: Reporter/The Passenger," or Fernando Meirelles’ "Cidade de Deus/City of God." As a citizen of multiple alliances and allegiances, I am very attuned to people’s final vocubularies and red lines. My own red lines shrink every year. No one can live without them, but it is amazing just how many we can give up!

Spirals is a way to negotiate people’s resistance in analytic terms or their ideology in philosophical/political terms and to practice interpersonal ethics in what Levinas (1998) calls the face-to-face encounter. Spirals acknowledge the asymmetry of interpersonal encounters, as does Levinas’ notion of the face-to-face. The ideal of a flattened hierarchy between psychiatrist or therapist and patient or client does not always describe the lived reality between people. More often, there is a marked asymmetry of power, at least in the perception of or the search for power, as Selvini Palazzoli insisted.

Originally, I constructed spirals as an integration of what Sal Minuchin calls structural "joining," Luigi Boscolo’s and Giancarlo Cecchin’s systemic "openings," and Michael White’s narrative "zig-zagging" (see Di Nicola, 1997, 1998). In Letters, I present spiralling as an interpersonal process, a negotiation, like the Little Prince taming the fox in Antoine de Exupéry’s lovely fable. When you tame an animal, you become responsible for its care. This ethical dimension is always present! For example, as I say to my students who are anxious about doing clinical work with children, it is not difficult to get children and adolescents to talk. The real question is: what will you do with what they say to you? And what to do with the request not to share their revelations with their parents or other authorities in their lives? There is a practical dimension too: like filmmaking, therapy is the "art of lenses," as I often say. Knowing when to zoom in for the close-up (spiralling inwards towards a family member) and when to zoom out for a wide-angle shot (spiralling outwards to capture a dyad or the whole family present in the session) is part of the art of therapy. Within the session, this is where most technical mistakes are made, that is, where to set the frame, where to focus and how to maintain coherence in the architecture of the session. We’ll come back to this when I address your question about failures in therapy.

3. PF: Em sua visão de terapia, como maneja a subjetividade do terapeuta com as aquisições tecnológicas do mundo atual?

VDN: Questões de subjetividade são fascinantes na terapia e na filosofia, e vão para a origem dos problemas do modernismo. Primeiro, eu vou oferecer algumas dicas úteis, e em seguida, algo mais fundamental ou talvez provocante.

No seu livro extremamente importante, que para mim é um guia essencial de sobrevivência hoje, Neil Postman (1993) define technopoly como a rendição da cultura para a tecnologia. Technopoly, argumenta Postman, está em guerra com a subjetividade. O julgamento humano, o discernimento, as nuances – tudo o que não pode ser medido ou reduzido em definições operacionais para os resultados, para a "linha de fundo", são as primeiras a serem desvalorizadas, e então, rejeitadas. Isso é um exemplo perfeito da crítica do filósofo escocês David Hume a qual podemos chamar de "Garfo de Hume". Confundindo fatos e valores, nós deslizamos por uma ladeira escorregadia, involuntariamente, da descrição para a prescrição. A cultura da terapia foi de estudos descritivos sobre o que é eficaz – como os pesquisadores psicanalíticos Anthony Roth e Peter Fonagy (2004) nitidamente perguntam, O que funciona para quem? – às exigências normativas que as intervenções devem fazer na diferença dos resultados escolhidos do Technopoly e em seu prazo orientado para o trabalho.

Postman oferece algumas dicas práticas de sobrevivência, uma que eu admiro, mas quase impossível de praticar:

Limitar cuidadosamente a entrada de informação que você irá permitir. Muita pouca informação é perigoso, mas pouco também o é. Como uma regra geral, não obtenha mais alguma informação depois das sete horas ou oito horas da noite. (In Sternberg, 2006, p. 156).

Ou, em uma revogação da frase de contracultura de Timothy Leary para "sintonizar, ligar e abandonar", Postman está nos dizendo: Sintonize o seu rádio, desligue a sua TV e DVD, caia em sua própria vida. Faça isso para o seu próprio senso de si mesmo, a fim de não se afogar na estimulação infinita do ciclo de notícias 24 horas e os 500 canais. Em qualquer caso, como Bruce Springsteen reclamou em sua canção, "57 Canais (& Nada a Ver)," a maior parte disso é uma distração sem sentido.

O filósofo alemão da tecnologia, Albert Borgmann (1984) oferece a sua noção das coisas e práticas focais como uma alternativa para a tecnologia. Ao contrário das distrações robóticas da tecnologia, as coisas focais têm uma presença, que envolve todo o ser, e nos envolve com os outros. As práticas focais são envolvimentos com as coisas focais. A prescrição de rituais na terapia encarna esse espírito. Prescrições bem sucedidas envolvem famílias com os seus passados, com o seu presente e com os outros.

Agora, eu vou dizer algo que você vai achar surpreendente vindo de um psiquiatra e terapeuta familiar: Esqueça o self, esqueça conscientemente.

O que eu estou dizendo é que além de professar minha crença no dialogismo, na intersubjetividade e na psicologia relacional, além do meu compromisso político com a comunidade e com o múltiplo, nós devemos esquecer o self, a si mesmo. Ou seja, o autoentendimento como um indivíduo atomizado, divorciado do nosso contexto social, cultural e comunitário. Sim, eu estive em análise, e eu concordo que nós precisamos entender a nós mesmos, e aprender um tipo de disciplina pessoal e interpessoal a fim de estar a serviço de outras pessoas. (Origem grega da palavra terapia: θεραπεία, therapeia, "serviço, tratamento", de θεραπεύω, therapeuein, "para atender, para servir, para curar". Mas nós não podemos nos esquecer o por quê nós fazemos isso: Dominamos a nós mesmos, a fim de esquecê-los!

Em "Cartas", eu discuti essa necessidade de estranhamento, de descentrar a subjetividade. Como Alain Badiou (2012) nos diz em seus pensamentos sobre amor, isso é um projeto existencial, "construir um mundo a partir de um ponto de vista descentrado que não seja do meu mero impulso sobreviver ou reafirmar minha própria identidade" (p. 25).

Concluí minha tese de doutorado em filosofia parafraseando a formulação de Freud sobre id e ego: Wo Es war, soll, ich werden / Onde era id, o ego deve ser. Reformulando a tradução francesa de Lacan do alemão, aqui em várias línguas é o meu fundamental princípio como um psiquiatra social, terapeuta relacional e filósofo:

Wo ich war, sollen wir werden.
Là où j’étais, il nous faut advenir.
Where I was, we shall (and must) be.
Onde eu estive, nós vamos (e devemos) estar.

A psicologia acadêmica anglo-americana que muda de nomes a cada década como Madonna muda de estilos, tem sido fustigada por ventos como pragmatismo, behaviorismo e nativismo, e agora é chamada de "neurociência cognitiva" cujo Santo Graal é para resolver o enigma da consciência. E isso, não através da compreensão da mente, mas da investigação do cérebro. Não é uma hermenêutica de interpretação, não é uma ética relacional, nem uma filosofia histórica e cultural situada na mente, mas os substratos neurofisiológicos formuladas pela evolução que produziu o cérebro humano. Esqueça a noção diminuída da neurociência cognitiva da consciência.

Com Alain Badiou e seu ex-aluno Quentin Meillassoux, eu sou para construção de uma filosofia do "sujeito sem consciência" e "realismo especulativo" que argumenta para uma ontologia independente da existência humana. À medida em que alcançamos o ponto mais baixo desta era de narcisismo com o paradoxo absurdo da sociedade do espetáculo e o fim de toda privacidade, representada igualmente pela Agência Nacional de Segurança dos EUA (ANS) com seu alcance implacavelmente intrusivo em nossas vidas privadas e hackers e delatores (whisteblowers) como Julian Assange e Edward Snowden que devolveram o elogio para as potências mundiais por desmascarar seus segredos, nós estamos todos subordinados em uma comunidade mundial "metadata". A noção de "desligar da rede" e viver a vida privada, "tending to one’s own Garden" (cuidar de sua mente e negócios) é agora a fantasia utópica. Com o fim da vida privada, nós vamos ver também o fim do projeto modernista e da subjetividade. Como no filme "Elysium" (2013) ambientado em um futuro bipartido daqui a 150 anos, já estamos vivendo em um mundo onde alguns de nós temos o privilégio de estar envolvido em um trabalho produtivo, saudável, seguro e informado, enquanto o resto de nós – a maioria esmagadora – vive em muitos estados de exceções, sem segurança ou direitos, com acesso variado ao trabalho, à saúde e à educação, muitas vezes até mesmo sem água. Se você quiser ser realmente informado de uma forma que vai realmente te alarmar sobre o mundo em que vivemos hoje, eu te recomendo fortemente a ler algum outro dos meus mentores, Giorgio Agamben (2005) no estado de exceção. Os problemas do self do terapeuta e sua subjetividade irão derreter em uma relevância espetacular.

3. PF: In your vision of therapy, how can we manage the therapist’s subjectivity with the technological advances of the contemporary world?

VDN: Questions of subjectivity are fascinating in both therapy and philosophy and go to the heart of the problems of modernism. First, I will offer some useful tips, then some something more fundamental and perhaps provocative.

In his critically important book, which is for me an essential guide for survival today, Neil Postman (1993) defines technopoly as the surrender of culture to technology. Technopoly, Postman argues, is at war with subjectivity. Human judgement, discernment, nuances - all that cannot be measured or reduced to operational definitions, to outcomes, to "the bottom line," are first devalued, then rejected. This is a perfect example of Scottish philosopher David Hume’s critique that we call "Hume’s Fork." Confusing facts and values, we slide down a slippery slope, unwittingly, from description to prescription. The culture of therapy went from descriptive studies about what is effective - as in psychoanalytic researchers Anthony Roth and Peter Fonagy’s (2004) nuanced title, What Works For Whom? - to prescriptive demands that interventions must make a difference in technopoly’s chosen outcomes and in its work-oriented timeframe.

Postman offers some practical survival tips, one of which I admire but find almost impossible to practice:

Carefully limit the information input you will allow. Too little information is dangerous, but so is too much. As a general rule, do not take in any more information after seven or eight o’clock at night. (In Sternberg, 2006, p. 156).

Or, in a reversal of Timothy Leary’s counterculture dictum to "Tune in, turn on and dropout," Postman is telling us: Tune out your radio, turn off your TV and DVD, drop into your own life. Do this for your own sense of yourself, in order not to drown in the endless stimulation of the 24-hour news cycle and the 500-channel media universe. In any case, as Bruce Springsteen complained in his song, "57 Channels (& Nothin’ On)," most of it is a mindless distraction.

German philosopher of technology, Albert Borgmann (1984) offers his notion of focal things and practices as an alternative to technology. Unlike the robotic distractions of technology, focal things have a presence, engage our whole being, and engage us with others. Focal practices are engagements with focal things. The prescription of rituals in therapy embodies this spirit. Successful prescriptions engage families with their past, with their present and with each other.

Now, I am going to say something that you will find surprising coming from a psychiatrist and family therapist: Forget the self, forget consciousness.

What I am saying is that beyond professing my belief in dialogism, intersubjectivity and relationalpsychology, beyond my political commitment to community and the multiple, we should forget the self. That is, the self understood as an atomized individual, divorced from our social, cultural and communitarian contexts. Yes, I have been in analysis and I agree that we need to understand ourselves and learn a kind of personal and interpersonal discipline in order to be at the service of other people. (Greek origins of the word therapy: θεραπεία, therapeia, "service, treatment", from θεραπεύω, therapeuein, "to attend to, to serve, to heal".) But we must not forget why we do this: We master our own selves in order to forget them!

In Letters, I discussed this need for defamiliarization, decentering subjectivity. As Alain Badiou (2012) says in his thoughts about love, it is an existential project, "to construct a world from a decentered point of view other than that of my mere impulse to survive or re-affirm my own identity" (p. 25).

My doctoral dissertation in philosophy concludes by paraphrasing Freud’s formulation of the id and ego: Wo Es war, soll Ich werden/Where id was, shall ego be. Reworking Lacan’s French translation from the German, here in several languages is my main principle as a social psychiatrist, relational therapist and philosopher:

Wo ich war, sollen wir werden.
Là où j’étais, il nous faut advenir.
Where I was, we shall (and must) be.
Onde eu estive, nos vamos (e devemos) estar.

Anglo-American academic psychology, which changes names every decade like Madonna changes styles, has been buffeted by such prevailing winds as pragmatism, behaviourism and nativism, and is now calling itself "cognitive neuroscience" whose Holy Grail is to solve the puzzle of consciousness. And this, not through understanding mind but by investigating brain. Not a hermeneutics of interpretation, not a relational ethics, nor a historically and culturally situated philosophy of mind, but the neurophysiological substrates shaped by evolution that produced the human brain. Forget cognitive neuroscience’s diminished notion of consciousness.

With Alain Badiou and his former student Quentin Meillassoux, I am for constructing a philosophy of the "consciousless subject" and "speculative realism" which argues for an ontology independent of human existence. As we reach the nadir of this age of narcissism with the absurd paradox of the society of the spectacle and the end of all privacy, represented equally by the US National Security Agency (NSA) with its relentlessly intrusive reach into our private lives and hackers and whisteblowers like Julian Assange and Edward Snowden who pay back the compliment to world powers by unmasking their secrets, we are all subsumed into communal world "metadata". The notion of "unplugging from the network" and living a private life, "tending to one’s own garden" is now a utopian fantasy. With the end of private life, we will also see the end of the modernist project and of subjectivity. As in the film "Elysium" (2013) set in a bisected future 150 years hence, we are already living in a world where some of us have the privilege to be engaged in productive work, healthy, secure and informed while the rest of us—the overwhelming majority - live in various states of exception, without security or rights, with varying access to work, health care and education, too often even without water. If you want to be really informed in a way that will really alarm you about the world we live in today, I strongly recommend reading another one of my mentors, Giorgio Agamben (2005) on the state of exception. The problems of the self of the therapist and her subjectivity will melt into spectacular irrelevance.

4. PF: Dentro de sua visão de família como cultura única, como é seu trabalho clínico dentro da terapia familiar pós-moderna?

VDN: Eu não sou mais edificado com o conceito do pós-moderno, embora eu tenha usado esse termo em um artigo (Di Nicola, 1993) e no meu primeiro livro (Di Nicola 1997/1998). Eu reconheço isso como um ponteiro, como um sintoma do "mal-estar da modernidade", na frase ressonante do filósofo canadense Charles Taylor (Taylor, 1998). Para mim, como um italiano, a modernidade está imbricada no "Manifesto Futurista" de Filippo Tommaso Marinetti (1909) que foi um dos movimentos artísticos italianos mais importante desde o renascimento e o manifesto artístico mais articulado em qualquer lugar. Embora isso ainda soe moderno para nós, o Manifesto Futurista tem um século de idade! Modernismo para mim parece uma ruptura com a tradição, o que o crítico cultural Robert Hughes chama de "o choque do novo". Nós ainda estamos vivendo na violação dessa mudança.

Agora, eu prefiro pensar no pós-moderno como uma crise da modernidade, em que nós temos que trabalhar com as consequências da modernidade. Outra formulação de nossas aporias contemporâneas ou quebra-cabeças é a noção de "modernidade líquida" de Zygmunt Baumann (2000), que me atrai muito porque sugere fluidez, maleabilidade, e porosidade de um lado, e liminaridade, transições, e soleira do outro.

Na terapia, isso significa que a grande revolução de Freud com psicanálise abriu a brecha, mas não resolveu e não aborda as questões de modernidade, e muito menos de pós-modernidade. Em seu apego ao passado, para a memória e trauma, e para os métodos para descobrir o trauma, psicanálise, paradoxalmente atravessa a tradição e a modernidade. Para nos trazer mais plenamente ao presente, com a modernidade, e para atender as aporias da modernidade que eu nomeei "múltiplos, multiplicidade e a multitude" em minha palestra em Washington, nós precisamos de uma nova linguagem para a terapia. Na terapia familiar, significa que deve ser uma psicologia relacional com uma nova concepção de consciência baseada no self relacional. As ferramentas para isso são elucidadas nas minhas "Cartas", e incluem práticas focais e o diálogo relacional. Essa entrevista, por exemplo, é um diálogo relacional. Nós nos conhecemos há vários anos e nosso diálogo aqui reflete as relações com vocês baseado nos numerosos encontros de workshops, palestras e consultas familiares, bem como nas nossas conversas sobre família e terapia. Então, para completar a analogia, psicanálise é como a época das Luzes (grande metáfora de Kant para a iluminação era a maturidade, a iluminação para ele significava deixar a infância para trás para crescer e viver uma vida de razão), enquanto que a psicologia relacional e a terapia (meus termos preferidos para a teoria e terapia da família) são como o Futurismo (como Marinetti, eu estou chamando para uma ruptura radical com o passado e para uma escolha madura de viver no presente, não no passado, nem simbolicamente em termos de modelos, nem realisticamente em termos de práticas relacionais). No caso de haver alguma dúvida aqui, deixe-me dizer que eu tinha uma boa formação psicanalítica em Londres e em Montreal, e eu li todos os últimos avanços dessa comunidade de prática, mas todos os centros psicanalíticos que eu sigo estão enfrentando crises e desafios que precisam de ação decisiva. Na minha visão, isso não é iminente a partir de um referencial psicanalítico e recentemente eu fui convidado para ambos centros, Lacaniano e freudiano analítico ortodoxo em São Francisco e Los Angeles para apresentar novas visões da psiquiatria e da terapia (Di Nicola, 2013).

4. PF: In your vision of the family as a unique culture, how is your clinical work in the context of postmodern family therapy?

VDN: I am no longer fond of the concept of the postmodern, although I used this term in an article (Di Nicola, 1993) and in my first book (Di Nicola, 1997/1998). I do recognize it as a pointer, as a symptom of the "malaise of modernity," in Canadian philosopher Charles Taylor’s resonant phrase (Taylor, 1998). For me, as an Italian, modernity is imbricated in Filippo Tommaso Marinetti’s "Futurist Manifesto" (1909) which was the most important Italian artistic movement since the rinascimento and the most articulate artistic manifesto anywhere. Although it still sounds modern to us, the Futurist Manifesto is a century old! Modernism for me means a break with tradition, what cultural critic Robert Hughes calls "the shock of the new." We are still living in the breach of this change.

Now, I prefer to think of the postmodern as a crisis of modernity, where we are working through the consequences of modernity. Another formulation of our contemporary aporias or puzzles is Zygmunt Bauman’s (2000) notion of "liquid modernity," which appeals to me very much because it suggests fluidity, malleability, and porosity on one hand and liminality, transitions, and the threshold on the other.

In therapy, this means that Freud’s great revolution with psychoanalysis opened the breach but did not resolve it and does not address the questions of modernity, let alone postmodernity. In its attachment to the past, to memory and to trauma and to methods for uncovering that trauma, psychoanalysis paradoxically straddles tradition and modernity. To bring us more fully into the present, with modernity, and to address the aporias of modernity that I named "multiples, multiplicity and the multitude" in my Stokes Endowment Lecture, we need a new language for therapy. In family therapy, that means that it must be a relational psychology with a new conception of consciousness based on the relational self. The tools for this are elucidated in my Letters and include focal practices and the relational dialogue. This interview, for example, is a relational dialogue. We have known each other for a number of years and our dialogue here reflects relationships with the two of you based on numerous encounters from workshops, lectures and family consultations as well as our conversations about families and therapy. So, to complete the analogy, psychoanalysis is like the Enlightenment (Kant’s great metaphor for enlightenment was maturity, enlightenment for him meant leaving childhood behind to grow up and live a life of reason), while relational psychology and therapy (my preferred terms for family theory and therapy) are like Futurism (like Marinetti, I am calling for a radical break with the past and for a mature choice to live in the present, not the past, neither symbolically in terms of models nor realistically in terms of relational practices). In case there is any doubt here, let me state that I had fine psychoanalytic training in London and Montreal and I read all the latest advances in this community of practice, but all of the psychoanalytic centres I follow are experiencing crises and challenges that call for decisive action. In my view, this is not forthcoming from within the psychoanalytic framework and recently, I have been invited to both Lacanian and orthodox Freudian analytic centres in San Francisco and Los Angeles to present new visions of psychiatry and therapy (Di Nicola, 2013).

5. PF: O que significa, hoje, a mudança em terapia e como poderíamos imaginá-la?

VDN: Agora, estamos no centro das minhas preocupações em psiquiatria, em terapia relacional e em filosofia! Em meu livro, Cartas a um Jovem Terapeuta, eu delineei três eras da evolução da terapia. Temos passado por: (1) a era do sintoma iniciado pelo trabalho de Freud interpretando o significado dos sintomas, além de (2) a era da terapia, cujo emblema foi R. D. Laing oferecendo o terapeuta como um guru, levando os indivíduos mistificados em uma viagem de descoberta, e agora estamos na (3) era da mudança dominada pelos tecnocratas de terapia.

Para parafrasear o que o humorista Americano Mark Twain disse sobre o tempo, Todo mundo está falando sobre a mudança, mas ninguém faz nada à respeito.

Talvez essa seja uma função do ser ao redor do mundo da terapia por 40 anos, mas eu simplesmente não consigo ficar animado sobre outra "questão milagrosa" ou outra manipulação esperta das palavras e contextos, ou realmente acreditar que redefinindo e reenquadrando os problemas, eles irão embora de alguma forma. Todas essas inovações são a melhor maneira de clarear o espaço de trabalho, removendo os obstáculos ou nos dando acesso a novas perspectivas limpando as janelas. Mas uma vez que nós obtemos nossas ferramentas e a área de trabalho em ordem, a tarefa real ainda está em nossa frente. Limpar as janelas sujas não irá nos deixar ver com mais clareza se o problema é a névoa ou o escuro lá fora.

Uma incrível quantidade de trabalho da chamada "terapia de família" tem sido sobre o self do terapeuta (ex.: formação da família de origem), no desaprender o viés cultural para o indivíduo atomizado (ex.: teoria sistêmica), ou nas técnicas de convocação e na conversa com as famílias (ex: estrutural, estratégica e terapia familiar sistêmica). Aqui é feita uma pergunta realmente simples: supondo que você faça tudo aquilo, supondo que de alguma forma desbloqueie todos os nós e impasses do self e outro (para usar metáforas ainda importantes de R. D. Laing, 1970), o que as famílias realmente irão dizer? Como você vai ouvir as suas situações difíceis? (Muitos terapeutas que eu conheço não podem suportar o trauma que eles testemunham nas suas vidas profissionais!) E o que você irá fazer com o que eles falam e com o que você escuta?) Isso é a fenomenologia - a experiência vivida – da família. Muitos de nossos colegas estão tão doloridos com o que eles escutam que eles agitam imediatamente para uma "mudança positiva" e para uma transformação do sofrimento diante deles. Imitando esses evangelistas que vendem redenção na TV, os psicólogos americanos que não têm sido totalmente seduzidos pelo cérebro para se tornar neurocientistas, agora pregam "psicologia positiva" em mais uma versão de negar a doença mental grave. O que eu chamo indo da ruptura ao arroubo!)

O que eu estou pedindo é mais paciência. Mais do que foi chamada forbearance na velha língua inglesa; podemos chamá-la tolerância com indulgência em português.

Uma das poucas coisas que eu retenho da controversa filósofa alemã judia Hannah Arendt é seu conselho em como viver com um passado difícil como o Nazismo na cultura da Europa. Ela nos exortou a saber disso precisamente, a suportar esse conhecimento, "e então esperar e ver o que virá de saber e de suportar" (Arendt, 1968, p. 20). Isso é tolerância – a resistência paciente.

Sintomas tem um significado e uma função. Eles fazem a vida suportável. Nós não podemos caminhar por aí pelados, sem defesa e desmascarados. Para os psicólogos positivos e transformacionistas, eu quero dizer, só por um momento, não tão rápido, você ainda não me entendeu. Eu me lembro como terapeuta de não dizer "eu entendo". Eu tenho sido corrigido muitas vezes, mas eu não faço isso. Eu tento dizer, eu quero entender, por favor, explica-me de novo. E de novo, até eu entender. Até nós encontrarmos ou inventarmos uma maneira de falar sobre isso. E nós encontramos uma maneira pensando juntos.

Para oferecer um exemplo pessoal, eu fui a um terapeuta behaviorista para o meu medo de cobras. E isso "funcionou", significando que eu podia tolerar a presença de um píton, até mesmo jogar com ele. Mas meu desejo de entender o "por que" me levou à psicanálise para entender a minha própria mente e depois à antropologia cultural para entender a mitologia das cobras.

Tudo isso é parte de uma desconstrução da palavra "mudança". Jacques Derrida inventou desconstrução como a metodologia para descobrir os antigos, sepultados e esquecidos significados latentes das palavras e das ideias. Como muitos filósofos que eu chamo de metodologistas, de Nietzsche e Foucault para Derrida e Rorty, essas abordagens vão somente clarear a tarefa, e não resolvê-la. Rorty contrasta filósofos edificantes com filósofos sistemáticos. Badiou fala sobre filosofia e anti-filosofia. Observando um paralelo no mundo da terapia, eu tenho falado sobre temperamentos tecnocráticos e temperamentos fenomenológicos na terapia.

A fim de realmente abordar a tarefa de ser agentes da mudança, precisamos de uma teoria de mudança. Nós precisamos ser sistemáticos (construir, não apenas criticar), fazer a real filosofia (pensar através dos fundamentos, não se deslumbrar com sofismas), e para chegar à fenomenologia da família (para suas verdades irredutíveis, não nos seus sintomas mascarados e distrações que nós chamamos de sintomas).

A filosofia de Badiou sobre o Evento, que anuncia uma nova ontologia – um entendimento do ser – para nossos tempos, oferece base para construir uma teoria potente de mudança (como eu delineei acima na minha primeira resposta).

5. PF: What does change mean in therapy and how can we imagine it?

VDN: Now, we are at the heart of my preoccupations in psychiatry, relational therapy and philosophy! In my book, Letters to A Young Therapist, I outline three eras in the evolution of therapy. We have moved from: (1) the era of the symptom initiated by the work of Freud interpreting the meaning of symptoms, through (2) the era of therapy whose emblem was R.D. Laing offering the therapist as a guru, leading mystified individuals on a voyage of discovery, and now we are in (3) the era of change dominated by the technocrats of therapy.

To paraphrase what American humourist Mark Twain said about the weather, Everybody talks about change but no one does anything about it.

Maybe this is a function of being around the therapy world for 40 years, but I just cannot get excited about another "miracle question" or another clever manipulation of words and contexts, or truly believe that by redefining and reframing problems, they will somehow go away. All these innovations are at best ways to clear the workspace by removing obstacles or give us access to new vistas by cleaning the windows. But once we get our tools and workspace in order, the real task is still in front of us. Cleaning dirty windows will not let us see clearly if the problem is the fog or the dark outside.

An incredible amount of the work of so-called "family therapy" has been on the self of the therapist (e.g., family-of-origin training), unlearning the cultural bias towards the atomized individual (e.g., systems theory), or on techniques for convening and talking to families (e.g., structural, strategic and systemic family therapy). Here is a really simple question: Supposing that you do all that, supposing you somehow unblock all the fangles, knots and impasses of self and other (to use R.D. Laing’s still relevant metaphors, 1970), what will families actually say? How will you hear their predicaments? (Many of the therapists I know cannot bear the trauma they witness in their working lives!) And what will you do with what they say and what you hear? (That is the phenomenologythe lived experience—of the family. Many of our colleagues are so pained by what they hear that they immediately agitate for "positive change" and transformation of the suffering before them. Mimicking those evangelists who sell redemption on TV, American psychologists who have not been totally seduced by the brain to become neuroscientists now preach "positive psychology" in yet another version of the denial of serious mental illness. What I call going from rupture to rapture!)

What I am calling for is more patience. More forbearance.

One of the few things that I retain from the contentious German Jewish philosopher Hannah Arendt is her advice on how to live with the difficult past of Nazism in European culture. She exhorted us to know it precisely, to endure this knowledge, "and then to wait and see what comes from knowing and enduring" (Arendt, 1968, p. 20). This is forbearance, patient endurance.

Symptoms have a meaning and a function. They make life bearable. We cannot walk around naked, defenseless, unmasked. To the positive psychologists and transformationists, I want to say, just a moment, not so quick, you haven’t understood me yet. I remind myself as a therapist not to say, "I understand." I’ve been corrected too many times that I don’t. I try to say, I want to understand, please explain it to me, again. And again, until I get it. Until we find or invent a way of talking about this. And we find a way through, together.

To offer a personal example, I went into behavior therapy for my fear of snakes. And it "worked," meaning that I could tolerate the presence of a python, even play with it. But my desire to understand "why" sent me into psychoanalysis to understand my own mind and later into cultural anthropology to understand the mythology of snakes.

All of this is part of a deconstruction of the word "change." Jacques Derrida invented deconstruction as a methodology to uncover ancient, buried and forgotten, latent meanings of words and ideas. Like many philosophers that I call methodologists, from Nietzsche and Foucault to Derrida and Rorty, these approaches will only clarify the task, not solve it. Rorty contrasted edifying philosophers with systematic philosophers. Badiou talks about philosophy and anti-philosophy. Observing a parallel in the therapy world, I have talked about technocratic and phenomenological temperaments in therapy.

In order to really approach the task of being agents of change, we need a theory of change. We need to be systematic (to build, not only to criticize), to do real philosophy (to think through to fundamentals, not to dazzle with sophistry), and to get to the phenomenology of the family (to its irreducible truths, not its symptomatic masks and distractions that we call symptoms).

Badiou’s philosophy of the Event, which announces a new ontology—an understanding of being—for our times, offers the basis for us to construct a powerful theory of change (as I outlined above in my first answer).

6. PF: Revelações em terapia precisam ser recebidas com dignidade. Como você vê a ética no processo terapêutico?

VDN: A ética relacional tem sido a minha preocupação desde os meus primeiros dias em treinamento na McGill, onde eu trabalhei com um bioeticista canadense notável, David Roy, por um ano antes de produzir meu primeiro artigo sobre a ética das intervenções estratégicas, "dizendo isso e significando isso" (Di Nicola, 1988).

Hoje, para mim, os problemas de ética em terapia não são muito o que nós falamos, mas como nós imaginamos e construímos a relação terapêutica. A psicanálise lidou com as questões de transferência-contratransferência e Lacan dedicou um seminário para a ética da psicanálise, mas parece que isso a terapia familiar não abordou tão seriamente. Selvini Palazzoli e a Equipe de Milão tratou de erguer questões práticas dos desafios para o sistema terapêutico criado entre a família e a equipe tratada, e as questões éticas tornaram-se implicitamente questões técnicas. Eu vejo isso como um retrocesso: questões técnicas são questões éticas. Não tem resoluções práticas para os dilemas éticos.

Para ser claro, eu vejo a conexão entre como nós imaginamos as relações terapêuticas, as éticas do encontro face à face, e como nós conduzimos a terapia.

Em um ensaio em meu livro "Cartas" chamado, "A coerência, a dignidade, o desdobramento: Três princípios para o trabalho com crianças e famílias", eu ofereci dignidade como um guia principal para conduzir as sessões de terapia e para construir as intervenções terapêuticas. Dignidade é a destilação mais elegante que eu posso construir para todas as minhas preocupações sobre éticas relacionais:

Ser guiado sempre pela preocupação com a dignidade de outras pessoas e preservar a sua própria.

6. PF: Disclosures in therapy need to be heard and treated with dignity. How do you see ethics in the therapeutic process?

VDN: Relational ethics has been a preoccupation of mine from my early days in training at McGill, where I worked with a noted Canadian bio-ethicist, David Roy, for a year to produce my first paper on the ethics of strategic interventions, "Saying it and meaning it" (Di Nicola, 1988).

Today, for me, the ethical issues in therapy are not so much about what we say but how we imagine and construct the therapeutic relationship. Psychoanalysis dealt with the issues of transference-countertransference and Lacan devoted a seminar to the ethics of psychoanalysis, but it seems that family therapy has not addressed this as seriously. Selvini Palazzoli and the Milan Team dealt with practical questions arising from challenges to the therapeutic system created between the family and the treating team, and ethical questions implicitly became technical questions. I see this as backwards: technical questions are ethical questions. There are no practical resolutions to ethical dilemmas.

To be clear, I see a connection between how we imagine therapeutic relationships, the ethics of the face-to-face encounter and how we conduct therapy.

In an essay in my book Letters called, "Coherence, dignity, unfolding: Three principles for ethical work with children and families", I offer dignity as a guiding principle for conducting therapy sessions and for constructing therapeutic interventions. Dignity is the most elegant distillation I can construct for all my preoccupations about relational ethics:

Be guided always by a concern for other people’s dignity and preserve your own.

7. PF: No fim das sete cartas do seu livro Cartas a um Jovem Terapeuta, você adicionou uma Coda – "Therapy in the Future – An Outline" – onde a terapia é exercitada com várias figuras num semicírculo. Fale-nos sobre esse modelo e seu entendimento quanto à figura do terapeuta nesse contexto.

VDN: Como todas as visões do futuro, a Coda é um relatório disfarçado do presente, nesse caso, dos experimentos da terapia que nós estamos conduzindo em Montreal. Em função da minha preocupação com a dignidade das famílias na terapia, minha maior preocupação é como nivelar a hierarquia do "poder e do conhecimento" (ecoar a frase densa de Michael Foucault) no encontro com outra pessoa.

Quando ela estava trabalhando nos jogos familiares, jogos de poder e na influência na família, com resultados tão devastadores como anorexia nervosa e psicoses, eu tive uma conversa com Mara Selvini Palazzoli sobre famílias, feminismo e poder. Nossa conversa toda pode ser enquadrada por essa troca: eu argumentei o poder como uma ilusão, enquanto Mara, que nunca foi uma perda nas palavras, respondeu suscintamente, "Poder pode ser uma ilusão, mas a batalha pelo poder é um fato!"

A resposta dela e a minha leitura adicional de Foucault, guiada por Thomas Zummer (que trabalhou com Foucault na Universidade da Califórnia, em Berkeley), se traduz em uma visão de terapia onde eu tento situar os problemas éticos da terapia no espaço, como o encontro é situado na sala, quem enfrenta quem e por quê.

Integrando ao trabalho de Tom Anderson sobre "reflecting team" com o dialogismo de Bakhthin, estou experimentando uma forma de encarnar isso, para fazer vivê-la na carne. O poder do encontro face à face de Levinas vem do conhecimento de assimetria. Eu quero encenar uma situação, colocando um grupo de pessoas em semi-círculos assimétricos que não vejam ou não se encostem, mas onde um grupo de membros pode configurar seu próprio espaço movendo suas cadeiras para refletir o empurrar e puxar das interações do grupo. Eu estava muito movido com o trabalho de Simone Weil que falou que a única coisa que importa entre duas pessoas é: "Como vão as coisas entre nós?" Deve haver espaço e tempo para as díades interagirem e para trazer as trocas diádicas para dentro do grupo, como uma parte de uma tela maior de interações.

7. PF: At the end of the seven letters of your book, Letters to a Young Therapist, you added a Coda – "Therapy in the Future – An Outilne" – where therapy is conducted with various figures in a semi-circle. Tell us about this model and about the figure of the therapist in this context.

VDN: Like all visions of the future, the Coda is a disguised report on the present, in this case on experiments in therapy we are conducting in Montreal. Because of my concern with the dignity of families in therapy, my major preoccupation is how to flatten the hierarchy of "power and knowledge" (to echo Michel Foucault’s dense phrase) in meeting other people.

When she was working on family games, games of power and influence in the family, with such devastating results as anorexia nervosa and psychosis, I had a dialogue with Mara Selvini Palazzoli about families, feminism and power. Our whole dialogue can be framed by this exchange: I argued that power is an illusion, while Mara, who was never at a loss for words, replied pithily, "Power may be an illusion, but the struggle for power is a fact!"

Her response and my further reading of Foucault, guided by Thomas Zummer (who worked with at the University of California in Berkeley), translates into this vision of therapy where I try to situate the ethical issues of therapy in space, how the encounter is situated in the room, who faces whom and why.

Integrating Tom Anderson’s work on the reflecting team with Bakhtin’s dialogism, I am experimenting with how to incarnate this, to make it come alive in the flesh. The power of Levinas’ face-to-face encounter comes from an acknowledgement of asymmetry. I want to stage a situation by placing a group of people in asymmetric semi-circles that do not mirror or touch each other but where group members can configure their own space by moving their chairs to reflect the push and pull of the group interaction. I was very moved by the work of Simone Weil who said that the only thing that matters between two people is, How are things between us? There should be space and time for dyads to interact and to bring their dyadic exchanges into the group as part of a larger canvas of interactions.

8. PF: Dos autores citados no tópico "Therapy in the Future – An Outline" quais foram aqueles que significativamente fizeram você sentar-se em lugares diferentes, mudando a perspectiva do seu olhar quanto ao futuro da terapia?

VDN: Você está referindo à intervenção na minha história onde pessoas literalmente sentam em cadeiras diferentes para experienciar o que o filósofo esloveno Slajov Zizek (2006) chama de "vista paralaxe". Mesmo com pequenas mudanças de perspectivas, nós desenvolvemos mais visões de nuances do que vemos e questionamos mais facilmente a tradição e a ortodoxia.

Agora, deixe-me nomear algumas das minhas fontes de inspiração para ver e fazer as coisas diferentes:

Na terapia – Americano português Antonio Ferreira nos mitos familiares, psicanalista escocês R. D. Laing sobre "nós" e outros impasses interpessoais, Tom Andersen no reflecting teams, e Michael White na terapia narrativa.

Na filosofia – Levinas no face à face, o dispositivo de Foucault, ou aparato, a noção seminal de Agamben de potência e infância, Badiou no Evento, e a vista paralaxe de Zizek.

Na antropologia – muito mais que a antropologia medical (ex., Arthur Kleinman) – dois antropólogos sociais britânicos: Mary Douglas, na evidência do self e noções de pureza e perigo, e Victor Turner sobre liminalidade, de quem eu desenhei meu trabalho na soleira.

Finalmente, eu vou estar trabalhando na integração do trabalho brilhante do antropólogo francês René Girard no meu modelo teórico e trabalho clínico. Contra a obsessão norte americana com a psicologia positiva, com a resiliência (o qual eu chamo pseudo-evento), e com a busca pela felicidade (estudos de felicidade são moda atual nos EUA), eu quero continuar com as minhas investigações sobre trauma, usando a teoria antropológica de Girard de mimésis com a noção chave de bode expiatório no seu estudo de violência. Enquanto Marx chamou a religião o ópio do povo, no nosso mundo contemporâneo, eu considero "a busca pela felicidade," com sua negação de mal-estar mental e relacional, e a recusa de levar a violência e o bode expiatório à sério, para ser o ópio do nosso tempo.

Paradoxalmente, isso assume a forma de vídeo de jogos violentos e cada vez mais de entretenimento violento. Em São Francisco, eu vi dois novos filmes, "Star Trek na Escuridão" e "O Homem de Ferro 3". Nem mesmo Theodor Adorno (1991) na sua crítica à "indústria cultural" pode ter antecipado o baixo ponto que nós temos alcançado no entretenimento popular. Que eu gastei dinheiro e tempo ainda nessas esquecíveis diversões violentas e sem sentido e "me diverti" é uma medida de nossa angústia atual. Agora, eu me nego a assistir qualquer coisa pelo americano pornográfico da violência, Quentin Tarantino, o qual eu chamo "Quarantino". Quarantino é um sintoma da nossa cultura. Como Slavoj Zizek, que é um lacaniano, eu poderia dizer, "desfrute seu sintoma!"

8. PF: Of the authors cited on the topic of "Therapy in the Future," which ones were significant for you in sitting in different places, changing your perspective about the future of therapy.

VDN: You are referring to the intervention in my story where people literally sit in different chairs to experience what Slovenian philosopher Slavoj Zizek (2006) calls the "parallax view." By even slight changes of perspective, we develop more nuanced views of what we see and more easily question tradition and orthodoxy.

Now, let me name some of my sources of inspiration to see and do things differently:

In therapy – Portuguese American Antonio Ferreira on family myths, Scottish psychoanalyst RD Laing on "knots" and other interpersonal impasses, Tom Andersen on reflecting teams, and Michael White on narrative therapy.

In philosophy – Levinas on the face-to-face, Foucault’s dispositif, or apparatus, Agamben’s seminal notions of potenza and infanzia, Badiou on the Event, and Zizek’s parallax view.

In anthropology – much more than medical anthropology (e.g., Arthur Kleinman) – two British social anthropologists: Mary Douglas on self-evidence and notions of purity and danger, and Victor Turner on liminality, from which I draw my work on the threshold.

Finally, I will be working on integrating the brilliant work of French anthropologist René Girard into my theoretical model and clinical work. Against the North American obsession with positive psychology, resilience (which I call pseudo-Event), and the pursuit of happiness (studies on happiness are the current rage in the USA), I want to continue my investigations into trauma using Girard’s anthropological theory of mimesis with his key notion of the scapegoat in the study of violence. While Marx called religion the opium of the people, in our contemporary world I consider "the pursuit of happiness," with its attendant denial of mental and relational malaise and the refusal to take violence and scapegoating seriously, to be the opium of our time.

Paradoxically, this takes the form of violent video games and ever more violent entertainment. In San Francisco, I saw two new movies, "Star Trek into Darkness" and "Iron Man 3." Not even Theodor Adorno (1991) in his critique of the American "culture industry" could have anticipated the nadir we have reached in popular entertainment. That I spent money and time on these senselessly violent yet forgettable diversions and "enjoyed" myself is a measure of our current distress. Now, I refuse to watch anything by the American pornographer of violence, Quentin Tarantino, whom I call "Quarantino." Quarantino is a symptom of our culture. As Slavoj Zizek, who is a Lacanian, would say, "Enjoy your symptom!"

9. PF: Na sua experiência, como você vê o fracasso terapêutico?

VDN: Essa é realmente uma pergunta importante e bem-vinda! Um dos livros mais intrigantes que eu li quando era um jovem terapeuta era chamado de Falhas em Terapia Familiar (Coleman, 1985) e o capítulo que mais me afetou foi do Karl Tomm sobre um caso de família o qual ele falhou, sobre a crise que foi criada por ele, e como ele descobriu o trabalho da Equipe de Milão como um resultado.

Na minha experiência, há problemas que surgem com o quadro da terapia e dos problemas que chegam do lado de fora. O grupo de Milão foi muito engenhoso e observador sobre os desafios da terapia do lado de fora. Por exemplo, a "manobra ausente do membro" e "chamadas entre as sessões", especialmente de outros membros da família que não participam na terapia, ou de fontes que se referem, e de outras partes envolvidas com os membros da família (Selvini, 1988).

Também existem outros desafios aparecendo com o quadro terapêutico. Lembra-se das espirais e da arte das lentes? Quando aumentar o zoom em um indivíduo ou em uma díade, e quando diminuir o zoom, para ampliar o campo de visão e o trabalho terapêutico, para incluir toda a família é extremamente importante.

Falhas surgem da incoerência do processo de tratamento.

Na minha experiência, as falhas não estão relacionadas à motivação do cliente para a mudança (quem quer mudar, afinal?) ou com a experiência do terapeuta e à competência de uma forma simples ou óbvia. Terapeutas iniciantes podem ser muito eficazes, assim como os terapeutas experientes podem aprender a serem ineficazes e a tornarem-se isomórficos com a cultura da família, a qual eu chamo de problema "insider/outsider", informante/forasteiro. Alguns terapeutas precisam ser amados ou incluídos na cultura da família, outros inflexivelmente ficam fora dela. Ambos podem ser erros, especialmente quando eles são adotados de forma rígida. Tudo é negociável! Eu posso me tornar um brasileiro ou um italiano, ou ficar de fora, se isso é o que a família precisa, e isso é o que eu chamo de como adotar uma postura terapêutica. O que importa é a coerência terapêutica.

Eu vejo isso todo o dia no meu trabalho clínico, da sala de emergência para o follow-up dos "casos da direção" (para medicações ou onde eu atuo como um corretor para os serviços médicos, psiquiátricos, sociais, comunitários e educacionais), e certamente para minhas famílias em terapia.

No entanto, eu não estou muito interessado em manuais terapêuticos, tão populares com um certo tipo de pesquisa favorecido pelo Instituto Nacional de Saúde Mental (INESM) dos EUA. Na terapia cognitivo-comportamental (TCC), os supervisores falam sobre "desvio" dos seus modelos. Essa é a sua explicação para as falhas terapêuticas que parecem ser mais congruentes com a minha própria abordagem, onde eu posso dizer que "desvio" cria a "incoerência" terapêutica. O problema, no entanto, é que os manuais e os outros procedimentos altamente estruturados podem tornar a terapia sem sentimento, menos sensível e sem resposta. Um exemplo é o dictum psicanalítico de dizer nada pelos primeiros 20 minutos, que é apenas para piadas e críticas do método analítico como rígido. Um supervisor analista americano escreveu uma vez que não responder as questões em análise é apenas falta de educação.

Outra fonte de incoerência terapêutica surge da precipitação das guerras em terapia (ver os volumes disponíveis de Jeffrey Zeig nesse tópico). Em muitas das equipes que eu tenho trabalhado como um consultor ou como um terapeuta, há tensões sobre qual modelo usar para dar à família uma determinada situação difícil, e ainda mais complexo, como integrar diferentes formas de terapia. Misturar a terapia individual, de casal, de grupo e de família é um desafio para todos nós. Com o aumento da cultura orientada para o consumidor na América do Norte e eu sinto cada vez mais no Brasil e em outros lugares, os terapeutas também sentem a necessidade de manter o cliente satisfeito. Como ouvir a demanda das famílias e manter a coerência terapêutica é um desafio para a maioria dos terapeutas experientes hoje em dia.

Não me deixe esquecer de nos lembrar que embora às vezes falhamos nos nossos relacionamentos, ambos, na nossa vida pessoal e como terapeutas, isso requer um degrau apropriado de humildade e compaixão de outras pessoas. Como eu concluí no capítulo final do meu primeiro livro, "Estranhos Nunca Mais", sobre encontrar meu pai no Brasil pela primeira vez, eu empreendi que viajar sete anos após minha formação em Roma com Maurizio Andolfi e trabalhar no que Maurizio chama de "incapacidade pessoal" relacionado a minha família de origem. Isso me ensinou a respeitar a resistência de mudar muito mais! Eu posso agora revelar que eu fiz aquela jornada não pela curiosidade sobre o meu pai ou pelo Brasil que sempre esteve presente, mas pela crise relacional na minha vida. Eu finalmente percebi que eu não podia mais adiar esse encontro com ele. A ópera favorita do meu pai era A força do Destino de Verdi. Aquela mão invisível finalmente bateu na minha porta e fui para o Brasil encontrar com o meu pai e eu mesmo.

9. PF: In your experience, how do you see therapeutic failures?

VDN: This is really an important and welcome question! One of the most intriguing books I read as a young therapist was called Failures in Family Therapy (Coleman, 1985) and the chapter that most affected me was Karl Tomm’s about a family case he failed with, the crisis that created for him, and how he discovered the work of the Milan Team as a result.

In my experience, there are problems that arise within the frame of therapy and problems that arrive from the outside. The Milan group was very resourceful and observant about the challenges to therapy from the outside. For example, the "absent member manoeuvre" and "calls between sessions," especially from other family members not participating in therapy or from referring sources and other parties involved with members of the family (see Selvini, 1988).

There are also challenges arising within the therapeutic frame. Remember spirals and art of lenses? When to zoom in on an individual or a dyad and when to zoom out, to enlarge the field of vision and of therapeutic work, to include the whole family is critically important.

Failures arise from incoherence of the treatment process.

In my experience, failures are not related to client motivation for change (who wants to change, anyway?) or to the therapist’s experience and competence in a simple or obvious way. Beginning therapists can be very effective, just as seasoned therapists can learn to be ineffectual and become isomorphic with the culture of the family, which I call the insider/outsider problem. Some therapists need to be loved or included in the family’s culture, others adamantly stay outside of it. Both can be mistakes, especially when they are adopted rigidly. Everything is negotiable! I can become Brazilian or Italian or stay an outsider if that is what the family needs and is what I decide to adopt as a therapeutic posture. What matters is therapeutic coherence.

I see this all day long in all my clinical work, from the emergency room to the follow-up of "management cases" (for medications or where I act as a broker for medical, psychiatric, social, community or educational services), and certainly for my families in therapy.

However, I am not very interested in therapy manuals, so popular with a certain type of research favoured by the US National Institute of Mental Health (NIMH). In cognitive-behaviour therapy (CBT), supervisors talk about "drift" from their model. This is their explanation for therapeutic failures that appears to be congruent with my own approach, where we could say that "drift" creates therapeutic "incoherence." The problem, however, is that manuals and other highly structured procedures can render therapy unfeeling, insensitive and unresponsive. An example is the psychoanalytic dictum to say nothing for the first 20 minutes, which is just fodder for jokes and critiques of the analytic method as rigid. As an American supervising analyst once wrote, not answering questions in analysis is just impolite.

Another source of therapeutic incoherence arises from the fallout of the therapy wars (see Jeffrey Zeig’s valuable volumes on this topic). In many of the teams I have worked with as a consultant or as a therapist, there are tensions about what model to use for a given family predicament and even more complex is how to integrate different forms of therapy. Mixing individual, couple, group and family therapies is a challenge for all of us. With the rise of the consumer-oriented culture in North America and I sense increasingly in Brazil and elsewhere, therapists also feel the need to keep the customer satisfied. How to listen to families’ demands and maintain therapeutic coherence is a challenge for even the most experienced therapists today.

Let me not forget to remind us all though that we sometimes fail in our relationships both in our personal lives and as therapists and this requires a proper degree of humility and compassion for other people. As I concluded in the final chapter of my first book, "Strangers No More," about meeting my father in Brazil for the first time, I undertook that voyage seven years after my training in Rome with Maurizio Andolfi and working on what Maurizio calls my "personal handicap" related to my family of origin. This taught me to respect resistance to change a lot more! I can now reveal that I made that journey not because of curiosity about my father or Brazil that had always been present but because of a relational crisis in my life. I finally sensed that I could no longer put off this encounter with him. My father’s favourite opera was Verdi’s La Forza del Destino. That invisible hand finally knocked on my door and off to Brazil I went to meet my father and myself.

10. PF: No seu livro, Cartas a um Jovem Terapeuta, você mostra uma enorme diversidade de contribuições à terapia. Que conselhos e caminhos sugere para o terapeuta hoje?

VDN: Meu conselho aos terapeutas de todos as idades, novo e velho, e de toda a orientação teórica, é não se abandonar à technopoly e entregar de forma acrítica para tecnologia (Postman, 1993). Então, por todos os meios, leia Freud – e Lacan que era o seu melhor leitor. Leia Michel Foucault – e Giorgio Agamben que é seu melhor leitor. Leia Infância e História (2007) de Agamben, que eu considero um dos textos mais importantes que li. Um clássico menor que li é O Parnas do psiquiatra e psicanalista italiano judeu, Silvano Arieti (1979) que se tornou um influente especialista americano em psicanálise e esquizofrenia. Esse pequeno livro sobre um menor funcionário na sinagoga de Pisa e seu medo ao longo da vida de pequenos animais é parcialmente autobiográfico, parcialmente uma história de judeus de Pisa sob os fascistas e seu encontro com a ocupação nazista, e parcialmente uma meditação sobre o real significado dos sintomas. Arieti, que era um especialista em síndromes psiquiátricas incomuns, como a licantropia, a ilusão de ser transformado em lobo, constrói o significado a partir da fobia de cães de parnas e o que ele chama de os cachorros reais da vida, os lobos nazistas, que vieram atacar a comunidade judia. Eu li isso durante a faculdade e isso tem influenciado minha visão de psiquiatria e terapia desde então.

Junto com Anna Freud (eu treinei com um "annafreudiano"), Donald Winnicott e Melanie Klein na análise da infância, John Bowlby e R. D. Laing (tudo do Instituto Tavistock em Londres onde eu comecei minha formação psicanalítica), leia Sartre, Foucault, e Badiou em filosofia e Frantz Fanon em psiquiatria revolucionária. Se você quiser uma introdução acessível de Sartre e Foucault, leia Pantheon de Bolso (2009) de Alain Badiou. Junto com Andolfi e Selvini Palazzoli da Itália, leia o trabalho do ícone da reforma psiquiátrica, L´instituzione negata, A Instituição Negada de Franco Basaglia (2010).

No Brasil, não perca o trabalho de nossos amigos, Osório e Beth de Florianópolis (por ex., Osório & do Valle, 2002), e da baiana Ângela Teixeira (1996) sobre a integração amável da teoria dos sistemas com a psicologia junguiana. Ela vai aprofundar seu entendimento sobre individuação imensamente. Abraham Turkenicz, nosso amigo em comum de Porto Alegre, ele parece ser o mais erudito e lúcido leitor da história da família e da terapia familiar no mundo hoje em dia. Na sua recente tomada, ofereceu uma leitura brilhante do trabalho na história da família de Phillipe Ariès, é simplesmente obrigatório (Turkenicz, 2012). Vale à pena aprender português lendo ele! E eu sou militante em tê-lo traduzido em inglês para atingir um público mais amplo.

E eu considero o trabalho de Adalberto Barreto sobre a psiquiatria comunitária em Fortaleza um tesouro nacional, assim como a arquitetura modernista de Oscar Neymeyer, o teatro dos oprimidos de Augusto Boal, a teologia da libertação de Leonardo Boff e a pedagogia de esperança de Paulo Freire.

Uma das brasileiras mais notáveis que eu encontrei é a divina de Divinópolis, Minas Gerais, Adélia Prado (2001), que é a maior poeta viva do Brasil e herdeira de Carlos Drummond de Andrade baseado no que eu chamo de seu poema missão, "Com licença poética." Desse poema, eu adotei a sua noção de desdobrável como uma atualização da noção cansativa e problemática de desenvolvimento. Leia-a e a escute em pessoa, enquanto você ainda pode!

Essas duas últimas recomendações tocam sobre o que eu realmente quero dizer sobre a terapia e sobre o mundo hoje: para abrir espaço na justiça social, por um lado, e para a poesia, de outro. Eu quase nasci no Brasil e eu posso ainda escolhê-lo como país para viver e trabalhar. Brasil é um país de tremendas fontes – naturais e humanas – e com um potencial ainda para desdobrar. Stefan Zweig (1941) chamou isso de "país do futuro". Se esse futuro vai tornar-se nosso presente, nós precisamos de justiça social iniciando com o pão para todos e com a encantadora celebração brasileira de beleza, a partir do "jogo bonito" para os cofres ricos da língua portuguesa em poesia da mineira Adélia Prado ou seu grande gaúcho Mário Quintana que escreveu:

Quem faz um poema abre uma janela

Osip Mandelstarm, o poeta judeu russo, declarou:
As pessoas precisam de poesia que será seu próprio segredo
para mantê-las acordadas para sempre,
e banhá-los na onda de cabelos brilhantes
da sua respiração.

As pessoas precisam de poesia como elas precisam de pão. Nós, como terapeutas, podemos fazer a nossa parte alimentando as pessoas com as palavras, testemunhando narrativas de sofrimento para reescrevê-las como histórias de sarar através do diálogo relacional.

Lá você tem a base para a "onda de cabelo brilhante" do Mandelstarm e o "desdobramento" da Prado para "abrir uma janela", como Quintana esperou...

Pão e Palavras!

10. PF: In your book, Letters to a Young Therapist, you demonstrate an enormous diversity of contributions to therapy. What advice and avenues do you suggest for today’s therapist?

VDN: My advice to therapists of all ages, young and old, and of every theoretical orientation, is not to abandon oneself to technopoly and surrender uncritically to technology (Postman, 1993). So by all means, read Freud—and Lacan who was his best reader. Read Michel Foucault—and Giorgio Agamben who is his best reader. Read Agamben’s (2007) Infancy and History (Infância e História em português), which I consider one of the most important texts I have read. A neglected minor classic is The Parnas by Italian Jewish psychiatrist and psychoanalyst, Silvano Arieti (1979) who became an influential American expert on psychoanalysis and schizophrenia. This little book about a minor functionary in the synagogue of Pisa and his lifelong fear of small animals is partly autobiography, partly a history of the Jews of Pisa under the Fascists and their encounter with the occupying Nazis, and partly a meditation on the real meaning of symptoms. Arieti, who was an expert on unusual psychiatric syndromes such as lycanthropy, the delusion of being transformed into a wolf, constructs meaning out of the parnas’ phobia of dogs and what he calls the real dogs of life, the Nazi wolves that came to attack the Jewish community. I read it during medical school and it has influenced my vision of psychiatry and therapy ever since.

Along with Anna Freud (I trained with an "annafreudian"), Donald Winnicott and Melanie Klein in child analysis, John Bowlby and R.D. Laing (all from the Tavistock Institute in London where I began my psychoanalytic training), read Sartre, Foucault and Badiou in philosophy and Frantz Fanon in revolutionary psychiatry. If you want an accessible introduction to Sartre and Foucault, read Alain Badiou’s Pocket Pantheon (2009). Along with Andolfi and Selvini Palazzoli from Italy, read the work of a great psychiatric reformer, Franco Basaglia’s L’instituzione negata (2010).

In Brazil, do not miss the work of our friends, Osorio and Beth from Floripa (see Osorio and do Valle, 2002) and baiana Angela Teixeira’s (1996) lovely integration of family systems theory with Jungian psychology. She will deepen your understanding of individuation immeasurably. Abraham Turkenicz, our mutual friend from Porto Alegre, is perhaps the most erudite and lucid reader of family history and family therapy in the world today. His recent tome, offering a brilliant reading of Philippe Ariès work on family history, is simply mandatory (Turkenicz, 2012). It is worth learning Portuguese just to read him! I am militating to have him translated into English to reach a wider audience.

And I consider Adalberto Barreto’s work on community psychiatry in Fortaleza a national treasure like Oscar Niemeyer’s modernist architecture, Augusto Boal’s theatre of the oppressed, Leonardo Boff’s liberation theology and Paulo Freire’s pedagogy of hope!

One of the most remarkable Brazilians I have encountered is the divine from Divinópolis, Minas Gerais, Adélia Prado (2001), who is Brazil’s greatest living poet and the heir to Carlos Drummond de Andrade based on what I call her mission poem, "Com Licença Poética." From this poem, I adopted her notion of unfolding (desdobrável) as an update of the tired and troublesome notion of development. Read her and listen to her in person while you still can!

These last two recommendations touch on what I really want to say about therapy and the world today: to open space for social justice on one hand and poetry on the other. I was almost born in Brazil and it may still be the country where I choose to live and work. Brazil is a country of tremendous resources—natural and human—and still unrealized potential. Stefan Zweig (1941) called it the "land of the future." If that future is to become our present, we need social justice starting with bread for all and Brazil’s lovely celebration of beauty, from the "beautiful game" to the rich coffers of the Portuguese language in the poetry of the mineira Adélia Prado or your own grande gaúcho Mario Quintana who wrote,

Quem faz um poema abre uma janela
Who makes a poem opens a window

Osip Mandelstam, the great Russian Jewish poet, declared:
The people need poetry that will be their own secret
to keep them awake forever,
and bathe them in the bright-haired wave
of its breathing.

The people need poetry like they need bread. We as therapists can do our part by feeding the people with words, witnessing narratives of suffering to rewrite them as stories of healing through the relational dialogue.

There you have the basis for Mandelstam’s "bright-haired wave" and Prado’s "unfolding" to "open a window" as Quintana hoped ...

Bread and words!

Pão e palavras!

 

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Endereço para correspondência
Vincenzo Di Nicola
E-mail: dinicolav@hotmail.com

Recebido em: 29/04/2013
Revisado em: 04/07/2013
Aceito em: 18/07/2013

 

 

Traduzido por Psic. Melina Carvalho Trindade, psicoterapeuta de casal e família.
1 Foi mantido o texto da entrevista em inglês após o texto em português. (N. da Ed.).
2 Psicóloga, Psicoterapeuta individual, de casal e família. Membro da equipe de coordenação do Domus. Editora da Revista Pensando Famílias e Revista Brasileira de Tereapia Familiar – ABRATEF. Presidente da AGATEF – gestão 2002-2004 e 2006-2008.
3 Mestre em Serviço Social, Terapeuta de casal e família. Membro da Diretoria da AGATEF.