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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2019

 

ARTIGOS

 

A propaganda e os traços de personalidade em crianças

 

The propaganda and personality traits in children

 

 

Camila Lucateli1, I ; Caroline Prieto2, I; Jéssica Miguel3, I; Fernando Pessotto4, I

I Centro Universitário Salesiano – UNISAL Americana

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ato de consumir gradativamente tem se tornado sinônimo de felicidade, status e realização. A publicidade utiliza da comunicação para propagar suas ações criando novas necessidades de aquisição ocasionando efeitos de alegria e satisfação. Neste sentido, este enquadre poderia estar relacionado à consolidação de traços de personalidade nas crianças, considerando que estas se encontram em fase de desenvolvimento, ou seja, no processo de direcionamento dos traços de personalidade. Sendo assim, o presente estudo contou com a participação de 50 crianças com idade entre seis e 12 anos (M=9,31; DP=1,33), sendo 54% do sexo feminino e os respectivos responsáveis, por meio da aplicação de um questionário com questões relacionadas ao consumo de propaganda, além da Escala de Traços de Personalidade para Crianças (ETPC) com o objetivo de verificar tal correlação. Os resultados indicaram correlação positiva de magnitude moderada do tempo de exposição à televisão com o traço de psicoticismo (0,47) e negativa de magnitude baixa com socialização (-0,36) indicando relação com os direcionamentos dos traços em sua formação.

Palavras-chave: Mídia, Televisão, Consumo, Eysenck.


ABSTRACT

Advertising uses of communication to propagate their actions creating new needs for acquisition, causing effects of joy and satisfaction. In this sense, this framework could be related to consolidation of personality traits in children, considering that they are in the development phase, i.e. the process of targeting of personality traits. Thus, the present study had the participation of 50 children aged between six and 12 years (Average =9,31; Standard Deviation =1,33), being 54% female and the respective responsible, through the application of a questionnaire with questions related to advertising, consumption beyond the Escala de Traços de Personalidade para Crianças (ETPC) in order to verify such a correlation. The results showed positive correlation of moderate magnitude of exposure time on TV with the Psychoticism dash (0.47) and low magnitude with negative socialization (-0.36) indicating the directions of strokes in your training.

Keywords: Media, TV, Consumption, Eysenck.


 

 

Introdução

O marketing vem sendo utilizado pelas empresas, disponibilizando suas mais variadas ferramentas com o intuito de persuadir a população e incentivar a prática de compra. Apesar de ser muitas vezes concebido como propaganda e venda de produtos, é importante ressaltar que estas são apenas algumas, das diversas ferramentas deste seguimento. Entende-se por este conceito como um conjunto de fatores que se relacionam aos desejos dos consumidores para que se atinjam objetivos organizacionais (Moreira, Pedroso, Rocha & Vieira, 2013). Hooley, Saunders e Piercy (2005) comentam ainda que o marketing enquanto estado mental corporativo deve unir as ferramentas disponíveis deste seguimento às funções corporativas para que os lucros sejam obtidos. Sendo assim, as organizações dependem dessas ferramentas para alcançar seus objetivos. Uma dessas ferramentas e a mais utilizada é a publicidade.

A publicidade utiliza da comunicação para propagar às pessoas suas ações que causam sentimentos como a insatisfação do que se possui, criando necessidade de aquisição pelo novo. A linguagem utilizada por esta ferramenta é capaz de ocasionar efeitos de sentido ao despertar no público receptor reações de identificação e afinidade com as intenções dos anunciantes (Lange, Giovanetti, Araújo & Schneider, 2009).

Nishiyama (2010) comenta que uma pesquisa feita pelo Ibope indicou que crianças e jovens brasileiros assistem em média 3,5 horas de televisão por dia ficando expostos a aproximadamente 40 mil propagandas no período de um ano. Ainda, Moreira et al. (2013) em uma pesquisa contando com a participação de 30 crianças com idade entre 12 e 14 anos, verificaram que 43,33% preferem assistir TV, 36,67% declararam preferir acessar a internet, 16,67% preferência pela realização de compras e 3,33% gostar de passeios ao ar livre e nenhum dos entrevistados manifestou como principal preferência o ato de brincar. Os autores concluem que tendo em vista números tão significativos, torna-se importante lembrar que a propaganda é capaz de influenciar na educação, nos valores e na criatividade da criança, contribuindo com a formação de sua personalidade inclusive.

Moura (2007) afirma que ao serem expostas por tanto tempo a essas mídias, as mensagens comerciais chegam de forma direta durante os intervalos dos programas, ou por meio de mecanismos imperceptíveis, como é o caso do merchandising editorial, responsável pela transmissão de informações comerciais em programas, disfarçando a intencionalidade de tal veiculação. Esta ferramenta usa da propagação de produtos e marcas que são realizados dentro dos programas, se beneficiando do carisma de seus apresentadores e do cenário de desenvolvimento das atrações para a divulgação dos produtos, deixando o público infantil confuso, ao passo que a propaganda aparece sem avisar, em um momento de descontração e brincadeira.

É certo que a publicidade atinge várias faixas etárias e grupos, entretanto o público infantil merece destaque devido sua vulnerabilidade perante aos estímulos da mídia. A criança está inserida na sociedade e tende a se modelar e repercutir certos padrões estabelecidos por ela. De acordo com Bandura, Azzi e Polydoro (2008) entende-se que esta condição favorece a modelação de comportamentos a partir de modelos que são vistos e aprendidos. A modelação, por sua vez, caracteriza-se como modificação de comportamento com o uso de modelos.

Portanto, o comportamento de pessoas significativas, sendo elas familiares ou amigos poderão refletir no processo de aprendizagem da criança, com isso pode-se afirmar que a sociedade o envolve, porém não necessariamente determina seu desempenho. É natural que as crianças reproduzam um padrão de valorização de bens materiais que é uma conduta de orientação para diferenciação social entre grupos. Esta é uma herança social que prioriza valores como competitividade e consumismo muito valorizados atualmente, além disso, as mídias e propaganda são amplamente divulgadas e aceitas tornando assim a população dependente (Loyola, Bastos & Viana; 2010).

Oliveira e Reis (2007) asseguram que uma das principais características da sociedade contemporânea é o crescente incentivo vindo de diferentes âmbitos. Por meio desses estímulos, as crianças amadurecerem cada vez mais cedo, sem antes estarem física e biologicamente preparadas. Por sua vez, os pais, com a intenção de sustentar economicamente a família, e proporcionar maior conforto, se ausentam durante a maior parte do dia e em contrapartida, com o intuito de suprir a ausência, investem no consumo, reforçando mais uma vez esta prática.  Com isso, a criança fica cada vez mais exposta aos meios de comunicação, em particular às campanhas publicitárias, que somadas à ausência dos pais, interferem na construção de sua identificação própria, e no seu processo de aprendizagem por imitação.

Patias, Scorteganha e Oliveira (2017), corroboram esta ideia explanando que disfunções familiares, mesmo que aparentemente pequenas, como uma ausência, por exemplo, podem se configurar como fatores de risco ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Concluem que são necessários fatores de proteção que viabilizem um desenvolvimento sadio. Dentre eles uma relação harmoniosa com a família e sobretudo, coesão entre seus membros, compreendendo aqui a sintonia entre ação e fala por parte dos genitores.

Neste sentido vale ressaltar que no início de seu desenvolvimento cognitivo, a criança interage com o ambiente absorvendo as informações que estão à sua volta. Da mesma forma ocorre com os ensinamentos dos pais e os conteúdos oferecidos pela mídia. Na infância, a criança associa os estímulos assistidos na televisão com a sua vida cotidiana, passando a diferenciar notícias, filmes, desenhos e comerciais. De acordo com Karsaklian (2004), a partir dos três anos de idade as crianças já são capazes de optar entre um programa e outro, 82% do público infantil com faixa etária próxima aos quatro anos sabem a diferença entre a propaganda e o programa e aos seis anos de idade esse número sobe para 98%. Para o público mirim, o fato de a propaganda ser mais curta a torna mais divertida que os programas televisivos.

Cada criança se comporta de diferentes maneiras devido às suas particularidades, mas é possível encontrar elementos comuns nas reações emitidas por elas no que diz respeito aos estímulos vindos dos meios de comunicação. Contudo é possível verificar algumas condutas comuns como crianças de seis anos que são capazes de citar ao menos um nome de marca por segmento, embora a análise crítica da propaganda deva acontecer aos oito anos (Loyola, Bastos & Viana, 2010).

Dexheimer e Bacha (2011), realizaram uma pesquisa com uma amostra de 40 crianças com idades de nove a 11 anos, pertencentes aos terceiro e quarto anos de uma escola particular da cidade de São Paulo. Os autores verificaram que as crianças já possuem estratégias pré-definidas para convencer os pais no momento da compra de um produto que lhe desperte interesse. Destacam-se como principais comportamentos implorar, fazer cara de choro e até mesmo oferecer algo em troca como se tornar mais obediente, estudioso e participar regularmente dos afazeres de casa.

Portanto, é possível observar que vários fatores estão presentes na relação da criança com a propaganda. Não se sabe ao certo qual a intensidade e o tempo de reação necessários para gerar resultados das propagandas sem causar danos às crianças expostas. Há profissionais que defendem a ideia de que quanto mais a criança fica exposta à propaganda, mais desenvolverá maturidade crítica. Porém há quem acredite que quanto mais tempo exposta à propaganda, mais difícil será para ela diferenciar os seus objetivos reais, pois elementos como a fantasia e imaginação são usadas como foco estratégico (Loyola et al., 2004).

Outra estratégia observada por Karsaklian (2004), é a fala, que se assemelha com a usada nos programas infantis, que geralmente são simples e seguem uma sequência rápida, com personagens que mantêm a mesma forma de atuação, sugerindo às crianças a existência de um mundo sem problemas e de soluções fáceis. A inocência e a fantasia infantil fazem com que ao se deparar com programas muito realistas, as crianças bloqueiem as informações, já os programas infantis utilizam da repetição de mensagens e o uso de personagens, que dão a sensação de segurança para que a criança se identifique com a marca.

Higgs e Pereira (2005) afirmam que as histórias contadas nos comerciais seguem uma linha de simplicidade e usam argumentos infantis para que a criança consiga reter a informação. Além disso, utilizam crianças mais velhas em relação ao público alvo da campanha, para que os receptores desenvolvam mecanismos de identificação por aspiração, ou seja, proporcionando modelos a serem imitados. Ao tomar consciência das verdadeiras intenções da publicidade, a criança estabelece um espírito crítico, rejeitando o comercial, isso faz com que aumente a dificuldade dos publicitários estabelecerem uma relação eficaz entre seu trabalho e o público.

Tendo em vista essa problemática, torna-se importante ressaltar que atualmente a publicidade dirigida ao público infantil é considerada ilegal de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, recentemente, sua abusividade está determinada na Resolução 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Entretanto as empresas permanecem desrespeitando a lei e violando os direitos das crianças (Sampaio, 2004).

No Brasil, existem alguns órgãos responsáveis por fiscalizar e garantir que os direitos das crianças sejam respeitados. Como exemplo, pode-se citar o Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, que desde 2006, desenvolve atividades que visam a conscientizar a sociedade a respeito de tais problemas, e principalmente, desenvolvem projetos que buscam debater formas para minimizar os impactos negativos do consumismo desenfreado no desenvolvimento da criança (Santos, 2009).

Levando em consideração a fase de desenvolvimento que a criança se encontra, que se constitui ainda como uma fase de direcionamentos, a consolidação de elementos como raciocínio, habilidades sociais e personalidade podem estar relacionados à toda esta situação apresentada anteriormente. Neste sentido é possível citar Sisto, Bueno e Rueda (2003) que explanam acerca da personalidade. Esta abrange não somente componentes orgânicos de cada indivíduo como também componentes socioculturais.

Portanto, este conceito pode ser entendido como um sistema formado por fatores cognitivos, afetivos, integrado com características inatas, sociais e que recebe também contribuições de funções psicológicas e sociais. Sendo assim, é sabido que além de aspectos biológicos, hereditários, as vivências e o ambiente também contribuirão para a formação da personalidade da criança. Embora nesta fase, tais características funcionem como indicadores, ou seja, passíveis ainda de mudanças, se as condições se mantiverem mais ou menos estáveis, estas tenderão a tornarem-se estáveis ao longo da vida do sujeito (Sisto et al., 2003).

Sisto (2004a) complementa ainda que a permanência desses comportamentos ao longo de um tempo é que conceitua a personalidade do sujeito. Neste sentido, elementos modeladores como a publicidade, podem estar relacionados à concepção e direcionamento da personalidade, sobretudo quando se trata da fase em que a mesma está em processo de formação. Assim, o presente estudo teve como objetivo verificar se existe correlação entre a exposição das crianças à televisão e consequentemente à publicidade e indicadores dos traços de personalidade.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 51 crianças com idade entre seis e 13 anos (M=9,31; DP=1,33), sendo 54% do sexo feminino, e seus respectivos responsáveis.

Instrumentos

Escala de Traços de Personalidade para Crianças – ETPC (Sisto, 2004)

A ETPC tem como objetivo avaliar os traços de personalidade tendo por base o modelo PEN proposto por Eysenck, contemplando os traços de psicoticismo, extroversão e neuroticismo, apresentando ainda uma escala de socialização. É composta por 30 itens em que os sujeitos devem responder cada questão numa escala dicotômica sendo indicada para crianças de cinco a dez anos.

Questionário sobre frequência de acesso à televisão

Foi elaborado pelos autores um questionário com questões fechadas que correspondiam a frequência com que a criança assiste televisão e características dos produtos comercializados que mais chamam a atenção desta população.

Procedimentos

Após a aprovação do estudo por um Comitê de Ética em Pesquisa, solicitou-se a presença dos responsáveis pelas crianças, para que estes consentissem a participação dos filhos por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e posteriormente, respondessem ao questionário. Em seguida as crianças assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e responderam à ETPC e depois ao questionário. Todo o procedimento ocorreu de forma coletiva tendo duração total de aproximadamente 40 minutos.

Plano de análise de dados

Em primeiro lugar foram realizadas análises descritivas relativas ao controle de exposição à televisão por parte dos responsáveis, aos momentos em que esta exposição acontece e é permitida, bem como os tipos de propaganda favorita das crianças. Em um segundo momento, foi verificada a correlação entre o tempo que a criança assiste televisão e os traços de personalidade. Por último foram verificadas as diferenças entre as médias dos responsáveis que controlam e que não controlam o tempo de exposição à televisão.

 

Resultados e discussão

O objetivo do presente estudo foi verificar se existe correlação entre o consumo de propaganda e indicadores dos traços de personalidade em crianças. Para isto foram aplicados a Escala de Traços de Personalidade para Crianças (ETPC) e um questionário composto por perguntas fechadas que avaliavam a frequência com que a criança assiste televisão e as características dos produtos comercializados que mais chamam atenção deste público. Além disso, foi aplicado um questionário de mesma estrutura nos responsáveis com o intuito de compreender melhor como se dá a relação dessas figuras familiares com a criança e com a mídia. Na tabela 1 é possível observar as estatísticas descritivas das respostas, dos questionários das crianças e dos responsáveis.

 

 

Ao comparar as respostas destes questionários, é possível constatar que existe controle no tempo de exposição dessas crianças à programação televisiva, já que 76,5% dos pais disseram limitar o tempo em que seu filho assiste televisão e 58,8% das crianças, afirmaram que assistem em média três horas por dia de seus programas preferidos. Tais resultados se assemelham à afirmação de Nishiyama (2010) em que ressalta que crianças e jovens brasileiros assistem em média três horas e meia.

Além disso, 60,8% dos responsáveis afirmaram não assistir televisão enquanto fazem as refeições. Tendo em vista esses números, é possível supor que as crianças participantes do estudo têm menor contato com as propagandas veiculadas pela mídia televisiva. Com isso, pode-se sugerir que os resultados obtidos nas respostas dadas pelos responsáveis, se relacionam com a frequência que os filhos pedem brinquedos que viram na televisão e a que os mesmos atendem estes pedidos. Entretanto, houve também uma conformidade no que diz respeito aos momentos de lazer em que a família se encontra reunida no qual o uso da televisão é permitido. Segundo os 54,9% dos responsáveis, nos momentos de ócio, além de brincadeiras, também assistem televisão juntos.

Ademais, torna-se importante ressaltar que 33,3% das crianças afirmaram preferir propagandas de brinquedos, sendo que 56,9% disseram que estes itens não fazem exatamente o que o comercial anunciava. Contudo, 33,3% desses sujeitos voltam a pedir aos responsáveis produtos deste mesmo seguimento.

Em seguida empregou-se a correlação de Pearson afim de observar possíveis relações entre traços de personalidade e o tempo de exposição à mídia televisiva. De acordo com as correlações encontradas por meio da ETPC e o questionário aplicado na amostra mirim, verificou-se que as correlações do tempo de exposição e os traços Psicoticismo, correlação positiva, e Socialização, correlação negativa, foram significativas, como pode ser visto na tabela 2.

 

 

É possível verificar correlação positiva de magnitude moderada (0,47) entre a quantidade de horas em que a criança assiste televisão e o traço de psicoticismo. O psicoticismo caracteriza pessoas que tendem a ser duras, frias, agressivas, antissociais além de apresentarem baixa preocupação com o outro, tendendo à ficarem mais sozinhas, apresentando-se até mesmo, mais insensíveis (Sisto, 2004a; Sisto, 2004b; Bartholomeu, 2005). Portanto, parece que tempos mais longos de exposição à televisão tendem a implicar nestas características nas crianças.

É importante ressaltar que a criança está em fase de desenvolvimento dos traços que irão compor sua personalidade (Sisto, 2004). Sendo assim, não é possível afirmar que esta será uma característica estável ao longo da vida da criança. Contudo, dada a correlação verificada, é possível inferir que longos períodos de exposição à estímulos da televisão podem estar relacionados à consolidação do traço de psicoticismo.

Este dado pode ser observado à luz do que explanam Higgs e Pereira (2005) quando relatam que a aprendizagem desempenha papel essencial no desenvolvimento da criança, principalmente na primeira infância quando esta inicia uma interação intensa com os outros. Neste período a aprendizagem pode se dar de diversas maneiras, principalmente pela modelagem. Com isso, é possível pensar que o tempo de exposição da criança à televisão, pode atuar direta ou indiretamente nesta fase.

Bandura, Azzi e Polydoro (2008) complementam esta afirmação salientando que o público infantil apresenta maior vulnerabilidade perante a mídia devido a fase de desenvolvimento em que se encontram. Pelo fato de buscarem se comparar constantemente a modelos, e estes serem vinculados as propagandas e programas infantis por meio de personagens familiares e próximos, a exposição prolongada pode estar então relacionada, pelo menor interesse em relações reais, que apresentam conflitos, e maior pelas fantasiosas.

Verificou-se ainda correlação negativa de magnitude moderada entre o tempo de exposição da criança à televisão e o traço de socialização (-0,36), pressupondo que quanto mais tempo assistindo televisão, mais baixa será a qualidade de suas relações sociais. Higgs e Pereira (2005) ressaltam a característica de início das relações sociais na infância, como o momento de as mesmas, desenvolverem e qualificarem suas interações sociais. O presente dado parece indicar uma excessiva exposição à televisão podendo assim, prejudicar na percepção saudável das relações interpessoais. Ainda, de acordo com Karsaklian (2004), as crianças, por volta dos três anos, já apresentam interesse focado em programas específicos, podendo aumentar a vontade e satisfação em assistir televisão.

Estas duas correlações verificadas parecem se complementarem ao ponto que, o tempo de exposição à televisão, está relacionado positivamente ao menor grau de empatia, evidenciado pelo psicoticismo, e negativamente à socialização. De acordo com Sisto (2004a) é possível compreender que estes dois traços, apesar de serem fatores distintos, acabam por apresentar uma relação à medida que quanto maior o psicoticismo, ou seja, quanto mais dura, fria e agressiva a criança for, menor será a qualidade de suas relações interpressoais.

Por último empregou-se o teste t de Student afim de verificar diferenças significativas nos traços de personalidade entre as crianças que tem o acesso à televisão controlado e àquelas que tem acesso sem controle. Este resultado pode ser observado na tabela 3.

 

 

É possível observar que não foram encontradas diferenças significativas para os traços de personalidade, indicando que o controle no acesso à televisão por parte dos pais, aparentemente, não exerce grande impacto no delineamento dos traços. Contudo, baseado na exposição de Santos (2009) de que o período em que a criança assiste televisão se relaciona também a exposição aos produtos de consumo por meio dos comerciais, ressalta-se que, além do tempo de exposição à televisão, variáveis como características dos comerciais podem ter maior predição para o direcionamento dos traços de personalidade.

Por fim, é importante ressaltar que os participantes da pesquisa se encontram em fase de aquisição de experiências e estão desenvolvendo sua forma de estar e lidar com o mundo, e, portanto, não estão ainda estabelecidas. Neste sentido, embora a ETPC seja capaz de fornecer indicadores e não diagnósticos precisos, apontam para possíveis solidificações dos traços, tendendo estes a serem estáveis ao longo da vida (Sisto, 2004).

 

Considerações finais

A associação de beleza, felicidade, força, entre outros conceitos à propaganda que funciona muitas vezes como veículo formador de opinião necessita ser revista e discutida. Tendo em vista que as crianças encontram-se em fase de aquisição de conhecimento e, portanto, ainda com julgamento crítico precário, compreende-se que este público pode estar mais propício à algum tipo de manipulação.

Em síntese, observou-se que o tempo de exposição à mídia televisiva tem relação significativa com o desenvolvimento de traços de psicoticismo e da diminuição da qualidade das relações sociais, isto é, quanto maior o tempo de exposição à televisão, de modo geral, a qualidade das relações interpessoais, tendem a diminuir. Este dado pode ainda ser pesquisado em outras mídias de conteúdo como internet e aplicativos de celulares, que vem ganhando grande representatividade entre as crianças.

Outros controles relacionados aos conteúdos das propagandas que não foram abordadas neste estudo podem ser fundamentais para melhor compreensão de sua dinâmica com a formação de opinião e direcionamento na personalidade das crianças. Ainda, variáveis como informações do convívio social e familiar, devem ser considerados para além da exposição à televisão. Contudo, conclui-se que se faz necessária uma educação equilibrada para o consumo consciente, seja ela vinda da família ou do contexto escolar, protegendo sempre a criança da exposição de exemplos de consumo exagerado e desnecessário, para que ela se torne um consumidor consciente em sua fase adulta.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Fernando Pessotto
E-mail: fpessotto@gmail.com

Camila Lucateli
E-mail: lucatelicamila@hotmail.com

Caroline Prieto
E-mail: carolzinha_prieto@hotmail.com

Jéssica Miguel
E-mail: jessica-souza-m@hotmail.com

Enviado em: 22/05/2017
1ª revisão em: 28/05/2018
2ª revisão em: 17/03/2019
Aceito em: 23/05/2019

 

 

1 Graduanda em psicologia. Centro Universitário Salesiano – UNISAL Americana, ORCID - 0000-0002-7037-3211.
2 Graduanda em psicologia. Centro Universitário Salesiano – UNISAL Americana, ORCID - 0000-0003-1568-1593.
3 Graduanda em psicologia. Centro Universitário Salesiano – UNISAL Americana, ORCID - 0000-0002-7722-6767.
4 Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia na Universidade São Francisco - área de concentração em Avaliação Psicológica. É coordenador do Laboratório de Psicodiagnóstico e Neurociências Cognitivas (LaPeNC) e editor associado da Revista Sul Americana de Psicologia. Centro Universitário Salesiano – UNISAL Americana, ORCID - 0000-0002-4448-1577.

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