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Pensando familias
versão impressa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.23 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2019
ARTIGOS
Perspectiva e estratégia materna ante a comunicação da criança com transtorno do espectro autista
Maternal perspective and strategy facing communication with a child with autism spectrum disorder
Lorena David Pereira1 ; Claudia Patrocínio Pedroza Canal2, I; Mônica Cola Carielo Brotas Correa3, II; Lorena Santos Ricardo4
I Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
II Universidade Vila Velha-ES
RESUMO
Um dos desafios para familiares de crianças com transtorno do espectro autista [TEA] decorre dos prejuízos de comunicação não verbal e verbal que limitam a capacidade de interação e socialização dessas crianças. Por isso, este estudo objetivou investigar como a mãe percebe os aspectos da comunicação do filho com TEA em relação a ela e outras pessoas. Utilizou-se um questionário de caracterização pessoal e familiar e uma entrevista semiestruturada com base no método clínico de Piaget, com duas mães de dois meninos com diagnóstico de TEA e com idades de quatro e seis anos. Mediante a análise baseada no método clínico de Piaget e dos relatos das mães, constatou-se que eram elas as pessoas que melhor compreendiam os filhos com TEA pelo fato de ajustarem seus mecanismos de comunicação aos recursos comunicativos deles. Tal fato lhes possibilitava atuar como mediadoras dos interesses e demandas dos filhos relativamente às outras pessoas.
Palavras-chave: Transtorno do espectro autista, Relação mãe-criança, Comunicação.
ABSTRACT
One of the challenges for family members of children with autism spectrum disorder [ASD] stems from the nonverbal and verbal communication impairments that limit their ability to interact and socialize. Therefore, this study aimed to investigate how the mother perceives the communication aspects of the child with ASD in relation to her and to other people. A questionnaire was used for personal and family characterization and a semi-structured interview based on the Piaget clinical method, was carried out with two mothers of two boys diagnosed with ASD and aged four and six years. Through the analysis based on Piaget's clinical method of the mothers' reports, it was found that they were the people who better understood the children with ASD because they adjusted their mechanisms of communication to their communicative resources. This enabled them to act as mediators of the interests and demands of their children in relation to other people.
Keywords: Autism spectrum disorder, Mother-child relationship, Communication.
Introdução
Dados epidemiológicos internacionais indicam um aumento no número de diagnóstico de autismo em quase 60! desde 2006 (Centers of Disease Control and Prevention, 2014), realidade que demanda a construção de conhecimentos mais sólidos para auxiliar as crianças com autismo e seus familiares. O autismo foi descrito pela primeira vez pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner, que, em 1943, publicou o artigo “Autistic disturbance of affective contact”, no qual foram descritos casos de 11 crianças que apresentavam como característica comum a incapacidade de se relacionarem socioafetivamente com outras pessoas, preferindo o isolamento (Campos, 2008; Kanner, 1943). Essas crianças também apresentavam comportamentos restritos e estereotipados, resistência a mudanças e dificuldade de utilizar a linguagem como meio de comunicação (Kanner, 1943).
Atualmente, o autismo é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento, integrante do transtorno do espectro autista [TEA]. Os transtornos dessa categoria apresentam como característica comum o prejuízo persistente na interação social, na comunicação social recíproca e padrões de comportamento restritos e repetitivos, presentes antes dos três anos de idade, de modo a limitar o desenvolvimento das atividades diárias (APA, 2014). Apesar de esses quadros clínicos compartilharem características semelhantes, estas se manifestam de forma diferente em cada um dos transtornos integrantes do TEA, razão da origem do termo espectro autista adotado no DSM-5 (Corrêa, 2014).
Deve-se destacar também que o DSM-5 divide esses prejuízos em duas categorias: comunicação interativa e padrões de comportamento restritos e repetitivos (APA, 2014). As características autísticas são diagnosticadas quatro vezes mais frequentemente no sexo masculino do que no feminino (APA,2014). Estudos ainda indicam que os sinais de risco podem estar presentes desde o primeiro ano de vida da criança, sendo a falha na comunicação não verbal um importante preditor que viabiliza o diagnóstico precoce do TEA (Campos, 2008; Corrêa, 2014). Decorre daí a ampliação das investigações para o campo da comunicação e não apenas da linguagem verbal.
O termo comunicação é abrangente e sua compreensão depende também da discriminação entre os conceitos de comunicação, de linguagem e de fala. Comunicação é um processo interativo de troca de informações, no qual o emissor formula uma mensagem que destina ao receptor que, por sua vez, tem de compreendê-la para devolver uma resposta. A linguagem é um conjunto de símbolos socialmente compartilhados e a fala refere-se à transmissão de mensagens de forma verbal-oral. Ambas, linguagem e fala, possuem como função a comunicação (Freire, 2012).
No caso do TEA, estudos retrospectivos realizados por meio de vídeos caseiros revelaram a existência de alterações que evidenciavam esse transtorno, antes mesmo do desenvolvimento da comunicação verbal (Corrêa, 2014). A análise desses vídeos, dessa forma, permitiu a identificação de comprometimentos nos comportamentos sociais por volta de 12 e 18 meses de vida (Adrien et al., 1993; Osterling & Dawson, 1994).
Por meio de tais estudos, foi possível perceber que crianças com transtorno do espectro autista apresentam falta de sorriso social e de expressão facial em resposta aos comportamentos do parceiro social, além de hipotonia e atenção social considerada pobre (Adrien et al., 1993). Ademais, essas crianças mostravam-se menos disponíveis para olhar para as pessoas, mostrar ou apontar objetos, assim como não se orientavam quando chamadas pelo próprio nome (Osterling & Dawson, 1994).
Todavia, apesar dos avanços nos estudos nessa área, a ausência ou regressão da linguagem costuma ainda ser o primeiro sintoma de um desenvolvimento atípico identificado pelos pais de crianças com TEA (Mesquita & Pegoraro, 2013; Semensato & Bosa, 2014; Zanon, Backes & Bosa, 2014). A linguagem verbal pode tanto não se desenvolver quanto desenvolver-se com atraso na criança com TEA e, mesmo com a emergência da fala, pode não apresentar progressos ou regredir, despertando, assim, a atenção das pessoas do entorno (Fávero & Santos, 2005; Mesquita & Pegoraro, 2013).
Tal fato tem dificultado o diagnóstico precoce de TEA, pois, conforme já mencionado, há comprometimentos anteriores à linguagem verbal que permitem a identificação desse transtorno. O comprometimento na fala notado pelos progenitores indica a existência de prejuízos também na comunicação não verbal. Isso ocorre porque há um sentido de continuidade entre essas duas formas de comunicação (Campos, 2008; Corrêa, 2014). Logo, torna-se correto descrever a comunicação não verbal como precursora da comunicação verbal, ou, mais precisamente, torna-se correto afirmar que os prejuízos na linguagem verbal são resultados de comprometimentos existentes na linguagem não verbal.
Trevarthen and Aitken (2001) revelam que, no desenvolvimento típico, a capacidade humana de se conectar socioafetivamente desde o nascimento permite a ocorrência das díades bebê-cuidador. A criança inicialmente demonstra interesse em interagir fundamentalmente com a mãe, por meio de comportamentos não verbais, como o contato ocular, sorriso responsivo, atenção ao outro, vocalizações e choro, envolvendo-se, assim, em trocas afetivas recíprocas (Campos, 2008; Corrêa, 2014).
Posteriormente, entre os nove e 18 meses, após o estabelecimento da díade criança-mãe, há a entrada de um terceiro elemento [objeto ou evento], resultando em uma relação triádica (Corrêa, 2014; Fiore-Correia, 2005). A criança passa a compartilhar sua atenção em algo [objeto ou evento] com um adulto ou compartilhar a atenção de um adulto em algo por meio de comportamentos ainda não verbais, como o contato ocular ou o gesto de apontar, a fim de dividir experiências e sentimentos com o parceiro de interação (Campos, 2008; Corrêa, 2014; Fiore-Correia, 2005). Tal processo é denominado atenção compartilhada [AC] (Fiore-Correia, 2005).
A AC, dessa forma, além de favorecer trocas socioafetivas, pode ser considerada como um dos precursores da linguagem, isto é, como uma das formas de comunicação não verbais que antecedem a fala (Corrêa, 2014; Fiore-Correia, 2005). Com efeito, todo esse percurso desde o nascimento possibilita o desenvolvimento da linguagem não verbal e a transição desta para a comunicação verbal (Corrêa, 2014; Fiore-Correia, 2005).
No caso do TEA, no entanto, falhas ocorrem desde a comunicação inicial presente nas díades e ocasionam um grande desvio em relação ao desenvolvimento infantil típico (Fiore-Correia, 2005). Devido a esse comprometimento na comunicação não verbal, a criança com TEA passa a não manifestar intenções e sentimentos, prejudicando ainda mais as trocas sociais e afetivas com os cuidadores, principalmente com a mãe (Fiore-Correia, 2005). Consequentemente, a não identificação das intenções e sentimentos do filho prejudica a interação entre mãe-criança (Fiore-Correia, 2005; Watson, 1998).
Outro comprometimento derivado da dificuldade na comunicação inicial diz respeito à indiferença da criança em relação às iniciativas maternas (Fiore-Correia, 2005). Tal fato pode propiciar efeitos negativos no comportamento da progenitora, que acaba não se envolvendo efetivamente, ao longo do tempo, nas trocas sociais e afetivas com o filho (Corrêa, 2014; Fiore-Correia, 2005).
Uma pesquisa realizada por Trevarthen and Daniel (2005) ilustra claramente esse processo. Esses autores investigaram a interação entre um pai e filhas gêmeas monozigóticas de 11 meses, uma das quais foi diagnosticada com TEA aos 18 meses de idade. Percebeu-se que o pai tentava engajar a criança com TEA nas interações principalmente por meio do contato ocular, de vocalizações e de expressões corporais, mas como a reciprocidade da relação não era alcançada, ele se frustrava nas tentativas, o que dificultava que ele se envolvesse, de forma efetiva, nas interações com a filha (Trevarthen & Daniel, 2005). Esse distanciamento entre os cuidadores e a criança leva-a a buscar, cada vez menos, a interação, o que, por sua vez, aumenta o seu isolamento (Fiore-Correia, 2005).
Já em relação à comunicação verbal de crianças diagnosticadas com TEA, a fala pode estar atrasada ou ecolálica, sem expressão de sentimentos ou sem que a criança a utilize com o objetivo de se comunicar, usando-a de modo idiossincrático, por meio da repetição e da falta de emoção (Fiore-Correia, 2005; Kanner, 1943). Além disso, a criança com TEA costuma usar as palavras apenas em seu sentido literal, visto que sua capacidade de utilizá-las ou entendê-las em seu sentido metafórico ou conotativo é deficitária (Fiore-Correia, 2005; Kanner, 1943). Destaca-se que, como alternativa ante o comprometimento comunicativo, as crianças com TEA apresentam alguns comportamentos desafiadores, como gritar, chorar ou agredir, quando não são compreendidas (Bosa, 2006; Corrêa, 2014; Fiore-Correia, 2005).
O que se pode depreender de tudo o que foi abordado até o momento é a extrema relevância de compreender aspectos da comunicação das crianças com TEA, pois isso pode facilitar o relacionamento entre essas crianças e as pessoas que a cercam, principalmente a mãe (Fiore-Correia, 2005). Além do mais, por meio de uma revisão da literatura não sistemática, percebeu-se que grande parte dos textos envolvendo TEA e comunicação é produzida por estudiosos de áreas diferentes da psicologia, como a fonoaudiologia (Balestro & Fernandes, 2012; Moreira & Fernandes, 2010).
Portanto, em razão da importância da construção de mais conhecimentos psicológicos sobre a comunicação entre mães e crianças com TEA, o objetivo deste estudo foi descrever como a mãe percebe os aspectos da comunicação do filho com TEA em relação a ela e às outras pessoas. Mais especificamente, buscou-se identificar como a mãe percebe e avalia a comunicação verbal do filho em relação a ela e às pessoas, bem como compreender como a mãe age para se comunicar com o filho e para facilitar a comunicação verbal deste com as pessoas.
Método
A pesquisa foi de abordagem qualitativa e de natureza descritiva, com o intuito de descrever as características da população estudada e compreender a percepção das mães sobre a comunicação dos filhos com diagnóstico de TEA (Gil, 2009).
Participantes
As participantes deste estudo foram duas mulheres, ficticiamente denominadas Jasmim e Violeta, cujos dados sociodemográficos serão apresentados a seguir. Jasmim possuía 32 anos no momento da coleta de dados, nível superior completo de escolaridade, era casada, estava desempregada e com um filho de quatro anos com diagnóstico de TEA, segundo os critérios do DSM-5. Já Violeta possuía 44 anos, ensino médio completo, era casada, estava desempregada e com um filho de seis anos com diagnóstico de TEA, segundo os critérios do DSM-5. Destaca-se que as mães foram indicadas por uma profissional que atuava na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais [APAE], onde as duas crianças eram atendidas. Mediante essa indicação, as responsáveis foram convidadas a participar deste estudo, caracterizando uma amostra por conveniência ou acessibilidade (Gil, 2009).
Optou-se por eleger mães como participantes deste estudo em razão da hipótese de que elas seriam as figuras com melhor capacidade de descrever qualitativamente os aspectos da comunicação dos seus filhos, uma vez que geralmente são as principais responsáveis por seus cuidados, dedicando-se, muitas vezes, integralmente às crianças com TEA (Barker et al., 2011; Minatel & Matsukura, 2014; Monteiro et al., 2008; Segeren & Françozo, 2014; Smeha & Cezar, 2011; Warfield, 2001). Outro fator refere-se à importância dada por alguns autores (Fiore-Correia, 2005; Zanatta, Menegazzo, Guimarães, Ferraz & Motta, 2014) aos cuidadores, principalmente às mães, na criação de estratégias que forneçam oportunidades comunicativas efetivas aos filhos com TEA.
Além disso, destaca-se que Jasmim e Violeta eram mães de crianças com TEA com idades entre quatro e seis anos, respectivamente. As crianças de desenvolvimento típico nessa idade apresentam um vocabulário expressivo que tende a aumentar ao longo do desenvolvimento. Combinam sílabas em palavras e palavras em sentenças, de modo a criar frases mais longas e complexas. Tais crianças tornam-se cada vez mais competentes no uso da linguagem para se comunicarem (Papalia & Feldman, 2013). Dessa forma, escolheram-se mães de crianças com essas idades, pela possibilidade de que, nesse período, já haja comunicação não verbal e verbal por parte dessas crianças, tema abordado neste trabalho.
Instrumentos
Utilizou-se o questionário de caracterização pessoal e familiar, elaborado para esta pesquisa, a fim de caracterizar os participantes e identificar aspectos que podem influenciar a comunicação entre a criança com TEA e as outras pessoas. Esse questionário foi composto de 17 perguntas que contemplaram informações, tais como: nome, idade, estado civil, número de filhos sem e com diagnóstico de TEA, idade do(s) filho(s), tempo de relacionamento do casal ou tempo de divórcio, escolaridade, profissão, renda familiar, pessoas residentes na mesma moradia, histórico de TEA na família, entre outros.
Também foi utilizado umroteiro de entrevista semiestruturado, elaborado especialmente para este estudo, com o objetivo de, por meio do relato das mães, investigar aspectos da comunicação da criança com TEA com a mãe e com as outras pessoas. Esse roteiro foi composto de 26 perguntas, divididas em cinco blocos: concepção sobre TEA; mudanças na vida da progenitora ocasionadas pelos cuidados necessários ao filho com TEA; processo de diagnóstico do TEA; percepção sobre a comunicação do filho com TEA; e estratégias para melhorar a comunicação com e do filho.
Destaca-se que a entrevista foi conduzida com base no método clínico de Piaget. Desse modo, foi composta tanto de perguntas semiabertas, elaboradas previamente de acordo com os objetivos definidos e igualmente realizadas para as duas mães, quanto de perguntas acrescentadas ao longo da entrevista, para melhor compreensão do que foi dito pelas participantes (Delval, 2002).
Procedimentos para a coleta e análise de dados
Após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (1.534.339), iniciou-se a fase de coleta de dados. No primeiro momento, realizou-se contato, via telefone, com as participantes para explicar a pesquisa e solicitar a participação no estudo. Após a aceitação do convite, foi agendado um horário para a realização do questionário de caracterização pessoal e familiar e da entrevista na residência de cada progenitora.
No segundo momento, cada mãe recebeu esclarecimentos sobre a pesquisa e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para a participação no estudo. No mesmo dia, respondeu ao questionário de caracterização pessoal e familiar preenchido pela pesquisadora a partir das respostas fornecidas e, em seguida, respondeu à entrevista realizada com base no método clínico de Piaget (Delval, 2002) e gravada pela responsável pelo estudo.
Os dados obtidos do questionário de caracterização pessoal e familiar foram analisados a fim de permitirem a descrição das características pessoais, profissionais e sociais das participantes e a identificação de aspectos que podem influenciar a comunicação entre a criança com TEA e as outras pessoas. Os dados da entrevista, por sua vez, foram analisados com base no método clínico de Piaget proposto por Delval (2002). Após a transcrição das entrevistas, realizou-se uma leitura atenta e repetida dos protocolos [transcrições] das entrevistas, no intuito de identificar as respostas semelhantes [tendências] de acordo com os objetivos propostos. Depois, foi criado um protocolo para cada questão e as respectivas respostas. Com isso, elaboraram-se microcategorias por meio do agrupamento de todas as respostas dadas à mesma pergunta. Posteriormente foram identificadas as microcategorias com conteúdos semelhantes, de modo a formar as categorias que eram excludentes, ou seja, as respostas de uma categoria não constam em outra.
Resultados e discussão
A fim de apresentar os resultados, optou-se primeiramente por descrever os dados provenientes do questionário de caracterização pessoal e familiar, seguidos dos dados obtidos por meio do roteiro de entrevista semiestruturada. Além disso, optou-se, ao longo da apresentação dos resultados, por realizar a discussão do trabalho.
Dessa maneira, por meio do questionário, identificou-se que apenas uma mãe [Violeta] possuía dois filhos, além do filho com diagnóstico de TEA. Essa realidade dificultava que maior tempo fosse dedicado a este, em razão das demandas dos outros filhos. Com efeito, menos tempo era direcionado às interações com a criança com TEA e, consequentemente, ao desenvolvimento de áreas inicialmente comprometidas por esse transtorno, como a comunicação (Corrêa, 2014).
Além disso, identificou-se, por meio do questionário, que apenas a mãe Jasmim morava com os pais e o irmão, além do filho e do marido. Entretanto, pela fala dessa participante e também de Violeta, notou-se que o apoio da família era ocasional, já que ambas haviam deixado o emprego justamente para cuidar do filho. Entretanto, também se identificou, pelo relato das participantes, que, apesar da mudança na vida profissional para dedicar-se integralmente ao filho, isso nem sempre era possível, porque ao cuidado se somavam outras atividades diárias, como as tarefas domésticas, que acabavam por ocupar o tempo que poderia ser dedicado à estimulação da comunicação da criança com TEA.
Notou-se também, por meio do questionário, que, em nenhuma das famílias das participantes, havia histórico de TEA. Assim, não foi possível analisar a influência dessa variável na relação entre as mães e os filhos com TEA. Um fator considerado como favorecedor de interação entre mães/pais e os filhos é o grau elevado de escolaridade dos progenitores, por este estar associado com a possibilidade de maiores conhecimentos sobre o TEA e as necessidades e limitações das crianças com esse transtorno (Corrêa, 2014). Nesta pesquisa, apenas Jasmim apresentava ensino superior completo, a qual realmente demonstrou, mais do que Violeta, conhecimento sobre os comprometimentos do TEA e da necessidade de intervenção sobre eles, para que o desenvolvimento do filho se aproximasse cada vez mais da trajetória do desenvolvimento típico.
Já a baixa renda financeira pode constituir um fator que dificulta as chances de desenvolvimento da criança, ao limitar o acesso a serviços de atendimento/tratamento (Fávero-Nunes & Santos, 2010; Nogueira & Rio, 2011). Nesta pesquisa, ambas as participantes relataram a necessidade de recorrer a serviços gratuitos ou de baixo custo; entretanto, o número de vagas não acompanha a demanda crescente por tais serviços, sendo necessário aguardar por atendimento.
Ademais, por meio das respostas das participantes às perguntas da entrevista semiestruturada, foi possível criar categorias que serão apresentadas a seguir pelos seus nomes e significados: maternidade de crianças com TEA: refere-se à perspectiva das mães sobre como é ter um filho com TEA e às mudanças provocadas por este no cotidiano materno; processo de diagnóstico: envolve as primeiras características da criança que despertaram a suspeita materna de desenvolvimento atípico e os sentimentos provocados pelo diagnóstico; perspectiva materna sobre a comunicação do filho com TEA:diz respeito à avaliação das mães sobre a comunicação dos filhose as considerações maternas acerca das facilidades e dificuldades em compreender a criança com TEA; ações das mães para auxiliar os filhos a se comunicarem com as outras pessoas: envolve as estratégias maternas para facilitar a comunicação da criança com as outras pessoas; perspectiva materna sobre a forma de a criança compreender a comunicação da mãe e das outras pessoas: refere-se à avaliação das mães sobre a compreensão dos filhos em relação a elas e as outras pessoas; ações das mães para se comunicarem com o filho com TEA:refere-se às estratégias utilizadas pelas progenitoras para melhorar a comunicação com o filho.
Sobre a maternidade de crianças com TEA, constatou-se que, para as participantes, ela trouxe desafios. Jasmim alegou que houve dificuldades resultantes das limitações características do TEA que, por sua vez, levavam à necessidade de um cuidado contínuo da criança. Com isso, o cotidiano da progenitora passou a girar em torno das necessidades e dificuldades da criança com TEA, causando um prejuízo na sua vida pessoal e profissional. Nesse sentido, Jasmim afirmou que “as mudanças mais radicais foram essas: desistir de emprego, desistir de estudar, desistir de mim, da minha vida” [sic].
Segundo Monteiro et al. (2008), muitas mães não exercem atividades profissionais fora de casa, pelos cuidados que os filhos requerem. Elas possuem uma rotina diária que inclui os afazeres domésticos, cuidados pessoais e familiares e principalmente os cuidados com o filho, acarretando, assim, acúmulos de responsabilidades que terminam por contribuir para o afastamento e/ou abandono dos desejos pessoais (Monteiro et al., 2008).
No caso de Jasmim, identificou-se que o abandono dos objetivos pessoais ocorreu devido à crença sobre a inexistência de alguém que assumisse o seu papel na vida do filho com TEA, como explicitado na fala a seguir:
“Eu penso que tanto a minha mãe como outra pessoa que eu poderia pagar, não iria estimular ele o tanto quanto ele precisa. E mais tarde eu poderia olhar para trás e me arrepender: poxa, meu filho poderia estar melhor, mas não está, porque eu abri mão dele. Então eu não quero me arrepender por conta disso. Eu prefiro perder o meu tempo agora comigo, mas futuramente falar: nossa, olha como ele já melhorou, hoje ele já é independente, consegue fazer várias coisas sozinho” [sic].
Identificou-se também que, nesse caso, o emprego foi o primeiro aspecto pessoal a ser abandonado. Em seguida, a mãe precisou abandonar outros interesses, tais como os estudos, em razão da ausência de renda financeira acarretada pela falta do emprego. Percebeu-se, assim, que essa mãe dedicava todo o seu tempo ao filho, mergulhando numa rotina de cuidados na tentativa de que ocorresse uma compensação dos défices iniciais da criança ao longo da vida.
Outra situação ocasionada pela maternidade de uma criança com TEA foi que as atividades sociais passaram a se organizar em função do filho. A escolha do lugar a frequentar e o tempo de permanência nesse lugar, entre outros fatores, estão relacionados aos comportamentos apresentados pelo membro com TEA (Minatel & Matsukura, 2014). Sendo assim, uma das entrevistadas afirmou:
“Antes eu podia sair, eu podia viajar, eu podia ir a vários lugares. Hoje eu estou limitada, estou naquele mundinho. Eu não posso ir mais a lugar nenhum. Porque eu chego a um lugar e ele não dá um pingo de sossego. Ele pula 24 horas. Ele só quer ficar num mesmo lugar sempre, se a gente vai a uma festa, ele fica nervoso por causa do barulho, bota a mão no ouvido, ele perturba, perturba, a gente não tem sossego. Mudou de ambiente, saiu da rotina dele, ele não gosta muito, ele já fica agressivo. Aí eu fico mais em casa, a família inteira fica mais em casa” [sic] (Violeta).
No que concerne ao processo de diagnóstico, por sua vez, identificou-se que, antes de o diagnóstico ocorrer, as mães já haviam identificado algo de diferente, pois os comportamentos dos filhos não estavam de acordo com o esperado para uma criança com desenvolvimento típico, conforme relatado em outros estudos (Fávero-Nunes & Santos, 2010; Semensato & Bosa, 2014; Smeha & Cezar, 2011). O processo de diagnóstico esteve associado a sentimentos variados. Uma das mães [Jasmim] descreveu alívio por confirmar o motivo das características apresentadas pelo filho e, a partir de então, poder ir atrás dos tratamentos que possibilitassem a melhora do quadro clínico apresentado por ele. A segunda mãe entrevistada [Violeta] alegou que havia identificado diferenças no filho relativamente às outras crianças, mas que, mesmo assim, o diagnóstico não era o que ela imaginava.
“Eu já estava certa de que ele era autista. Então, quando ele foi diagnosticado, eu me conformei, na verdade eu não me conformei, eu senti um alívio. Pronto, eu achei o problema do meu filho, agora eu vou tratar” [sic] (Jasmim).
“Eu fique meio passada com o diagnóstico. Eu não esperava que fosse autismo. Eu esperava que fosse algo mais simples, que com tratamento e remédio ele melhorasse” [sic] (Violeta).
Alguns estudos (Segeren & Françozo, 2014; Smeha & Cezar, 2011) demonstram que o momento do diagnóstico realmente pode trazer alívio para algumas mães, assim como trouxe para Jasmim, por possibilitar a identificação do quadro clínico do filho e, daí em diante, ser possível buscar o tratamento mais adequado para ele. No entanto, assim como para Violeta, esse momento pode trazer dificuldades, pelo fato de as expectativas se fragilizarem ante o contraste entre o filho ideal [com desenvolvimento típico] e o real [com TEA] (Smeha & Cezar, 2011).
Os depoimentos também mostraram um despreparo de profissionais para identificar precocemente o TEA, assim como foi identificado no estudo de Fávero-Nunes e Santos (2010), o que pode ser constatado por meio da fala a seguir:
“Eu o levava ao médico e o médico dizia que ele era normal. Levei a outro médico, aí ele me disse para eu levar ao psicólogo por desencargo de consciência, porque o meu filho não tinha nada. Eu o levei ao psicólogo e o psicólogo também disse que ele parecia uma criança normal. Mas o psicólogo disse que ele não falava e que com dois anos era para ele falar. Então que havia algo de errado e que era para eu ir a uma fonoaudióloga e a um neurologista. Quando eu cheguei ao neurologista, ele disse que o meu filho era autista” [sic] (Vitória).
Pôde-se perceber também que, apesar da existência de sinais anteriores ao desenvolvimento da linguagem verbal que evidenciam o TEA, como a limitação no contato ocular, alguns profissionais ainda consideram a ausência da fala aos dois e três anos de idade como a principal suspeita de ocorrência de um desenvolvimento atípico (Semensato & Bosa; 2014, Zanon et al., 2014). Entretanto, para as mães entrevistadas nesta pesquisa, outras características sobressaíram:
“Se você desse tchau para ele, ele não dava tchau” [sic] (Violeta).
“Ele não olhava nos olhos e, às vezes, ficava meio viajando como se ele não conseguisse se concentrar em nada do que estivesse ao redor dele. A gente falava com ele e parecia que a gente estava falando com a parede, ele não conseguia em momento algum se concentrar no que a gente estava falando” [sic] (Jasmim).
Antes mesmo de alterações na linguagem oral, as mães notaram falhas na comunicação não verbal, tais como não atender ao chamado pelo nome e não dar tchau. Desse modo, por meio do depoimento das participantes, identificou-se que o sinal de existência de problemas foi o comprometimento na capacidade de responder aos comportamentos comunicativos, não verbais ou verbais, durante uma interação social, o que envolve a capacidade de comunicação interativa (APA, 2014). Tal fato mostra-se de extrema relevância ao coadunar com os novos critérios diagnósticos presentes no DSM-5 (APA, 2014), que não propõem o desenvolvimento da linguagem verbal como principal marcador do TEA, e sim a reciprocidade presente em algumas áreas, como a comunicação e a interação social (APA, 2014).
No que diz respeito à perspectiva materna sobre a comunicação do filho com TEA, para Jasmim, a fala do filho estava em desenvolvimento devido ao início da pronúncia de palavras; contudo, por meio do relato dela, foi possível identificar que as palavras permaneciam isoladas e não eram usadas para compartilhar algo. Consequentemente, a procura pela mãe objetivava a consecução de ajuda para conseguir o que era desejado (Fiore-Correia, 2005).
“Sim [o meu filho se comunica comigo]. Na maioria das vezes quando ele quer alguma coisa” [sic] (Jasmim).
Ademais, com base na fala dessa mãe, identificou-se nessa criança a utilização de jargões ou neologismos, pelo fato de ela criar palavras que possuíam significados particulares. Em consequência dessa criação de palavras com significados próprios, ocorria uma dificuldade de compreensão da criança com TEA pelas outras pessoas. A mãe passava a ser a que mais entendia ou a única que conseguia decifrar a fala do filho. Neste estudo, identificou-se que o principal facilitador dessa compreensão pela mãe era o fato de esta passar a maior parte do tempo com a criança, como exemplificado na fala a seguir:
“Quem está no dia a dia e o percebe mostrando a mesma coisa e falando aquela mesma palavra, consegue identificar que era sobre aquilo que ele estava falando. Igual, UT para ele é ônibus. Ele já falava UT antes, mas eu não sabia o que era. Como eu passo mais tempo com ele, e aí quando eu vou ao médico, quando ele vê na televisão, ele fica: ‘UT, UT’, eu descobri que era ônibus. Então, como eu fico mais tempo com ele e eu o vejo pronunciando a palavra quando vê o objeto, eu consigo ligar. Por exemplo, no caso do UT, que é ônibus” i[sic] (Jasmim).
Cabe destacar que essa dificuldade comunicativa da criança com TEA não aparecia isolada; algumas vezes ela era acompanhada de comportamentos agressivos e choro. Tais comportamentos podem ser considerados como uma forma de comunicação que a criança consegue estabelecer, apesar de não ser socialmente convencional (Corrêa, 2014).
“Ele pode estar incomodado com o local, quer sair de lá e não consegue falar. O que ele vai fazer? Vai fazer um showzinho para a gente entender que ele não quer ficar ali. Talvez seja uma forma de expressão: eu quero sair daqui” [sic] (Jasmim).
Já em relação ao filho de Violeta, identificou-se, por meio do relato da participante, que ele apresentava mais recursos para a expressão oral, como o uso de frases. No entanto, ainda persistia a dificuldade de usar a fala como instrumento de comunicação, o que reflete a dificuldade que as crianças com TEA apresentam no uso da linguagem pragmática, ou seja, em utilizar a fala num ambiente social (Freire, 2012). Com isso, percebeu-se que a fala do filho tanto de Violeta quanto de Jasmim era usada essencialmente para pedir, solicitar algo.
Para Violeta, a fala do filho estava mais inteligível, mas precisava apresentar mais avanços, pois a compreensão dele pelas outras pessoas ainda se encontrava com alguns prejuízos. Essa realidade tornava Violeta, assim como Jasmim, a pessoa que mais compreendia a fala do filho, em razão também de estar ao lado dele a maior parte do tempo.
“A comunicação dele não é o modelo ideal ainda, porque, às vezes, você pergunta alguma coisa para ele e ele repete o que você pergunta. Ele fala rápido, ele come palavras. Tem palavras que ele ainda não consegue pronunciar. Eu entendo, porque eu convivo com ele todo dia. Às vezes, ele já falou a palavra várias vezes e eu já sei o que é. Mas, muitas vezes, as pessoas que estão lá fora não entendem” [sic] (Violeta).
Tornou-se perceptível em ambas as mães um ajuste necessário aos recursos e capacidades comunicativas dos filhos, como indicado no trabalho de Corrêa (2014). Com efeito, as ações das mães para auxiliarem os filhos a se comunicarem com as outras pessoas envolviam uma mediação. Em outras palavras,nesses casos em que a fala ainda não era inteligível em determinados momentos, as mães acabavam atuando como tradutoras para facilitar a compreensão dos filhos pelos outros e, assim, promover a comunicação das crianças com TEA com eles. Jasmim realizava essa ação frequentemente, diferentemente de Violeta, cuja fala do filho, apesar de ainda não ser a desejada por ela, se tornou mais inteligível para os outros.
“Ele está falando, está tentando mostrar algumas coisas e as pessoas me perguntam: o que é isso, o que é aquilo? Porque ninguém consegue entender o que ele está pedindo, o que ele está querendo mostrar. Eu acabo traduzindo o que ele está mostrando ou querendo para as outras pessoas” [sic] (Jasmim).
Além disso, destaca-se que, para Kanner (1943), em virtude da inabilidade de estabelecer o contato afetivo com outras pessoas, as crianças com TEA não prestam atenção nelas, não respondem as suas solicitações nem interagem com elas. Isso parecia acontecer com os filhos de Jasmim e Violeta, sendo necessários esforços para dirigir, redirecionar ou manter a atenção dos filhos no que elas ou no que os outros estavam fazendo ou dizendo, para que as crianças se comunicassem com as pessoas.
“Eu o chamo, viro a cara dele para mim, para falar e para ver se ele me entende. Tem horas que ele está no mundo da lua parece, você chama ele, faz perguntas e é como se você nem estivesse ali para ele. Aí eu tenho que chamar a atenção dele, virar ele para mim, para eu falar com ele” [sic] (Violeta).
No que diz respeito à perspectiva materna sobre a forma de a criança compreender a comunicação da mãe e das outras pessoas, segundo as mães, essa capacidade ainda se encontra comprometida. Não se pode dizer que não havia a compreensão, mas, sim, que esta ocorria de forma qualitativamente diferente em relação às crianças com desenvolvimento típico.
“Eles não compreendem, às vezes, o que a gente fala. Mas eles têm uma memória fotográfica, a forma de a gente ensinar seria de uma forma diferente: não seria falando, seria estimulando com figuras, com algumas coisas que a gente percebe que eles compreendem melhor. Por exemplo, com as cores. Não adianta eu falar: a parede é branca. Ele não vai entender ou parece que não entende. Eu preciso mostrar várias coisas diferentes da mesma cor e dizer: isso aqui é branco” [sic] (Jasmim).
Nesse sentido, indo ao encontro dos achados de Freire (2012), percebeu-se, neste estudo, melhor compreensão por parte das crianças com TEA quando instruções diretas eram dadas do que quando se tornava necessária a compreensão dos significados implícitos na fala do parceiro de interação, conforme ilustrado no relato de Violeta:
“Se eu perguntar: Ô fulano, você foi bem na escola hoje? [Ele responde] na escola. E aí fica, não sabe dizer. Ele fala aleatoriamente as coisas que ele viu, mas eu perguntando para ele lembrar como foi, ele não consegue. Mas ele entende o que eu falo. Eu o mando fazer as coisas, ele faz. Eu o mando buscar uma água, ele vai. Eu o mando pegar uma fralda para a irmã, ele vai” [sic].
Segundo Bosa (2006), a maioria das crianças com TEA possui dificuldade para lidar com uma linguagem abstrata ou com sequências complexas de instruções que precisam ser divididas em unidades menores. Dessa forma, as informações serão mais bem compreendidas por essas crianças se forem apresentadas por meio de frases curtas e objetivas.
Por fim, destaca-se que, quanto àsações das mães para se comunicarem com o filho com TEA, percebeu-se que Jasmim procurava ensinar o filho a falar o maior número de palavras possível. Já Violeta não realizava tantas ações como antes, devido aos atuais avanços na fala do filho com TEA e à diminuição do tempo dedicado a ele, em virtude dos cuidados necessitados pela filha menor. Todavia, a estratégia da segunda entrevistada era a mesma que estava sendo realizada por Jasmim.
“O que eu faço é tentar ensinar ele a falar, a falar o nome das coisas, mostrar as coisas e falar repetidamente, para ele entender o que é aquilo e tentar falar” [sic] (Jasmim).
Em uma pesquisa realizada por Watson (1998), identificou-se realidade semelhante. Segundo esse autor, as mães acreditam que, ao tornarem os filhos mais competentes no uso da fala, será mais fácil de manter interações mais sincrônicas com as crianças. No entanto, percebeu-se que, por mais que a fala das crianças com TEA por meio dessa estratégia de fato evoluísse, a comunicação recíproca ainda não se desenvolvia.
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, identificou-se que as mães acabam desempenhando um papel importante no desenvolvimento da comunicação de seus filhos, pois, por meio de suas ações, elas identificam avanços na fala das crianças. No entanto, evidenciou-se que, de acordo com as entrevistadas, apesar dos avanços, a fala dos filhos ainda não é inteligível para todos, o que as torna as principais pessoas que os compreendem. Para as mães, tal fato ocorre em razão do tempo praticamente integral destinado aos filhos com TEA, permitindo que identifiquem o nome dado por eles a cada estímulo.
A comunicação oral dos filhos das participantes, mesmo que lhes permita pedir, ainda demonstra restrição no que se refere à capacidade de compartilhar experiências e sentimentos. Tal restrição está em acordo com o comprometimento específico do TEA que envolve a comunicação recíproca (APA, 2014). Nesse contexto, a ação das mães, ao ajustarem seus mecanismos de comunicação aos recursos comunicativos das crianças, permite-lhes atuar como mediadoras dos interesses e demandas dos filhos em relação às outras pessoas, criando uma ponte entre eles e o mundo social ao redor.
Destaca-se que, apesar de perceptíveis diferenças qualitativas na comunicação verbal dos filhos com TEA relativamente à comunicação de crianças com desenvolvimento típico, isso não foi um sinal de existência de problemas para ambas as participantes, mas, sim, o comprometimento em uma das principais áreas relacionadas atualmente à detecção do TEA, a comunicação interativa, ou seja, a reciprocidade na comunicação e na interação social.
As mães procuram ensinar o maior número de palavras para os filhos com TEA, com o objetivo de melhorar a comunicação deles com elas e com as outras pessoas. No entanto, identificou-se que, apesar dos avanços na fala das crianças por meio dessa estratégia, a comunicação interativa ainda não se desenvolveu. Isso demonstra que se comunicar é mais do que apenas falar. A comunicação exige a presença de um interlocutor ativo nas interações sociais, de modo a transmitir, por meio da fala, intenções, sentimentos, entre outros, e também compreender esses fatores presentes na fala do outro (Oliveira, 2009). Acredita-se, assim, na importância da inserção dessas crianças em ambientes de interação, para que os prejuízos sejam minimizados desde a fase das relações diádicas e sejam possíveis avanços em relação à reciprocidade tanto na comunicação quanto na interação social de crianças com diagnóstico de TEA.
Por fim, deve-se destacar que a amostra homogênea deste estudo permite maior complexidade na análise, porém não propicia o aparecimento de uma variação maior dos dados. Dessa forma, não foi possível fazer considerações sobre variáveis que pretendiam ser investigadas inicialmente, como o impacto do divórcio dos progenitores na criança com diagnóstico de TEA. Ademais, sugere-se que mais pesquisas sejam feitas considerando o relato também dos progenitores do sexo masculino, por existirem poucas pesquisas envolvendo a perspectiva paterna sobre os filhos com TEA.
Referências
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Endereço para correspondência
Lorena David Pereira
E-mail: lorena_david18@hotmail.com
Enviado em: 17/03/2017
1ª revisão em: 19/07/2019
Aceito em: 30/10/2019
1 Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
2 Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
3 Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora dos Cursos de Medicina e Psicologia da Universidade Vila Velha-ES.
4 Psicóloga. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).