Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Pensando familias
versão impressa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.24 no.1 Porto Alegre jan./jun. 2020
ARTIGOS
Crianças em acolhimento institucional: dificuldades e possibilidades para a reinserção familiar
Institutionalized children: difficulties and possibilities for family reintegration
Bruna Nazaré Silva Monteiro1 ; Amanda Cristina Ribeiro da Costa2, I ; Edson Júnior Silva da Cruz3; Celina Maria Colino Magalhães4, I, II
I Universidade Federal do Pará
II Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
RESUMO
Este artigo investigou as dificuldades e possibilidades no processo de reinserção familiar de crianças de zero a sete anos que estiveram acolhidas em uma instituição no período de junho de 2015 a julho de 2016, em Belém/PA. Para a coleta de dados utilizou-se o formulário de caracterização da criança e a ficha de reintegração familiar, por meio da pesquisa documental. Os dados foram analisados quantitativamente por meio da estatística descritiva. Os resultados apontam que é urgente a necessidade da produção de estudos que abordem a reinserção a fim de contribuir na reflexão da prática das instituições de acolhimento e o aprimoramento das políticas públicas.
Palavras-chave: Acolhimento institucional, Criança, Estratégias família, Reinserção familiar.
ABSTRACT
This article investigated the difficulties and possibilities in the family reintegration process of children from zero to seven years old who were admitted to an institution from June 2015 to July 2016, in Belém / PA. For the data collection, the child's characterization form and the family reintegration form were used, through documentary research. Data were quantitatively analyzed using descriptive statistics. The results indicate that there is an urgent need to produce studies that address reinsertion in order to contribute to the reflection of the practice of the host institutions and the improvement of public policies.
Keywords: Institutional reception, Kid, Family strategies, Family reinsertion.
De acordo com a Lei Nº 13.257/16, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, que abrange os primeiros seis anos completos ou setenta e dois meses de vida, é dever do Estado à garantia de políticas, planos e programas que garantam as necessidades básicas das crianças. Tal contexto envolve o acesso à saúde, alimentação, convivência familiar e comunitária, assistência social, bem como a proteção contra toda forma de violência e opressão, o que visa à proteção integral, a promoção e o seu pleno desenvolvimento enquanto sujeitos.
Ressalta-se que existe a necessidade da sociedade e da família estar articulados com o Estado no sistema de promoção e proteção da criança. Dentro desse processo, é visado também o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. As famílias que estiverem em situação de vulnerabilidade e risco social, terão prioridade nas políticas públicas para a primeira infância (Serrano, 2008).
A partir do entendimento sobre o que as normativas propõem, observa-se que a família não deve ser unicamente responsável pelo bem-estar de seus integrantes. A sociedade e principalmente o Estado precisam estar articulados para a garantia do cuidado e da proteção social, o que envolve as políticas públicas, econômicas e sociais. Com isso, cada uma dessas esferas assume o seu papel no âmbito das relações familiares (Mioto, 2015).
Quando se trata da relação entre família e política de proteção social, é importante destacar os papéis e os impactos que essas políticas exercem sobre as relações familiares. Mioto (2015) esclarece que existem duas formas de interferência do Estado nas relações familiares: a primeira é a proposta familista e a segunda é a proposta protetiva. A primeira afirma que a família e o mercado devem ser os principais meios de satisfação das necessidades dos indivíduos. Apenas quando esses dois meios falham é que deve haver interferência do Estado com a política social, ou seja, a inserção da família na política de proteção social é vista como falha ou falência da própria família no provimento das suas necessidades materiais e imateriais de sustento da sua prole em diferentes aspectos. Por outro lado, a política protetiva afirma que a proteção social é um instrumento que visa garantir que os direitos sociais, a cidadania e o bem-estar da sociedade possam ser efetivados.
Nesta concepção, a participação do Estado proporciona uma autonomia dos indivíduos entre si e para com a sociedade. Neste aspecto, a proteção social precisa ser concebida antes mesmo que os meios de subsistência das famílias se esgotem, o que possibilita o fortalecimento das relações familiares e sociais. Considerando isso, faz-se necessário estudar no âmbito das relações entre família e Estado, como funciona o processo de acolhimento institucional, desligamento e principalmente a reinserção familiar de crianças de zero a seis anos sob medida protetiva, os motivos do acolhimento e as estratégias de fortalecimento de vínculo e amparo social utilizada pela equipe dos serviços de acolhimento.
Família: conceitos, relações e o seu papel social
A família é uma instituição que tem passado por constantes transformações ao longo do tempo e adota diferentes significados no âmbito social. A estrutura e as relações familiares estão em constante transformação, que envolvem tantas mudanças internas quantas interferências externas (Sarti, 2008). Considera-se que independente da configuração familiar, tal instituição é um espaço importante para a vinculação e interação entre os seus membros e é concebida como âmbito de referência (Esteves & Ribeiro, 2016).
Diante das suas diferentes configurações como família monoparental, homoafetiva, recasada e etc, o espaço familiar pode ser visto como um contexto complexo onde se é construído e reconstruído histórico e cotidianamente, por meio das relações obtidas entre os seus membros internamente e entre estes com a sociedade e com o Estado. Dentre outras características, a família também é uma unidade de cuidado e de redistribuição interna de recursos. Não pode ser vista apenas como um ambiente privado, mas também pública, onde carrega uma função importante na estruturação da sociedade em seus aspectos sociais, políticos e econômicos (Mioto, 2015).
Em termos legais, a Constituição Federal (Brasil, 1988) caracteriza a família como um grupo formado por qualquer um dos seus pais e seus filhos (Art. 226). Para a Política Nacional de Assistência Social-PNAS (Brasil, 2004), família é um grupo de pessoas que se consideram unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou, de solidariedade.
De acordo com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (2013), a família é um organismo que sofre alterações frequentemente e essas mudanças interagem com a época e o contexto na qual está inserida. Além disso, independente do modelo e origem da família, é preciso ressaltar que vão existir, além dos vínculos legais, os vínculos emocionais.
Diante de tais conceitos apresentados, observa-se que uma família pode se organizar a partir das suas interações, sentimentos, entendimento e respeito e não apenas por questões de laços consanguíneos, como um padrão hegemônico vigente (Esteves & Ribeiro, 2016). Quando se discute questões que envolvem a família, é necessária a compreensão de que, apesar da importância das relações familiares saudáveis, existem casos em que as crianças passam pela privação do cuidado familiar, e isso pode ocorrer por diferentes razões, desde a orfandade até motivos de negligência e abandono. Nestes casos, as normativas sugerem que a criança seja afastada do convívio familiar e inserida em espaço de acolhimento institucional como medida de proteção provisória (Brasil, 2009).
O processo de acolhimento institucional de crianças: da inserção na instituição à reinserção familiar
O acolhimento institucional está inserido no serviço de alta complexidade, que compõe o Sistema Único de Assistência Social - SUAS, com o objetivo de ser aplicado de maneira protetiva, provisória e excepcional. Esta medida destina atenção às crianças e adolescentes na faixa etária de zero a dezoito anos que estejam em situação de risco social e pessoal e que apresentam vínculos familiares fragilizados ou rompidos, sendo assim, garantida a elas a doutrina da proteção integral (Brasil, 1990).
Estudos apontam que os principais fatores que têm motivado o acolhimento institucional incluem a negligência familiar, abandono, violência física e sexual, trabalho infantil, situação de rua, violência doméstica, dependência química dos pais e práticas parentais inadequadas (Cavalcante, Magalhães & Reis, 2014; Furlan & Souza, 2013). Em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), as Orientações Técnicas (Brasil, 2009) dispõe que os encaminhamentos das crianças para a instituição só devem ocorrer quando estiverem esgotados todos os recursos para sua manutenção na família de origem ou extensa, devendo estar atento à excepcionalidade e provisoriedade na instituição.
Em relação ao tempo de permanência, a Lei Nacional da Adoção (12.010/09) expõe que a duração máxima do acolhimento não deve ultrapassar dois anos, para que a criança seja desligada da instituição e retorne prioritariamente para o convívio com a família de origem e excepcionalmente para família substituta. De acordo com Siqueira, Zoltowski, Giordani, Otero e Dell'Aglio (2010), o desligamento da criança e do adolescente deve acontecer logo que a família apresentar condições favoráveis para prover os cuidados a eles, colocando em prática assim, o caráter provisório desta medida protetiva.
O retorno ao convívio com a família de origem: dificuldades e possibilidades
A reinserção ocorre sempre que os familiares possuírem condições favoráveis para prestar o cuidado necessário à criança. Apresenta-se como um processo de estímulo à reaproximação da família de origem com a criança ou o adolescente acolhido institucionalmente, visando, portanto, o desligamento para o núcleo familiar e convivência comunitária (Gobbo & Arcaro, 2013). O processo de reinserção ocorre a partir de ações desenvolvidas pela equipe técnica como, entrevista, coletas de informações e aproximação gradativa da criança com a família no ambiente doméstico e institucional (Ianelli, Assis & Pinto, 2015; Rocha, Arpini & Savegnago, 2015).
Para ocorrer à preparação e a conclusão da reinserção da criança, é preciso levar em conta, primeiramente, o posicionamento da família frente as suas condições materiais e humanas de voltar a assumir o papel de cuidadores dos filhos, tendo em vista a importância do desenvolvimento da criança sob a criação e convívio com os pais, principalmente na primeira infância (Cavalcante et al., 2010; Ianelli et al., 2015). Porém, alguns fatores podem dificultar ou facilitar a efetivação desse processo.
Em uma pesquisa realizada no Sul do Brasil foi investigado os motivos de fracasso na reinserção familiar e o retorno de duas adolescentes para a instituição. Os resultados indicaram que a presença de doença mental nos pais, poucas habilidades parentais, ausência de apoio social, a falta de vínculo com seus filhos, pouca participação nas atividades da comunidade, isolamento social e recusa pelos serviços sociais oferecidos foram situações que ocasionaram uma reinserção familiar mal- sucedida (Siqueira & Dell’Aglio, 2011).
Vale ressaltar também que as dificuldades econômicas da família, ausência ou perda do vínculo familiar agravado pelo elevado tempo de institucionalização, o uso de substâncias psicoativas pelos responsáveis das crianças e adolescentes, a falta de planejamento e acompanhamento das visitas pelas equipes técnicas, ausência de políticas públicas e de ações institucionais de apoio e a baixa adesão das famílias aos encaminhamentos propostos pela instituição, dificultam a reinserção familiar (Brito, Rosa & Trindade, 2014). A existência de histórico de violência na família e a permanência dos fatores de risco no contexto familiar durante o acolhimento dificultam uma reinserção familiar eficaz, além de existir a probabilidade de a criança ser acolhida novamente (Farmer & Wijedasa, 2012).
Assim como existem fatores que dificultam a ocorrência da reinserção familiar, outros podem auxiliar positivamente esse processo, o que proporciona segurança, amparo e fortalecimento dos vínculos afetivos entre as famílias e os seus filhos. Dentre as possibilidades, pode-se falar do não desmembramento de grupos de irmãos, visitas dos familiares e articulação com a rede de serviços para garantia de condições mínimas das famílias proverem o cuidado e sustento de sua prole (Lira & Pedrosa, 2017).
Estudiosos como Siqueira et al., (2010) chamam a atenção para a importância da ocorrência da visita familiar de crianças acolhidas institucionalmente. A literatura aponta que a existência de visitas regulares dos pais e/ou responsáveis favorecem a interação e o fortalecimento dos vínculos com os acolhidos e aumentam a possibilidade da reinserção familiar. No entanto, existe a necessidade de as visitas ocorrerem de maneira planejada e com o acompanhamento da equipe técnica da instituição (Ianelli et al., 2015; Lira & Pedrosa, 2017; Soares, Souza & Cardoso, 2017).
Outra intervenção importante que a equipe técnica poderá promover é a visita domiciliar, pois por meio desta, é possível que ocorra um estreitamento do contato da equipe com a família, gerando proximidade e confiança entre ambos, o que possibilita também uma melhor intervenção dos técnicos no trabalho da reinserção familiar (Cavalcante et al., 2014). Por fim, a Lei 12.010 (Brasil, 2009), expõe que as instituições de acolhimento deverão verificar no período máximo a cada seis meses a situação das crianças acolhidas, revendo junto a autoridade judiciária as condições do retorno da criança para o convívio com a família de origem.
Posteriormente, deverá ser promovida imediata reinserção familiar da criança ou do adolescente. Ante o exposto, este artigo se propôs a investigar as possibilidades e dificuldades de reinserção familiar de crianças de zero a sete anos que estiveram acolhidas em uma instituição no período de junho de 2015 a julho de 2016, no município de Belém/PA.
Método
Este estudo apresenta um caráter documental, com ênfase na análise de prontuários e com abordagem quali-quantitativo dos dados. A pesquisa envolveu a consulta de 52 prontuários das crianças de zero a sete anos, que estiveram acolhidas em uma instituição no Município de Belém/Pa., no período de junho/2015 a julho/2016. Dos prontuários desta amostra, foram colhidos dados do perfil sociodemográfico e do processo institucional das crianças. Posteriormente, foram verificadas quantas crianças dessa população haviam sido reinseridas à família de origem.
Participantes
Como critério de inclusão para a segunda etapa da coleta, selecionou-se dos 52, o prontuário das crianças que foram reinseridas à família de origem, que passaram pelo menos três meses acolhidas na instituição, e que tivessem guia de desligamento. Em relação aos critérios de exclusão, retiraram-se da amostra dos 52, os prontuários das crianças que foram adotadas ou que não retornaram para a família de origem e as que não possuíam guia de desligamento. Com a utilização destes critérios, restaram 17 prontuários. A partir disso, investigou-se como ocorreu o processo de reinserção familiar desta segunda população.
Instrumentos
Formulário de caracterização da criança
Elaborado por Corrêa (2016) que realizaram estudos investigando as condições biopsicológicas e sociodemográficas de crianças e adolescentes nos Serviços de Acolhimento da Região Metropolitana de Belém. O instrumento tem como objetivo abordar as principais características do perfil biosociodemográfico de crianças no contexto do acolhimento e de suas famílias. Composto por 71 questões, divididas em subitens: Identificação da Criança (17 itens), Situação Familiar da Criança (nove itens), Processo de Institucionalização (27 itens) e Saúde da Criança (19 itens).
Ficha de reintegração familiar
Além disso, foi utilizada uma ficha de reintegração familiar, elaborado por Silva (2012) cujo objetivo é investigar o processo de reinserção familiar de crianças, a fim de demonstrar aspectos da sua trajetória na instituição durante o acolhimento e após a reinserção familiar. A ficha é composta por 32 questões de múltipla escolha que se baseiam em: Dados do desligamento da criança (cinco itens), motivo da reinserção familiar (um item), para quem a criança foi desligada (quinze itens), visita da família (dois itens), intervenção da equipe técnica antes do desligamento (quatro itens), acompanhamento da criança e da família após a reintegração/reinserção (dois itens), reincidência e reabrigamento (dois itens) e elaboração do Plano Individual de Atendimento-PIA (um item).
Procedimentos e considerações éticas
O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto de Ciências da Saúde (ICS) da Universidade Federal do Pará. Houve também a autorização do Juiz responsável pela 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, da Secretaria de Assistência, Trabalho, Emprego e Renda- SEASTER e da Coordenação da Instituição de Acolhimento Como foi onde a presente pesquisa foi realizada. A partir dessas considerações, solicitou-se à coordenação da instituição a liberação para a inserção da pesquisadora no espaço e o contato com os prontuários selecionados para a coleta. Houve total comprometimento com o sigilo da identidade das crianças e seus familiares que fizeram parte da amostra desta pesquisa.
Procedimento de coleta de dados
O período da coleta durou em torno de três meses, considerando que foram feitas visitas três vezes na semana e em dias aleatórios, exceto finais de semana e feriados. Previamente, foram agendados os dias da semana e horários de acordo com a disponibilidade da coordenação para receber os pesquisadores na sala da equipe técnica, onde foi obtido acesso aos prontuários das crianças. Além disso, foram apresentados aos técnicos e a gerencia os instrumentos que seriam usados na coleta.
Para a organização, armazenamento e tratamento das informações coletadas, foram criados dois bancos de dados em planilhas eletrônicas do programa SPSS, versão20, um banco para armazenar os dados do perfil biosociodemográfico das crianças e outro banco para armazenar os dados do perfil biosociodemográfico das famílias das crianças que foram reinseridas e o processo de reinserção familiar, com base nas questões que compõe cada instrumento. A partir disso, os dados coletados foram sendo preenchidos nas planilhas pela própria pesquisadora.
O formulário de caracterização da criança foi utilizado para fazer uma descrição do perfil biosociodemográfico das 52 crianças. Para isso, consideram-se as seguintes categorias: identificação, situação familiar da criança, condições de moradia e processo institucional. Os dados coletados com este instrumento foram analisados quantitativamente por meio de estatística descritiva. Consideram-se variáveis como sexo, idade, escolaridade, naturalidade, registro civil, condições de moradia, motivo do acolhimento e processo institucional.
Quanto aos dados obtidos na ficha de reintegração familiar, pretendeu-se fazer uma análise por meio de estatística descritiva do perfil biosociodemográfico das famílias das crianças que foram reinseridas e do processo de reinserção familiar. Para isso, consideraram-se as seguintes variáveis do perfil: idade, cor, religião, Estado civil, escolaridade, cidade de origem, profissão e renda. Sobre a reinserção familiar, as variáveis foram: visita familiar, configuração familiar antes e após o acolhimento, com quem foram realizadas as intervenções, tipos de intervenções realizadas durante o acolhimento e intervenções realizadas após a reinserção, motivo do desligamento, procedência do desligamento, reincidência e PIA.
Resultados
Dados do perfil sociodemográfico das crianças
Os resultados demonstraram que entre as crianças, 59,6% eram do sexo masculino e estavam na faixa etária de 0-2 anos, ou seja, não possuíam idade escolar. Estudos demonstram que nos primeiros anos de vida se iniciam as formações dos vínculos afetivos e as primeiras experiências e aprendizados da criança. Além disso, a ausência do convívio familiar e, principalmente, a privação dos cuidados maternos nesta fase da vida, podem ocasionar prejuízos nas habilidades sociais, cognitivas e no crescimento psicológico da criança (Bowlby, 1997; Esteves & Ribeiro, 2016).
Os dados do registro civil apontaram uma questão que precisa ter visibilidade. Cerca de 63,5% da população geral de crianças investigadas e 52,9% das crianças reinseridas à família de origem não possuem o nome do pai no registro civil. O presente estudo corrobora com o de Fávero et al. (2000) e Cavalcante et., al (2014) que apontaram resultados semelhantes no que se refere a ausência do reconhecimento paterno no registro das crianças acolhidas.
Os resultados apresentam uma preocupação sobre a efetiva participação do pai na criação e cuidado dos filhos. Sabe-se que o reconhecimento da paternidade também é um dos direitos da criança (Brasil, 1990) e que isso precisa ser garantido, até mesmo para a criança ter a possibilidade de estabelecer vínculos afetivos e trocas de experiências importantes com o seu genitor (Bowlby, 1997). Além disso, é preciso que eles assumam e compartilhem das necessidades materiais da criança, como estabelecem as normativas e os órgãos do Judiciário, como as Varas de Família e Defensoria Pública.
No que se refere ao motivo do acolhimento das crianças, de maneira geral, foram identificados mais de um motivo, ou seja, em vários casos, um motivo esteve associado a outros. Os mais frequentes no caso da população geral de crianças acolhidas foram: negligência familiar (46,2%), abandono por parte dos pais e/ou responsáveis (38,5%), outros motivos (23,1%), situação de rua (19,2%), pai, mãe ou pais dependentes químicos (17,3%) e pobreza e/ou vulnerabilidade dos pais (15,4%). No caso das crianças reinseridas à família de origem, os maiores percentuais apontaram: negligência (50,5%) e o abandono (35,3%). Posteriormente, com percentuais iguais aparecem à situação de rua, pobreza/ vulnerabilidade e mãe, pai ou pais dependentes químicos (14,2%).
Os resultados deste estudo corroboram com o último levantamento nacional feito pelo CNMP (2013), onde foram inspecionados os serviços de acolhimento de todo país. Nesse levantamento também foram identificados à negligência e o abandono como as principais causas do afastamento da criança no âmbito familiar.
Os resultados expostos também acompanham as conclusões de outros estudos realizados em nível nacional (Furlan & Souza, 2013; Rocha et al., 2015; Serrano, 2008) e em nível regional (Cavalcante, Magalhães & Pontes, 2007; Cavalcante et al., 2014; Corrêa, 2016) onde apresentam a negligência, o abandono, a pobreza, a situação de rua e os vícios em substâncias entorpecentes como os principais motivos da retirada das crianças do âmbito familiar.
O que se nota a partir da comparação com outros estudos é que mesmo com o passar do tempo, os principais motivos para o acolhimento institucional ainda não foram superados. É o que demonstra, inclusive, um levantamento feito a nível nacional pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS (2010) e outro levantamento mais recente feito pelo CNMP (2013), que apontaram a negligência e o abandono como as principais causas do acolhimento de crianças, acompanhando a pobreza/ vulnerabilidade e situação de rua.
Discussão
É possível se pensar sobre a fragilidade que a família pode apresentar para cuidar dos filhos, mas não que isso seja necessariamente uma escolha dos pais e sim, por questões que vão além do vício químico, da doença ou da pobreza, mas que podem estar associados e motivar o afastamento da criança do convívio familiar (Corrêa, 2016; Rocha et al., 2015). Uma das informações que precisa ser destacada é a questão da situação de pobreza e vulnerabilidade como um fator que leva a criança a ser acolhida.
É recorrente alguns estudos apontarem em seus resultados esse dado como um dos principais motivos. No entanto, torna-se importante sempre estar atendo para o fato de que a situação de pobreza por si só não justifica a medida protetiva (ECA, 1990) e nem impede que ocorra a reinserção familiar das crianças acolhidas (Cavalcante et al, 2010). Alguns autores esclarecem que as condições socioeconômicas pouco favoráveis podem gerar vulnerabilidade e consequentemente situações de risco para o desenvolvimento dos sujeitos envolvidos. A partir da lógica da situação de risco em que a criança possa estar exposta é que precisa ser analisada a aplicação da medida de proteção e não apenas pelas condições materiais da família, também merece destaque observar a presença dos vínculos afetivos na relação da família com as crianças acolhidas, investigar como estes foram construídos e quais suas forças e fragilidades na relação (Rocha et al., 2015).
Com isso, compreende-se que uma das estratégias que pode ser utilizadas no processo de reinserção familiar, por exemplo, é a inserção da família em programas sociais do governo que ofereçam subsídios materiais de geração de renda para que essas famílias possam ter minimamente condições de cuidar das suas crianças de maneira saudável (Iannelli, Gonçalves & Wenersbach, 2015; Siqueira & Dell’Aglio, 2007). A partir dos resultados, questiona-se até que ponto as políticas e programas de assistência social da rede de proteção social básica têm conseguido alcançar essa demanda, ou se pelo menos em algum momento essas políticas foram acionadas antes que essas famílias fossem encaminhadas para o serviço de acolhimento institucional, na alta complexidade.
Visita familiar
Do total de crianças que foram reinseridas ao lar de origem, 94,1% recebiam visita, e com frequência de mais de duas vezes na semana, com o percentual de 58,8%. Um dos fatores a ser considerado para análise destes dados é a questão de que em alguns casos, a criança foi acolhida fora do seu município por conta da ausência de espaços de acolhimento, e, por isso, acabam sendo atendidas no município vizinho.
Isso dificulta o deslocamento dos familiares, pois eles necessitam de recursos para arcar com as despesas do transporte, por exemplo. Além disso, existe a possibilidade de não ocorrerem visitas e dos vínculos familiares se fragilizarem ou romperem e a consequência é a probabilidade da ocorrência de reinserção familiar mal- sucedidas, ou simplesmente de a reinserção nem chegar a ser efetivada (Gobbo & Arcaro, 2013). É no momento da visita que existe a possibilidade dos vínculos familiares se fortalecerem e se restabelecerem, sendo a visita um instrumento que favorece o processo de reinserção familiar, como esclarece também as orientações técnicas (Brasil, 2009; Brito et al., 2014; Lopéz, Dell Vale, Montserrat & Bravo, 2012).
Reinserção familiar de crianças acolhidas em uma instituição de zero a seis anos: perfil dos familiares e as estratégias para a reinserção
Antes de se discutir o processo de reinserção familiar, considera-se importante descrever as características do perfil dos familiares para os quais as 17 crianças foram reinseridas. Afinal, esse dado demonstra as diversas possibilidades de arranjos e convivência familiar que podem ser garantidas às crianças que estiveram acolhidas institucionalmente. Abaixo, serão apresentadas as características dos diferentes tipos de família que receberam as crianças após seu desligamento das instituições, somando 15 sujeitos entre um pai, uma mãe e familiares como avós e outros.
Perfil sociodemográfico das famílias
Mãe (N=1): Possui 40 anos, estado civil separada, cidade de origem é Salvador/BA. Não possui profissão, atividade e renda mensal. Os dados referentes a cor, religião e escolaridade não constavam nos prontuários dos filhos.
Pai (N=1): Possui 44 anos, união estável, sem escolaridade, cidade de origem é Belém. Exerce a função de servente de pedreiro. Os dados referentes a cor, religião e renda não constavam no prontuário do filho.
Família Extensa (N=13): Composta por tias e tios maternos e paternos e avós maternas e paternas, possuem entre 32 a 60 anos, estado civil: casado (15,5%) ou viúvo (15,5%). Todos são belenenses. A maioria possui residência própria (53,8%). Sobre a profissão, as atividades mais citadas foram: costureira, cuidadora de idosos e vendedor de roupa (15,5%), mas a maioria estava sem informação. Grande parte apresentou renda mensal entre 1/2 a 1 salário mínimo (46,1%). As informações referentes a cor, religião e escolaridade não contavam nos registros dos prontuários das crianças.
A mãe
Neste estudo foi identificado que apenas uma mãe recebeu a guarda dos filhos no processo de reinserção familiar, sendo três crianças que formavam um grupo de irmãos e que estiveram acolhidas na instituição, ou seja, das 17 crianças reinseridas, três retornaram para o convívio apenas com a mãe. Pode-se perceber que a mãe possui uma idade considerada mais madura o que pode ter sido um dos facilitadores da reinserção.
Um estudo realizado por Serrano (2008) também identificou que na maioria dos casos, as mães que assumem os cuidados dos filhos estão na faixa etária entre 31 a 40 anos. Outro ponto importante é a questão de a mãe assumir sozinho o cuidado dos filhos, caracterizando-se a chamada família monoparental. Estudos têm apontado que é cada vez mais comum esse tipo de configuração familiar, e isso toma força a partir do século XXI, quando se torna mais frequente a inserção da mulher no mercado de trabalho e no processo de profissionalização (Sarti, 2008).
Porém, não foi possível saber se o grau de instrução da mãe pode ter sido um fator positivo para a obtenção da guarda dos filhos, pois estas informações não aparecem nos prontuários das crianças. Vale ressaltar que a genitora pesquisada estava morando fora da cidade de origem, o que pode de alguma forma, ter dificultado sua estruturação material e financeira. Os documentos analisados não mencionavam como era a relação afetiva da mãe com os filhos.
O pai
Diante do levantamento realizado, foi possível observar que é rara a presença de registros de informações dos pais nos prontuários das crianças e mais raro ainda os casos em que o desligamento da criança é feito para o genitor. Das 17 crianças investigadas, apenas uma foi reinserida para o pai.
É importante ressaltar que as informações referentes aos pais, considerando o número total de prontuários analisados nesta pesquisa, foram pouco visíveis, até porque o número de crianças que possuem o reconhecimento da paternidade no registro civil é baixo. Porém, esta não é uma fragilidade notada apenas nos prontuários analisados por este estudo. Outros estudos já realizados (Serrano, 2008; Silva, 2012; Cavalcante et. al, 2014; Corrêa, 2016) apontam as mesmas fragilidades no que diz respeito a ausência de informações básicas dos pais nos prontuários das crianças. No caso deste pai, observou-se que, assim como a mãe, ele se encontra em uma faixa etária mais madura. O estudo de Silva (2012) aponta resultados semelhantes a este, onde a idade dos pais que receberam os filhos pela reinserção estava acima dos 30 anos.
Outras questões que foram possíveis de serem verificadas é que o pai possui uma união estável e existe a informação de que ele exerce uma atividade profissional, mas não é apontada a presença de renda fixa e se essa renda contribui satisfatoriamente para o sustento próprio e da família. Também não é possível saber se a companheira/ esposa soma financeiramente com o sustento da casa. No entanto, não se pode descartar a hipótese de que a presença da atividade profissional do pai possa ter facilitado na retomada do cuidado com o filho, considerando que ainda é uma realidade nacional o acolhimento motivado pela existência de carência material, vulnerabilidade e consequentemente, situações que geram o risco social e pessoal, como aponta o levantamento nacional feito pelo CNMP (Brasil. 2013). A superação dessa realidade, portanto, pode ser considerado um fator protetivo e positivo para a reinserção familiar, entretanto, ao se analisar o documento foi observado que não se tem menção sobre como se dá a relação afetiva do genitor com a criança, logo tal dado é preocupante, pois se observa que a condição financeira ainda prevalece sobre os vínculos emocionais e afetivos.
A família extensa
Das 17 crianças reinseridas à família de origem, 13 delas foram desligadas para a família extensa. Aponta-se a existência da presença das avós e tia-avó que participaram do processo de reinserção familiar. Não se pode afirmar que a presença ou ausência de companheiro (a) pode ter sido um facilitador para a reinserção familiar da criança, pois houve casos em que tanto os familiares casados quanto os viúvos foram protagonistas na reinserção. Outro fator observado foi que grande parte dos familiares possuíam alguma profissão ou exerciam uma atividade que complementasse a renda familiar, e também, casos de avós aposentados ou que recebem algum tipo de benefício assistencial, o que de alguma forma contribuía para o sustento da família.
A partir da leitura dos dados, foi possível notar que, de maneira geral, as famílias que receberam as crianças no processo de reinserção familiar são pessoas economicamente simples, que apresentam o mínimo de condições sociais e financeiras para sobreviver, porém, servem como fontes de acesso importantíssimo para que os vínculos familiares das crianças acolhidas não se rompam totalmente. Mesmo quando os pais não possuem condições suficientes para criar seus filhos, ainda existem componentes que fazem parte da família das crianças, sejam os avós, tios, os irmãos mais velhos, entre outros, que apesar de algumas situações de carência material, conseguem dar o suporte para as suas crianças, sem que elas precisem ser encaminhadas para adoção, como é sugerido que funcione (Brasil, 1990). Importante destacar que nos casos mencionados as crianças não tinham vínculo afetivo com tais familiares e em algumas situações as crianças os conheceram no período do acolhimento institucional.
Características da concretização do processo de reinserção familiar
Serão apresentados abaixo os principais dados a respeito do processo de desligamento institucional e reinserção familiar das 17 crianças que retornaram para o convívio com a família de origem. Os dados apontaram que antes de ser acolhida na instituição, a maior parte das crianças viviam com a família nuclear (35,3%) e com a família extensa (35,3%). Os principais cuidadores eram em conjunto a mãe e o pai (35,3%) e a mãe com outros familiares (29,5%).
Em relação ao cuidador principal da criança antes do acolhimento, constatou-se que praticamente em todos os casos, havia a presença da mãe no cuidado da criança seja sozinha ou compartilhando a criação com outra pessoa da família. Os familiares que geralmente participam dessa relação são os avós e tios. A presença da família extensa, principalmente das avós na criação dos netos é uma realidade identificada constantemente em estudos nacionais (Mainetti & Wanderbroocke, 2013). Nesse sentido, a família extensa, em geral, merece destaque como rede de apoio social e afetivo que contribui positivamente para a criação das crianças (Corrêa, 2016).
Sobre à estrutura familiar das crianças após o acolhimento institucional foi observado que a família extensa foi a que mais predominou entre os arranjos familiares (76,4%), outro tipo de família destacada foi a monoparental (23,6%) chefiada pela mãe. Em relação à “para quem a criança foi desligada”, prevaleceram às avós (41,1%) e o segundo maior percentual apontou a mãe (17,6%) como principal responsável da criança.
Observando os dados, percebe-se que as maiorias das crianças, que antes do acolhimento eram cuidadas pela família nuclear, passam a ter apenas as mães ou as avós como cuidadoras principais. Destaca-se nesse caso que há uma prevalência de mulheres como responsáveis pela criação e cuidados das crianças. Os mesmos resultados desta tabela foram encontrados nos estudos de Corrêa (2016) que apontou a prevalência da referência feminina na criação de crianças que passam por instituições de acolhimento.
Destaca-se que nenhuma criança retornou para a família nuclear, considerando que esse era o tipo de arranjo familiar em que viviam antes de estarem em medida protetiva. Os resultados apontaram o alto suporte social da família extensa no processo de desenvolvimento das crianças, principalmente vindo das avós, pois, o maior número de crianças que saíram da instituição foram desligadas para elas. Estudiosos (Mainetti & Wanderbroocke, 2013; Silva, Magalhães & Cavalcante, 2014) esclarecem que o papel das avós como cuidadoras na vida dos netos tem sido um fator protetivo, no sentido de prestarem os cuidados necessários na ausência ou impossibilidade de os pais exercerem essa função ou até mesmo nos casos da monoparentalidade. Portanto, o trabalho com as avós deve assumir uma grande importância quando se pensa nas estratégias para essa reinserção.
Diante do exposto, entende-se que é cada vez mais necessário que os vínculos familiares e afetivos sejam fortalecidos dentro do processo de acolhimento como estratégias para a reinserção familiar da criança no âmbito da família de origem, seja na família natural ou extensa, sendo colocado em família substituta apenas quando esgotadas todas as possibilidades existentes para a convivência no seu ambiente de origem (Brasil, 1990). O entendimento correto da noção de vínculo estabelece-se à medida que se entende a condição inicial humana como de absoluto desemparo. A possibilidade de cuidar da sobrevivência de alguém cria condições para que a pessoa ponha em movimento suas esperanças e projetos em torno da criança (Silva, Magalhães & Cavalcante, 2014).
Estratégias de intervenção utilizadas pela equipe técnica durante e após o acolhimento institucional
Em relação às estratégias realizadas antes do desligamento, 70,5% das famílias foram encaminhadas para programas de acompanhamento familiar, 41,1% foram incluídas em programas de auxílio financeiro, 35,3% das famílias do tipo nuclear receberam visitas domiciliares, 29,4% das famílias do tipo extensa receberam visitas domiciliares e 47% foram encaminhadas para outros serviços e programas como atendimento médico, conselho tutelar e Centro POP. Em relação às estratégias utilizadas pela equipe técnica após a reinserção familiar, os dados apresentam que 52,9% receberam visita domiciliar, 17,6% foram encaminhados para acompanhamento psicológico, 64,6% receberam outros tipos de acompanhamento e encaminhamento como CRAS, CREAS, atendimento médico e inclusão das crianças em creche e escola.
Diante da exposição dos dados, foi observado que durante o acolhimento foram utilizadas diferentes estratégias de intervenção com as famílias, de acordo com a necessidade de cada uma. Essas intervenções são fundamentais para que o processo de reinserção possa ser bem-sucedido. E mais do que isso, é sabido que o acompanhamento pós- desligamento é fundamental para que a criança não retorne para a instituição (Farmer & Wijedasa, 2012).
A partir dos resultados do presente estudo, percebe-se que foi dispensado todo um esforço da equipe técnica da instituição em promover e manter o acompanhamento com as famílias mesmo após a reinserção familiar, como propõe a lei 12.010 (Brasil, 2009) e a lei 8069 (Brasil, 1990), que trata do atendimento que vise à reinserção familiar e provisoriedade do acolhimento. No entanto, em três dos casos houve o retorno das crianças para o acolhimento após o processo de reinserção.
De acordo com as informações contidas nos prontuários, uma das crianças teria retornado para a prática de mendicância com a mãe, sendo que ela estava sobre a responsabilidade legal do pai, porém este não assumiu os cuidados necessários como foi determinado judicialmente. Os outros casos eram de dois irmãos que estavam sob a responsabilidade da avó materna, no entanto, as crianças foram encontradas com terceiros.
Nos casos de reinserção mal sucedida os possíveis motivos geralmente estão atrelados pela fragilidade dos vínculos afetivos que já não tinham tanta força antes do acolhimento e não foi fortalecido no período da institucionalização das crianças. A necessidade desse componente afetivo é tão ou mais importante que o aspecto mais objetivo do cuidado, como prover sustento e alimentação. A razão disso reside na própria condição humana: o elemento social que nos abriga. Cada indivíduo carrega como potencialidade não apenas sobreviver, mas sim dar significado à realidade; o processo de socialização como um todo perpassa pelo interesse, tido aqui como a manifestação desse afeto (Corrêa, 2016). No entanto, a problematização a ser colocada em questão reside em saber quais interesses são esses e como são repassados, de modo a entender como o vínculo é estabelecido entre as crianças e seus familiares no processo de reinserção.
Considerações finais
Os resultados demonstraram que as crianças antes de serem acolhidas viviam em sua maioria com a família nuclear, após o desligamento foram encaminhadas para a família extensa, com destaque para as avós maternas, que apresentaram uma influência significativa no processo do retorno da criança para a família de origem, se propondo em assumir o cuidado dos netos. Diante deste resultado, surge o seguinte questionamento: Reinserir para quem? Observou-se que as intervenções não foram realizadas com as famílias que as crianças viviam antes de serem acolhidas, pelo contrário, os trabalhos de reinserção foram direcionados para as famílias que se propuseram a assumir o cuidado da criança.
Com isso, surge a inquietação no sentido de identificar se houve tentativas de intervenção com a família nuclear, e mais do que isso, se houve tempo suficiente para a equipe técnica executar todas as tentativas de reinserção da criança na mesma família que era responsável antes do acolhimento. Outra indagação que surgiu no decorrer deste estudo é de tentar detectar se a medida do acolhimento institucional poderia ter sido evitada, sem que fosse preciso a criança ser retirada do convívio familiar, considerando ainda que o trabalho de reinserção deva ser feito tão logo para que essa mesma criança retorne rapidamente para o âmbito da família, às vezes de origem, outras vezes substituta, tendo em vista o que as normativas propõem sobre o acolhimento de no máximo até dois anos de durabilidade.
Torna-se necessário considerar se a equipe técnica consegue, neste curto prazo de tempo, esgotar todas as tentativas e estratégias para a reinserção familiar. Além disso, é preciso ver e ouvir as famílias e as crianças como verdadeiras protagonistas nesse processo, para que sejam evitadas as reincidências das próprias crianças para a instituição.
Diante dessas questões, a intenção deste estudo foi também provocar reflexões acerca do comprometimento das instituições de acolhimento em garantir a qualidade dos registros referentes basicamente ao perfil das crianças e de seus familiares e das visitas realizadas, a fim de conhecer mais a fundo a qualidade da visita, como está acontecendo esse processo e como a sua ocorrência contribui para o fortalecimento dos vínculos afetivos familiares e, consequentemente para a reinserção familiar bem-sucedida. Entende-se que dar a visibilidade à família no processo de acolhimento institucional também precisa fazer parte do trabalho e da intervenção de qualidade das equipes técnicas, o que auxilia em conhecer melhor essas famílias e poder intervir com mais propriedade em cada situação.
Por fim, espera-se que esta pesquisa possa provocar reflexões e inquietações acerca de como ocorre o processo de reinserção familiar de crianças. E sirva ainda, como ponto de partida para novas investigações no campo acadêmico, com o objetivo de trazer respostas para questões que ainda precisam ser discutidas, e, principalmente, contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços prestados à sociedade civil, especialmente para as crianças, adolescentes e suas famílias, verificando o papel do Estado para com esses segmentos.
Referências
Bowlby, J. (1997). Formação e rompimento de laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]
Brasil (2016). Estatuto da Primeira Infância. Lei n. 13.257, de 08 de março de 2016. Acesso em 01 de março de 2017. [ Links ]
Brasil (1988). Constituição da república federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. [ Links ]
Brito, C. O. D., Rosa, E. M., & Trindade, Z. A. (2014). O processo de reinserção familiar sob a ótica das equipes técnicas das instituições de acolhimento. Temas em Psicologia, 22(2), 401-413. doi: 10.9788/TP2014.2-11 [ Links ]
Cavalcante, L. I. C., Magalhães, C. M. C., & dos Reis, D. C. (2014). Análise comparativa do perfil de crianças em acolhimento institucional nos anos de 2004 e 2009. Psico, 45(1), 90-99. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/viewFile/13180/11445 [ Links ]
Conselho Nacional do Ministério Público. (2013). Relatório da Infância e Juventude-Resolução no 67/2011: Um olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade. Brasília: Conselho Nacional do Ministério Público. [ Links ]
Corrêa, L. (2016). Serviços de acolhimento institucional de crianças e adolescentes na região metropolitana de Belém: Os ambientes, os acolhidos e os educadores. Tese de Doutorado. Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará [ Links ].
Esteves, L. P., & Ribeiro, S. (2016). A importância dos vínculos afetivos e da interação familiar para a formação e aprendizagem escolar das crianças. Revista Psicologia, Diversidade e Saúde, 5(2). doi: 10.17267/2317-3394rpds.v5i2.879 [ Links ]
Farmer, E., & Wijedasa, D. (2012). The reunification of looked after children with their parents: What contributes to return stability?. British Journal of Social Work, 43(8), 1611-1629. doi: 10.1093/bjsw/bcs066 [ Links ]
Fávero, E. (2000). Perda do pátrio poder: Aproximações em estudo socioeconômico. São Paulo: Veras. [ Links ]
Furlan, V., & Souza, T. R. D. P. (2013). Exclusão/inclusão social: Políticas públicas de acolhimento institucional dirigida à infância e juventude. Diálogo, (23), 35-48. doi: 10.18316/909 [ Links ]
Gobbo, E., & Arcaro, L. T. (2013). O direito fundamental à convivência familiar de crianças e adolescentes acolhidos fora de seu município: Análise da promoção da reintegração familiar. Unoesc & Ciência-ACSA, 4(1), 77-88. [ Links ]
Iannelli, A. M., Gonçalves Assis, S., & Wenersbach Pinto, L. (2015). Reintegração familiar de crianças e adolescentes em acolhimento institucional em municípios brasileiros de diferentes portes populacionais. Ciência & Saúde Coletiva, 20(1). doi: 10.1590/1413-81232014201.19872013 [ Links ]
Lira, P. P. B., & Pedrosa, M. I. (2017). Processos de Significação sobre Família em Brincadeiras de Crianças em Acolhimento Institucional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(3). doi: 10.1590/0102-3772e323214 [ Links ]
López, M., Del Valle, J. F., Montserrat, C., & Bravo, A. (2013). Factors associated with family reunification for children in foster care. Child & Family Social Work, 18(2), 226-236. doi: 10.1111/j.1365-2206.2012.00847.x [ Links ]
Mainetti, A. C., & Wanderbroocke, A. C. N. D. S. (2013). Avós que assumem a criação de netos. Pensando Famílias, 17(1), 87-98. Recuperado em 05 de junho de 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2013000100009&lng=pt&tlng=pt. [ Links ]
Mioto, R. C. T. (2015). A centralidade da família na política de assistência social: contribuições para o debate. Revista de Políticas Públicas, 8(1), 133-142. Recuperado de http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/3756 [ Links ]
Rocha, P. J., Arpini, D. M., & Savegnago, S. D. O. (2015). Significados atribuídos por mães acerca do Ciência e Profissão, 35(1), 111-124. doi: 10.1590/1982-3703002312013 [ Links ]
Sarti, C. A. (2003). Famílias enredadas. Família: Redes, Laços e Políticas Públicas, 3, 21-36. [ Links ]
Serrano, S. A. (2008). O abrigamento de crianças de zero a seis anos de idade em Ribeirão Preto: caracterizando esse contexto. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade de São Paulo. [ Links ]
Silva, M. (2012). Lei Nacional da Adoção e Acolhimento Institucional: o ponto de vista de psicólogos e assistentes sociais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria. [ Links ]
Silva, T. S. R., Magalhães, C. M. C., & Cavalcante, L. I. C. (2014). Interações entre avós e netos em instituição de acolhimento infantil. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 66(1), 49-60. Recuperado em 05 de junho de 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000100005&lng=pt&tlng=pt. [ Links ]
Siqueira, A. C., Zoltowski, A. P., Giordani, J. P., Otero, T. M., & Dell'Aglio, D. D. (2010). Processo de reinserção familiar: estudo de casos de adolescentes que viveram em instituição de abrigo. Estudos de psicologia (Natal),15(1), 07-15. doi: 10.1590/S1413-294X2010000100002 [ Links ]
Siqueira, A. C., Massignan, L. T., & Dell'Aglio, D. D. (2011). Reinserção familiar de adolescentes: processos malsucedidos. Paidéia (Ribeirão Preto), 21(50), 383-391. doi: 10.1590/S0103-863X2011000300011 [ Links ]
Soares, L. C. E. C., Souza, F. H. O., & Cardoso, F. S. (2017). Convivência familiar em três cenários: Acolhimento institucional, famílias recasadas e violência doméstica. Psicologia Argumento, 33(82). Recuperado em https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19587/18931 [ Links ]
Endereço para correspondência
Edson Júnior Silva da Cruz
E-mail: edsoncruzufpa@gmail.com
Enviado em: 09/06/2019
1ª revisão em: 14/10/2019
2ª revisão em: 08/05/2020
Aceito em: 29/05/2020
1 Bacharel em Serviço Social, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará.
2 Bacharel em Serviço Social, Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento e Doutoranda em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará.
3 Psicólogo, Doutor em Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Pará.
4 Doutora em Psicologia, Psicóloga. Professora do Programa Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará. Bolsista Produtividade CNPq.