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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.5 n.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

A observação de grupo terapêutico: a experiência emocional como um importante recurso na formação de terapeutas

 

Observation of psychoanalytic-based therapeutic-group: the emotional experience as an important resource in the training tool of therapists

 

La observación de un grupo terapéutico: la experéncia emocional como un importante recurso en la formación de terapeutas

 

 

Carla Lam1; Marcílio Sandoval Silveira2; Mary Lise Moysés Silveira3

Universidade Federal de São Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse artigo tem a proposta de refletir sobre a importância da observação de grupo terapêutico na formação de terapeutas. Essa reflexão é feita através do rastreamento e estudo dos movimentos transferenciais que envolvem os observadores/especializandos. Estar no lugar de observador produz grande impacto emocional, ao mesmo tempo em que estimula o desenvolvimento do potencial de continência e apreensão dos aspectos psíquicos.

Palavras-chave: Observação, Formação, Grupo, Psicoterapia.


ABSTRACT

The main purpose of this article is to reflect the importance of the observation of the psychoanalytic-based therapeutic group as a training tool for new psychotherapists. This reflection is developed by tracking and studying the transference movements that involve trainers-observers. The observation produces a great emotional impact on the trainees, at the same time it stimulates their ability to become more affective and promotes the development of the full potential of containment and apprehension of the psychic aspects.

Keywords: Observation, Training, Group, Psychotherapy.


RESUMEN

Este artículo tiene la propuesta de hacer una reflexión sobre la importancia de la observación de un grupo terapéutico en la formación de terapeutas. Esta reflexión es hecha por medio del rastreo y el estudio de los movimientos transferenciales que envuelven los observadores/especializandos. Estar en el lugar del observador produce un gran impacto emocional  y simultáneo a esto ocurre el desenvolvimiento del potencial de continencia y aprehensión de los aspectos psíquicos.

Palabras clave: Observación, Formación, Grupo, Psicoterapia.


 

 

Gostaríamos de compartilhar algumas reflexões sobre a utilização de observação de grupo terapêutico de crianças e de grupo de orientação de mães na formação de terapeutas, tendo como foco principal a experiência emocional vivenciada no grupo como um recurso importante na formação profissional.

Essas reflexões têm como base a nossa experiência num curso de especialização para psicólogos que buscam sua formação no atendimento a crianças, oferecido pelo Setor de Saúde Mental do Departamento de Pediatria Geral de uma Universidade.

 

O curso de especialização e a observação de grupo terapêutico

O curso de especialização tem duração de um ano, e ocorre no período matutino de segunda à sexta feira. Ele é estruturado em aulas teóricas e em vivência prática, com atendimento a pacientes e familiares e estreita relação com profissionais de áreas correlatas. Os especializandos são, em sua maioria, psicólogos recém-formados que no decorrer do ano, têm oportunidade de passar por diversos serviços dentro do Setor, tanto em ambulatório quanto em enfermaria pediátrica. Na enfermaria, atendem crianças internadas e seus pais; e no ambulatório, fazem pronto atendimento (a porta de entrada ao setor), psicodiagnósticos interventivos, e observação de grupo terapêutico de criança e grupo de orientação de mães.

 

O grupo

O Grupo terapêutico de crianças é aberto e ocorre semanalmente, com duração de 60 minutos, atendendo de 6 à 8 crianças com idade entre 7 e 11 anos. Trabalhamos em co-terapia e com 2 ou 3 observadores.

Concomitantemente ao grupo terapêutico de crianças, ocorre o grupo de orientação de mães, e ambos são precedidos por um encontro de 15 minutos, que denominamos de “grupão”, em que todos: mães, crianças, terapeutas e observadores se reúnem para possibilitar a interação das mães e das crianças, aproximando suas expectativas quanto à queixa inicial, ao grupo terapêutico e aos aspectos do desenvolvimento da criança. Nesse momento, os terapeutas e observadores podem conhecer in loco, como se dá a relação mãe/criança.

O grupo terapêutico de criança e o grupo de orientação de mães têm também como objetivo proporcionar um espaço de crescimento profissional para psicólogos especializandos.

 

Os especializandos na função de observadores

Nos grupos, os especializandos participam como observadores durante 6 meses (3 meses em cada grupo). No decorrer das sessões, transcrevem o diálogo e registram o movimento do grupo. Imediatamente após a sessão, ocorre a supervisão. Nesse momento, os observadores lêem suas anotações e falam sobre suas impressões.

Os especializandos quando iniciam o curso estão ansiosos para se verem atuantes e se experimentarem como psicólogos. Muitas vezes, se sentem desvalorizados por serem observadores, e ficam frustrados por não desempenharem uma postura ativa e/ou intencional.

Os observadores têm dupla função, a de observar o funcionamento dos grupos (terapêutico e orientação de mães); e de observar e refletir sobre a própria observação, seus sentimentos, e sua capacidade de continência. É essa segunda função que queremos refletir nesse artigo.

 

A experiência emocional

No grupo terapêutico, emergem aspectos psíquicos com forte intensidade, o que ocasiona um ambiente gerador de grande impacto emocional e propício a movimentos transferenciais entre todos os participantes, inclusive para/pelos observadores.

Nesse artigo vamos nos ater a dois movimentos transferenciais que ocorrem no grupo e que geram grande impacto emocional. Mas se o impacto emocional for acolhido, a sua vivência colabora na função dos especializandos e na compreensão da dinâmica do grupo.

O primeiro movimento é a transferência que os pacientes fazem para os observadores e/ou para a observação (Paciente Observadores / observação); e o segundo, são as transferências de algumas idéias e expectativas quanto ao aprendizado, que os observadores/especializandos fazem sobre sua função (Observadores Observação / aprendizado).

Para os pacientes, os observadores, pela postura não ativa e silenciosa, podem representar aqueles que estão fora da relação terapêutica, o que leva a sensação de estarem expostos; como também pode representar um aliado, alguém que possa receber suas transferências e projeções, mantendo o terapeuta num lugar supostamente seguro de seus ataques. Freqüentemente, essas duas representações estão presentes concomitantemente.

Colocamos duas vinhetas para ilustrar:

Criança 1 – O que vocês fazem com o que elas (observadoras) escrevem?
Terapeuta – O que vocês imaginam?
Criança 1 – Vocês colocam lá (balcão de recepção do ambulatório).
Criança 2 – Vocês colam na parede como quadros.(ri)

Último dia antes das férias, durante o grupo de terapeutas, observadores, mães e crianças.
Mãe – No ano que vem, vai ter outras observadoras?
Terapeutas – Provavelmente sim.
Mãe – Será que vão se interessar pela gente?

Na primeira vinheta, as crianças investigam, através da observação, o cuidado que as terapeutas têm com o grupo, com o que falam e sentem; já na segunda, podemos ver o quanto as mães estão preocupadas com a continuidade do grupo após as férias, e também utilizam a observação para questionar se são interessantes.

Percebemos, nessas ilustrações, o quanto os observadores estão sujeitos a serem os depositários de angústias. Os observadores fazem parte da dinâmica do grupo, e com muita freqüência as crianças e as mães os incluem de forma direta. Mas, pela função que têm no grupo, diferentemente do terapeuta, não podem intervir, e precisam lidar com suas angustias sem verificar se suas hipóteses fazem sentido.

Corroborando essa situação, os observadores estão constantemente em contato com o “não saber”. O terapeuta e também os observadores para perceberem o que está se passando na sessão, precisam estar com a atenção flutuante, e atentos ao que sentem. Precisam estar sem memória e sem desejo; isso é: estar no presente. A memória pertence ao passado e o desejo ao futuro. (BION, 2000). Segundo o autor “A observação psicanalítica não diz respeito ao que ocorreu e tampouco ao que vai ocorrer, mas sim ao que está ocorrendo” (BION, 2000, p. 392). O terapeuta e os observadores precisam estar à espera que surja algo que lhes faça sentido, e estar nesse lugar de espera, é estar em contato com o não saber.  Como colocamos anteriormente, percebemos nos especializandos uma ansiedade para atuar e se experimentar como psicólogos; em outras palavras, um desejo de testar e mostrar o que sabem oposto a nossa proposta de estar com o não saber. Assim, quando os observadores não conseguem estar em contato com o não saber, pode vir a fantasia que alguém sabe (ou deveria saber) antecipadamente – o terapeuta. Esse, pela sua função, pode ser ativo e agir com intencionalidade, e por esse motivo, em sua fantasia, deveria fazer algo – e algo “correto”.

Nessa perspectiva, os observadores muitas vezes lançam mão de transferências negativas, atacam, não só os terapeutas, os pacientes e o grupo, mas principalmente a própria proposta de aprender e da observação. Não é raro, os observadores criticarem as intervenções do terapeuta ou se distraírem e se distanciam da sessão, deixando de observar os movimentos e as falas.

 

Para elucidar a função do observador quanto à proposta de incrementar sua capacidade de continência, utilizamos dois quadros:

 

 

O primeiro quadro representa situações em que os observadores têm capacidade de autocontinência. Podem ocupar um lugar de neutralidade e respeito à dinâmica do grupo. É possível perceber e nomear o psiquismo e assim há o crescimento profissional e pessoal. Vemos no esquema que nessa situação, o espaço terapêutico é favorecido, é um espaço amplo. As transferências e contratransferências sempre ocorrem e são necessárias para o nosso trabalho, mas devem estar dentro de um limiar possível de se pensar e trabalhar.

Os observadores, ao mesmo tempo em que são depositários de transferências dos pacientes, estão em contato com suas contratransferências, e precisam continuar silenciosos, sendo continente do grupo e de si.

Em nossa prática, muitas vezes, percebemos um sentimento de alívio por parte dos observadores. Às vezes fazem comentários como: “Eu já não agüentava, que angustia! Estavam muito agitados” Aqui o observador está cumprindo sua função de observar: observou sua angustia, (e foi continente a ela), e também percebeu que sua angústia está relacionada a algo que ocorreu durante o atendimento, que naquele momento foi nomeado de agitação. Outro exemplo quanto ao aprimoramento da condição de observar e acolher que a observação contribui, está presente nos comentários quanto à difícil tarefa de se manter no lugar de quem observa, principalmente quando há solicitação, às vezes insistentes, por parte dos pacientes, para que atuem. Como nessa passagem:

Criança para observadora – “escolhe um número”. (mostrando um jogo de dobradura, chamado “boca de leão”)
Observadora – “Eu não posso”.
Criança insiste – “Escolhe um número, vai!”
Terapeuta – “Se ela jogar o jogo vai deixar de observar”.

A observadora, nesse exemplo, se manteve em sua função de uma maneira acolhedora. Percebe que o paciente solicita sua atuação, e que se respondesse a seu desejo, estaria saindo de seu papel, não acrescentando algo nem para o paciente nem para o grupo; pelo contrário, se respondesse brincando com o paciente, possivelmente contribuiria para a estagnação do grupo.

 

 

O segundo quadro representa situações em que os observadores não têm autocontinência, a angústia é exacerbada, e assim os observadores saem do campo da observação. Por estarem numa situação de maior envolvimento transferencial, sua participação torna-se mais difícil, e compromete em parte o processo terapêutico. Cabe ao terapeuta lidar com tal envolvimento.

As transferências pelos observadores podem estar associadas à resistência em se deparar com o não saber, e assim a possibilidade de aprender é muito diminuída.

É esperada a oscilação entre estar na função de observadores e não estar. A oscilação é necessária para que haja crescimento: os observadores se percebem ora continente, ora não continente e podem refletir sobre suas emoções e contratransferências. A vivência da experiência emocional incrementa a capacidade de compreender a comunicação do paciente, e assim de ser um terapeuta com maior capacidade de continência. Como coloca Svartman,

“... o analista, observando a sua contratransferência e pensando sobre ela, obtém as chaves mais importantes para a compreensão do sentido latente das comunicações do paciente. Não se trata mais de interpretar o que observa como um observador excluído da experiência, e sim de estar vivendo a situação com o cliente e percebendo algo novo a partir da vivência” (SVARTMAN, 2003, p. 37).

 

O terapeuta de grupo com observadores/especializando

Para colaborarmos na formação dos especializandos percebemos que como terapeutas de grupo com observadores/especializandos temos duas funções: “a primeira, de propiciar o ambiente terapêutico; a segunda, de criar espaço para o aprendizado e crescimento dos especializandos” (LAM, SILVEIRA e SILVEIRA, 2007, p. 209). Para trabalhar com essas duas funções, precisamos integrá-las, assim, durante a supervisão procuramos identificar as dinâmicas dos processos psíquicos (transferências, projeções, identificações, contratransferência etc) entre todos os integrantes do grupo: pacientes, terapeutas e observadores. Assim, os observadores podem se sentir incluídos no grupo sem que precisem atuar, e ao mesmo tempo, percebem melhor a dinâmica dos pacientes e de suas próprias emoções (LAM, 2006, p.25).

Podemos dizer que a inclusão dos observadores se dá na mente dos terapeutas. Utilizamos a analogia que Svartman faz do terapeuta de grupo com a função da mãe descrita por Winnicott: “É fundamental a “mãe” (terapeuta de grupo) ter a “criança” (grupo) na mente como uma “pessoa completa” (unidade integrada)” (SVARTMAN, 2003, p.42)

Se o terapeuta puder ser continente às angústias dos observadores, geradas no grupo, estará contribuindo e incentivando a expansão do potencial de continência dos observadores, permitindo que o grupo seja um espaço de aprendizagem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BION, W. R. Cogitações. Rio de Janeiro: Imago, 2000. 428 p.        [ Links ]

LAM, C. et al. Observation of psychoanalytic psychotherapy groups as a training tool for therapists In: 16th International Congress of Group Psychotherapy. São Paulo: IAGP – International Association of Group Psychotherapy, 2006. p. 25.        [ Links ]

LAM, C. ; SILVEIRA, M. L. M. ; SILVEIRA, M. S. A observação de grupo terapêutico: o lugar do terapeuta. In: Anais do XVII Congresso Latino Americano da FLAPAG; VI congresso do NESME; VIII jornada da SPAGESP. Santos: FLAPAG – Federação Latino-Americana de Psicoterapia Analítica de Grupo e NESME – Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares, 2007. p. 209.         [ Links ]

SVARTMAN, B. Fundamentos da Psicanálise dos Vínculos. In: FERNANDES, W.J.; SVARTMAN, B.; FERNANDES, B.S. Grupos e Configurações Vinculares. Porto Alegre: Artmed, 2003, p. 33-42.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: climepsic@uol.com.br

 

Recebido em: 19/10/2007
Autorizado em: 10/01/2008

 

 

1 Psicóloga do Setor de Saúde Mental da Pediatria Geral e Comunitária da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo. Aluna do CEPPV do NESME. São Paulo – Brasil.
2 Psicóloga do Setor de Saúde Mental da Pediatria Geral e Comunitária da UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo. Aluna do CEPPV do NESME. São Paulo – Brasil.
3 Profa. Adjunto da UNIFESP/EPM, membro associado da SBPSP Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. São Paulo – Brasil.

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