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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo vol.12 no.2 São Paulo dez. 2015

 

ARTIGOS

 

Atenção ao vínculo em neonatologia: Grupos Balint-Paideia – uma estratégia para lidar com a dor e a incerteza em situações-limite

 

Attention to bond in neonatology: Groups Balint-Paideia - a strategy to deal with the pain and uncertainty in extreme situations

 

Atención al vínculo en neonatología: Grupos Balint-Paideia - una estrategia para lidiar con el dolor y la incertidumbre en situaciones extremas

 

 

Priscila Melillo de Magalhães1, I; Maria de Lourdes Feriotti2, II

IEspaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos
II
Pontifícia Universidade Católica de Campinas

 

 


RESUMO

As equipes das UTIs Neonatais lidam diariamente com situações de grave sofrimento e risco que se intensificam pela fragilidade da vida dos recém-nascidos e o contato direto com a dor dos pais. Este cenário abriga desde o impacto do nascimento prematuro ou dos diagnósticos de malformações aos efeitos adversos dos próprios tratamentos ou da falta de acesso aos serviços e precariedade de recursos disponíveis. A formação da equipe intensivista é regulada por protocolos rigorosos que dificultam a escuta dos familiares e a busca de decisões compartilhadas. As tensões da equipe também afetam os profissionais pelo confronto de saberes e poderes, pela difícil aceitação de seus limites e pela fragmentação do cuidado. Os Grupos Balint-Paidéia aliam recursos da psicanálise e de metodologias democráticas de gestão para uma experiência compartilhada de análise das relações, focada na atenção ao vínculo, com os recém-nascidos e seus familiares, assim como entre a equipe e desta com a gestão institucional. A experiência favorece a mudança de paradigma, acolhendo a singularidade das experiências subjetivas e enriquecendo formas possíveis de vida e de trabalho.

Palavras-chave: Grupos Balint-Paideia; Atenção ao Vínculo; Comunicação de Notícias Difíceis; Humanização em Maternidades.


ABSTRACT

The teams of the Neonatal Intensive Care Units deal everyday with situations of great suffering and risk which are intensified because of the fragility of the newborn lives and direct contact with parental pain. This scenario may englobe the impact of premature birth or diagnosis of malformation, the adverse effects of required treatments or the inaccessibility to services and precariousness of available resources. The formation of the Intensive Care team is regulated by rigorous protocols which do not facilitate listening to families with the aim to search for shared decisions. The team tension also affect the professionals by the confrontation of knowledge and power, by the difficult acceptance of their limits and by the fragmentation of care. The Balint-Paideia Groups combine resources of psychoanalysis and democratic management methodologies to a shared experience of analysis of the relationship focused on attention to bond with newborns and their families, as well as amoung team members and institutional management. This experience favors the change in paradigms, embracing the uniqueness of subjective experiences and enriching possible ways of living and working.

Keywords: Balint-Paideia Groups; Attention to Bond; Breaking Bad News; Humanization of Healthcare.


RESUMEN

Los equipos de las Unidades de Cuidados Intensivos Neonatales tratan a diario con situaciones de grave sufrimiento y riesgo que son intensificadas por la fragilidad de la vida de los recién nacidos y el contacto directo con el dolor de los padres. Este escenario incluye desde el impacto de los nacimientos prematuros o de malformaciones fetales a los efectos adversos de los propios tratamientos o de la falta de acceso a los servicios y de la escasez de recursos disponibles. La formación del equipo intensivista se rige por estrictos protocolos que hacen difícil la escucha de la familia y la búsqueda de decisiones compartidas. Las tensiones en el equipo también afectan a los profesionales por la confrontación de saberes y poderes, la difícil aceptación de sus límites y la fragmentación de la atención. Los Grupos Balint-Paideia combinan los recursos del psicoanálisis con métodos democráticos de gestión en favor de una experiencia compartida de análisis de las relaciones centrada en la atención al vínculo, de los profesionales con los recién nacidos, así como entre los profesionales del equipo y de estos con la gestión institucional. La experiencia favorece el cambio de paradigmas incluyendo la singularidad de las experiencias subjetivas para enriquecer formas posibles de vida y de trabajo.

Palabras-clave: Grupos Balint-Paideia; Atención al Vínculo; Comunicación de Malas Noticias; Humanización en la salud.


 

 

Introdução

Este artigo é fruto de reflexões sobre a experiência de um projeto de capacitação e apoio a equipes de UTIs Neonatais de Maternidades da Rede Cegonha com foco na comunicação de notícias difíceisi, desenvolvido em 2013 e 2014, sob coordenação do Instituto Nacional de Atenção à Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF/FIOCRUZ e apoio da Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde.

A experiência foi configurada como um laboratório de práticas nos moldes dos Grupos Balint-Paideia (CUNHA e DANTAS, 2008 e CUNHA, 2009), nos quais se articulam duas diretrizes metodológicas, a saber, os Grupos Balint, criados pelo psicanalista Michael Balint, para análise das relações médico-pacientes (BALINT, 1988) e o Método Paideia ou Método da Roda, desenvolvido por Gastão Wagner de Souza Campos, médico sanitarista, para co-gestão de coletivos e inclusão dos diversos atores envolvidos nas práticas institucionais de saúde, com o objetivo de aumentar a capacidade de identificação, análise e enfrentamento dos problemas cotidianos, promovendo práticas cooperativas e incentivando a democracia institucional (CAMPOS, 2007). Nos Grupos Balint-Paideia conjugam-se, na análise de situações clínicas enfrentadas pelos participantes, o campo de afetação e a corresponsabilidade, num enfoque político-afetivo. Ganham relevância as diretrizes da cogestão, da valorização do trabalho e do trabalhador e o fomento das grupalidades, coletivos e redes. Tornam-se igualmente importantes a sensibilidade e a disposição para negociação de projetos terapêuticos com todos os sujeitos envolvidos, sejam trabalhadores, pacientes e familiares. Afirma-se a importância da comunicação como ferramenta imprescindível no arsenal terapêutico, incluindo a dimensão subjetiva e o fluxo de afetos próprios às relações clínicas. A experiência compartilhada atua na perspectiva do cuidado ao cuidador e também funciona como disparadora de propostas concretas de enfrentamento de temas sensíveis e situações complexas da organização dos serviços. A partir da discussão de casos, busca-se lidar com a subjetividade envolvida e articulam-se os temas emergentes com ofertas teóricas. Neste projeto, os grupos foram centrados na discussão sobre a comunicação de notícias difíceis em casos clínicos atuais.

No período de janeiro de 2013 a dezembro de 2014 foram realizados oito Grupos Balint-Paideia em Maternidades de diferentes cidades do território nacional. Os grupos, com média de 25 participantes, eram constituídos por profissionais das áreas de Medicina, Enfermagem, Serviço Social, Psicologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Nutrição e Fonoaudiologia, de acordo com a composição das equipes das Maternidades, e também contavam com a participação de gestores. Os grupos eram coordenados por uma dupla de facilitadores com experiência nessa metodologia. As atividades se desenvolviam em ambientes presencial e virtual, ambos constituídos como espaços protegidos e com preservação de sigilo sobre as discussões. As atividades presenciais foram organizadas em 6 ou 8 encontros quinzenais, com 4 horas de duração, sendo o último deles destinado à avaliação e apresentação de um plano de trabalho e ações de desdobramento da experiência. A plataforma de Ensino à Distância UNIVERSUS ofereceu apoio para o acesso à bibliografia, fóruns para continuidade ou ampliação dos temas discutidos e registrados nos Diários de Bordo elaborados pelos facilitadores a cada encontro.

As situações de difícil manejo na atenção materno-infantil, especialmente nas unidades intensivas neonatais, vão desde o impacto inicial do nascimento precoce ou distócias graves aos momentos mais duros de esgotamento dos recursos de tratamento, configurando o diagnóstico de lesões permanentes ou a iminência da morte. Supõem ainda efeitos adversos decorrentes do próprio tratamento, como cirurgias e procedimentos altamente invasivos ao neonato. Tais procedimentos, embora necessários, podem gerar perda de capacidades funcionais e danos futuros à autoimagem, podendo comprometer a qualidade de vida dos pequenos pacientes e suas relações afetivas e familiares. Essas experiências comportam um forte potencial traumático, tanto para os recém-nascidos e seus familiares como para os profissionais expostos cotidianamente às situações-limite face às suas competências e à capacidade de lidar com a dor e o sofrimento daqueles que estão sob seus cuidados. Os efeitos dessas experiências podem ser mais bem assimilados e integrados subjetivamente quando acolhidos em um ambiente que reconheça a delicadeza das situações singulares e promova laços de cooperação e apoio, possibilitando a cada um o melhor suporte para suas insuficiências.

O projeto Atenção ao Vínculo e Desenvolvimento de Habilidades para a Comunicação em Situações Difíceis do Tratamento nas Maternidades da Rede Cegonha, compreende a atenção ao vínculo como elemento essencial para promoção de um ambiente emocional facilitador à vida nas UTIs Neonatais. Esse conceito, desenvolvido a partir da noção de ambiente suficientemente bom, formulado por Winnicott (1956/2000), tornou-se central para a formulação da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveisii, contribuindo, no âmbito do Ministério da Saúde, para sua incorporação como princípio orientador da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PENELLO, 2013).

 

A atenção ao vínculo no ambiente da UTI Neonatal

O encaminhamento de um recém-nascido para a UTI Neonatal é fruto de uma adversidade no nascimento. Esta pode ter sido conhecida durante a gestação, como as malformações identificadas no pré-natal, ou se apresentar de surpresa, no caso de prematuridade ou acidentes no parto. Quando a ambivalência entre o desejo e a rejeição da gravidez é muito intensa, consciente ou inconscientemente, os sentimentos de culpa que assaltam especialmente a mãe, tornam ainda mais dolorosos os processos de aceitação e luto face aos acontecimentos. Se o bebê foi muito esperado e desejado, a "reversão de expectativas" causa forte impacto traumático nos pais. Nos casos em que o feto foi considerado inviável por malformações severas e os pais têm a expectativa de que o bebê deve morrer ao nascer, mas ele sobrevive, às vezes por muitos meses, a vivência intolerável força os limites da aceitação psíquica provocando reações defensivas que tornam ainda mais difícil sua elaboração.

Na UTI Neonatal os procedimentos invasivos e dolorosos, a dependência dos equipamentos e a necessária obediência aos protocolos e rotinas de funcionamento da unidade, por mais que estejam a favor da vida, nem sempre conseguem prover o cuidado ambiental que dê suporte ao vínculo mãe-bebê e àqueles estabelecidos com os profissionais. Com os recursos tecnológicos disponíveis, a UTI Neonatal tem hoje as melhores condições para facilitar a sobrevivência física de bebês que nascem em sofrimento e risco e que, há pouco tempo atrás, não teriam condições de sobrevida e desenvolvimento. No entanto, ainda resta muito a construir para torná-la um ambiente emocional propício ao acolhimento e promoção da vida psíquica dos recém-nascidos. Neste sentido, é a atenção ao vínculo – dos pais com os bebês, dos profissionais com os bebês e os familiares, dos profissionais com a equipe interdisciplinar e das equipes com os gestores – que poderá dar suporte ou minimizar os efeitos traumáticos das adversidades que aí são vividas.

A qualidade afetiva do vínculo que se estabelece, desde a gestação, entre a mãe e seu bebê, tem efeitos no desenvolvimento físico e emocional do feto e do recém-nascido. Na vida intrauterina, conforme comprovam as pesquisas nesse campo, o feto interage tanto com o corpo como com as emoções da mãe. Por sua vez, em uma gestação levada a termo, sem grandes intercorrências, o feto também desenvolve capacidades de autonomia e, ao final da gestação, dessincroniza seu ritmo de pulsações e batimentos cardíacos daquele imposto pelo corpo da mãe, preparando-se para nascer e ter vida própria. (CYRULNIK, 2007).

Ao tratar das exigências de adaptação do bebê ao ambiente e deste aos recém-nascidos, Ferenczi (1928/1929/1992) inverte as perspectivas adaptacionistas e evolutivas afirmando que é o ambiente que deve se adaptar ativamente às necessidades da criança e que esta se desenvolve por processos disruptivos e 'catastróficos' cuja força de subjetivação depende dos laços estabelecidos com as pessoas significativas e com as experiências que vão compor o seu mundo próprio. Em seu mito originário construído em Thalassa, ensaio sobre a teoria da genitalidade, Ferenczi (1979/1990) compara a experiência do nascimento ao efeito das transformações geológicas sobre os processos filogenéticos que, segundo a teoria de Lamarck, decorrem do secamento dos oceanos, que obrigou os seres vivos a se adaptarem à vida no ambiente seco. Decorre daí uma verdadeira "teoria das catástrofes" pela qual afirma que os processos de subjetivação se fazem aos saltos, provocados por rupturas em uma ordem anterior. No entanto, se as rupturas podem ser consideradas o padrão que move o desenvolvimento de qualquer humano, no caso do nascimento precoce ou em condições difíceis, as exigências para a adaptação do ambiente às necessidades especiais dos bebês e os riscos que implicam são comparativamente maiores.

Para Winnicott, o bebê só se torna maduro para o desenvolvimento emocional ao final dos nove meses de gravidez e "um bebê prematuro não vivencia coisas importantíssimas até alcançar a época em que deveria nascer" (WINNICOTT, 1945/2000, p.222). Em condições normais, a mãe, ao final da gravidez e nas primeiras semanas após o parto, tende a entrar em um estado de sensibilidade aguçada, que Winnicott chamou de preocupação materna primária, descrevendo-o como uma 'doença normal' da mãe, necessária, nesta fase, para o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, constituindo o binômio que funciona como uma unidade psíquica que acolhe os efeitos da separação do recém-nascido do corpo da mãe. (WINNICOTT,1956/2000). Algo semelhante é exigido do ambiente da UTI para que esse nascer diferente possa ser acolhido de forma a fortalecer as chances de sobrevida e os processos de subjetivação nessas condições. (MOREIRA et all, 2003)

Balint (1968/1993), Ferenczi e Winnicott foram autores que, no campo da psicanálise, enfatizaram a importância do acolhimento inicial do bebê para a constituição de um senso de confiabilidade no ambiente que tornará possível o reconhecimento posterior de pessoas confiáveis ou não. O estabelecimento de vínculos de confiança ancora-se nesse senso de confiança primária que permitirá a cada um acreditar em suas próprias capacidades para amar, se relacionar e agir no mundo. Figueiredo (2011) reuniu essas contribuições, além de outras mais contemporâneas, para pensar a experiência de confiar, em um capítulo de seu livro sobre "As diversas faces do cuidar".

Nos primórdios da vida psíquica, o desenvolvimento de um sentimento de confiança no bebê depende de sua relação com um ambiente minimamente estável e assegurador, no qual os adultos se tornam confiáveis não apenas por estarem presentes e atenderem às suas necessidades, mas pela sintonia afetiva (STERN,1987) que se expressa no modo de cuidado com que percebem e respondem a essas necessidades.

No ambiente da UTI Neonatal, o contato dos recém-nascidos com os pais, mesmo que consiga ser frequente, é permeado pela tensão que inevitavelmente os invade face à gravidade da situação e à estranheza do ambiente. O que pode sustentar essa situação é, acima de tudo, a confiança que os pais possam depositar na competência da equipe à qual devem delegar os cuidados especiais que o recém-nascido necessita. No entanto, essa entrega não deve ser total, destituindo os pais de sua função de cuidadores, mas deve preservar, o máximo possível, o contato corpo-a-corpo ou, ao menos, com o cheiro e com o toque da mãe. Sabe-se que os recém-nascidos que não apresentam lesões neurológicas graves são capazes de 'explorar' a incubadora ou agarrar a sonda tal qual faziam com as paredes do útero e cordão umbilical em sua recente vida intrauterina. Também podem ser sensíveis à voz e ao cheiro da mãe e do leite materno. Nos casos de prematuros cuja internação é indicada principalmente pelo baixo-peso, o contato pele-a-pele da amamentação e do Método Cangurú (BRASIL, 2011) pode garantir, em grande medida, a intimidade com a mãe e o pai, assim como sua responsabilidade pelos cuidados normais prestados aos bebês. Experiências de prazer e confiança poderão amenizar os momentos de dor e favorecer os investimentos pulsionais do bebê em um ambiente não totalmente hostil. Por outro lado, quanto mais grave é a situação clínica do recém-nascido mais os familiares necessitam, eles também, de acolhimento e cuidado especiais pelos diferentes profissionais da equipe. A integração entre o tratamento clínico e o cuidado afetivo no ambiente da UTI Neonatal pode depender de uma disponibilidade que, em princípio, não seria tão difícil. A exemplo das experiências relatadas por Françoise Dolto (1999), uma "conversa" do profissional durante um procedimento doloroso, que procure favorecer a expressão dos sentimentos em jogo, pode acalmar tanto a mãe como o recém-nascido e ser um exemplo da possibilidade de criação de um ambiente emocional suficientemente bom.

Entretanto, por mais que a equipe considere a importância de acolher os pais junto aos bebês recém-nascidos, muitas vezes essa relação é permeada por um choque de competências e os pais são vistos como aqueles que interferem na rotina dos procedimentos necessários ou os criticam sem conhecimento de causa. Nem sempre os profissionais conseguem compreender a dificuldade dos pais em confiar e entregar seu bebê aos cuidados da equipe. Quando essa dificuldade se expressa em desconfiança e hostilidade pode gerar ressentimentos nos profissionais por não verem reconhecidos seus esforços e dedicação.

No cotidiano da UTI Neonatal, o contato intensivo com a dor e o sofrimento dos bebês e familiares gera sofrimento e desgaste para os profissionais que aí exercem seu trabalho. A comunicação de notícias difíceis afeta não apenas quem as recebe, mas também o profissional que as comunica.

Além da utilização do Protocolo SPIKESiii (BAILE et al, 2000) adaptado à Neonatologia e Obstetrícia como instrumental técnico para a Comunicação de Notícias Difíceis, a atenção aos profissionais na perspectiva de cuidar de quem cuida é um objetivo essencial do projeto realizado. Com esse intuito desenvolveram-se, por meio dos Grupos Balint-Paideia, práticas coletivas e cooperativas de análise de situações clínicas e compartilhamento de experiências que favoreceram a promoção de "grupalidades solidárias" (BENEVIDES, 1997) oferecendo maior suporte ao sofrimento dos profissionais e potencializando a capacidade de ação individual e grupal.

A discussão coletiva sobre o tema "Vínculos de Confiança", a partir da discussão dos casos de comunicação de más notícias, trouxe elementos importantes para o conhecimento, a percepção, a sensibilização e o manejo das situações que envolvem a atenção ao vínculo.

Os participantes ressaltaram que o vínculo, como uma ligação afetiva, é complexo e não facilmente definível. Houve concordância e complementariedade com relação à compreensão do que seja "vínculo de confiança" e algumas discordâncias quanto à forma e ao tempo em que ele se estabelece.

Alguns compreendem que o vínculo de confiança decorre de um longo tempo para aproximação e convívio. Outros entendem que o vínculo de confiança depende fundamentalmente da qualidade da interação, permeada mais pela compreensão do outro que pelo tempo de convivência. Essa compreensão pode se desenvolver ao longo de um convívio, mas também pode ser rápida e instantânea, sendo desencadeada por um olhar, um gesto, uma postura ou algumas palavras. A disponibilidade subjetiva do profissional é apontada como fator importante, ou seja, o paciente deve perceber que "se ele precisar você estará ali" e essa disponibilidade não tem relação com o tempo cronológico ou com as horas que se dispõe ficar com ele. A este respeito foram discutidos os diferentes sentidos relacionados ao "tempo" na formação dos vínculos. De origem grega, há o termo chronos, de natureza quantitativa, que define o tempo cronológico, sequencial, linear, objetivo, mensurável; e o termo kairós, de natureza qualitativa, que se refere ao tempo subjetivo ou existencial, um momento oportuno, supremo, em que algo especial acontece. O tempo para estabelecimento do vínculo estaria mais ligado ao sentido de kairós que ao sentido de chronos.

Muitas características complementares foram levantadas pelos participantes para a formação de vínculo de confiança entre profissional e paciente, como: acolhimento, empatia, escuta qualificada, disponibilidade pessoal e afetiva, segurança, tranquilidade, atenção, honestidade, afetividade, aceitação do outro, respeito, postura ética, conhecimento, competência, confiabilidade e parceria. A co-responsabilização do paciente e dos familiares para enfrentamento da verdade e definição de um plano terapêutico também foi ressaltada, destacando-se que a co-responsabilização é uma forma de valorização e aproximação com o outro.

Também foi apontada a importância de evitar preconceitos e informações pré-concebidas; de entrar na intimidade das pacientes sem invadir ou julgar e, sobretudo, de respeitar os processos de luto, compreendendo a "negação" como recurso legítimo no processo de enfrentamento das notícias difíceis. Nesse sentido, também se faz importante rever e descontruir imagens e expectativas idealizadas sobre a maternidade, que são muitas vezes alimentadas pela cultura, mas que caminham em sentido contrário às reais necessidades do desenvolvimento da interação mãe-filho nessa etapa da constituição do vínculo.

No processo de comunicação de más notícias, o vínculo de confiança pode ser abalado ou fortalecido, dependendo da delicadeza e da capacidade do profissional dizer a verdade da forma como o paciente consiga ouvir, respeitando o seu tempo para compreender e oferecendo apoio. É necessário perceber o momento de falar ou de calar. Por sua vez, a ambivalência, em maior ou menor grau, pode ser considerada inerente à comunicação de más notícias, pois o profissional é, ao mesmo tempo, quem dá a notícia e quem cuida. O profissional deve buscar conhecimento de si, para não se paralisar diante de barreiras que surgem na relação.

Pode haver barreiras e dificuldades para o vínculo, tanto da parte dos pacientes quanto da equipe. A percepção dos profissionais, o processo de trabalho e a qualidade das relações interpessoais podem interferir positiva ou negativamente na qualidade dos vínculos tanto entre profissionais e pacientes quanto entre profissionais e equipe. A intensa e corrida rotina da UTI Neonatal pode afetar negativamente a atividade profissional, prejudicando a formação de vínculos. Equipes volantes ou rotativas dificultam a formação de vínculo e a continuidade de processos longitudinais nos setores, enquanto que as equipes diaristas, com rotina estável, facilitam a formação de vínculos e acompanhamento dos processos.

A essa produção dos grupos podemos acrescentar que na base da formação e da atenção ao vínculo está a capacidade de afetar e ser afetado, a qual pode conduzir a bons e maus encontros. Segundo os ensinamentos de Espinosa (DELEUZE, 2002), os bons encontros aumentam a potência de agir e produzem alegria; os maus encontros diminuem a potência de agir e produzem tristeza.

A partir do que foi levantado nas discussões dos grupos sobre "Vínculo de confiança", destacamos algumas considerações.

É importante associar a ideia de Vínculo de Confiança à ideia de Estratégias de Comunicação, considerando os mecanismos de comunicação verbal e não verbal e salientando que comunicar é diferente de informar.

Nesse sentido, podemos esboçar algumas recomendações, como: compreender o outro em sua alteridade, reconhecendo seu valor intrínseco; não desenvolver julgamentos morais, atitudes preconceituosas, aplicação de análises genéricas ou de rotulações sobre o outro; buscar analisar o contexto e a singularidade de cada caso; identificar e oferecer os recursos disponíveis para enfrentamento das dificuldades/necessidades e compartilhar as decisões; conviver e aprender a dialogar e "negociar" com as diversidades culturais, sociais, religiosas, étnicas, etc.; desenvolver processos de trabalho e mecanismos de interação na equipe multiprofissional que facilitem o apoio e o enfrentamento das situações-limites.

A "Ética da Compreensão", segundo Morin (2001), pode instrumentalizar o desenvolvimento da vivência com a diversidade e do pensamento inclusivo. O autor aponta obstáculos e facilitadores para o exercício interpessoal da comunicação, na perspectiva da compreensão humana.

Segundo o autor, há dois tipos de compreensão: a compreensão intelectual ou objetiva e a compreensão humana intersubjetiva. A primeira está ligada à informação, à inteligibilidade, à explicação e ao conhecimento objetivo. A segunda está ligada ao conhecimento intersubjetivo, conhecimento de sujeito a sujeito, para o qual é necessário um processo de abertura, empatia, identificação, projeção, generosidade. (MORIN, 2001, p.95)

Os principais obstáculos à compreensão são: a indiferença, o egocentrismo, o etnocentrismo, o sociocentrismo e o espírito redutor. Os primeiros levam à tendência de situar no centro da análise as suas próprias referências, considerando secundário, insignificante ou hostil tudo que lhe parece estranho ou distante. O espírito redutor e simplificador não reconhece a complexidade própria do sujeito, podendo reduzi-lo a apenas um de seus aspectos. (MORIN, 2001, p. 95-99)

Quanto aos facilitadores para a compreensão, o autor aponta o bem-pensar (modo de pensar que permite apreender em conjunto o texto e o contexto, o ser e seu ambiente, o local e o global, o objetivo e o subjetivo); a introspecção (prática do autoexame permanente que permite que, reconhecendo nossas fraquezas, não assumamos a posição de juiz de todas as coisas); a consciência da complexidade humana (consiste em não reduzir o ser à menor parte dele próprio, nem mesmo ao pior fragmento de seu passado); a abertura subjetiva em relação ao outro (consiste em buscar compreender mesmo aqueles que nos são estranhos ou antipáticos); a interiorização da tolerância (é o princípio democrático que nos convoca a respeitar a expressão de ideias antagônicas às nossas, visando à compreensão, a solidariedade e a convivência com o outro) e a cultura planetária (contrária à ideia de dominação cultural, é a compreensão da solidariedade intelectual e moral da humanidade e pressupõe a comunicação entre as diferentes culturas, povos e nações). (MORIN, 2001, p. 100-104).

 

Considerações finais

A experiência dos Grupos Balint-Paideia, promovendo espaços coletivos para apoio e troca de ideias, facilitou a identificação, a compreensão e o enfrentamento das principais dificuldades dos profissionais no cotidiano do trabalho. Dentre essas, destacam-se: envolver a família nos processos de cuidado e tomada de decisões; lidar com as emoções dos pacientes e familiares e também com as próprias emoções; conviver com as diversidades culturais; comunicar notícias relacionadas à ineficácia ou danos colaterais dos tratamentos, síndromes e/ou agravos ao desenvolvimento ou sobrevida do bebê, morte do recém-nascido ou da mãe; superar a fragmentação do trabalho e desenvolver práticas interdisciplinares; integrar clínica e gestão.

Ainda que concentrada em um número reduzido de encontrosiv foi possível uma aproximação de situações subjetivas como as reações dos profissionais às mães que "rejeitam" seus filhos ou a gravidez, assim como sua dificuldade de aceitar as mães que não conseguem estabelecer vínculo com os recém-nascidos gravemente lesionados ou com poucas chances de sobrevivência. Ressaltou-se a importância de compreender que a "negação" é um processo legítimo de preparação para o luto, diante de uma má notícia. Trabalhou-se a necessidade de dar importância às histórias de vida das mulheres que tem dificuldades para assumir a maternidade: contexto da gravidez, contexto de sua história afetiva e relação com a maternidade, histórias de violência, etc. procurando considerar a possibilidade de sofrimentos psíquicos dessas mães ou contextos de vida muito adversos para colocar em questão: "como acolher e cuidar dessas mães?". Neste sentido é preciso considerar que nossa cultura tem tratado a gravidez e a maternidade com um romantismo ilusório! Há muitos momentos difíceis na maternidade, desde a gestação. Mas, nossa cultura tem negado às mulheres a possibilidade de viver conflitos, dúvidas, incômodos e dificuldades relativas à gestação e à maternidade, que configuram, simples e naturalmente, a condição humana! As cobranças e culpabilizações frequentemente exercidas sobre as mulheres/mães têm sido baseadas numa idealização romântica e inatingível, o que pode contribuir para grandes sofrimentos psíquicos da mãe e da própria criança.

Por sua inserção nos serviços da rede pública de saúde o foco da experiência colocado na comunicação de notícias difíceis provocou também a reflexão sobre a produção de notícias difíceis. Assim, as discussões de casos abriram o campo de visão para além da relação entre profissionais, pacientes e familiares, permitindo a inclusão, no campo de análise, das relações e estruturas institucionais, do processo de trabalho, do processo desenvolvido nos diferentes pontos da rede de atenção à saúde (especialmente na articulação com a Atenção Básica), assim como da infraestrutura da região. O Método da Roda facilitou a efetivação de diálogos interdisciplinares, interinstitucionais e intersetoriais, assim como entre trabalhadores e gestores.

Como um laboratório de práticas, espera-se que a experiência tenha deixado marcas que possam incentivar a organização de coletivos, afirmando sua potência para ampliar a capacidade de análise e enfrentamento de problemas, promover apoio entre os trabalhadores, produzir conhecimento, construir planos de trabalho integrados, qualificar processos de trabalho e gestão e aperfeiçoar processos de formação.

 

Referências

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PENELLO, L. M. Ambiente emocional facilitador à vida: de conceito à princípio orientador de políticas públicas saudáveis – em destaque a atenção integral à saúde da criança. In: Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis. Rio de Janeiro: Instituto Fernandes Figueira, 2013, p.27-48.

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1 Psicóloga e psicanalista. Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos - EBEP-RJ. Colaboradora no projeto Comunicação de Noticias Difíceis em Maternidades da Rede Cegonha - IFF-FIOCRUZ/MS. E-mail: demagalhaes.priscila@gmail.com.
2 Terapeuta Ocupacional. Docente PUC-Campinas. Mestre em Educação. Especialista em Filosofia e em Terapia Ocupacional em Saúde Mental. Supervisora clínico-institucional para Rede de Atenção Psicossocial. Participou do Coletivo de Estudos e Apoio Paideia/UNICAMP/Prof. Gastão W.S. Campos). Colaboradora no Projeto "Comunicação de Notícias Difíceis em Maternidades da Rede Cegonha"- IFF-FIOCRUZ/MS. E-mail: mlferiotti@gmail.com.
i O relato da experiência decorrente do projeto "Atenção ao Vínculo e Desenvolvimento de Habilidades para a Comunicação em Situações Difíceis do Tratamento nas Maternidades da Rede Cegonha", será publicado em número especial da Revista Divulgação em Saúde para Debate, ISSN 0103-4383 - CEBES, junto à análise das demais ações propostas pela Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis e levadas a efeito com o apoio da Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde. O presente artigo dá continuidade e aprofunda questões específicas levantadas pela experiência.
ii Iniciativa estabelecida entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Ministério da Saúde, Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno (CGSCAM/MS) para apoio e formulação de políticas acerca do vínculo estreito entre o desenvolvimento saudável, pleno e potente das crianças brasileiras, a construção de sua cidadania e o desenvolvimento sustentável do país. http://www.ebbs.iff.fiocruz.br/ebbs/index.php/sobrenos
iii Protocolo desenvolvido por equipes médicas (E.U.A e Canadá) para a comunicação de más notícias para pacientes com câncer. Objetiva desenvolver habilidades e estratégias para a transmissão de más notícias de forma inteligível, de acordo com as possibilidades e necessidades do paciente e acompanhantes, proporcionando suporte e conquistando sua colaboração no plano de tratamento. O protocolo S.P.I.K.E.S. consiste em seis etapas sucessivas para a comunicação de más notícias, a saber: 1) Planejando a entrevista (S-Setting Up the Interview), 2) Avaliando a percepção do paciente (P-Perception), 3) Obtendo o convite do paciente (I-Invitation), 4) Dando conhecimento e informação ao paciente (K-Knowledge), 5) Abordando as emoções dos pacientes com respostas afetivas (E-Emotions), 6) Estratégia e resumo (S-Strategy and Summary). (BAILE et al, 2000).
iv No projeto realizado os grupos tiveram entre seis e oito encontros quinzenais. Na proposta original, tanto dos Grupos Balint como dos Grupos Balint-Paideia, realizados com médicos generalistas ou equipes da Atenção Básica, a duração dos encontros era de um ano e meio a dois anos.

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