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Vínculo
versão impressa ISSN 1806-2490
Vínculo vol.19 no.1 São Paulo jan./jun. 2022
https://doi.org/issn.19982-1492v19n1a11
ARTIGOS
https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v19n1a11
Grupo comunitário de saúde mental: um olhar dos discentes de Psicologia
Community mental health group: the view of Psychology discents
Grupo comunitario de salud mental: la visión de los discentes de Psicología
Letícia Brandieri Silveira1,I; Cláudia Alexandra Bolela Silveira2, I, II
IUniversidade de Franca - UNIFRAN, Franca, São Paulo, Brasil
IICentro Universitário de Franca (UniFACEF), Franca, São Paulo, Brasil
RESUMO
O Grupo Comunitário de Saúde Mental visa promover a compreensão da relação entre a pessoa e sua realidade cotidiana buscando a promoção de saúde. A presente pesquisa se direciona para uma atividade de grupo comunitário realizada no processo de formação de Psicólogos em uma Universidade do interior Paulista. Portanto, o objetivo constitui em verificar a importância da realização dos Encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental na perspectiva dos estudantes de Psicologia. A metodologia utilizada foi a pesquisa descritiva-qualitativa, uma pesquisa de campo junto aos universitários que participaram dos encontros do grupo comunitário no período de março a junho de 2018 e 2019. O instrumento para coleta de dados foi um questionário eletrônico via formulário do Google Drive. Por se tratar de pesquisa com humanos o projeto foi submetido ao Comitê de Ética e aprovado, número CAAE: 26948819.4.0000.5495. A análise dos dados foi realizada a partir das repostas dos participantes ao questionário, analisadas na perspectiva de três aspectos que configuram o Grupo Comunitário de Saúde Mental: 1. atenção à realidade e à experiência humana; 2. o grupo como local de encontro e 3. o processo grupal, aprendizagem e saúde mental. Assim, verficou-se com esta pesquisa a importância do grupo comunitário na formação de psicólogos como um espaço para trabalhar aspectos relacionados à saúde mental. Ademais, percebe-se ainda outro aspecto fundamental a respeito da valorização da vida, onde os participantes do grupo começam a olhar para o próximo de forma humanizada, compreendem que em acontecimentos cotidianos estão presentes experiências de vida importantes e a partir dos encontros do grupo comunitário passaram a reconhecê-las.
Palavras-chave: grupo comunitário, psicologia, universitários, saúde mental.
ABSTRACT
The Community Mental Health Group aims to promote the understanding of the relationship between the person and their daily reality, seeking health promotion. The present research is directed towards a community group activity conducted in the process of training Psychologists at a University in the interior of São Paulo. Therefore, the objective is to verify the importance of holding the Meetings of the Community Mental Health Group from the perspective of Psychology students. The methodology used was the descriptive-qualitative research, field research with the university students who participated in the community group meetings between March and June 2018 and 2019. The instrument for data collection it was an electronic questionnaire via Google Drive form. As it is research with humans, the project was submitted to the Ethics Committee and approved, CAAE number: 26948819.4.0000.5495. Data analysis was performed based on the participants' responses to the questionnaire, analyzed from the perspective of the three aspects that make up the Community Mental Health Group: 1. attention to reality and human experience; 2. the group as a meeting place and 3. the group process, learning and mental health. Thus, it was verified with this research the importance of the community group in the formation of psychologists as a space to work aspects related to mental health. In addition, there is yet another fundamental aspect regarding the valorization of life, where the group members begin to look at others in a humanized way, understand that in everyday events important life experiences are present and from the meetings of the community mental health group they started to recognize them.
Keywords: community group, psychology, university students, mental health.
RESUMEN
El Grupo Comunitario de Salud Mental tiene como objetivo promover la comprensión de la relación entre la persona y su realidad diaria, buscando la promoción de la salud. La presente investigación se dirige hacia una actividad grupal que se realiza en el proceso de formación de Psicólogos en una Universidad del Interior Paulista. Por tanto, el objetivo es verificar la importancia de la realización de los Encuentros del Grupo Comunitario de Salud Mental desde la perspectiva de los estudiantes de Psicología. La metodología utilizada fue la investigación descriptiva-cualitativa, una investigación de campo con los estudiantes universitarios que participaron en las reuniones grupales de marzo a junio de 2018 y 2019. El instrumento para La recopilación de datos fue un cuestionario electrónico a través del formulario de Google Drive. Por tratarse de una investigación con humanos, el proyecto fue presentado al Comité de Ética y aprobado, número CAAE: 26948819.4.0000.5495. El análisis de los datos se realizó a partir de las respuestas de los participantes al cuestionario, analizadas desde la perspectiva de los tres aspectos que conforman el Grupo Comunitario de Salud Mental: 1. atención a la realidad y experiencia humana; 2. el grupo como lugar de encuentro y 3. el proceso grupal, aprendizaje y salud mental. Así, se comprobó con esta investigación la importancia del desarrollo del grupo en la formación de psicólogos como espacio para trabajar aspectos relacionados con la salud mental. Además, hay otro aspecto fundamental en cuanto a la valoración de la vida, donde los participantes del grupo comienzan a mirar a los demás de manera humanizada, comprenden que que en los eventos cotidianos se presentan experiencias importantes de la vida y a partir de las reuniones del grupo comunitario de salud mental comenzaron a reconocerlas.
Palabras clave: grupo comunitario, psicología, estudiantes universitarios, salud mental.
INTRODUÇÃO
Devido a vulnerabilidade de apoio social e restrição de desdobramento de vínculos, infere-se que surjam cada vez mais pessoas individualistas. Ishara, Cardoso & Loureiro (2013) observam que isso ocorre em meio à desconfiança do outro e pelo fato do indivíduo acreditar ser sempre autossuficiente, tornando sua rotina de vida solitária. Reforçando os objetivos propostos nesta produção científica, os autores consideram que uma estratégia para promover o enfrentamento do estresse é o suporte social, pois, quando o indivíduo encontra-se diante de um fenômeno frustrante e tem em seu contexto interacional suporte social, os efeitos negativos do estresse tendem a ser amenos.
Acreditando na potência da intervenção em grupo este artigo foi elaborado para tornar público os dados levantados na pesquisa que se constituiu a partir da realização de encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental (GCSM) junto aos estudantes de Psicologia de uma Universidade do interior Paulista como uma forma de intervenção em grupo que possibilitou aos estudantes um espaço para aprender a cuidar de sua saúde mental ao mesmo tempo vivenciar o GCSM na prática enquanto membro participante.
Desta forma, cabe esclarecer que os participantes da pesquisa, os quais responderam o questionário eletrônico haviam participado anteriormente de encontros do GCSM.
O Grupo Comunitário de Saúde Mental constitui em uma metodologia específica de intervenção grupal desenvolvido há mais de vinte anos pelo psiquiatra Sérgio Ishara no Hospital Dia da USP de Ribeirão Preto, como uma proposta de trabalho diferenciada diante da desinstitucionalização psiquiátrica dos usuários, iniciativa esta que contou com as psicólogas e professoras Carmen Lúcia Cardoso e Sônia Regina Loureiro do curso da USP de Ribeirão Preto. Portanto, as bases teóricas referenciais originais constituem os autores Ishara, Cardoso e Loureiro.
Tanto a reforma psiquiátrica brasileira quanto o movimento de Luta Antimanicomial trouxeram inúmeras mudanças que evidenciam a complexidade de um processo social que entrelaça dimensões simultâneas, que ora criam contradições, ora convergem. Basaglia (1979) coloca como ponto de vital importância o desafio que é dar vida ao sujeito com sofrimento psíquico, tendo sido este historicamente mortificado dentro das instituições manicomiais (Rocha, Pena, Manffré & Jesus, 2019, p. 5).
O GCSM centra seu trabalho continuamente na aprendizagem da observação pelos membros participantes do seu cotidiano, ou seja, dos fatos ocorridos, colocando em evidência a experiência como contribuição para o amadurecimento tanto pessoal como coletivo. O Grupo Comunitário de Saúde Mental enfatiza, como crucial, estimular que os participantes do grupo cultivem uma atitude de atenção ao cotidiano, para que o processo de apropriação de suas vivências seja um facilitador da ampliação de uma perspectiva positiva diante da vida, incluindo assim a valorização da realidade tal qual como ela é, contrapondo-se a uma tendência da sociedade atual que sujeita o homem contemporâneo a estar numa posição de constante sobrecarga, estando raramente estimulado a uma maior elaboração de suas vivências (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
Ainda para Ishara, Cardoso & Loureiro (2013), a atual sociedade é composta por indivíduos com grande dificuldade para reconhecer aspectos próprios do humano, o que possibilita o crescimento de diversas formas de sofrimento psíquico e desarticulação comunitária. Enfrentam-se portanto, na área da saúde mental, complexos desafios, entre eles a necessidade de atribuir um novo olhar para representação social da doença mental, além da revisão dos modelos tradicionais de assistência e extensão de programas de atendimento que incluam toda a comunidade.
Desta maneira, há necessidade que o cuidado seja direcionado também ao profissional atuante na área da saúde, proporcionando para ele ambientes que permitam o cuidado com a própria saúde mental, além da aprendizagem e o compartilhamento de experiências. É muito comum que trabalhadores sintam-se carentes e incapazes de acolherem as suas próprias demandas (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
As discussões clínicas realizadas no grupo comunitário de saúde mental, permitem o compartilhamento de experiências e consequentemente a ajuda recíproca entre os membros do mesmo. Ademais, o trabalho do grupo centra-se em um exercício continuado na construção dos acontecimentos cotidianos, destacando-se o papel da experiência como um elemento constitutivo na construção da saúde mental (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
Busca-se portanto, alçar reflexões que possam abarcar os obstáculos psicossociais em que o homem contemporâneo está inserido, incluindo o estudante universitário. Ao direcionar a importância da promoção da saúde mental no curso de Psicologia, ressalta-se que a vivência acadêmica está também entrelaçada entre as próprias demandas emocionais desse estudante, bem como no contato futuro com o sofrimento psíquico de outras pessoas.
A pesquisa foi desenvolvida a partir do método descritivo-qualitativo, em um primeiro momento por meio da revisão da literatura na área, para explorar as produções científicas que deram o embasamento teórico a fim de correlacionar a problemática das situações de vulnerabilidade psicológica no contexto universitário com o delineamento conceitual e metodológico do Grupo Comunitário de Saúde mental e posteriormente, uma pesquisa de campo junto aos universitários que participaram dos encontros do grupo comunitário no período de março a junho de 2018 e 2019.
Ao analisar as produções científicas, observou-se a carência de investigações sobre a vivência acadêmica, especialmente ao tratar-se da promoção de saúde mental no ambiente universitário. Assim como afirma Feldman e colaboradores (2008, citado por Padovani 2014) qualquer pessoa que conviva com o indivíduo que necessita de um suporte social, pode fazê-lo, fornecendo então apoio emocional e disponibilidade de ouvir, compreender e respeitar o mesmo.
Deste modo, é extremamente importante para os estudantes em formação, mais especificamente no curso de psicologia, terem a possibilidade de participar e vivenciar o Grupo Comunitário de Saúde Mental, visto que futuramente eles também poderão coordenar um grupo no estágio e na profissão, bem como aprender lidar com a própria saúde mental, além de discernir o que é fundamental para a profissão do psicólogo.
O objetivo da pesquisa se constituiu em verificar na perspectiva dos estudantes de Psicologia a importância da realização dos Encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental como um espaço para cuidar da Saúde Mental.
Revisão da literatura
A Teoria dos Grupos Operativos
Nos dias atuais, é comum encontrar o trabalho de grupo em diversas áreas que destinam-se ao cuidado com a saúde dos indivíduos. Por meio da relações interpessoais, cada integrante de um determinado grupo pode contribuir, com sua singularidade, à estruturação do conhecimento (Afonso & Coutinho, 2010; Ferreira Neto & Kind, 2010 apud Vincha, Santos & Cervato-Mancuso, 2017).
Entre as teorias sobre grupos, evidencia o Grupo Operativo (GO), estruturado pelo psiquiatra e psicanalista Pichon-Rivière na década de 1940. O intuito do GO é proporcionar aos participantes um processo de aprendizagem que evidencie uma reestruturação do conhecimento, bem como uma nova concepção a respeito de si e dos outros (Vincha, Santos & Cervato-Mancuso, 2017).
A técnica de grupo operativo consiste em um trabalho com grupos, cujo objetivo é promover um processo de aprendizagem para os sujeitos envolvidos. Aprender em grupo significa uma leitura crítica da realidade, uma atitude investigadora, uma abertura para as dúvidas e para as novas inquietações (Bastos, 2010, p. 161).
Bastos (2010) se remete a Pichon-Rivière, o próprio criador da teoria, ao contextualizar o grupo operativo. Para Pichon, na constituição da subjetividade a experiência é fundamental e eficaz (Oliveira, 2021). Esta experiência demanda relação, vínculo com o outro na formação da subjetividade, o que foi observado por Pichon ao colocar os pacientes com melhores condições a cuidar dos mais comprometidos, ou seja, uma experiência que demandou vínculo com o outro de forma ativa ao desempenhar a tarefa de cuidado, o que trouxe melhora para ambos.
Em toda estrutura vincular (e com o termo estrutura já indicamos a interdependência dos elementos) o sujeito e o objeto interatuam, realimentando-se mutuamente. Essas relações intersubjetivas são dirigidas e se estabelecem sobre a base de enecessidades, fundamento motivacional do vínculo (Pichon-Rivière, 1980/1988 apud Oliveira, 2021, p. 143).
O estabelecimento deste vínculo acontece por meio da realização da tarefa no grupo, assim como os adolescentes, pacientes de Pichon no Hospital Psiquiátrico Las Mercedes na Argentina, ao mudar de papel de "ser cuidado" para "cuidador", ou seja, a realização da tarefa de cuidar do outro lhes possibilitou a retroalimentação na relação intersubjetiva repercutindo na regressão dos sintomas. "Sentindo-se úteis , os novos "enfermeiros" adquirem uma nova identidade social e os demais pacientes por sua vez desenvolvem esperanças de melhora" (Oliveira, 2021, p. 145).
Cada integrante de um grupo traz consigo seu ECRO, que é um conjunto de experiências, conhecimentos, afetos e papeis sociais que influenciam o modo de pensar e agir dos indivíduos. Na medida em que o grupo se desenvolve, vai havendo a construção de um ECRO grupal sustentado por um denominador comum (Oliveira, 2021, p. 149).
Para Pichon o processo grupal se dá por meio de um grupo em que as pessoas interagem para se realizar uma tarefa em conjunto. Neste contexto, observou que no GO ocorrem algumas fases: pré-tarefa (momento de resistência e conflito inicial), tarefa explícita (objetivo do grupo consciente a todos os membros, o porque se reúnem), tarefa implícita (momento de elaborar as angústias que a tarefa explícita suscita) e o projeto (quando as transformações psíquicas ocorridas no grupo possibilitam aos membros realizar ações futuras).
Assim, a definição de Pichon para GO "um conjunto de pessoas que se reúnem com uma tarefa explícita" (Oliveira, 2021, p. 150) com a finalidade de aprender a pensar e entender que pensamento e conhecimento são produções sociais, portanto, construídas na coparticipação (Pichon-Rivière, 1980/1988).
Deste modo, compreendendo os grupos operativos, é possível entender a estrutura do Grupo Comunitário de Saúde Mental (GCSM), uma vez que seu idealizador possui a formação em grupos pelo Instituto Pichon Rivière de São Paulo. Assim, o GCSM traz na forma como estão organizados os encontros três momentos e em cada um deles há uma tarefa a ser cumprida: o primeiro é o Sarau, o segundo é o Relato de Experiências e o terceiro a Elaboração do Trabalho Grupal, que serão esclarecidos na sequência deste artigo. Além disso, as trocas de experiências entre os participantes, proporcionam o aprendizado em conjunto de como estar mais atento aos sentidos e significados dos acontecimentos cotidianos de suas vidas. Para os estudantes de psicologia em sua vida pessoal, profissional e em suas vivências enquanto universitários.
Histórico do Grupo Comunitário de Saúde
O GCSM, como foi mencionado na introdução, teve início no Hospital-Dia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-USP) em 1997, coordenado pelo professor Dr. Sergio Ishara, juntamente com o Centro de Psicologia Aplicada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto USP, por meio da professora Drª Carmen Lúcia Cardoso e da Professora Drª Sônia Regina Loureiro (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
No início, segundo Ishara, Cardoso e Loureiro (2013), os grupos eram ligados a um programa psicoeducativo, onde o principal objetivo era entrar em contato com informações pertinentes à saúde mental. Desta maneira, a partir da experiência advinda da existência cotidiana compartilhada de cada participante, despertava a afeição nos demais em enaltecer as vivências pessoais. Atualmente, assim como elucida Ishara, Cardoso e Loureiro (2013, citado por Pinheiro, 2017) o GCSM é realizado, geralmente, uma vez na semana, tanto no Hospital-Dia como em outros locais de serviços de saúde e saúde mental. O grupo se desenvolve por meio de uma roda de conversa, e dura em torno de uma hora e trinta minutos, sendo aberto para que qualquer pessoa que demonstre interesse possa participar.
O encontro do GCSM estrutura-se em três etapas. No primeiro momento, o coordenador do grupo acolhe os participantes e apresenta tais etapas aos mesmos. A primeira etapa é o Sarau, no qual, por meio de objetos da cultura, como músicas, poesias, textos, imagens e entre outros, os participantes expressam suas vivências (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
A etapa do Sarau visa promover afeição ao conhecimento e à beleza, estimulando a busca e a valorização das experiências realizadas no sentido de apropriação de produções literárias, jornalísticas, artísticas e culturais. Compreende-se que a arte e a produção cultural veiculam uma comunicação inter-humana, que pode favorecer o desenvolvimento da pessoa, na medida em que facilita a percepção, tanto da própria humanidade, como da humanidade do outro (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013, p. 25).
A segunda etapa, é o Relato de Experiências, onde os participantes são chamados a compartilhar depoimentos acerca das próprias experiências pessoais, com objetivo de valorizar as vivências, além de contribuir também para os processos de elaboração, apropriação e aprendizagem. A terceira e última etapa é chamada de Elaboração do Trabalho Grupal, e refere-se a um momento onde os participantes compartilham suas experiências vividas durante a participação no grupo, ou seja, verbalizam os momentos mais marcantes (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
Por tratar-se de um programa referente ao cuidado da saúde mental com finalidades educativas, terapêuticas e de promoção de saúde, os principais objetivos são:
[...] no plano individual - promover um exercício continuado de reflexão acerca das experiências cotidianas e de aprofundamento pessoal, associado a um trabalho de construção grupal; no plano coletivo - oferecer uma nova modalidade de cuidado em saúde mental, aberta à comunidade e pautada pela construção compartilhada de uma rede de cuidado, e diversificar e complementar os programas de saúde mental existentes (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013 apud Pinheiro, 2017).
A princípio, a proposta do GCSM salientava a perspectiva de aprendizagem e construção de novos papeis, com foco no compartilhamento de informações relacionadas à saúde mental, contando com a participação de usuários de serviços de saúde mental, familiares, profissionais e estudantes. No entanto, como esclarece Pinheiro (2017, apud Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013), por meio de um processo reflexivo dos resultados clínicos sobre a proposta, ocorreram modificações na metodologia do grupo. Os autores acima citados dão ênfase às contribuições da fenomenologia para o GCSM, visto que inclui a compreensão do indivíduo, bem como seu caráter, e também da sua experiência cotidiana.
A tarefa é elaborada com base na lógica da horizontalidade, onde os participantes possuem condições de protagonizarem o processo de ajuda, assim, o trabalho se difere do grupo com foco nas queixas dos indivíduos (Rocha, 2015 apud Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
Aspectos Fundamentais do Método
Os referenciais indispensáveis para o desenvolvimento metodológico do Grupo Comunitário de Saúde Mental, como esclarecem Ishara, Cardoso & Loureiro (2013), passaram por diversas etapas e reformulações após avaliações realizadas acerca dos resultados clínicos, das contribuições de participantes e de outros estudos. No entanto, sempre preservou-se o desenvolvimento de um enquadre de fácil acesso a qualquer indivíduo que demonstre interesse em participar do grupo, buscando promover a valorização e o contato com as vivências do cotidiano, principalmente aqueles que se encontram com a saúde mental afetada.
As experiências, os conceitos, vão sendo significados e compreendidos no mundo das relações psíquicas, sociais, culturais, econômicas e outras, gerando peculiaridades quanto às formas de atendimento às demandas, de modo a se reconhecerem as diversas manifestações das experiências (Alves & Francisco, 2009).
O principal aspecto no qual fundamenta-se o método utilizado no Grupo Comunitário de Saúde Mental, é a promoção a saúde mental, onde por meio da valorização das vivências cotidianas, destaca-se a oportunidade de cada participante entrar em contato com as próprias vivências, a fim de refleti-las em suas particularidades mais primordiais (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
A primeira característica fundamental para a configuração do Grupo Comunitário de Saúde Mental, ainda segundo os autores citados acima, é a Atenção à Realidade e à Experiência Humana, subdivida em quatro aspectos: 1. a abertura e o empenho; 2. a elaboração das vivências; 3. critérios para avaliação da experiência e 4. a potência da realidade. A segunda característica é denominada Grupo Como Local de Encontro, subdividida em: 1. a potência do encontro; 2. a qualificação do encontro e a 3. dimensão comunitária e por fim, a última e terceira característica fundamental é denominada de Processo Grupal, Aprendizagem e Saúde Mental.
No Grupo Comunitário de Saúde Mental, verifica-se ainda a possibilidade de valorizar diferentes aspectos verbalizados e vivenciados pelos participantes, além de:
[...] percorrer um caminho construtivo, a partir de resgate do valor da experiência humana e da solidariedade entre os participantes do grupo, com destaque para a necessidade de cada pessoa se colocar em contato com as próprias vivências, buscando refleti-las e apreendê-las em seus aspectos mais originais, que incluem, em última análise, o desejo de realização de si e do outro (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013, p. 29-30).
Deste modo, nota-se que a principal ferramenta a partir da qual se desenvolve o grupo são as vivências cotidianas, explícitas por meio da subjetividade de cada participante.
Metodologia
A presente pesquisa classifica-se como qualitativa e foi conduzida segundo o modelo exploratório do método indutivo. Por se tratar de pesquisa com humanos o projeto foi submetido ao Comitê de Ética e aprovado, número CAAE: 26948819.4.0000.5495. Durante a análise dos dados, cada integrante foi nomeado por números para manter o sigilo da identidade dos mesmos, conforme descrito no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Entre os mais diversos significados, conceituamos a abordagem qualitativa ou pesquisa qualitativa como sendo um processo de reflexão e análise da realidade por meio da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação. Esse processo implica estudos segundo a literatura pertinente ao tema, observações, aplicação de questionários, entrevistas e análises de dados, que deve ser apresentada de forma descritiva (Oliveira, 2016).
A dedução, para Barros & Lehfeld (2007), consiste em um recurso metodológico onde leva-se em consideração o sentido interpretativo de um conjunto de ideias, não sendo portanto seu foco o estudo de cada caso particular.
Deste modo, Oliveira (2016), explica que o intuito do método indutivo é estender o alcance dos conhecimentos por meio da observação dos fatos e dos acontecimentos da realidade.
Foi realizada uma pesquisa de campo, a coleta de dados ocorreu por meio de um questionário eletrônico, que buscou levantar dados sobre a experiência de participação nos encontros do GCSM. Os participantes foram estudantes devidamente matriculados no curso de Psicologia em uma universidade do interior paulista, que participaram dos encontros do grupo comunitário em saúde mental no período de março a junho de 2018 e 2019, 120 alunos receberam o questionário.
O questionário online disponibilizado por meio do formulário eletrônico do google drive e encaminhado por email aos estudantes, ficou aberto para receber as respostas no período de dois meses, de fevereiro a abril de 2020. Após o fechamento do questionário, este contou com a resposta de 34 estudantes, dos 120 estudantes para os quais foi enviado por email.
O questionário eletrônico possuía sete questões: 1. Como você se sentiu participando dos Encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental que aconteceram como atividade prática da Disciplina de Teorias e Processos Grupais do Curso de Psicologia na Unifran?; 2. O Grupo Comunitário de Saúde Mental realizava-se em três momentos: Sarau, Compartilhar de Experiências e Reflexão. Como foi sua participação em cada momento durante os encontros?; 3. A participação no Grupo Comunitário de Saúde Mental levou você a um exercício pessoal continuado de atenção e reflexão sobre sua vida cotidiana? Como? Você tem um exemplo para relatar?; 4. A participação no Grupo Comunitário de Saúde Mental favoreceu o desenvolvimento ou fortalecimento de vínculos entre os participantes? Como?; 5. Após os encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental, foi possível reconhecer a importância de valorizar tanto a própria experiência como também as experiências do grupo em que convive?; 6. Escreva um fato que marcou sua vida durante ou após os Encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental.; 7. Gostaria de acrescentar algo?.
Análise dos dados
A análise dos dados levantados nas respostas dos participantes ao questionário, foi qualitativa, portanto, buscou-se dados que apresentavam características associadas aos três aspectos que configuram o Grupo Comunitário de Saúde Mental: 1. Atenção à realidade e à experiência humana; 2. O grupo como local de encontro e 3. O processo grupal, aprendizagem e saúde mental.
1. Atenção à Realidade e à Experiência Humana
A atenção à realidade e à experiência humana envolve a abertura e o empenho dos membros em participar do grupo, a elaboração das vivências onde as pessoas podem atribuir significados às situações vivenciadas, a percepção mais adequada que cada paciente consegue ter de si próprio através da avaliação da experiência e a potência da realidade onde são valorizados diversos acontecimentos diários (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
A abertura e o empenho: O Grupo Comunitário de Saúde Mental, segundo Ishara, Cardoso & Loureiro (2013), se propõe a ajudar no processo de amadurecimento da pessoa humana frente à ampliação da condição do indivíduo de se colocar rumo ao mundo, ao outro e a si mesmo.
Como exemplo do que afirmam os autores, alguns participantes do grupo e posteriormente da pesquisa relataram:
Foi um momento em que através das propostas trazidas no sarau por colegas, e de seus relatos, me senti mais integrada a vivência de cada um, e pude perceber melhor a singularidade de cada colega que se dispôs a falar e mesmo compreender o silêncio daqueles que se reservaram a ouvir (INTEGRANTE 1).
Nos encontros não fui tão participativo nos momentos de me expressar, porém, percebi como eu fui atencioso aos relatos dos outros participantes, e procurei refletir como aquilo que eles relatavam dos acontecimentos em suas vidas ressoava em mim (INTEGRANTE 2).
Sentimento de poder ser você mesmo, mostrar sua subjetividade e valorizá-la" (INTEGRANTE 3).
Refere-se portanto ao ato de cultivar a conduta de atenção ao cotidiano e ao amadurecimento da própria pessoa, a fim de compreender os acontecimentos vivenciados e não olhar para eles como algo óbvio que ocorre frequentemente (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
A elaboração das vivências: para a elaboração das vivências, faz-se necessário que o indivíduo tenha capacidade de significar e elaborar as mesmas.
Nesse sentido, Guardini (1965, citado por Brandão, 2006) aponta a necessidade de uma atitude reflexiva, que permita autêntica interioridade, possibilitando ao homem ver, de modo mais amplo e profundo, a si mesmo e ao mundo, em oposição à superficialidade e à dispersão. O autor recomenda um trabalho comprometido que permita ver em profundidade, discernir e julgar as situações vividas, tendo como fundamento a própria humanidade (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013, p. 30).
Com relação a participação e a elaboração das vivências, os participantes afirmaram:
Foi muito boa, em especial quando compartilhavam experiências e na parte da reflexão (INTEGRANTE 4).
Bastante reflexiva e em alguns momentos e encontros dividi minhas experiências com o grupo (INTEGRANTE 5).
Nas respostas mencionadas acima, nota-se que assumir uma postura reflexiva, pode significar que vivências estão sendo elaboradas, e o fato de conseguir compartilhar a experiência é genuíno. Além disso, percebe-se que o ato de cada participante refletir sobre suas próprias vivências, que até então passavam desapercebidas, passa a ter importância. Seguem outras respostas significativas:
Participava sempre dos três momentos. Eu que pouco falo na sala de aula, me sentia tão aberta, que conseguia compartilhar com o restante (INTEGRANTE 6).
Me senti bem, foi uma experiência incrível e que me proporcionou momentos em que conseguia me descarregar um pouco (INTEGRANTE 7).
Deste modo, para Ishara, Cardoso & Loureiro (2013) a pessoa passa a relacionar de modo eficiente com os acontecimentos, que proporciona a adequação das vivências cotidianas por meio da ligação entre o indivíduo e a realidade, em um perdurável processo de modificação não somente da própria pessoa, mas do mundo. Ademais, juntamente com a atenção ao cotidiano, é possível que a pessoa compreenda e atribua sentido às situações vivenciadas, podendo gerar novos posicionamentos que possibilitem o amadurecimento e o desenvolvimento pessoal.
Critérios para avaliação da experiência: o Grupo Comunitário de Saúde Mental convida cada participante a ter uma percepção de si próprio mais adequada, "Permeada pela tomada de consciência acerca das aspirações de realização pessoal que se encontram presentes na interação com os acontecimentos do dia a dia" (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013, p. 31).
O ser humano é portador de necessidades relacionadas a vida cotidiana que devem ser supridas, e como explicam Hoffmann & Massimi (2007); Pezzela (2003) citados por Ishara, Cardoso & Loureiro (2013), essas necessidades concedem ao indivíduo a oportunidade dele se reaver, ao passo em que vivencie um procedimento de elaboração de suas experiências. Sendo assim:
A abertura ao ser como ponto de partida da elaboração propriamente pessoal indica que o fundamento da experiência não está no nível empírico: a experiência se estrutura a partir do juízo pessoal o qual se formula no acontecimento mesmo ao vivenciar qualquer coisa (Giussani, 1986/2009 apud Mahfoud, 2016).
A resposta de alguns participantes exemplifica de maneira perceptível a tal abertura:
Durante cada música ou poema trazidos no sarau, busquei sempre ouvir atentamente a mensagem que o colega buscava transmitir, e ao compartilhar a experiência, pude perceber que mesmo não tendo participado efetivamente destes dois primeiros momentos, é possível ver diversas semelhanças entre a experiência do outro e as nossas vivências. O momento de reflexão, acredito ter sido sempre o momento que mais me moveu a participar dos encontros, após vários relatos emocionantes, sempre havia uma força que praticamente exigia que expusesse os sentimentos que o encontro havia provocado naquele dia (INTEGRANTE 8).
A resposta citada, além de caracterizar a avaliação da experiência, representa também a elaboração das vivências, visto que sentimentos foram provocados no participante.
A minha participação foi ativa, eu sempre observava o meu cotidiano e compartilhava experiências as músicas que me levavam ao encontro de reflexões, e também a capacidade de escutar meus colegas ao compartilharem suas experiências (INTEGRANTE 9).
Proporcionou uma melhor empatia com os colegas. Muitas vezes não imaginamos o que nosso colega está passando e ao quebrar isso podemos nos aproximar mais de outros colegas (INTEGRANTE 10).
Nas diferentes falas apresentadas, percebe-se em todas elas o sentimento de empatia pelas vivências que cada participante coloca, e todas elas são valorizadas e respeitadas de forma que não há julgamentos, mas são acolhidas por todo grupo.
O trabalho de elaborar as vivências no Grupo Comunitário de Saúde mental, como afirmam Ishara, Cardoso & Loureiro (2013), "Considera a Experiência Elementar enquanto um núcleo interno de exigências constitutivas que fundamenta a avaliação das circunstâncias e possibilita evidenciar os aspectos pertinentes ou correspondentes à experiência humana".
Vale ressaltar que Miguel Mahfoud (2012):
[... ] destaca o conceito de Experiência Elementar como aquela que reflete a singularidade da pessoa e permite que sejam reconhecidas suas "exigências fundamentais" de felicidade, verdade, justiça, liberdade, amar e ser amada, auto-realização, por exemplo. Experiência Elementar designa um "ímpeto original" que está na base do gesto e ação significativa, portanto amplia a definição de "experiência" utilizada na Psicologia, afirma o autor (Mahfoud, 2012 apud Sakamato, 2014).
Contudo, nota-se que a elaboração das vivências possibilita que o indivíduo dê mais atenção aos acontecimentos cotidianos, além de um melhor aproveitamento dessas situações.
A potência da realidade: Sabendo que um dos aspectos fundamentais das características do grupo é a atenção à realidade e à experiência humana, a potência da realidade valoriza os diversos ocorridos diários e os compreende como oportunidade para o desenvolvimento pessoal dos participantes, visto que cada pessoa se posiciona permitindo a interação com a realidade (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
Sendo assim, alguns participantes afirmaram que o Grupo Comunitário de Saúde Mental, levou a um exercício pessoal continuado de atenção e reflexão sobre a vida cotidiana.
Depois de participar do grupo, procuro sempre prestar mais atenção em mim, nas minhas atitudes, sentimentos, reações, etc. Assim como, parar e aproveitar cada momento, cada experiência (INTEGRANTE 11).
Às vezes quando sinto crises de ansiedade e nervosismo, aparentemente sem motivo tento parar e refletir no que possa estar me causando isso e em como posso resolver (INTEGRANTE 12).
Sempre ficava pensando em qual música iria levar. Coisas boas que aconteciam comigo durante a semana, eu pensava quando iria compartilhar no grupo (INTEGRANTE 13).
Sim, com o compartilhar dos meus colegas, eu era capaz de refletir a minha postura diante dos meus relacionamentos (família, amigos, um amor). Eu comecei a olhar para as pessoas ao meu redor e buscar compreendê-las, pela forma que elas se davam e de acordo com os limites de cada uma. Sendo assim, eu comecei a buscar pela paciência, e calma, diante de situações que eu não dava conta. Sendo assim, vi diversidade de sentimentos em particularidade em cada indivíduo, tive a facilidade de compreender o outro e a mim mesma (INTEGRANTE 14).
Percebe-se nas concretas colocações a magnitude do Grupo Comunitário de Saúde Mental, que é capaz de proporcionar profundas reflexões nos participantes não só durante o encontro, mas principalmente depois, em vivências futuras, visto que cada membro passa a ter outro olhar sob a realidade em que vive.
A ideia de desenvolver uma das etapas do Grupo Comunitário de Saúde Mental a partir de relatos dos acontecimentos diários, possibilita diversas descobertas que o viver cotidiano proporciona. Ishara, Cardoso & Loureiro (2013, p. 32) afirmam que "A realidade, em sua característica de diversidade e imprevisibilidade, oferece continuamente novos elementos e ressalta a característica estrutural da pessoa humana de ser inacabada e passível de estruturação e reestruturação".
2. Grupo Como Local de Encontro
O Grupo Comunitário de Saúde Mental passa a ser um local de encontro a partir do momento em que cada membro participe de forma genuína. Através da entrega de cada participante, o grupo torna-se um local de troca e valorização de vivências, caracterizando uma dimensão comunitária.
A potência do encontro: o Grupo Comunitário de Saúde Mental foi idealizado como um espaço onde diversas pessoas possam conviver com suas diversidades e originalidades, com a perspectiva de que haja trocas interpessoais constantes, através de exposições efetivas sobre as vivências cotidianas. Ishara, Cardoso & Loureiro (2013, p. 33), acreditam que "Por meio da relação intersubjetiva, o ser humano apreende a si mesmo e ao outro. Assim, compreende-se a interação humana como elemento indispensável para a formação da pessoa [...]". Verifica-se abaixo concretos exemplos acerca do que foi citado, descritos pelos participantes do grupo:
A partir dos relatos pessoais de várias pessoas foi possível desenvolver uma visão mais humana de colegas que não tinha muito contato ou até tinha um julgamento negativo (INTEGRANTE 15).
Sim, permitiu uma visão mais profunda sobre os pensamentos daqueles que participaram (INTEGRANTE 16).
Com certeza, favorecendo o diálogo com o espaço de fala e escuta de maneira solidária (INTEGRANTE 17).
Verifica-se que o Grupo Comunitário de Saúde Mental torna-se verdadeiramente um local de encontro, onde diferentes pessoas e inúmeras realidades se apresentam a fim de proporcionar ao próximo um olhar empático e humanizado frente a singularidade de cada um. São vivências totalmente distintas umas das outras, mas todas passam a ser vistas com a mesma importância pelo grupo.
Nota-se ainda que a troca de experiências possibilita o desenvolvimento de vínculos entre os membros participantes do grupo. As vivências relatadas pelos participantes favorecem as relações entre as pessoas, e possibilitam maneiras de comunicação e aprendizagem (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013).
A qualificação do encontro: para que o encontro seja seja realmente verdadeiro e valioso, é importante que os depoimentos acerca das experiências vivenciadas pelos participantes sejam genuínas. Ishara, Cardoso & Loureiro (2013) apontam que não é interessante que os depoimentos sejam desenvolvidos com base em um discurso de ajuda, ou com muita teorização, mas sim como um chamado à atenção a própria experiência em seus significados mais simples e reais. Assim, as exposições genuínas possibilitam mobilizações significativas nos participantes do grupo, como é possível virificar nos relatos:
Com toda certeza eu me tornei mais próximos de pessoas que eu jamais imaginaria, e algumas que não fiquei próximo eu passei a admirar (INTEGRANTE 18).
Sim, conheci a história de muitas pessoas que convivia diariamente e não tínhamos o hábito de conversar (INTEGRANTE 19).
Houve aproximação com os colegas de sala distantes, onde pela falta de contato e comunicação, não tinha a possibilidade de escutar e compreender a realidade e singularidade de pessoas em específico, então houve fortalecimento de vínculo, diante do compartilhar de histórias e emoções que se enquadravam em fatos parecidos e o respeito pelo outro e carinho com a realidade que ali se encontrava (INTEGRANTE 20).
Neste sentido, verifica-se a importância da entrega verdadeira de cada participante ao grupo, pois sem genuinidade não é possível que um indivíduo sensibilize o outro com sua vivência.
A dimensão comunitária: sabe-se que o Grupo Comunitário de Saúde Mental é composto por participantes com características intrínsecas, o que caracteriza a diversidade e as diferentes possibilidades existentes em um grupo ou encontro. Sendo assim,
[...] o Grupo Comunitário permite o acesso às variadas experiências de vida, favorecendo ampliação do horizonte de perspectivas a respeito do viver humano. Por meio do relato das vivências dos outros, o participante pode conhecer novas possibilidades de experiências, ampliando o seu repertório de compreensão sobre si mesmo e sobre os acontecimentos (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013, p. 34).
Mesmo que a diversidade de experiências dos participantes em geral seja importante, considera-se ainda a relevância das experiências particulares de cada um, como é possível verificar nos relatos a seguir:
Acredito que os participantes de certa forma ficaram sim mais próximos, alguns estreitaram mais os vínculos, outros nem tanto, mas, de fato, houve uma aproximação geral, principalmente devido a condição de contar situações pessoais, muitas vezes extremamente sensíveis, a sensação de acolhimento dos colegas e de um ambiente seguro, proporcionou a "propagação" da confiança em laços fora do grupo (INTEGRANTE 21).
O acolhimento ao sofrimento dos participantes foi genuíno, não houve descaso ou julgamentos. Tudo ocorreu de uma maneira onde cada um acolhia os sentimentos de cada participante (INTEGRANTE 22).
Percebemos que compartilhávamos de sofrimentos e angústias parecidas. Fortaleceu, nos sentimos envolvidas e empáticas por cada troca (INTEGRANTE 23).
Contudo, a dimensão comunitária está diretamente ligada a entrega de cada membro ao encontro, visto que para um bom aproveitamento do grupo, é necessário que os participantes tenham empenho e dediquem-se ao mesmo.
3. Processo Grupal, Aprendizagem e Saúde Mental
Para a realização do grupo, Ishara, Cardoso & Loureiro (2013) consideram fundamental o reconhecimento dos relacionamentos e dos vínculos a serem criados no grupo como aspectos importantes na ideação da saúde mental.
No Grupo Comunitário de Saúde Mental, a heterogeneidade dos integrantes do grupo, aliada à flexibilidade de protagonismo do processo de ajuda, oferece aos participantes a oportunidade de revisão das representações a respeito da pessoa saudável e doente, permitindo a mobilidade de aprendizagem e de novos papéis. Tal heterogeneidade é considerada, sobretudo, como elemento enriquecedor, na medida em que permite diversificação da natureza das experiências, bem como da capacidade para percebê-las e elaborá-las (Ishara, Cardoso & Loureiro, 2013, p. 36).
Assim, após os encontros do grupo, alguns participantes afirmam que foi possível reconhecer a importância de valorizar tanto a própria experiência como também as experiências do grupo em que convive.
A partir de nossas experiências é possível entender tantos comportamentos que possuímos e assim fica mais fácil os aceitar (INTEGRANTE 24).
A experiência do próximo muitas vezes tem algo a nos mostrar (INTEGRANTE 25).
Essa experiência, que foi uma das, se não a melhor, com a turma com toda certeza reforça a importância do eu individual e também do grupal. (INTEGRANTE 26).
Não só foi possível reconhecer, como foi possível vivenciar essa importância, as experiências do grupo em que se convive acabam por convergir com as experiências pessoais, portanto, valorizar a experiência do grupo, de certa forma também validar a própria experiência a partir de uma ótica diferente (INTEGRANTE 27).
O grupo comunitário a meu ver tem por objetivo essa busca pela valorização da vida, trabalhar a habilidade de escuta à aquele que necessite saber como acolher da forma mais humana possível. Isso é incrível (INTEGRANTE 28).
Cada um está passando por um momento singular, dividimos o mesmo espaço diariamente e não temos ideia das fragilidades e angústias internas que cada um está passando, não julgar e estar sempre pronto para acolher o outro, seja com uma palavra, com um abraço ou mesmo a acolhida pelo silêncio (INTEGRANTE 29).
Sim, foi possível. A experiência foi enriquecedora, e o olhar pelo compartilhar se amplia e traz a capacidade de saber ouvir e ter carinho pelos relatos experienciados (INTEGRANTE 30).
Com base nas respostas apresentadas, é possível perceber que o Grupo Comunitário de Saúde Mental realmente proporciona diversos aprendizados aos participantes. Entre eles nota-se, por exemplo, que acontecimentos corriqueiros do dia-a-dia que antes passavam despercebidos, após o grupo ganha significado e é visto de outra maneira, com outros sentimentos.
Durante a atividade do grupo, o ponto de vista grupal se apoia na capacidade de cada participante para se tornar prsonagem principal a ajudar o outro, partindo a experiência própria. Deste modo, como afirmam Ishara, Cardoso & Loureiro (2013, p. 36) "Os Grupos Comunitários buscam propiciar um ambiente que estimule a criatividade dos participantes, ou seja, a expressão da potência de sua humanidade e das possibilidades de interação com os outros".
Considerações finais
Este estudo mostrou a importância dos Encontros do Grupo Comunitário de Saúde Mental na perspectiva dos estudantes de psicologia que tiveram a oportunidade de participar destes grupos durante sua formação, como um espaço de cuidado com a saúde mental, um ambiente de valorização da vida e consequentemente das vivências cotidianas.
Verificou-se que o Grupo Comunitário de Saúde Mental na formação de psicólogos constitui um espaço que possibilita trabalhar aspectos concernentes à sua própria saúde mental durante a formação. Outro aspecto fundamental que foi observado refere-se à da valorização da vida, os participantes do grupo começaram a olhar para o próximo de forma humanizada, compreendem que em acontecimentos comuns, fenômenos estão presentes, passando a reconhecê-los e valorizá-los.
Contudo, a presente pesquisa não pretende esgotar a temática e sim abrir inúmeras e diferentes possibilidades de estudo nessa área, possibilitando contribuições na formação de psicólogos e para a intervenção profissional em saúde mental.
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Endereço para correspondência
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E-mail: claudiabolela@hotmail.com
Submissão em: 23/05/2021
Aceite em: 06/04/2022
1 Discente do quinto ano de Psicologia da Universidade de Franca – UNIFRAN.
2 Orientadora da Iniciação Científica e Docente do Curso de Psicologia da Universidade de Franca – UNIFRAN. Professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário UniFACEF. Foi membro e docente da SPAGESP Ribeirão Preto.