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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.1 n.1 Ribeirão Preto fev. 2005

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A influência do alcoolismo no prognóstico e tratamento da tuberculose

 

La influencia del alcoholismo en el pronóstico y en el tratamiento de la tuberculosis

 

The influence of alcoholism in tuberculosis prognosis and treatment

 

 

Rubia Laine de Paula AndradeI, Tereza Cristina Scatena VillaII, Sandra PillonIII

I Enfermeira Especialista em Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental e Especialista em Assistência a Usuários de Álcool e Drogas. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP).
II Professor Associado. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP).
III Professor Doutor. Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da EERP-USP.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste estudo, a revisão da literatura foi realizada para identificar trabalhos que mostravam associação e relação entre alcoolismo e tuberculose. O alcoolismo crônico é considerado importante fator de risco para o desenvolvimento da tuberculose, visto que há alta incidência de casos e de formas mais avançadas de tuberculose pulmonar entre esses pacientes. O abandono do tratamento e o risco de desenvolvimento de efeitos colaterais aos medicamentos antituberculose pelos alcoolistas são maiores quando comparados aos não-alcoolistas. Isso determina algumas ações específicas no Programa de Controle da Tuberculose, como a indicação do Tratamento Diretamente Observado (DOTS) a esses pacientes.

Palavras-chave: Tuberculose, Alcoolismo, Prognóstico, Tratamento.


RESUMEN

Se llevó a cabo una revisión de la literatura para identificar artículos que muestran la asociación y la relación entre el alcoholismo y tuberculosis. El alcoholismo crónico se considera un importante factor de riesgo para el desarrollo de la tuberculosis, pues en estos pacientes se ha encontrado una alta incidencia y formas más avanzadas. Los alcohólicos presentan mayores tasas de abandono de tratamiento y alto riego de desarrollar efectos colaterales a los medicamentos antituberculosos, en comparación con los no alcohólicos. Esto determina algunas acciones específicas en el Programa de Control de la Tuberculosis, como la indicación del Tratamiento Directamente Observado (DOTS).

Palabras clave: Tuberculosis, Alcoholismo, Pronóstico, Tratamiento.


ABSTRACT

In this study, a revision of the literature was carried out to identify articles that show the association and relation between alcoholism and tuberculosis. Results and discussion: chronic alcoholism is considered an important risk factor for the development of tuberculosis, since these patients display high incidence rates of cases and more advanced forms of pulmonary tuberculosis. Alcoholics reveal higher treatment abandonment rates and risks of developing collateral effects of antituberculosis medication in comparison with non-alcoholics. This determines some specific actions in the Tuberculosis Control Program, such as the indication of the Directly Observed Treatment Short-course (DOTS) to these patients.

Keywords: Tuberculosis, Alcoholism, Prognosis, Treatment.


 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, em meados do século XIX, a tuberculose (TB) passou a ser associada a problemas sociais e começou a mobilizar a comunidade médica para solução de cura. Nessa época, a grande preocupação, em termos de saúde pública, estava na destruição dos cortiços e recuperação da zona urbana da cidade e as ações para o controle da doença eram policiadoras e normativas. Ao final do século XIX, acreditava-se também que a TB poderia estar intrinsecamente ligada à hereditariedade, pois várias pessoas da mesma família desenvolviam a doença(1).

Ao final do século XIX e início do século XX, a origem da TB passou a ser vista e relacionada ao amor e à decepção que levava à boêmia e ao descuido de si. Foi nessa época que, pela primeira vez, a TB foi relacionada ao uso de álcool(1).

A TB ainda é hoje um problema social e também apresenta forte relação com o uso do álcool, entretanto não possui nenhum fator hereditário que caracterize seu desenvolvimento, mas sim um contato direto e intenso entre os membros de uma mesma família. Além de características sociais, observam-se características individuais que estão diretamente relacionadas com a TB, quando se identifica maior número de casos em pessoas com idade produtiva entre 15 e 59 anos, doenças que interferem nas defesas imunológicas (sarampo, AIDS, alcoolismo, entre outras), uso de drogas imunossupressoras e desnutrição(2).

Bolsões de pobreza nas cidades mais populosas constituem terreno fértil para a propagação da TB. De um lado, a pobreza, por si só, contribui decisivamente para a manutenção de quadro geral propício ao avanço da doença. De outro, a emergência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e a desinformação vigente sobre nutrição, promoção da saúde e prática de vida saudável completam os requisitos para o agravamento do problema(3).

O conhecimento de elementos sociais, individuais e comportamentais, como baixa adesão ao tratamento, relacionados ao doente com TB, determina todas as ações e estratégias do Programa Controle da Tuberculose (PCT).

Neste estudo, uma revisão da literatura não sistemática foi realizada com o objetivo de identificar trabalhos que mostravam associação entre alcoolismo e tuberculose. A revisão bibliográfica de textos, abordando a, temática teve início através de uma busca de livros, artigos publicados em periódicos, dissertações e teses, utilizando as bases de dados MEDLINE e LILACS. A pesquisa não foi limitada a nenhum período específico. Os textos de interesse foram selecionados através da leitura de seus resumos, procedendo-se, então, à leitura do material classificado, classificação e agregação, em função dos significados.

 

A infecção

O contato direto com pessoas bacilíferas expõe qualquer pessoa à infecção tuberculosa, sem doença e a probabilidade dessa é proporcional à intensidade do contato. A infecção pode ocorrer em qualquer idade, mas, no Brasil, geralmente, acontece na infância(4), sugerindo que o alcoolismo não tem relação direta com a contaminação e transmissão do bacilo da doença.

A infecção pelo bacilo é detectada através da realização da prova tuberculínica, utilizando o derivado protéico purificado (PPD). Em estudo realizado(5), essa prova demonstrou ter o resultado muito diminuído em alcoolistas cirróticos, quando comparados com indivíduos não alcoolistas e sem TB e indivíduos alcoolistas sem cirrose e sem TB (esses apresentaram resultados semelhantes). Em alcoolistas com TB, o resultado se mostrou intensificado em relação aos outros grupos estudados(5), mostrando que o resultado diminuído em alcoolistas cirróticos pode ser duvidoso e o resultado muito intenso em pacientes alcoolistas pode indicar a doença tuberculosa.

 

A doença

Estima-se que um terço da população esteja infectada pelo bacilo da TB e que apenas em torno de 10% dessas pessoas adoecem. O alcoolismo crônico, em razão de estar associado à queda da imunidade, desnutrição, fragilidade social, exposições a situações de risco, entre outros, é considerado importante fator de risco para o desenvolvimento da TB, fato mostrado quando percebemos maior incidência e tratamentos prolongados de TB entre esses pacientes(2).

A TB apresenta pior prognóstico em pacientes alcoolistas quando comparados a pacientes não-alcoolistas. Em estudo realizado numa época em que ainda nem se falava da AIDS, as formas muito avançadas de TB pulmonar eram mais freqüentes em alcoolistas(5). Nessa mesma época, foi evidenciada maior porcentagem (62,5%) de alcoolismo em pacientes do sexo masculino com TB em relação a não-alcoolistas em um hospital especializado para o tratamento da TB pulmonar, enquanto 10% dos pacientes do sexo feminino internados nesse mesmo hospital recebeu o diagnóstico de alcoolistas. Do total da amostra, 52% dos pacientes internados com diagnóstico de TB eram alcoolistas, sendo que, em 88,5% desses casos, a doença alcoólica não havia sido diagnosticada pela equipe do local(6), revelando descuido com a relação entre as duas doenças.

Em outro estudo realizado, em meados da década de 90, com pacientes inscritos em um Centro de Saúde da cidade de Pelotas (RS), observou-se redução de pacientes com TB associada ao alcoolismo de 21%, aproximadamente(6). Isso talvez tenha acontecido em virtude do aparecimento da AIDS, pois a porcentagem da TB é muito maior entre esses pacientes, os quais muitas vezes não têm o alcoolismo como fator associado.

No ano de 1998, no Estado de São Paulo, a TB foi considerada a causa básica de morte em 1 644 de 232 806 óbitos, correspondendo à mortalidade proporcional de 0,7%. Os transtornos mentais devido ao uso de substâncias psicoativas foram considerados como causa associada de morte devido à TB em 138 (8,4%) óbitos. Desses, 92,7% eram do sexo masculino e 94,2% foram devidos ao uso de álcool. O uso do álcool (transtornos mentais devido ao uso do álcool e doença alcoólica do fígado) também esteve referenciado como causa básica de morte em 23 (1,7%) óbitos em que a TB foi considerada causa associada (n=1388). Nesse estudo, ficou constatado que a associação da TB com o alcoolismo mostra-se importante, principalmente entre os homens e que o uso do álcool esteve associado à mortalidade em idades 5,7 anos inferiores à média dos demais óbitos por TB(8).

 

O tratamento

O alcoolismo é considerado condição clínica que aumenta muito o risco de desenvolver a TB. Por isso, a quimioprofilaxia da TB é indicada para esses pacientes quando forem reatores fortes à tuberculina e mesmo sem sinais de TB ativa(4).

Atualmente, o esquema básico do tratamento da TB é de curta duração, devendo o paciente estar curado em seis meses. Em um estudo, avaliando o tempo de tratamento da TB de pacientes inscritos em um serviço de saúde do município de Ribeirão Preto, no período de 1998 a 1999, verificou-se que 77,7% dos alcoolistas apresentavam tempo de tratamento superior a seis meses, sendo que entre os não-alcoolistas, essa parcela representava 56,5%. Quando avaliados pacientes com tempo de tratamento superior a nove meses, os resultados ainda mostraram-se mais desfavoráveis em relação aos alcoolistas, que respondiam por 55,5% (mais da metade) dos casos, enquanto 17,3% dos não-alcoolistas apresentaram tempo de tratamento superior a nove meses(9). Isso talvez seja explicado pelo fato de se encontrarem maiores porcentagens de abandono e absenteísmo entre essa clientela, o que determina tempo maior para a conclusão do tratamento e, por vezes, a indicação de esquemas terapêuticos mais prolongados em casos de resistência às drogas.

Todas as drogas indicadas nos esquemas de tratamento da TB (rifampicina, isoniazida, pirazinamida, etambutol e estreptomicina) apresentam interações com outras drogas e entre si, aumentando o risco de hepatotoxicidade. O tratamento e a quimioprofilaxia da TB devem ser administrados com cautela em pacientes com história de uso de álcool, pois esse grupo é considerado de alto risco para desenvolver esse tipo de toxicidade. Além disso, outros efeitos colaterais são comumente encontrados nesses pacientes como: manifestações neurológicas, caracterizadas por neuropatia periférica e neurite ótica, manifestações psiquiátricas, caracterizadas por distúrbios do comportamento, alterações do padrão de sono, redução da memória e psicoses(2,4).

Um dos principais problemas encontrado pelo PCT refere-se à não-adesão dos pacientes com TB à terapêutica oferecida, tornando-se pacientes crônicos, tanto da doença, quanto do serviço(3). Analisando o risco de desfecho desfavorável do tratamento de alcoolistas com TB, verifica-se que existe estreita relação entre abandono e etilismo, fato constatado em estudo que demonstrou que o uso excessivo de álcool não se fez presente como fator de risco para insucesso do tratamento quando os abandonos não foram considerados(10).

Verifica-se que entre os usuários de álcool há maior cooperação desses em relação ao tratamento quando submetidos a vigilância maior e, por isso, é indicado para tal clientela o Tratamento Diretamente Observado (DOTS) da TB(11), que determina maior adesão ao tratamento e conseqüentemente maior taxa de cura e menor desenvolvimento de resistência aos medicamentos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O alcoolismo, por si só, exerce influência sobre o prognóstico e tratamento da TB, porém, esse vem associado muitas vezes com baixa qualidade de vida, identificada por más condições higiênicas, má distribuição de renda, má nutrição, baixa resistência imunológica, pouco desejo de viver e pouca aceitação do tratamento, o que intensifica ainda mais um desfecho desfavorável em relação ao tratamento da TB.

O alcoolismo, assim como a TB, deve ser tratado na comunidade, porém em casos em que o paciente não tem moradia fixa ou a doença estiver muito avançada, pode-se indicar internação. Em casos de risco de abandono ao tratamento, nos quais se incluem todos os alcoolistas, é indicado o DOTS, evitando internação desnecessária e mais onerosa.

O alcoolismo deve ser mais valorizado pela equipe de saúde que trabalha diretamente no tratamento de pessoas com TB, buscando encontrar meios mais precisos de identificar esses pacientes e oferecer tratamento concomitante para alcoolismo após a identificação de serviços existentes na comunidade para esse fim. Toda orientação em relação ao uso das medicações por esse tipo de paciente deve enfatizar que a ingestão de bebidas alcoólicas aumenta o risco para o desenvolvimento de efeitos colaterais, cabendo, portanto aos profissionais a observação continua e sistematizada desses pacientes durante o tratamento da TB no sentido de minimizar e detectar precocemente possíveis efeitos dessa interação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Gonçalves H. A tuberculose ao longo dos tempos. Hist. Cienc. Saúde 2000 julho/outubro; 7(2):303-25.        [ Links ]

2 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Centro de Referência Prof. Hélio Fraga. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço. Rio de Janeiro (RJ): FUNASA/CRPHF/SBPT; 2002.        [ Links ]

3 Vendramini SHF. O tratamento supervisionado no controle da tuberculose em Ribeirão Preto sob a percepção do doente. [dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2001.        [ Links ]

4 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual técnico para o controle da tuberculose: cadernos de atenção básica. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2002.        [ Links ]

5 Cicero R, Escobar A, Ramirez E, Celis ME, Amezcua ME, Escosura G et al. Estúdio inmunológico del alcohólico con tuberberculosis pulmonar avanzada. Gac. Méd. Méx. 1982 novembro; 118(11):449-54.        [ Links ]

6 Leite WL, Puel E. Prevalência de alcoolismo entre pacientes internados em um hospital para tratamento de tuberculose pulmonar. Arq Cat Med 1985 junho; 14(2):97-100.        [ Links ]

7 Costa JSD, Gonçalves H, Menezes AMB, Devens E, Piva M, Gomes M, Vaz M. Controle epidemiológico da tuberculose na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil: adesão ao tratamento. Cad Saúde Pública 1998 abril-junho; 14(2):409:15.        [ Links ]

8 Santo AH, Pinheiro CE, Jordani MS. Causa múltiplas de morte relacionadas à tuberculose no Estado de São Paulo, 1998. Rev. Saúde Pública 2003; 37(6):714-21.        [ Links ]

9 Sassaki CM. Tempo de tratamento da tuberculose de pacientes inscritos em um serviço de saúde do município de Ribeirão Preto. [dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 2003.        [ Links ]

10 Albuquerque MFM, Leitão CCS, Campelo ARL, Souza WV, Salustiano A. Fatores prognósticos para o desfecho da tuberculose pulmonar em Recife, Pernambuco, Brasil. Rev Panam Salud Publica 2001 junho; 9(6):368-74.        [ Links ]

11 Morrone N, Solha MSS, Cruvinel MC, Morrone N Jr, Freire JAS, Barbosa ZLM. TB: tratamento supervisionado vs. tratamento auto-administrado. J. Pneumol 1999 julho-agosto; 25(4):198-206.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Rubia Laine de Paula Andrade
E-mail: rubia_rp@yahoo.com.br

Tereza Cristina Scatena Villa
E-mail: tite@eerp.usp.br

Sandra Pillon
E-mail: pillon@eerp.usp.br

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