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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas
versão On-line ISSN 1806-6976
SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.4 n.2 Ribeirão Preto ago. 2008
ARTIGO ORIGINAL
O trabalho de enfermagem em unidade de terapia intensiva: significados para técnicos de enfermagem
El trabajo de enfemería en la unidad de cuidados intensivos: el significado para técnicos de enfermería
The work of nursing in care units intensive: the meaning for technicians of nursing
Mara Lúcia Garanhani I; Júlia Trevisan MartinsII; Maria Lúcia do Carmo Cruz RobazziIII; Isabelle Camargo GotelipeIV
IProfessora Associada docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina.
IIDoutoranda do Programa de Doutoramento Interunidades da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP.
IIIProfessora Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP.
IVAcadêmica do 4º ano de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
Estudo qualitativo que objetivou compreender os significados atribuídos pelos técnicos de enfermagem ao trabalho em uma unidade de terapia intensiva de um hospital-escola. Das informações obtidas, surgiram as seguintes categorias: o cuidado ao ser humano como finalidade do trabalho dos técnicos de enfermagem, o desgaste no cotidiano do processo de labor, trabalhar em equipe, experiência que traz sentimentos ambíguos e criando uma identidade com a unidade. Os resultados demonstraram que os pesquisados vivenciam sentimentos como: sofrimento, impotência, prazer, cansaço e estresse. Dessa forma, é fundamental que o labor seja flexível e auxilie os trabalhadores no enfrentamento dos problemas cotidianos.
Palavras-chave: Unidade de terapia intensiva, Estresse, Emoções.
RESUMEN
Estudio cualitativo que buscó comprender los significados atribuidos por los técnicos de la enfermería en el trabajo en una Unidad de Cuidados Intensivos de un hospital clínico. De la información obtenida emergerán las siguientes categorías: el cuidado del ser humano como propósito del trabajo los técnicos de la enfermería; el desgaste cotidiano en el proceso de trabajo; trabajo en equipo; la experiencia que tal sentimientos ambiguos y creo una identidad con la unidad. Los resultados demostraron que los participantes vivencian sentimientos como: sufrimiento, impotencia, placer, cansancio y estrés. Por esta razón, es fundamental que el trabajo sea flexible y ayuda a los trabajadores en el enfrentamiento de los problemas cotidianos.
Palabras clave: Unidad de cuidados intensivos, Estrés, Emociones.
ABSTRACT
The aim of this qualitative study was understand the meanings attributed by the technicians nursing in the work in Intensive Care Units of a school hospital. Of the obtained information appeared the following categories: the care to the human being as purpose of the work technicians nursing, the wastage in the daily of the labor process, to work in team, experience that ambiguous feelings and creating an identity with the unit. The results demonstrated that researched those live feelings as: suffering, impotence, pleasure, fatigue and stress. This way, it is fundamental that the labor is flexible and aid the workers in the coping of the daily problems.
Keywords: Intensive care units, Stress, Emotions.
INTRODUÇÃO
Nas instituições de saúde e, principalmente, nos hospitais, o serviço de enfermagem representa papel fundamental no processo assistencial em qualquer unidade. Em se tratando de pacientes em estado crítico em unidades de terapia intensiva (UTIs) essa assistência é tida como complexa e especial.
No Brasil, as primeiras UTIs foram implantadas na década de 1970 e se tornaram unidades especializadas e consideradas como de alta complexidade. Foi necessário a aquisição de equipamentos cada vez mais sofisticados para se manter ou prolongar a vida das pessoas. Houve, também, necessidade de aperfeiçoamento dos recursos humanos que ali desempenham suas atividades continuamente.
As UTIs configuram-se como locais que têm por finalidade o tratamento dos doentes considerados graves e de alto risco, devendo dispor de recursos materiais e humanos que possibilitem vigilância constante, atendimento rápido e eficaz, baseados no objetivo comum que é a recuperação dos indivíduos(1).
A importância do trabalho em equipe de enfermagem e de saúde na UTI é imprescindível para a efetiva qualidade da assistência ao paciente e seus familiares. Os trabalhadores enfrentam cotidianamente as diversas dificuldades relacionadas à complexidade técnica da assistência a ser prestada, às exigências e cobranças dos pacientes, familiares, muitas vezes dos médicos, da instituição, dentre outros.
Na maioria das instituições de saúde, o enfermeiro freqüentemente assume as atividades de gerenciamento e supervisão das atividades e a grande parcela dos cuidados diretos ao paciente é realizado por técnicos de enfermagem. São esses técnicos que executam as atividades consideradas mais pesadas, cansativas e indispensáveis à assistência dos pacientes como higiene, alimentação, terapêutica medicamentosa, realização de curativos, entre outras atividades consideradas essencialmente manuais.
Observa-se ainda, que, em sua grande maioria, o trabalho nas UTIs está voltado para a assistência norteada pelo modelo biomédico, ou seja, para o corpo do paciente e para as patologias, muitas vezes, esquecendo-se de outros aspectos que também compõem e interferem na evolução de uma doença.
Para se atingir a assistência humanizada é preciso criar a possibilidade da existência desses outros fatores que fazem parte da vida do ser humano, sua história, seus sentimentos, sua cultura, seu modo de viver. Dessa forma, considera-se importante que toda equipe de saúde que trabalha em UTI reflita sobre os princípios direcionadores da assistência. Nesse sentido, é relevante compreender os próprios sentimentos enquanto profissionais da área da saúde nessa unidade, para conseguir acolher os sentimentos dos pacientes e de seus familiares.
Observa-se que muitos sentimentos dos profissionais de saúde são negados ou velados, ignorando-se a complexidade do ambiente estressante em que atuam.
Diante do exposto interroga-se: como é trabalhar em uma UTI? Como será que o trabalhador técnico de enfermagem se sente nessa unidade, convivendo com a iminência da morte? Que sentimentos surgem ao trabalhar nessa unidade? Como lidam com esses sentimentos?
Diante dessas interrogações, o presente estudo teve como objetivo identificar os significados atribuídos pelos técnicos de enfermagem ao vivenciarem o processo de trabalho na UTI.
Acredita-se que é um desafio aprofundar esse tema, mas é de importância ímpar, pois pode contribuir para revelar os sentimentos vivenciados pelos técnicos de enfermagem de UTI, contribuindo para que os enfermeiros, gerentes do processo de trabalho nesse local, conheçam as reais necessidades desse profissional. Assim, o enfermeiro pode planejar medidas visando adequar as condições laborais de acordo com os recursos disponíveis, aumentando a atenção à saúde do trabalhador, bem como propiciar melhora efetiva na assistência ao paciente, familiares e comunidade.
METODOLOGIA
Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, na modalidade da estrutura do fenômeno situado. Essa modalidade de pesquisa é sustentada pelos princípios da abordagem fenomenológica; essa postura científica parte do princípio da busca da compreensão de um fenômeno situado. Isso significa que só há um fenômeno enquanto houver o sujeito, no qual ele se situa. Há sempre um sujeito em uma situação, vivenciando o fenômeno; tal vivência é entendida como experiência e percebida de modo consciente por aquele que a executa. Assim, a experiência dessa consciência é sempre intencional(2).
Ao investigar o cotidiano de um indivíduo, o pesquisador espera ir além do mundo das aparências e dos conhecimentos teóricos, buscando aproximar-se da experiência do homem sob novas perspectivas, para entendê-las a partir de sua grandeza existencial(3-4).
Enquanto modalidade de pesquisa qualitativa, a fenomenologia tenta encontrar a compreensão do fenômeno interrogado, não se atendo a explicações e generalizações(2,4).
O estudo foi desenvolvido em uma UTI para adultos de um hospital universitário (HU) do norte do Paraná. A unidade tem como principal característica a internação de pacientes em estado crítico que não apresentam qualquer indício de infecção. Possui 10 leitos e a equipe é composta por profissionais de medicina, fisioterapia, serviço social e pelos membros da equipe de enfermagem. Essa última é constituída por cinco enfermeiros, quatro supervisores e um chefe de seção e 27 técnicos de enfermagem, sendo que nem todos estão enquadrados na carreira como tal. As equipes médica e de enfermagem atuam em turnos de seis horas durante o período matutino e vespertino e doze horas no período noturno.
A amostra do estudo, a priori, não foi definida. As entrevistas foram mantidas até o momento em que houve a saturação nas falas, ocorrendo repetições e convergências suficientes para a visualização do fenômeno estudado, resultando em quatro técnicos de enfermagem participantes da pesquisa.
O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do HU, conforme preconizado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(5). Foi também solicitado aos pesquisadores que assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido explicativo sobre os objetivos da pesquisa e a garantia do anonimato.
Os dados foram coletados por meio de entrevista semi-estruturada com questões norteadoras, que foram gravadas e transcritas na íntegra. A coleta foi realizada entre os meses de agosto e setembro de 2005, após agendamento prévio com os participantes. Para coletar os discursos, foram utilizadas as seguintes questões norteadoras: o que significa ser trabalhador de enfermagem na UTI? Como é vivenciar o processo de trabalho de enfermagem nessa UTI?
Para se entender os significados atribuídos pelos técnicos de enfermagem ao processo de trabalho na UTI, foram seguidos três passos: a descrição, a redução e a compreensão fenomenológica propostos por Joel Martins e Maria Aparecida Bicudo(3).
Foi buscado o significado das coisas em sua forma mais ingênua, a descrição, não se atendo somente às orientações dos fatos, mas à realidade da consciência, da essência. As essências ideais e os fenômenos são os elementos que surgem imediatamente para a consciência(6).
Para os passos da redução e da compreensão, as entrevistas foram analisadas em dois momentos específicos: análise ideográfica (individual) e análise nomotética (geral). A análise ideográfica engloba a descrição ingênua dos sujeitos com suas articulações e expressões de significados próprios e a interpretação do pesquisador. No segundo momento, a análise nomotética agrupa os diferentes significados destacados na análise individual. É o momento da passagem do individual para o geral, resultante da configuração das convergências e divergências presentes nas manifestações do fenômeno estudado(2).
A leitura atentiva dos discursos possibilitou focalizar o fenômeno, direcionando os recortes das falas, a construção das categorias temáticas que propiciaram apreender os significados atribuídos, segundo a visão dos técnicos de enfermagem ao vivenciarem o processo de trabalho na UTI.
Assim, a configuração geral do fenômeno estudado constituiu-se de cinco categorias analíticas: o cuidado ao ser humano como finalidade do trabalho dos técnicos de enfermagem, vivenciando o desgaste no cotidiano do processo de trabalho dos técnicos de enfermagem, vivenciando o trabalho em equipe, vivenciando o trabalho como uma experiência que traz sentimentos ambíguos e criando uma identidade com a UTI.
Para preservar o anonimato foram utilizados os códigos E1, E2..., e (.....) significa que parte das falas foram suprimidas e o símbolo [ ] foi utilizado para ilustrar as pausas que ocorreram durante as entrevistas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Da análise das unidades de significados interpretadas de cada um dos discursos foram obtidas cinco categorias que, conjuntamente, revelaram o fenômeno: o que significa trabalhar na UTI para os técnicos de enfermagem.
A primeira categoria foi denominada: o cuidado ao ser humano como finalidade do trabalho dos técnicos de enfermagem. Foi evidenciada nos depoimentos a seguir.
(.....) onde você tem a oportunidade de estar cuidando do ser humano, do seu próximo, é diferente de mexer com exames de laboratórios, com pipetas, é outro tipo de sentimento. A gente aqui mexe com o ser humano. A gente administra as drogas necessárias, aspira, conversa (....) busca atender a pessoa na íntegra, a enfermagem é continuidade, é nossa responsabilidade cuidar dos pacientes (E1).
Aqui você trabalha com tudo, tudo que é tipo de doença, de paciente. A experiência é boa, você sabe que a pessoa depende de você. (....) você sabe que praticamente todos os pacientes dependem dos cuidados que você faz, é assim eles dependem exclusivamente dos cuidados da gente é cuidar do paciente como um todo. (....) então se você não fizer é lógico que vai prejudicar, a medicação tem que ser na hora certa, virar o paciente, aspirar e todos os outros cuidados, é você cuidar da pessoa como um todo é você que tem a responsabilidade do doente (E3).
As falas demonstram que o significado de cuidado ao paciente é importante para os técnicos de enfermagem, devendo buscar a assistência contínua e individualizada. A finalidade de cuidar é vista como integral, assumindo isso como uma responsabilidade.
O cuidado é uma constituição ontológica sempre subjacente a tudo que o ser humano empreende, projeta e faz. É reconhecido como o modo de existir essencial ao ser humano. Considerando o cuidado enquanto essência do homem, ele diz respeito à própria formação do indivíduo; o que une o espírito é o cuidado. A pessoa, através do cuidado, expressa o que sente, pensa e acredita. É pelo cuidado que ele constrói o mundo e sua história(4).
A enfermagem tem sido descrita como a ciência do cuidado e os cuidados são realizados, na grande maioria das vezes, por auxiliares e técnicos de enfermagem preparados para essa função(7-8).
É possível cuidar do paciente de forma integral, como um indivíduo em toda sua complexidade, com determinantes biológicos, sociais, psicológicos, familiares, culturais e ambientais, pois o cerne do trabalho de enfermagem não deve ser apenas o corpo biológico, mas, sim, o ser humano em todos os seus aspectos(7-8).
O trabalhador de enfermagem almeja ser responsável em suas ações de cuidado, uma vez que os pacientes estão sob sua responsabilidade e necessitam de assistência para a recuperação da saúde(9).
É fundamental para o trabalhador de enfermagem estar preocupado com o cuidado ao paciente, pois quem presta o cuidado expressa ou não a solidariedade, o compromisso, a dedicação, dentre outros atributos necessários para os pacientes e familiares.
A segunda categoria foi nomeada: vivenciando o desgaste no cotidiano do processo de trabalho dos técnicos de enfermagem. Os trabalhadores entrevistados expuseram a sobrecarga de trabalho e o ambiente pesado da UTI que gera cansaço, estresse, desgaste físico e mental, conforme foi percebido nos depoimentos que se seguem.
(...) É também um ambiente pesado, cansativo, torna-se cansativo porque você tem dois ou três pacientes para você às vezes tocar, porque o número de funcionários às vezes não é grande e a demanda dos paciente é sempre grande (....) É estressante porque você trabalha com paciente entubado, totalmente inconsciente, totalmente dependente da enfermagem, você tem que fazer tudo por ele, e as vezes você fica estressado, fica cansado no físico e no mental (E1).
(....) mas, às vezes, dependendo do período é bem desgastante, quando falta um funcionário mesmo você tem que assumir o lugar do outro colega que não veio, você assume mais de dois pacientes, eu acho muito corrido, cansativo, e acaba estressando a gente, é também um cansaço porque você percebe que o paciente veio aqui para morrer e um desgaste mental (E2).
O trabalho de enfermagem na UTI desenvolve-se em um cenário do qual fazem parte pacientes em estado crítico de saúde, dependentes da assistência, transformando esse ambiente em um lugar estressante, cansativo e com sobrecarga de trabalho(7).
O labor em UTI, por ser uma unidade complexa e com muitas atividades no cotidiano dos trabalhadores, pode levá-los a desencadear o estresse ocupacional(10).
Trabalhar em unidades críticas é deparar-se com a morte iminente constantemente, com o sofrimento de quem está sendo cuidado e também dos familiares desse cliente, sendo que tais fatores podem levar ao estresse(11).
O conhecimento do sofrimento mental na saúde é antigo, porém, constitui-se em desafios para os profissionais que desenvolvem atividades específicas de saúde mental para os indivíduos em qualquer ambiente(12).
É de importância ímpar criar espaço para ouvir e ser ouvido, compartilhar os sentimentos vivenciados, contribuindo para ampliar a consciência de todos sobre o que está acontecendo com cada um dos trabalhadores em seus diversos aspectos(13). É necessário, no entanto, o acompanhamento de profissionais especialistas para que se desenvolva um trabalho específico, a fim de ser evitado ou diminuído o estresse e o sofrimento vivenciados.
A terceira categoria que emergiu foi designada: vivenciado o trabalho em equipe. Esse fato foi apontado nos discursos dos entrevistados, os quais entendem que o trabalho na UTI é realizado através da união da equipe, tendo por características o companheirismo, a colaboração, a humanização, a compreensão e também as relações de hierarquia entre seus integrantes. Os depoimentos a seguir mostram essa realidade.
(.....) é a união, a gente tem que trabalhar com o paciente da gente como também auxiliar o companheiro tem que ser uma equipe(E1).
Você tem respaldo da chefia em tudo é um trabalho hierarquizado e em equipe (E2).
O trabalho aqui é em equipe, mas o que diferenciou para mim de outros locais foi a humanização das pessoas, principalmente dos funcionários, o companheirismo, a solidariedade, muito companheiro mesmo, o colega pergunta o que você tem hoje? Ele compreende que você não está bem, não te cobra, procura entende (E4).
Trabalhar em equipe é fundamental na dinâmica das inter-relações e no vínculo entre os componentes. Trabalhar em grupo potencializa a realização do trabalho e, como conseqüência, há atendimento com maior qualidade aos pacientes(14).
A forma mais democrática, produtiva e humanizada de se efetuar o trabalho em saúde tem sido a organização baseada na formação de equipes. O labor transcorre com mais tranqüilidade e as relações em grupo passam da formalidade para a informalidade por alguns momentos, no sentido de os membros dessa equipe terem liberdade de expor seus problemas relacionados ao ambiente de trabalho, bem como os pessoais(15).
Quando há espaço que favorece a interação e a integração entre os membros da equipe de enfermagem e, também, o trabalho a ser desenvolvido é planejado e realizado dentro da competência de cada um ocorre o envolvimento de todos, favorecendo o comprometimento e a implementação das atividades conjuntamente(16).
Nos depoimentos dos entrevistados, eles reconhecem que há uma hierarquia estruturada, mas pautada na flexibilidade, na ajuda, no estar sempre presente nos momentos em que necessitam de auxílio.
A postura autoritária dos supervisores, coordenadores e/ou chefes de enfermagem não contribui para o bom desempenho dos membros da equipe, ao contrário, provoca distanciamento entre todos, inclusive dos pacientes. Quando há proximidade entre os indivíduos da equipe, ocorre facilidade no trabalho e até mesmo troca de conhecimentos(14).
Os discursos dos técnicos de enfermagem desvelam que os enfermeiros estão adotando postura norteada pela gerência participativa, flexível, preservando o compromisso com todos os integrantes da equipe e com a assistência aos pacientes, tornando o ambiente de trabalho harmonioso e com características de equipe em que todos se ajudam mutuamente.
A quarta categoria foi nominada: vivenciando o trabalho como uma experiência que traz sentimentos ambíguos. No cotidiano do trabalho na UTI, foi identificado que os técnicos de enfermagem vivenciam muitos sentimentos paradoxais. Nos discursos verificou-se que caminham juntos: alegria e tristeza, sofrimento e prazer, estresse e gratificação, realização pessoal e impotência, conforme demonstram os relatos a seguir.
Então existem os dois lados, o estressante e o gratificante. Tem um sentimento de perda também, quando você se aproxima muito das pessoas, ganha carinho da pessoa e retribui quando o paciente está consciente e de repente ele falece [ ] então você sente aquela perda também (E1).
(...) Às vezes me pergunto será que eu podia ter feito mais alguma coisa, a gente se sente meio impotente com esse tipo de situação, mas por outro lado, há momentos de prazer quando o paciente recupera, quando tem alta, quando você vai insistindo e vê que valeu a pena investir no paciente (E2).
(....) Também a gente fica estressada e triste porque o paciente fica muito tempo com a gente, você trabalha em cima dele e vê que não adiantou, ele faleceu (....) o sentimento de impotência, será que fiz tudo que foi necessário? Mas tem o lado da gratificação quando você investe e vê que o paciente dia-a-dia vai se recuperando até ter alta, é muito prazeroso a gente se realiza como pessoa e profissional (E3).
Os achados do presente estudo são semelhantes aos encontrados em pesquisa realizada com equipe multiprofissional de uma UTI, na qual os resultados revelaram que, para os membros da equipe, a morte representa o sofrimento, a perda e o sentimento de impotência desses profissionais(11).
A morte é capaz de provocar para o trabalhador de enfermagem e saúde a vivência de sentimentos de sofrimento, questionando sobre o que poderia e que deixou de ser feito para manter ou recuperar a vida do paciente sob seus cuidados(17).
Em síntese, a morte de um paciente na UTI é sempre uma possibilidade de situação geradora de sofrimento para os trabalhadores de enfermagem e de saúde, pois vivenciam sentimentos de impotência, fracasso profissional e os vínculos que foram estabelecidos são rompidos, às vezes, abruptamente.
Por outro lado, há o sentimento de gratificação, de prazer, de realização pessoal e profissional quando o paciente recebe alta. É o sentimento de se ter cumprido com a sua missão que é o cuidar, ou seja, o salvar vidas, sentir-se útil.
Quando o paciente se recupera, o trabalhador de enfermagem sente-se vitorioso e desfruta de sentimentos de prazer. Consegue perceber que os resultados de seus esforços valeram à pena. Vivencia a sensação de que colaborou para que o paciente grave se recuperasse e sente que conquistou uma nova vida(18).
A quinta categoria foi identificada como:criando uma identidade com a UTI. É demonstrada nas expressões dos sujeitos que, mesmo reconhecendo o processo de trabalho na UTI como desgastante, estressante e que pode levá-los a viver momentos de tristeza, os entrevistados aprenderam a lidar com essas situações, acostumando-se com a rotina da unidade e criando laços fortes de identificação com a mesma, como é constatado nos discursos a seguir.
Mas a gente acaba se acostumando com a rotina, com o tempo. Você vai ficando mais embrutecida. Você acostuma com os colegas, com a rotina, com tudo (....) e aí quero é ficar aqui mesmo. Eu aprendi muita coisa é claro que aqui (E2).
(...) a gente aprende a lidar com as coisas aqui dentro, porque acontece constantemente e vemos que somos úteis, não quero ir para outra unidade aprendi muito aqui e continuo a aprender (E3).
Quando eu estava querendo desistir dessa área, porque sempre trabalhei no comércio eu vim para cá, e agradeço a Deus por ter passado no concurso, no começo fiquei chocada, mas vi que existia outro lado. Eu não saio daqui para outro setor de maneira nenhuma, aqui eu aprendi muito e tenho aprendido todos os dias (E4).
Os depoimentos indicam que os trabalhadores, ao se familiarizarem com o cotidiano da UTI, se fortalecem para o enfrentamento dos sofrimentos e conseguem, com maior freqüência, utilizar estratégias defensivas conscientes ou não. A partir disso, criam identificação com o seu local de trabalho e não querem ser transferidos para outras unidades.
A construção da identidade profissional mobiliza um processo de retribuição simbólica de reconhecimento do trabalhador em sua singularidade pelo outro, por meio das suas contribuições à organização do trabalho. A identidade é mediada, então, pela atividade do trabalho que envolve o julgamento dos pares. O coletivo surge como uma ligação de fundamental importância e é o ponto sensível da dinâmica intersubjetiva da identidade no trabalho(19).
A identidade representa a abertura que cada um, em um determinado momento, consegue ter diante do mundo no qual está. Em toda parte, onde quer que se mantenha qualquer tipo de relação, com qualquer tipo de ser no mundo, há a interpelação pela identidade. Em cada identidade reside uma relação, uma ligação, uma união. Dessa forma, a identidade surge na história com o caráter da unidade(20).
Em um estudo com professores passando por transformações curriculares intensas, observou-se inicialmente a perda da identidade profissional e, somente com a vivência do processo, o confronto com as dificuldades e após o ganho da familiaridade da nova ação é que a identidade profissional foi ressignificada(4).
A experiência de ser trabalhador técnico de enfermagem na UTI leva-o a ampliar suas percepções sobre si mesmos, contribuindo com o seu aprendizado para o aprimoramento profissional e a vivência de forma mais autêntica, participando dessa realidade e crescendo com ela.
Este estudo não teve a pretensão de esgotar essa temática, principalmente considerando as limitações quando se estuda um tema que envolve a subjetividade dos indivíduos. Porém, pode-se dizer que esses resultados mostram a realidade vivenciada em uma UTI.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta investigação demonstra que o significado para o técnico de enfermagem sobre o processo de trabalho em UTI envolve uma gama de sentimentos, os quais podem gerar alegria, prazer, sofrimento, propiciar a integração com a equipe e criar a possibilidade de uma identidade profissional.
Os sentimentos de sofrimento estão relacionados com as dificuldades para vivenciar a impotência diante da perda do paciente, o cansaço, o desgaste, o estresse provocado pelo processo de trabalho cotidiano e, também, pela percepção das limitações impostas pela sua própria condição humana.
Os sentimentos vivenciados foram superados pelas potencialidades do ser humano em aprender em meio ao prazer e sofrimento e ao binômio vida e morte, quer usando estratégias defensivas individuais ou coletivas, conscientes ou inconscientes.
O companheirismo, a colaboração, a abertura para a aprendizagem e a flexibilidade da hierarquia foram pontos relevantes para reforçar nos técnicos de enfermagem uma identidade profissional positiva com a UTI, facilitando o enfrentamento do cotidiano no processo de trabalho.
Torna-se importante que os enfermeiros gerentes de UTI e as instituições estejam atentos para os sentimentos vivenciados pelas equipes de enfermagem. Há que se criar espaços ou momentos de discussão em que os técnicos de enfermagem e os outros membros da equipe de saúde exponham suas vivências, expectativas, compartilhem seus medos e apreensões, suas alegrias, satisfações dentre outros sentimentos, mediados por profissionais especializados.
Certamente estratégias como essas podem possibilitar ação efetiva de cuidado com a saúde do trabalhador e, conseqüentemente, resultar em assistência de enfermagem mais humanizada e centralizada na integralidade do ser humano. Partilha-se, aqui, da crença de que trabalhadores desgastados e angustiados, devido ao processo de trabalho, também devem receber cuidados para terem empenho na construção de um ambiente de trabalho harmonioso, cooperativo, solidário, com compromisso e responsabilidade. Acredita-se, também, que, dessa forma, tanto os pacientes quanto suas famílias receberão o reflexo de tal assistência mais humanizada. Há consciência de que conflitos sempre podem surgir, mas, se as equipes estiverem fortalecidas, encontrarão soluções para superá-los.
É importante que sejam realizados mais estudos sobre esta temática, com a finalidade de poder confrontar dados e de buscar soluções viáveis para aumentar a qualidade da saúde dos trabalhadores de enfermagem e obter-se assistência integral e humanizada para os pacientes e familiares.
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Endereço para correspondência
Mara Lúcia Garanhani
E-mail: maragara@dilk.com.br
Júlia Trevisan Martins
E-mail: jtmartins@uel.br
Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi
E-mail: avrmlccr@eerp.usp.br
Recebido: 04/2008
Aprovado: 07/2008