SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número3Estratégias de enfrentamento às cargas de trabalho de enfermeiros de unidade de emergência índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.8 no.3 Ribeirão Preto dez. 2012

 

ARTIGO DE REVISÃO

 

O uso de substâncias psicoativas por estudantes do ensino fundamental e médio: uma revisão sistemática de 1999 a 2009

 

El uso de substancias psicoactivas por estudiantes de la enseñanza fundamental y media: una revisión sistemática de 1999 a 2009

 

 

Flávia Batista PortugalI; Marluce Miguel de SiqueiraII

IDoutoranda, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIPhD, Professor Associado, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo visou verificar a prevalência de uso de substâncias psicoativas entre estudantes do ensino fundamental e médio do Brasil. Pesquisaram-se as bases de dados MEDLINE, LILACS e SciELO, no período de 1999 a 2009, utilizando os descritores transtorno relacionado ao uso de substâncias, bebidas alcoólicas, tabaco, drogas ilícitas, estudantes, Brasil. Além disso, realizou-se busca de artigos nas referências dos artigos selecionados. Foram selecionados 14 artigos para análise. Os artigos mostraram alta prevalência de uso na vida das substâncias psicoativas lícitas, álcool e tabaco, e, em menor proporção, maconha e solventes. Os estudos analisados mostram maior prevalência do uso de substâncias psicoativas lícitas. Portanto, o uso de substâncias psicoativas pelos estudantes é preocupante, sendo necessárias abordagens específicas para essa população.

Descritores: Estudantes; Ensino Fundamental e Médio; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias.


RESUMEN

El presente artículo objetiva verificar la superioridad de uso de substancias psicoactivas (SPAs) entre estudiantes de la Enseñanza Fundamental y Media de Brasil. Se investigó las bases de datos Medline, Lilacs y Scielo en el período de 1999 a 2009, utilizando los descriptores "Trastorno relacionado al uso de Substancias", "Bebidas alcohólicas", "Tabaco", "Drogas ilícitas", "estudiantes", "Brasil". Además, se realizó busca de artículos en los informes de los artículos seleccionados. Fueron seleccionados 14 artículos para análisis. Los artículos mostraron alta superioridad de uso en la vida de las SPAs lícitas, alcohol y tabaco, y en menor proporción, marihuana y solventes. Los estudios analizados muestran una mayor superioridad del uso de SPAs lícitas. Por tanto, el uso de SPAs por los estudiantes es preocupante, siendo necesario abordajes específicos para esa población.

Descriptores: Estudiantes; Educación Primaria y Secundaria; Trastornos Relacionados con Sustancias.


 

 

Introdução

A adolescência se constitui por um período de mudanças, essa se torna um momento crítico para o início do uso de Substâncias Psicoativas (SPA). A construção da identidade torna-se a tarefa mais importante desse indivíduo, a qual marcará sua transição para uma vida adulta. E essa construção de identidade sofre influência de fatores intrapessoais (características inatas ao indivíduo), interpessoais (identificação com outras pessoas) e culturais (valores sociais nos quais o indivíduo é exposto)(1).

Nesse contexto, nossa cultura enaltece o prazer, levando à busca interminável pela supressão da dor e do sofrimento, assim, o uso de SPAs pode surgir como uma saída imediatista(2). Entretanto, o uso de SPAs, como um fenômeno complexo, sofre influência de diversos fatores, tais como as relações familiares e o envolvimento grupal, fortemente associados ao seu uso(3).

Desse modo, os jovens são alvos constantes de estudo, especialmente os escolares, os quais são de fácil acesso e também pela escola se constituir um espaço de socialização e, consequentemente, influenciar na construção do indivíduo. Com essa visão, o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) realiza pesquisas periódicas com estudantes do ensino fundamental e médio, a fim de traçar o diagnóstico de consumo de SPAs entre os estudantes, além de comparar o uso com fatores familiares e aspectos pessoais. O primeiro levantamento foi publicado em 1989 e, logo depois, publicaram-se outros levantamentos em 1990, 1994, 1997 e, por fim, em 2005 foi publicado o V Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras, 2004(4).

Esses levantamentos utilizam a classificação de uso proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na qual uso na vida é o uso de qualquer droga psicotrópica pelo menos uma vez na vida; uso no ano é o uso pelo menos uma vez nos últimos doze meses; uso no mês é quando ocorre o uso pelo menos uma vez nos últimos trinta dias; uso frequente é o uso de seis ou mais vezes nos últimos dias e, por fim, o uso pesado é o uso de vinte ou mais vezes nos últimos dias. Assim, o V Levantamento demonstrou que 65,2 e 24,9% dos estudantes fizeram uso na vida de álcool e tabaco, respectivamente. Já entre as SPAs ilícitas, os solventes predominaram (15,5%), seguidos pela maconha (5,9%)(4). Dados semelhantes foram encontrados em várias pesquisas realizadas no Brasil. Em estudo realizado em Pelotas, RS, com estudantes do ensino fundamental (a partir da 5ª série) e do ensino médio, mostrou que tanto o álcool como o tabaco apresentam maior uso na vida e mantêm tal posição em todos os tipos de uso(5). Já em estudo realizado com a mesma população em Florianópolis, SC, além do álcool e tabaco, a maconha e os solventes apresentaram alta prevalência de uso na vida (19,9 e 18,2%, respectivamente)(6). Em outro estudo, realizado com estudantes do ensino fundamental e médio de Campinas, SP, mostrou o uso de pesado de álcool de 11,9%, tabaco de 11,7%, maconha 4,4%, solventes de 1,8% e cocaína de 1,1%(7).

Assim, estudos transversais são os de escolha em levantamentos sobre o uso de SPAs em estudantes, tanto pela sua praticidade quanto pela grande abrangência. De tal forma, a revisão sistemática traz o panorama dos estudos realizados, como também sugere caminhos a serem seguidos. Assim, a presente revisão sistemática visa verificar a prevalência de uso de SPAs entre estudantes do ensino fundamental e médio do Brasil, no período de 1999 e 2009.

 

Método

Foram revisados artigos publicados no período de 1999 a 2009 que verificaram a prevalência do uso de SPAs, entre estudantes do ensino fundamental e médio do Brasil. Foram pesquisadas as bases de dados MEDLINE, LILACS e SciELO, utilizando-se as seguintes combinações de descritores: (Transtorno relacionado ao uso de Substâncias AND estudantes AND Brasil) OR (Bebidas alcoólicas AND estudantes AND Brasil) OR (Tabaco AND estudantes AND Brasil) OR (Drogas ilícitas AND estudantes AND Brasil).

 

Análise e Seleção

Critérios de inclusão/exclusão e estudos selecionados

Foram incluídos no presente estudo quatorze artigos. Para serem incluídos na análise, os artigos deveriam se adequar aos seguintes critérios: serem publicados em português, inglês e espanhol, realizados em população escolar, realizados em apenas um Estado brasileiro e serem de corte transversal. Dos artigos encontrados foram excluídos aqueles repetidos, que não possuíam resumo/abstract, que não se enquadravam na categoria "artigos originais", não mostravam prevalência do uso de SPAs e somente fatores associados. Assim, foram encontrados 15 artigos na base de dados LILACS, 21 artigos na MEDLINE e, por fim, 26 artigos na SciELO. Além disso, também se buscaram nas referências dos artigos selecionados outros artigos que atendiam os critérios de inclusão, sendo encontrado 1 artigo, como mostrado na Figura 1.

Os quatorzes estudos selecionados para análise foram agrupados segundo o local da realização da pesquisa, o ano de publicação, a revista escolhida para publicação, a origem institucional e o nível de formação do primeiro autor, o financiamento do estudo, as características da população pesquisada, o instrumento utilizado e os resultados encontrados.

A fim de clarificar os resultados, optou-se por apresentá-los nas tabelas em duas categorias: "uso de álcool e tabaco" e "uso de substâncias psicoativas". A primeira categorização representa os artigos que somente abordam o uso de álcool e tabaco, enquanto a segunda, os artigos que se referem a todos os tipos de SPAs (inclusive álcool e tabaco).

 

Resultados

No total, foram encontrados 57 artigos, dos quais 14 preencheram os critérios de inclusão. A Tabela 1 mostra a relação dos estudos selecionados para análise, segundo a revista, o ano de publicação, o local de realização da pesquisa e o financiamento do estudo.

A Revista de Saúde Pública e Cadernos de Saúde Pública foram os periódicos nos quais se encontrou maior número de artigos publicados (4 e 3, respectivamente), seguidos pela Ciência e Saúde Coletiva (2), Revista Brasileira de Psiquiatria (2), Revista Brasileira de Epidemiologia (1), Jornal Brasileiro de Pneumologia (1) e Addiction (1).

A Região Sudeste foi a que apresentou maior número de pesquisas relacionados ao assunto (6), posteriormente a Região Sul (5), Centro-Oeste (2) e Nordeste (1). Vale ressaltar que todos os artigos referentes à Região Sudeste foram realizados no Estado de São Paulo.

Dos artigos selecionados, somente 7 relataram apoio financeiro (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia – Afip, Prefeitura de Paulínia, São Paulo, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Mato Grosso – Fapemat).

Na Tabela 2 são apresentados os artigos sobre o uso de álcool e tabaco, segundo características da população estudada, instrumento utilizado e resultados encontrados. Em pesquisa realizada(10) com 889 estudantes do ensino fundamental e médio das escolas do município de Palhoça, São Paulo, dessas, seis eram públicas e quatro particulares. Essas escolas utilizaram o questionário adaptado à realidade brasileira(4), além de adicionarem questões referentes ao uso do serviço de saúde, devido às situações de emergência envolvendo o uso de SPAs ou busca por tratamento para cessação do uso. Tal estudo somente demonstrou o uso na vida isoladamente de álcool e tabaco, sendo que para as outras SPAs foi feita associação com outras variáveis. Assim, 91,9% dos estudantes fizeram uso na vida de álcool e 42,5% de tabaco, ademais, entre os estudantes pesquisados, não houve diferença de consumo de álcool entre os gêneros, entretanto, a maconha, cocaína e inalantes apresentaram maior uso entre os homens e o de tranquilizante entre as mulheres. Uma peculiaridade desse estudo foi verificar a procura por serviço de saúde, de acordo com os autores: 1% dos estudantes procuraram algum serviço de ajuda, sendo que 0,7% não continuaram o tratamento. Por outro lado, 0,9% buscaram um serviço de emergência e 0,2% relataram internação.

Em outro estudo realizado em Paulínia, SP(15), pesquisaram-se 1.990 estudantes de 11 a 21 anos da 5ª série do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio de escolas públicas e privadas. Foi utilizado um questionário baseado no Prevention Research Center – Pacific Institute for Research and Evaluation (PRC/PIRE), Global School-based Student Health Survey (GSHS), o questionário proposto pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid)(4), como também incluíram perguntas relativas ao comportamento da população do município. Os autores encontraram uso na vida de álcool de 62,2%, uso no ano de 54,5%, como também 24% dos estudantes relataram já haver bebido até a embriaguez e 19,5% relataram embriaguez no último ano. A pesquisa também demonstrou que a bebida mais consumida foi cerveja (40%), vinho (36,2%) e bebidas do tipo ice (10,2%).

Em pesquisa(13) com 1.990 estudantes, de 11 a 21 anos da 5ª série do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio de escolas públicas e privadas do município de Paulínia, SP, foi possível observar o uso de álcool precoce pelos estudantes, além de sua associação com episódios atuais de uso. Utilizaram PRC/PIRE-GSHS, o questionário proposto pelo Cebrid(4), como também incluíram perguntas relativas ao comportamento da população do município. Desse modo, 62,2% dos estudantes apresentaram uso na vida de álcool, sendo a idade média de experimentação 12,35 anos. Esse estudo demonstrou que aqueles que experimentaram mais cedo o álcool foram os que beberam pelo menos uma vez na semana no último ano, apresentaram maior índice de embriaguez e detectaram também a associação entre o uso de tabaco e outras SPAs com a experimentação precoce.

Em estudo(18), especificamente sobre o uso de tabaco, com 2.661 estudantes de 9 a 19 anos da 5ª do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio da rede pública e privada do Distrito Federal, segundo os autores, foi utilizado instrumento validado proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o uso de tabaco. O tabagismo foi detectado em 10,5% dos estudantes, havendo maior prevalência no sexo masculino (11%) do que no sexo feminino (9%). Também se encontrou associação entre uso de álcool e tabagismo, 76,5% dos fumantes consumiam álcool e a chance dos estudantes que fumavam consumir álcool era de 12 vezes maior do que aqueles que não fumavam (Odds ratio: 12,4%). Outro ponto importante foi que estudantes fumantes também apresentaram maior chance de usar SPAs ilícitas (Odds ratio: 16,96).

Já sobre o uso de todas as SPAs, pode-se observar, na Tabela 3, os artigos publicados de 1999 a 2004. Um deles(8) envolveu 689 em estudantes de 13 a 21 anos de um colégio de ensino médio da cidade de São Paulo, SP. Utilizou-se um questionário baseado na categorização uso na vida, uso no ano e uso nos últimos 30 dias das SPAs, mais questões sobre sexualidade. De acordo com os autores, 85,3 e 50% dos estudantes eram usuários de álcool e tabaco, respectivamente, além de que 53,1% da amostra já havia usado na vida alguma SPA, sendo que a maconha (46%), solventes orgânicos (28,2%), alucinógenos (17,4%) e cocaína (14,2%) foram as substâncias mais usadas. Tendo em vista o objetivo do artigo, entre os usuários de SPAs ilícitas, há mais estudantes que tiveram uma relação sexual completa, como também apresentaram idade de início da vida sexual mais cedo (15,2 anos) que os não usuários (15,7 anos).

Em Florianópolis, Santa Catarina(6), pesquisaram-se 478 estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública. Como em estudos já citados, utilizou-se questionário adaptado pelo Cebrid(4). Os autores encontraram uso na vida de álcool de 86,6%, tabaco de 41,8%, maconha de 19,9%, solventes de 18,3%, ansiolíticos de 18,3%, cocaína de 2,9% e alucinógenos de 2,1%. Estudo(5) com 2.619 estudantes de 10 a 19 anos, do ensino fundamental e médio da rede pública e privada de Pelotas, Rio Grande do Sul, teve como objetivo observar os fatores associados ao uso de SPAs entre os estudantes. Assim, somente apresentou o uso no ano de qualquer SPA, exceto álcool e tabaco, de 17,1%.

Em estudo(7) com 2.287 estudantes de 11 a 26 anos do ensino fundamental e médio de 4 escolas públicas e 3 privadas do município de Campinas, SP, utilizou-se, além do questionário adaptado pelo Cebrid(4), o General Health Questionnaire 12 (GHQ12). As substâncias que apresentaram maior prevalência de uso pesado foram: álcool (11,9%), tabaco (11,7%), maconha (4,4%), solventes (1,8%), cocaína (1,4%), medicamentos psicotrópicos (1,1%) e ecstasy (0,7%). Em pesquisa(9) com 6.417 estudantes de 10 a 20 anos da 5ª do ensino fundamental à 3ª série do ensino médio da rede pública de Barueri, SP, as autoras usaram o Drug Use Screening Inventory (DUSI), o qual mede a frequência no último mês de 13 SPAs, e encontraram que o álcool (9%), tabaco (14,5%), maconha (3%), inalantes (0,5%), cocaína (1%), ecstasy (0,104%) foram as SPAs que apresentaram uso maior de frequência (10 vezes ou mais no mês).

Já na Tabela 4, podem ser observados os artigos publicados de 2005 a 2009 sobre o uso de SPAs entre estudantes do ensino fundamental e médio. O uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica foi pesquisado(11) em 4.955 estudantes da 5ª série do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio da rede pública e privada de Passo Fundo, RS, e encontrou-se que 7,7% dos estudantes fizeram uso na vida de ansiolíticos, 6,4% de anfetamínicos, 1,1% de barbitúricos e 1% de anticolinérgicos, sendo que os anfetamínicos e barbitúricos apresentaram maior prevalência de uso pesado (1,1 e 0,8%, respectivamente). Encontrou-se que o álcool, tabaco, solventes e maconha foram as SPAs com maior uso na vida, 77,7, 28,7, 18,1 e 12,1%, respectivamente, em estudo realizado com 1.035 estudantes do ensino médio da rede pública da cidade de São José do Rio Preto, SP(12).

Em estudo(14) realizado com 1.372 estudantes do ensino médio da zona urbana de Feira de Santana, Bahia, entre 14 e 19 anos, mostrou que esses estudantes relataram uso na vida de álcool de 57% e de outras SPAs, exceto álcool, 5,2%, além disso, o uso de cigarros foi relatado por 23,3%. Já entre 2.291 estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de Cuiabá, Mato Grosso(16), encontrou-se uso recente de álcool de 37,4%, tabaco de 9,5% e outras SPAs de 8,4%. Em pesquisa realizada(19) com 1.170 estudantes, de 12 a 18 anos, da 7ª série do ensino fundamental de escolas municipais, sendo 34 alunos da área rural do município de Gravataí, RS, foi utilizado o questionário adaptado à realidade brasileira(4), dados antropométricos e o Body Shape Questionnaire (BSQ). Os estudantes pesquisados referiram uso na vida de álcool de 60,7%, tabaco de 16,9%, outras SPAs de 2,4% e uso no mês de álcool de 33%, tabaco de 4,4% e de outras SPAs de 0,6%.

 

Discussão

O uso de SPAs é uma das principais preocupações do serviço de saúde, especialmente pelo seu crescente e precoce uso. Tal fato denota a importância de pesquisar o uso entre estudantes, objetivo deste estudo, já que a escola constitui-se em um espaço de socialização que influencia a construção do papel social do mesmo.

Assim, o álcool é a SPA mais consumida pela população mundial, aproximadamente 2 bilhões de pessoas no mundo consomem bebidas alcoólicas e 76,3% possuem diagnóstico de transtorno por uso de álcool(19). Desse modo, ao se analisar os artigos foi possível observar que o álcool foi a substância mais consumida pelos estudantes, variando seu uso na vida de 91,9%(10) a 57%(14). Apesar da variabilidade, os dados apontam para uso preocupante de álcool, esse por ser lícito e amplamente aceito pela sociedade, demonstra em todas as faixas etárias altos índices de uso, variando tanto do uso na vida ao pesado.

Além disso, a idade de experimentação também é precoce, a qual pode ser associada a episódios de embriaguez e ainda à experimentação de outras substâncias(15). Por outro lado, os estudos ressaltam influência familiar nesse uso, como também a dos amigos(14-15). Logo, apesar de muitas vezes não possuírem o diagnóstico de abuso ou dependência de álcool, o adolescente, neste caso o estudante, pode se prejudicar com seu consumo, já que se habitua a passar por várias situações sob o efeito do álcool como, por exemplo, a tomar iniciativa no relacionamento afetivo e sexual e no momento em que não se encontra sob o efeito da substância sente-se impedido de realizar essas situações(20).

Tanto como o álcool, o tabaco também é um grande problema de saúde pública. Cerca de um bilhão de pessoas fumam no mundo(21), e, no Brasil, a dependência de tabaco é estimada em 10,1%(22). Entre os estudos analisados, o tabaco foi a segunda SPA com maior uso(6-10,12, 16-17). Em estudo realizado com as publicações referentes ao tabagismo entre adolescentes da América Latina, a variação da prevalência de tabagismo foi grande, fato atribuído aos diferentes grupos etários e à definição de fumante adotada(23). Contudo, neste estudo não houve grandes variações, já que a maioria das pesquisas abordou faixa etária semelhante e utilizaram as definições de uso da OMS.

O uso de SPAs ilícitas é de mais difícil mensuração por toda conotação depreciativa relacionada ao seu uso. Todavia, estima-se que, em 2008, 155 a 250 milhões de pessoas no mundo fizeram uso pelo menos uma vez no ano de alguma SPA ilícita, sendo que de 16 a 38 milhões de pessoas foram consideradas "usuários problema", nesse mesmo ano(24). A maconha e os solventes foram as SPAs ilícitas mais prevalentes nos estudos analisados. O uso da maconha é relacionado a muitas variáveis, inclusive cultura e situação socioeconômica de cada localidade(25), sendo essa considerada muitas vezes como uma SPA que não causa grandes consequências ao indivíduo(26). Já a alta prevalência de uso de solventes normalmente é associada a jovens com situação socioeconômica precária, na qual essa substância apresentaria mais fácil acesso(14).

A pesquisa em saúde cresceu vertiginosamente nos últimos anos, acontecimento atribuído à expansão e consolidação da pós-graduação. Esse fato reflete em aumento das publicações científicas e, assim, tendo como referência a base de dados SciELO, as duas revistas com maior número de acessos plenos a artigos são Cadernos de Saúde Pública e Revista de Saúde Pública(27). Isso pode explicar o maior número de publicações encontradas no presente estudo nas revistas citadas, além de essas possuírem o maior número de acesso pleno, também apresentam excelente classificação no Qualis da Capes, estimulando a publicação pelos pesquisadores.

Apesar do aumento do campo da pesquisa em saúde, ainda há obstáculos a serem vencidos. Em 2008, 48,8 e 23,2% dos grupos de pesquisa brasileiros localizavam-se nas Regiões Sudeste e Nordeste, respectivamente, sendo que a Região Nordeste era responsável por 16,9%, Centro-Oeste 6,4% e Norte 4,7% das produções. Quanto aos pesquisadores, em 2008, o eixo Sul/Sudeste possuía cerca de 70% de todos os pesquisadores cadastrados no CNPq(28). Os resultados, aqui, corroboram tais achados, pois se observa predominância de pesquisas nas Regiões Sudeste e Sul, o que revela necessidade de fomento à pesquisa nas outras Regiões brasileiras, tendo em vista que o Brasil é um país de dimensão continental, logo, apresenta inúmeras diferenças regionais, as quais devem ser detectadas e mostradas à sociedade, através de pesquisas com alto rigor científico.

Tendo em vista o alto uso demonstrado pelos estudos analisados, é importante destacar as limitações dos mesmos. Todos os artigos analisados possuíam corte transversal, o qual facilita pesquisas nesse gênero, uma vez que apresenta baixo custo e rapidez de realização, entretanto, conta como sua principal deficiência a impossibilidade de determinação de causalidade, logo, necessitando, de estudos epidemiológicos de abordagem longitudinal. Outro ponto a destacar é que, apesar de a maioria utilizar o questionário proposto e adaptado à realidade brasileira pelo Cebrid(4), o que facilita a comparação de estudos, o fato de esse ser um questionário anônimo autoaplicável, não o exime da possibilidade de o estudante ocultar seu real uso, fato não somente observável nesse tipo de questionário, mas em qualquer outro tipo envolvendo o uso de SPAs.

 

Conclusão

O presente estudo mostrou que o uso de SPAs é preocupante entre estudantes do ensino médio e fundamental. Como na população geral, o uso de álcool e tabaco apresenta maior prevalência, entretanto, pode-se observar que algumas SPAs ilícitas, como a maconha e solventes, também são frequentemente experimentadas pelos estudantes. 

Os Levantamentos Nacionais feitos pelo Cebrid foram grande marco nessa área, já que estimularam e iniciaram o uso de metodologias que facilitam a comparação dos estudos. Por outro lado, ressalta-se a importância de estímulos para realização de pesquisas nas Regiões Norte e Nordeste, para que se conheça as diferentes realidades e se possam propor intervenções específicas para cada população.

Por fim, esses estudos demonstram a necessidade de maior abordagem a essa população, já que o uso de SPAs gera consequências tanto no âmbito da saúde como no social e econômico. Assim, os estudantes se tornam alvo primordial de intervenções, uma vez que, muitas vezes, o início do uso ocorre durante o ensino fundamental e médio. Desse modo, são necessárias abordagens específicas para estudantes do ensino fundamental e médio, contudo, é importante evidenciar que tais abordagens devem, além de incluir meios de transmissão de informações, como campanhas, também criar meios de tornar o estudante agente de mudança da sua própria realidade.

 

Referências

1. Schoen-Ferreira TH, Aznar-Farias M, Silvares EFdM. A construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório. Estud Psicol. (Natal). 2003;8:107-15.         [ Links ]

2. Savietto BB, Cardoso MR. A drogadicção na adolescência contemporânea. Psicol Estudo. 2009;14:11-9.         [ Links ]

3. Schenker M, Minayo MCdS. Fatores de risco e de proteção para o uso de drogas na adolescência. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10:707-17.         [ Links ]

4. Galduróz JCF NA, Fonseca AF, Carlini, EA. . V Levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública de ensino nas 27 capitais brasileiras, 2004. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo; 2005.         [ Links ]

5. Tavares BF, Béria JU, Lima MSd. Prevalência do uso de drogas e desempenho escolar entre adolescentes. Rev Saúde Pública. 2001;35:150-8.         [ Links ]

6. Baus J, Kupek E, Pires M. Prevalência e fatores de risco relacionados ao uso de drogas entre escolares. Rev Saúde Pública. 2002;36:40-6.         [ Links ]

7. Soldera M, Dalgalarrondo P, Corrêa HR Filho, Silva CAM. Uso de drogas psicotrópicas por estudantes: prevalência e fatores sociais associados. Rev Saúde Pública. 2004;38:277-83.         [ Links ]

8. Scivoletto S, Tsuji RK, Abdo CHN, Queiróz Sd, Andrade AGd, Gattaz WF. Relação entre consumo de drogas e comportamento sexual de estudantes de 2o grau de São Paulo. Rev Bras Psiquiatria. 1999;21:87-94.         [ Links ]

9. De Micheli D, Formigoni ML. Drug use by Brazilian students: associations with family, psychosocial, health, demographic and behavioral characteristics. Addiction. 2004;99(5):570-8. Epub 2004/04/14.         [ Links ]

10. Sanceverino SL, Abreu JLCd. Aspectos epidemiológicos do uso de drogas entre estudantes do ensino médio no município de Palhoça 2003. Ciênc Saúde Coletiva. 2004;9:1047-56.         [ Links ]

11. Dal Pizzol TdS, Branco MMN, Carvalho RMAd, Pasqualotti A, Maciel EN, Migott AMB. Uso não-médico de medicamentos psicoativos entre escolares do ensino fundamental e médio no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22:109-15.         [ Links ]

12. Silva EdF, Pavani RAB, Moraes MSd, Chiaravalloti Neto F. Prevalência do uso de drogas entre escolares do ensino médio do Município de São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22:1151-8.         [ Links ]

13. Vieira DL, Ribeiro M, Romano M, Laranjeira RR. Álcool e adolescentes: estudo para implementar políticas municipais. Rev Saúde Pública. 2007;41:396-403.         [ Links ]

14. Costa MCO, Alves MVdQM, Santos CAdST, Carvalho RCd, Souza KEPd, Sousa HLd. Experimentação e uso regular de bebidas alcoólicas, cigarros e outras substâncias psicoativas/SPA na adolescência. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12:1143-54.         [ Links ]

15. Vieira DL, Ribeiro M, Laranjeira R. Evidence of association between early alcohol use and risk of later problems. Rev Bras Psiquiatria. 2007;29:222-7.         [ Links ]

16. Souza DPOd, Silveira Filho DXd. Uso recente de álcool, tabaco e outras drogas entre estudantes adolescentes trabalhadores e não trabalhadores. Rev Bras Epidemiol. 2007;10:276-87.         [ Links ]

17. Vieira PC, Aerts DRGdC, Freddo SL, Bittencourt A, Monteiro L. Uso de álcool, tabaco e outras drogas por adolescentes escolares em município do Sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2008;24:2487-98.         [ Links ]

18. Rodrigues MC, Viegas CAdA, Gomes EL, Morais JPMdG, Zakir JCdO. Prevalência do tabagismo e associação com o uso de outras drogas entre escolares do Distrito Federal. J Bras Pneumol. 2009;35:986-91.         [ Links ]

19. World Health Organization. Global status report on Alcohol. Genebra; 2004.         [ Links ]

20. Pechansky F, Szobot CM, Scivoletto S. Uso de álcool entre adolescentes: conceitos, características epidemiológicas e fatores etiopatogênicos. Rev Bras Psiquiatria. 2004;26:14-7.         [ Links ]

21. Organização Mundial de Saúde. Um plano de medidas para reduzir a epidemia de tabagismo. Genebra; 2008.         [ Links ]

22. Carlini E. II Levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil: estudo envolvendo as 108 maiores cidades do país: 2005. São Paulo: CEBRID - Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas: UNIFESP - Universidade Federal de São Paulo; 2006.         [ Links ]

23. Malcon MC, Menezes AMB, Maia MdFS, Chatkin M, Victora CG. Prevalência e fatores de risco para tabagismo em adolescentes na América do Sul: uma revisão sistemática da literatura. Rev Panam Salud Pública. 2003;13:222-8.         [ Links ]

24. United Nations Office on Drugs and Crime. World Drug Report; 2010.         [ Links ]

25. Pavani RAB, Silva EdF, Moraes MSd, Chiaravalloti Neto F. Caracterização do consumo de maconha entre escolares do ensino médio de São José do Rio Preto, SP, Brasil, 2003. Rev Bras Epidemiol. 2007;10:157-67.         [ Links ]

26. Rebello S, Monteiro S, Vargas EP. A visão de escolares sobre drogas no uso de um jogo educativo. Interface - Comun Saúde Educ. 2001;5:75-88.         [ Links ]

27. Desafios da produção e da comunicação científica em saúde no Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19:04-5.         [ Links ]

28. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BR). Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil.  [acesso 11 set 2010. ]; Disponível em: http://www.cnpq.br/.         [ Links ]

 

 

Correspondence
Flávia Batista Portugal
Rua Manoel Barros da Costa, 61, Apto. 501
Jardim Camburi
CEP: 29090-730, Vitória, ES, Brasil
E-mail: flaviabportugal@gmail.com

Received: Feb. 24th 2011
Accepted: Apr. 23th 2013