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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.15 no.3 Ribeirão Preto jul./set. 2019

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.000422 

ARTIGO ORIGINAL

 

Qualidade de vida entre consumidores de substâncias psicoativas: avaliação do instrumento Medical Outcomes Study Short Form 36

 

Calidad de vida entre los consumidores de sustancias psicoactivas: evaluación de Medical Outcomes Study Short Form 36

 

 

Bárbara Lais da CruzI; Patricia Ucelli SimioniII; Thais Adriana do CarmoIII

IUniversidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, São Paulo, SP, Brasil
IIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, SP, Brasil / Faculdade de Americana, Americana, SP, Brasil
IIIUniversidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, SP, Brasil/

Autor Correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: o presente trabalho teve por objetivo descrever a utilização e os resultados obtidos com o instrumento Medical Outcomes Study Short Form -36 item (SF-36) para avaliação de qualidade de vida de pessoas em situação de uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (SPA).
MÉTODO: realizou-se um levantamento bibliográfico em artigos e revistas científicas, dissertações e monografias.
RESULTADOS: os estudos mostram que o uso de substâncias psicoativas traz prejuízos para saúde e qualidade de vida das pessoas.
CONCLUSÃO: observa-se que o instrumento SF-36 se mostra válido e confiável para a avaliação da qualidade de vida entre consumidores de SPA e possui em seus domínios algumas dimensões que são bastante sensíveis a avaliação de aspectos da qualidade de vida desta população.

Descritores: Qualidade de Vida; Avaliação; Etanol; Drogas Ilícitas.


RESUMEN

OBJETIVO: Describir el uso y los resultados obtenidos con el instrumento Medical Outcomes Study Short Form -36 item (SF-36) para evaluar la calidad de vida de las personas en situaciones de uso, abuso o dependencia de sustancias psicoactivas.
MÉTODO: Se realizó una encuesta bibliográfica en artículos y revistas científicas, disertaciones y monografías.
RESULTADOS: Los estudios muestran que el uso de sustancias psicoactivas afecta la salud y la calidad de vida.
CONCLUSIÓN: Se puede observar que el instrumento SF-36 es válido y fiable para la evaluación de la calidad de vida de los usuarios de SPA y tiene en sus dominios algunas dimensiones muy sensibles a la evaluación de los aspectos de calidad de vida de esta población.

Descriptores: Calidad de Vida; Evaluación; Etanol; Drogas Ilícitas.


 

 

INTRODUÇÃO

Na busca de melhores condições de saúde e a qualidade de vida de pacientes em situação de uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas, surgiram instrumentos que forneçam informações para a intervenção. Assim, a escolha do Medical Outcomes Study Short Form -36 item (MOS SF-36), conhecido popularmente como SF-36 no Brasil, mostrou-se inicialmente como a melhor aplicação, tendo em vista que sua utilização é simples e fácil de ser realizada, além de não demandar muito tempo para aplicação(1).

Com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre a aplicação deste instrumento junto à população em situação de uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas, pesquisou-se publicações com informações relevantes para a compreensão da saúde e qualidade de vida desta população específica.

Existem "inúmeros modelos propostos, não há um consenso na literatura sobre a definição de qualidade de vida"(2). O conceito de qualidade de vida, utilizado por diversas disciplinas do conhecimento humano, ainda hoje carece de uma definição adequada, pois permanece não consensual(3). Além disso, o conceito se caracteriza por aspectos ligados a subjetividade e a multidimensionalidade.

Os aspectos ligados à subjetividade são aqueles que consideram a percepção do próprio indivíduo sobre sua saúde e os aspectos não-médicos da vida. Dito de outro modo é como o próprio sujeito avalia sua situação pessoal nos aspectos relacionados à qualidade de vida. O caráter de subjetividade contemplaria a perspectiva do próprio indivíduo e não a visão dos profissionais da saúde. Na área da saúde parecem existir duas tendências quanto à conceituação do termo qualidade de vida. A primeira tendência seria a compreensão de qualidade de vida como um conceito mais genérico e, a outra tendência à compreensão do conceito de qualidade de vida relacionada à saúde(4).

No que se refere aos aspectos genéricos, a conceituação de qualidade de vida parece estar influenciada por estudos sociológicos, pois não menciona disfunções ou agravos. Exemplo deste tipo de entendimento pode ser observado na conceituação da OMS para o instrumento de avaliação de qualidade de vida World Health Organization Quality of Life. A elaboração do instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL, foi realizado um projeto multicêntrico. Apesar da não existência de um consenso sobre o conceito de qualidade de vida, os especialistas de diferentes culturas elegeram três aspectos fundamentais referentes a concepção de qualidade de vida: (1) subjetividade; (2) multidimensionalidade; (3) presença de dimensões positivas e negativas(5-6).

A partir deste delineamento, o grupo WHOQOL chegou a definição de qualidade de vida como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"(5,7-9).

Quando se fala em estudos que utilizam uma definição genérica do conceito de qualidade de vida é que incluem pessoas saudáveis em suas amostras populacionais, não se restringindo a amostra de população com agravos específicos(5,7-9). Por outro lado, os conceitos de qualidade de vida relacionados à saúde valorizam aspectos associados as enfermidades ou intervenções em saúde. Uma das possíveis definições de qualidade de vida ligada à saúde "é a valoração subjetiva que o paciente faz de diferentes aspectos de sua vida, em relação ao seu estado de saúde"(4).

Face as diferentes conceituações sobre qualidade de vida, foram desenvolvidos diversos instrumentos, específicos ou genéricos, para avaliar saúde e qualidade de vida. A questão da Saúde e Qualidade de Vida na área de dependência química tem sido avaliada com instrumentos genéricos e específicos. O SF- 36 é um instrumento de avaliação de qualidade de vida genérico, assim como o WHOQOL(5,9-11).

Medical Outcome Study Short Form -36 (SF -36)

O Medical Outcomes Study Short Form -36 item (MOS SF-36) é considerado um instrumento de avaliação de qualidade de vida genérico, de fácil aplicação e compreensão(3,10). O questionário é composto por 36 itens distribuídos em 8 escalas ou componentes, portanto se caracteriza como um instrumento multidimensional. As escalas são capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental(10,12).

O questionário possui um escore final de 0 a 100, sendo que 0 (zero) corresponde ao pior resultado e 100 ao melhor resultado em qualidade de vida e saúde. Este questionário foi traduzido para a língua portuguesa e validado porque se percebeu a necessidade de realizar avaliação de qualidade de vida e saúde na população brasileira. O SF-36 se apresentou um instrumento com bom desenho e com propriedades de medida que já foram demonstradas em outros estudos. Para a tradução e validação do instrumento para a língua portuguesa, os pesquisadores realizaram um processo tradução inicial do instrumento para língua portuguesa, avaliação da tradução inicial e avaliação da equivalência cultural.

Após a avaliação da reprodutibilidade e validade para a versão brasileira, bem como avaliação dos parâmetros clínicos o SF-36 foi comparado com outros questionários de avaliação de qualidade de vida como o Nottingham Health Profile (NHP), Health Assessment Questionnarie (HAQ) e Arthritis Impact Measurement Scale 2 (AIMS-2). Desta forma, verificou-se que o SF-36 se mostrou um instrumento adequado às condições socioeconômicas e culturais brasileiras, assim como suas propriedades de medidas possibilitaram a utilização deste instrumento na avaliação de qualidade de vida de pacientes com artrite reumatoide e outras doenças entre a população brasileira(5,13-15).

No Brasil, existem algumas pesquisas que comparam a avaliação da qualidade de vida mensurada pelos dois instrumentos: SF-36 e WHOQOL. Lima(2) utilizou ambos os instrumentos para avaliar qualidade de vida em dependentes de álcool. Segundo a autora, tanto o SF-36 quanto o WHOQOL se mostraram úteis para avaliação de qualidade de vida nesta população.

Por ser um instrumento genérico, o SF-36 têm como característica a não adaptação a nenhum problema de saúde específico, por esta razão, pode ser aplicado a amostras de pacientes com diferentes agravos de saúde(16). O SF-36 possibilita avaliar várias dimensões ao mesmo tempo e favorece a comparação entre populações(3).

Pesquisa que avaliou as produções relacionadas a temática qualidade de vida nas universidades públicas do Estado de São Paulo identificou 53 estudos que usaram instrumentos de avaliação de qualidade de vida. Nesse universo, os pesquisadores observaram que 15 estudos utilizaram exclusivamente instrumentos genéricos de avaliação de qualidade de vida, outros 15 utilizaram instrumentos específicos e 11 estudos utilizaram associação de ambos os instrumentos. Os instrumentos genéricos mais frequentemente utilizados foram o Medical Outcomes Study Short Form -36 item (MOS SF-36) e Índice de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers. O SF-36 aparece em 18 estudos enquanto o índice de Ferrans e Powers foi utilizado em 4 estudos(12). Os autores observam que entre os 18 estudos que utilizaram o SF-36, o instrumento foi aplicado como medida exclusiva de qualidade de vida em 8 estudos com diferentes populações e 10 estudos em associação com instrumento do tipo específico, conforme Figura 1(12).

 

 

Os pesquisadores concluíram que "a escolha do Outcomes Studies 36-item Short-Form (MOS SF-36) por 18 dos 53 trabalhos pesquisados está em concordância com situação internacional, pois tal instrumento tem sido considerado o mais usado em todo o mundo"(12).

Considerando que o SF-36 tem sido amplamente utilizado para avaliar qualidade de vida em diferentes populações, tanto em estudos nacionais quanto internacionais, é importante verificar a utilização do SF-36 para avaliar qualidade de vida em população envolvida com substâncias psicoativas.

 

Método

Neste trabalho, foi realizada uma pesquisa sistemática da literatura por meio de levantamento bibliográfico dos estudos publicados em artigos e revistas científicas disponíveis sobre o tema nos indexadores PubMed e Scielo, utilizando os descritores "qualidade de vida", "SF-36", "avaliação", "álcool" e "drogas ilícitas", que localizou 316 artigos.

Foram excluídos 302 estudos que se relacionavam os seguintes critérios de exclusão: condições médicas associadas ao uso das substâncias psicoativas, estudos sobre teste de medicamentos para tratamento do transtorno de uso de substâncias, uso terapêutico da maconha e avaliação de qualidade de vida por outros instrumentos que não SF-36.

Assim, a presente revisão resultou em um universo de 14 estudos relacionados ao uso do instrumento SF-36 para avaliação de qualidade de vida e uso de substâncias psicoativas. Foi realizada a leitura destes estudos para obtenção da discussão e resultados. O prazo para a consideração da inclusão dos artigos foram os últimos 18 anos, de novembro de 1995 a maio de 2017.

 

Resultados e Discussão

No levantamento bibliográfico eletrônico inicial foram encontrados 316 artigos, sendo 217 artigos relacionados ao uso de álcool, 77 artigos sobre uso de opióides, 15 artigos sobre uso de drogas ilícitas, 6 artigos relacionados ao uso de maconha e 6 artigos sobre o uso de cocaína. Apenas 46 artigos foram selecionados numa primeira revisão. Foram excluídos os artigos que se relacionavam as condições médicas associadas ao uso das substâncias psicoativas, estudos sobre teste de medicamentos para tratamento do transtorno de uso de substâncias. A partir desta etapa foram excluídos mais 32 estudos que tratavam de testes de medicamentos, condições médicas associadas ao uso de SPAs, uso terapêutico da maconha e avaliação de qualidade de vida por outros instrumentos que não SF-36.

Portanto, esta revisão foi estruturada a partir de 14 estudos sobre o uso do instrumento SF-36 para avaliação de qualidade de vida e uso de substâncias psicoativas. Assim, os artigos se dividem pelo tipo de substância estudada, sendo: oito estudos com usuários de múltiplas drogas, 4 estudos somente com usuários de álcool, somente 1 estudo com usuários de heroína, 1 estudo com usuários de crack. O estudo específico para usuários de crack foi realizado para verificar a confiabilidade da utilização do SF-36 para avaliação de saúde a qualidade de vida desta população que não estava inserida em tratamento.

Neste estudo(17) exploraram a relação entre a frequência de uso de crack, álcool e tabaco, a percepção da dependência para estas substâncias e o estado de saúde. Os autores verificaram que os escores de dependência mostraram que os participantes perceberam que eram, em média, "mais dependentes" do crack do que de álcool ou tabaco confirmando que o uso de crack é um fator complicador da dependência. Os autores sugerem ainda que seu estudo aponte que o SF-36 talvez seja útil em aplicações com a população em abuso de substâncias O trabalho demonstrou que não houve significativa associação entre frequência do uso de álcool e tabaco e qualquer das dimensões do SF-36, exceto na dimensão de funcionalidade física que se mostrou significativa estatisticamente. No entanto, o estudo foi o primeiro descrever o uso do SF-36 para avaliação da condição de saúde percebida entre os usuários de cocaína e crack com níveis aceitáveis de confiabilidade(17). O instrumento pode oferecer uma avaliação da condição de saúde dos indivíduos dependentes de crack ou outras drogas(17).

Payá e colaboradores realizou um estudo para analisar a qualidade de vida de dependentes de álcool. A amostra foi constituída de pacientes do ambulatório de gastroenterologia e ambulatório especializado no tratamento de dependência química. O estudo contou com 181 pacientes, sendo 88 pacientes diagnosticados no ambulatório de gastroenterologia e 93 pacientes no ambulatório especializado. Segundo os autores, foram verificadas diferenças significativas em saúde mental e capacidade funcional na avaliação de qualidade de vida. Os pacientes do ambulatório especializado apresentaram menor índice de saúde mental (média de 52) do que os pacientes do ambulatório de gastroenterologia (média de 61). Diferenças também foram observadas em relação a dimensão de capacidade funcional, onde o grupo de pacientes do ambulatório especializado apresentou melhores resultados em capacidade funcional (média de 79) do que os pacientes do ambulatório de gastroenterologia (média de 66)(18).

Um estudo(2) também avaliou qualidade de vida em pacientes dependentes de álcool. Os pacientes foram classificados em dois grupos, dependência leve e moderada e dependência grave. Observa-se que 63,9% da amostra foi constituída por pacientes em dependência grave para álcool. Este grupo apresentou piores pontuações em ambos os instrumentos, indicando que o grau de dependência se associa a piora na percepção de qualidade de vida. Em dependência leve e moderada os resultados mais baixos para o SF-36 se mostraram nas dimensões: Aspectos físicos, estado geral de saúde e vitalidade. Na dependência grave a pontuação se mostrou rebaixada em todas as dimensões, com piores resultados nas dimensões: aspectos físicos, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental, este último com o pior índice. Os resultados deste estudo sugerem que ambos os instrumentos se mostram úteis para avaliação de qualidade de vida nesta população.

Outro estudo(19) comenta que os dados obtidos na avaliação do SF-36 dos usuários de drogas foram comparados com os dados obtidos na população geral do Reino Unido. Os resultados em todas as 8 dimensões do SF-36 foram piores nos usuários de drogas do que na população geral. Na comparação dos resultados de saúde em subcategorias dos usuários de drogas a análise ocorreu por gênero, idade, indivíduos presos, indivíduos com estabelecimento de relacionamento pessoal, moradores de rua e recente uso de drogas por injeção. Algumas limitações ressaltadas neste estudo apontam críticas em relação ao próprio instrumento, pois os autores apontam que por ser um instrumento baseado em auto percepção de saúde não conferem um diagnóstico formal. Sugerem que o SF-36 subestime os problemas de saúde desta população. Além disso, não incluíram no estudo as comorbidades mais frequentemente encontradas entre os usuários de drogas. Outras questões se referem ao fato de que algumas perguntas são fortemente dependentes do conceito de trabalho, o que pode ser um problema para os grupos que enfrentam problemas com desemprego. As comparações entre os grupos não provam que SF-36 é um instrumento válido para avaliar saúde de usuários de drogas(19).

Uma revisão bibliográfica sobre o status de saúde e Qualidade de vida em Transtorno de Uso de Substâncias apontou que o instrumento SF-36 é o mais utilizado nas pesquisas sobre qualidade de vida entre a população que apresenta padrão de abuso ou dependência de substâncias psicoativas. Foi realizada uma revisão eletrônica(20) em diferentes bases de dados e identificaram um total de 47 estudos com utilização de instrumentos que mediram Qualidade de vida em dependência química. Diante disso, avaliando a qualidade de vida e uso de álcool os pesquisadores encontraram 25 estudos, sendo 8 destes considerando comorbidades psiquiátricas, 6 estudos condições médicas e/ou sócio demográficas e 11 estudos sem controle por categorias. Os instrumentos mais utilizados foram o SF-36 (7 estudos), Nottingham Health Profile (4 estudos), Quality of Life Interview (3 estudos), Life Situation Survey (3 estudos), Rotterdam Symptom Checklist (3 estudos), 12 - Item Health Questionnarie (3 estudos). Relatando os estudos de sobre uso de álcool sem controle por categorias, observou-se que uma redução na qualidade de vida foi apresentada na presença de transtorno do uso de álcool, severidade da dependência, condição de recaída e aumento de consumo de álcool.

Esses autores também levantaram estudos sobre qualidade de vida e outras drogas, seguindo os mesmos critérios de distinção. Foram encontrados 22 estudos com foco principal no uso de drogas e qualidade de vida. Destes estudos, 7 foram controlados por comorbidades psiquiátricas, 5 controlados por condições médicas e/ou sócio demográficas e 10 estudos não tiveram controle destas variáveis. Os autores descrevem que a maioria dos estudos nesta categoria aponta que os indivíduos com transtorno do uso de substâncias referem prejuízos na qualidade de vida. Alguns estudos identificaram que Transtorno de Uso de Substâncias contribui para uma piora na qualidade de vida das pessoas com sintomas psiquiátricos. Outros estudos apresentam resultados contrastantes, indicando que comorbidades psiquiátricas não promovem uma diminuição na qualidade de vida das pessoas com transtorno de uso de substâncias. Outro estudo citado pelos autores descreve uma população de indivíduos usando Cannabis sativa por propósitos medicinais, indicando que alta qualidade de vida foi associada com altas taxas dos efeitos da maconha e baixas taxas de efeito colateral. Ainda, um último estudo não encontrou relação entre uso de drogas ilícitas e qualidade de vida(20).

Segundo alguns autores(21) betel nut é uma popular substância psicoativa consumida em países asiáticos que possui efeitos estimulantes e tranquilizantes. Podem ser mascados ou fumados em cigarros de tabaco. Uma pesquisa realizada em Taiwan buscou avaliar a percepção de saúde e qualidade de vida entre jovens usuários das três substâncias psicoativas de uso mais comuns: álcool, tabaco e betel nut. Este estudo também procurava verificar se a associação entre jovens que apenas faziam uso de álcool era similar entre jovens dependentes de álcool e que também faziam uso de tabaco e betel nut. O questionário SF-36 foi aplicado aos jovens participantes da pesquisa que tiveram consumo das 3 substâncias no período de 30 dias antes das entrevistas. O estudo apontou que somente o recente uso de álcool parece ter aumentado os efeitos nocivos na saúde geral mais que uso de álcool com tabaco ou betel, ou somente tabaco ou associação de tabaco e betel, contrariando os estudos revisados por eles na literatura que trata das consequências negativas para saúde com adolescentes usuários de múltiplas substâncias.

Realizou-se um estudo(22) sobre a qualidade de vida de 86 dependentes de álcool de ambos os sexos utilizando entre os instrumentos o SF-36. Foram excluídos do estudo pacientes que fizessem uso de outras substâncias psicoativas, contemplando apenas dependentes de álcool e tabaco. A autora descreve que as menores médias em qualidade de vida nos grupos de homens e mulheres foram registradas nas dimensões: aspecto físico e saúde mental. No presente estudo, capacidade funcional foi a dimensão menos comprometida, com pontuação média de 79. O estudo ressalta, entretanto, que em todas as dimensões do SF-36 as mulheres obtiveram médias mais baixas que os homens com diferenças estatisticamente significantes nas dimensões dor, vitalidade e saúde mental. A dimensão capacidade funcional foi a menos prejudicada em ambos os grupos.

Uma pesquisa realizada(23) teve por objetivo informar o potencial da abordagem de redução de danos para população em abuso de substâncias de alto risco, determinando quais fatores de risco apresentam maior impacto na saúde e qualidade de vida da população de usuários de drogas ilícitas sem tratamento. A amostra foi composta por usuários que apresentavam a mesma probabilidade de sempre ter usado crack, metanfetamina e speedball (mistura de heroína e/ou morfina com cocaína e/ou metanfetamina). Os participantes da amostra foram questionados sobre o uso de uma variedade de drogas pesadas durante os últimos 30 dias. Mas, principalmente sobre as drogas já mencionadas. Comparando os dados da população do estudo com os dados da população geral dos Estados Unidos verificou-se que a amostra do estudo mostrou resultados abaixo dos resultados da amostra da população geral em todas as dimensões do SF-36.

Foi realizada(16) uma revisão da literatura sobre saúde e qualidade de vida relacionada com a população em dependência de drogas e a avaliação do impacto do abuso de substâncias e os problemas relacionados com a saúde e qualidade de vida. Esses autores organizaram a revisão agrupando os estudos em Saúde, Qualidade de Vida e relação com padrão de uso de SPAs e Uso de drogas e comorbidades clínicas e psiquiátricas. Na revisão da avaliação de saúde e qualidade de vida na comparação entre população geral e usuários de SPAs, os autores descrevem que os estudos comparativos mostraram que usuários de drogas tem maior deterioração da saúde e qualidade de vida do que a população geral. Em termos desta revisão, indicam que existe evidências empíricas suficientes para o estado de deterioração da saúde e qualidade de vida em pessoas que estão em uso, abuso ou dependência de drogas. Comparados com a população geral todos os estudos concordam que o transtorno de uso ou abuso de substâncias traz prejuízos à saúde e qualidade de vida.

Estudou-se(24) a avaliação de qualidade de vida e uso de drogas em 2434 adolescentes de 17 escolas estaduais e 5 particulares do município de São Paulo. O presente estudo mostrou que os estudantes de classes econômicas mais altas (escolas particulares) apresentaram maior qualidade de vida e maior consumo de drogas em comparação com demais adolescentes (escolas estaduais). O estudo aponta que entre os estudantes que relataram menor uso de drogas apresentaram melhores resultados em alguns domínios dos instrumentos de qualidade de vida, como: Dimensão Física em ambos os instrumentos, capacidade funcional (SF-36), Aspectos Sociais (SF-36), Estado Geral de Saúde (SF-36) e Nível de Independência (WHOQOL-100). A avaliação de que ocorrem prejuízos na qualidade de vida das pessoas que fazem uso de substâncias psicoativas existe e parece ser unanimidade entre os estudos.

Todos os trabalhos avaliados afirmam que há percepção de menor qualidade de vida entre a população em uso de drogas. É interessante verificar na avaliação de qualidade de vida pelo instrumento SF-36 como são descritas as dimensões do questionário nos estudos, pois parece que algumas dimensões são mais sensíveis a avaliação de qualidade de vida desta população. Observa-se que dez artigos aqui avaliados fazem referência a pontuações rebaixadas na dimensão de Saúde Mental do SF-36, independentemente do tipo de substância de uso. Associada com a questão da Saúde Mental, aparece a dimensão dos Aspectos Emocionais, dado que aparece com pontuação menor em cinco estudos levantados. Hipóteses para este resultado são que o uso de SPAs possam trazer algum sofrimento em termos de saúde mental, principalmente nos casos de abuso ou dependência, pois os indivíduos estão mais expostos aos fatores de intoxicação e abstinência. Além disso, as comorbidades psiquiátricas podem ser elementos anteriormente existentes nas pessoas em uso de drogas ou mesmo, serem desencadeadas pelo uso prolongado das substâncias psicoativas. As dimensões de capacidade funcional, aspectos físicos, aspectos sociais e vitalidade aparecem descritas com prejuízos em quatro trabalhos diferentes, seguidas pelas dimensões estado geral de saúde em três estudos e Dor que aparece com menores pontuações em dois trabalhos.

Parece importante mencionar que alguns estudos também mostram as dimensões de qualidade de vida que se apresentam menos prejudicadas nesta população. Estudos(16,18,22) relatam que a dimensão capacidade funcional é o domínio que aparece com melhores pontuações, indicando melhor qualidade de vida nesta esfera. Outro estudo(24) pontua que entre os adolescentes que relatam efeitos da uso de drogas na capacidade Funcional e estado geral de Saúde são as dimensões que apresentam melhores resultados. Estas também apresentam melhores resultados após tratamento de desintoxicação, segundo estudo(25). O domínio Aspectos Sociais aparece com melhores resultados em qualidade de vida em trabalhos(24-26). E finalmente, aspectos físicos entre os adolescentes com menor uso de substâncias psicoativas(24). Entre os estudos encontrados, apenas 5 foram realizados no Brasil. Entre eles três estudos investigaram o uso de álcool(2,18,22). Apenas um trabalho investigou uso de drogas entre adolescentes(24) e um outro(27) investigou o transtorno mental comum e identificou uso de substâncias psicoativas entre a população estudada.

 

Conclusão

É importante ressaltar que os estudos apontaram que, entre as pessoas que apresentam uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas, parece haver um consenso na auto percepção de prejuízos na saúde e qualidade de vida. Observa-se que alguns domínios do instrumento SF-36 se mostram mais sensíveis na avaliação de qualidade de vida destas pessoas como parece ser a dimensão Saúde Mental. Este dado nos leva a pensar que o uso, abuso ou dependência de SPAs podem estar associados a problemas de saúde mental. Pensa-se que estudos se fazem necessário para melhor compreensão sobre a saúde mental de pessoas que apresentam qualidade de vida afetada devido ao uso de substâncias psicoativas. Seria interessante entender o que a avaliação deste domínio poderia indicar e como pode auxiliar na elaboração de medidas de avaliação e intervenção junto desta população.

Observa-se que o uso de substâncias psicoativas parece oferecer a princípio mais prejuízos nas esferas de saúde mental do que na dimensão de saúde física, pois é possível constatar que as dimensões de capacidade funcional e aspectos físicos se mostram menos afetadas do que saúde mental nas dimensões de qualidade de vida medidas pelo instrumento. Esta questão vai de encontro com o fato de que os prejuízos para saúde física e a interferência nas atividades cotidianas e de trabalho se manifestam a médio e longo prazo e não são percebidas pelos usuários.

Concluindo, existem poucos estudos brasileiros que tratam da questão de qualidade de vida e uso de substâncias psicoativas. Diante disso, é necessário investir em novas pesquisas que auxiliem na compreensão da qualidade de vida e necessidades de intervenção para a população brasileira. Contudo, os estudos indicam que o uso do instrumento SF-36 demonstra níveis de confiabilidade e validade e parece ser útil para avaliação de qualidade de vida de indivíduos em uso de substâncias psicoativas entre a população brasileira.

 

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Autor Correpondente:
Patricia Ucelli Simioni
E-mail: psimioni@gmail.com

Recebido: 25.09.2017
Aceito: 31.07.2018

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