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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.1 n.1 Rio de Janeiro jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Orientação de pais de crianças com fobia social

 

Guide for parents of children with social phobia

 

 

Patrícia Porto

Especialista em Saúde Mental e Desenvolvimento Infanto-Juvenil pela Santa Casa de Misericórdia, RJ

 

 


RESUMO

As práticas de psicoterapia Cognitivo-Comportamental têm se mostrado eficazes no tratamento da Fobia Social. Este trabalho apresenta os prejuízos que esta psicopatologia pode trazer à vida dos pacientes e salientar a importância da intervenção desde a infância. A Terapia Cognitivo-Comportamental na infância apresenta dois enfoques distintos que são interdependentes: a intervenção realizada diretamente com a criança e a intervenção realizada com a família. Na Fobia Social, a participação dos pais recebe especial atenção porque o contexto familiar tem sido enfatizado como crítico para aquisições de habilidades sociais na infância. O psicólogo deve estar atento as variáveis parentais que podem prejudicar o tratamento. Essas variáveis devem ser identificadas desde o início, de forma que a intervenção com a criança apresentará maiores chances de sucesso.

Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental, Fobia social, Orientação de pais.


ABSTRACT

Cognitive-behavioral psychotherapy practices have been proven efficient when treating Social Phobia. This term paper depicts the damages such psychopathology may cause to a patient’s life and highlights the importance of early intervention. Cognitive-behavioral psychotherapy during childhood presents two distinct interdependent approaches: intervention directly involving the child and intervention involving the family. In Social Phobia, parents’ involvement receives special attention, for family environment has been emphasized as key to acquiring social abilities. The psychologist must be attentive to parental variables that may disturb the treatment. Such variables shall be detected from the very beginning, so the intervention involving the child will have greater chances of success.

Keywords: Cognitive-behavioral therapy, Social phobia, Guide for parents.


 

 

Introdução

A Fobia Social é uma condição comum e incapacitante que tem como característica um medo patológico de agir de forma constrangedora ou inadequada na presença de outras pessoas (Nardi, 2000). Tende a se apresentar numa idade mais precoce, freqüentemente se desenvolve na infância com um pico na adolescência. Diferentes estudos relatam que a idade média de início da Fobia Social está entre 15 e 16 anos (Nardi, 2000).

O início precoce da ansiedade social é um fator importante devido as suas implicações para o desenvolvimento do indivíduo e os prejuízos acadêmicos e nos relacionamentos sociais. Há evidências de que indivíduos que iniciaram a patologia com idade muito cedo, antes dos 15 anos, correm mais risco de desenvolverem depressão ou alcoolismo futuramente (Nardi, 2000).

Este estudo tem como objetivo ressaltar a importância da orientação de pais durante o tratamento da criança com Fobia Social e identificar variáveis parentais que possam interferir na eficácia do tratamento.

A Terapia Cognitivo-Comportamental tem se mostrado eficaz no tratamento de Transtornos de Ansiedade e reconhece a importância da participação dos pais no processo terapêutico.

A orientação de pais é uma intervenção importante no tratamento da criança com Fobia Social, porque a infância é um período crítico para o desenvolvimento das habilidades sociais e os pais são os mediadores dessa aquisição. As relações pai-filho possuem um caráter afetivo, educativo e de cuidado que cria muitas e variadas demandas de habilidades sociais. O exercício dessas habilidades é orientado para promover o desenvolvimento integral dos filhos e prepará-los para a vida.

Para Friedberg e McClure (2004), é impossível realizar psicoterapia infantil sem o trabalho com os pais, porque os problemas das crianças ocorrem com maior freqüência fora da terapia. Os autores enfatizam a necessidade de pais e terapeuta estarem trabalhando da mesma maneira para evitar que as crianças recebam sinais confusos o que poderia diminuir a efetividade do tratamento.

Ronen (1997) ressalta que o foco da Terapia Cognitivo-Comportamental com crianças está no tratamento dela no interior de seu ambiente natural, seja a família, a escola ou o grupo de pares. Assim, o terapeuta deve avaliar as questões sistêmicas que circulam os problemas da criança e elaborar planos de tratamento adequados às suas necessidades. Os ambientes nos quais as crianças atuam podem reforçar ou extinguir habilidades adaptativas de controle. Logo, o envolvimento da família e reuniões com a escola são cruciais para o início, a manutenção e a generalização dos ganhos terapêuticos.

 

Apresentação Clínica da Fobia Social

De acordo com o DSM-IV (APA, 1994), a Fobia Social se caracteriza por um medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho nas quais o indivíduo poderia sentir embaraço. A exposição à situação social ou de desempenho provoca, na maioria das vezes, uma resposta imediata de ansiedade. A situação social ou de desempenho, freqüentemente, é evitada, embora, às vezes, seja suportada com pavor.

Nas situações sociais ou de desempenho temidas, os indivíduos com Fobia Social apresentam preocupações acerca de embaraço e desenvolvem pensamentos de avaliação negativa.

Os fóbicos sociais podem estar incluídos em um subtipo generalizado que corresponde ao medo da maioria das situações de interação social e de desempenho, e em um subtipo mais circunscrito que seria medo de uma situação pública de desempenho e de algumas situações de interação social.

A timidez corresponde à outra terminologia usada para se referir aos medos sociais. Nardi (2000) diferencia a Fobia Social da timidez normal segundo alguns pontos como: o Transtorno não permite que o indivíduo treine seu desempenho de forma satisfatória porque a ansiedade antecipatória do transtorno é grave e incapacitante, o Transtorno cursa com vários sintomas físicos quando a exposição está próxima ou durante a mesma e o paciente com Fobia Social geralmente evita ou foge das situações sociais.

Os adolescentes e adultos com Fobia Social reconhecem que o medo é excessivo e irracional, no entanto, isto pode não ocorrer com crianças. As crianças podem apresentar choro, ataques de raiva, imobilidade, comportamento aderente ou permanência junto a uma pessoa familiar. Crianças pequenas podem mostrar-se excessivamente tímidas em contextos sociais estranhos, retraindo-se do contato, recusando-se a participar de brincadeiras com pares, permanecendo tipicamente na periferia das atividades sociais e tentando permanecer próximas a adultos conhecidos. Diferentes dos adultos, as crianças com Fobia Social, em geral, não têm opção de evitar completamente as situações temidas e podem ser incapazes de identificar a natureza de sua ansiedade.

O impacto negativo da Fobia Social no desenvolvimento normal reflete-se no baixo desempenho educacional, que é relatado em pesquisas (Nardi, 2000). O medo da interação com pequenos grupos na escola pode levar a prejuízo acadêmico. A educação tende a ficar comprometida em crianças que sofrem de ansiedade social e eles têm mais chances de abandonar a escola precocemente (Nardi, 2000). Estudos epidemiológicos revelam que pessoas com ansiedade social têm baixa realização educacional, comparadas com a população geral, e os anos gastos na educação estão, em média, reduzidos de um a dois anos (Nardi, 2000).

A Fobia Social pode prejudicar o desenvolvimento social normal. A idade precoce de início na adolescência interfere na aquisição das habilidades sociais que são aprendidas nessa faixa etária. As conseqüências são percebidas no isolamento dos indivíduos que apresentam a patologia. Em amostras clínicas, um número significativo de pacientes com Fobia Social apresenta contato social restrito ao meio familiar (Nardi, 2000).

Para realizar o diagnóstico de Fobia Social em criança, urge que ela apresente habilidades para interagir socialmente com familiares e que a ansiedade ocorra em contextos envolvendo seus pares, assim como em interações com adultos.

O prejuízo do Transtorno em crianças, devido ao início precoce e curso crônico da psicopatologia, tende a assumir a forma de um fracasso em atingir o nível esperado de funcionamento, ao invés de um declínio a partir de um nível mais elevado. Em contraste, quando o início ocorre na adolescência, a patologia provoca declínio no desempenho social e acadêmico.

Segundo o DSM-IV (APA, 1994) a Fobia Social tipicamente inicia em uma fase intermediária da adolescência, às vezes, surgindo a partir de uma história de inibição social ou timidez na infância. Alguns indivíduos relatam um início na infância. O início pode ser abruptamente a uma experiência estressante ou humilhante ou pode ser insidioso. A Fobia tem um curso contínuo freqüentemente.

Alcalde e López (1999, citado por Falcone & Figueira, 2001) consideram que, embora o diagnóstico da Fobia Social ocorra, freqüentemente, no começo da idade adulta, seu início manifesta-se muitos anos antes e pode ser precedido de certas características de personalidade, as quais constituem risco para esse tipo de patologia, além do fato de apresentar comorbidade com uma variedade de transtornos psiquiátricos, o que algumas vezes dificulta o diagnóstico.

A comorbidade mais freqüente é com outros Transtornos de Ansiedade. Em amostras clínicas, aproximadamente um terço dos pacientes com ansiedade social referem outro Transtorno de Ansiedade, incluindo Transtorno de Ansiedade Generalizada e Agorafobia (Nardi, 2000). Nardi (2000) ressalta a importância de investigar também a presença da Depressão eeee em pacientes com Fobia Social, uma vez que a comorbidade entre a ansiedade social e a Depressão tem conseqüências para o diagnóstico, tratamento e prognostico da ansiedade social.

Versiani e Nardi (1994, citado por Nardi, 2000) relatam em seu estudo com 250 pacientes com ansiedade social uma freqüência alta de comorbidade com Depressão Maior e de Distimia. Beidel e Turner (1998) revelam que entre crianças ansiosas é mais freqüente o aparecimento de Depressão secundário a ansiedade social que o quadro contrário. Existe uma forte associação entre a Fobia Social e abuso de substância, particularmente álcool e benzodiazepínicos. Muitos estudos mostram risco aumentado para o desenvolvimento de dependência a estas drogas (Nardi, 2000). Beidel e Turner (1998) revelam um percentual alto de adolescentes que abusam de álcool que apresentam Fobia Social.

Alguns pacientes com ansiedade social, especialmente do tipo generalizado, tentam controlar seus medos, tensões e ansiedades usando álcool ou drogas. Este tipo de automedicação para controlar a ansiedade tem sido encontrado em mais de 40% dos casos (Nardi, 2000). O álcool é utilizado geralmente para reduzir a inibição nos eventos sociais, mas em indivíduos com Fobia Social existe um risco maior de que este uso se torne exagerado. Estudos clínicos e de comunidade revelam que geralmente a Fobia Social é o transtorno primário, com o abuso de álcool surgindo mais tarde (Nardi, 2000). Há evidências de que pacientes com ansiedade social de início mais precoce tendem a apresentar maior risco para abuso de álcool ou substância (Nardi, 2000). Nos pacientes com Fobia Social que apresentam comorbidade com abuso de álcool, os sintomas de ansiedade social tendem a ser mais graves e eles têm maior probabilidade de apresentar Fobia Social generalizada.

 

Etiologia da Fobia Social

As causas dos Transtornos Mentais, incluindo, a Fobia Social, estão relacionadas a vários fatores, incluindo variáveis biológicas e psicológicas.

Segundo Clark e Wells (1997), o fóbico social apresenta um grande desejo de causar uma impressão favorável nos outros e uma insegurança significativa na sua habilidade de atingir esse objetivo. Esses autores apontam alguns processos que prejudicam os fóbicos sociais a reestruturar seus pensamentos disfuncionais sobre os perigos sociais, sendo eles: a atenção autofocada e a formulação de uma impressão de si mesmo como um objeto social, a influência dos comportamentos de segurança na manutenção de pensamentos disfuncionais e da ansiedade, o efeito dos comportamentos do fóbico sobre o comportamento das outras pessoas e os processamentos antecipatórios e pós -evento.

Há evidências quanto à existência de um componente genético na etiologia da Fobia Social. Estudos com gêmeos comparando monozigóticos com dizigóticos têm apoiado esta hipótese. Klender (1992, citado por Falcone & Figueira, 2001) em seu estudo populacional com 2.163 pares de gêmeos mostrou uma concordância nos monozigóticos (24%) maior do que nos dizigóticos (15%), concluindo que os fatores genéticos responderiam por 30% da propensão para a Fobia Social.

Alguns estudos avaliaram a relação entre temperamento infantil e o risco de aparecimento de transtornos de ansiedade ainda na infância ou na idade adulta. Um estudo com crianças brancas norte-americanas revelou que 10-15% apresentaram um comportamento tímido e medroso na fase pré-escolar e/ou são quietas e introvertidas na fase escolar (Nardi, 2000). Rosembaum (1991, citado por Nardi, 2000) em seu estudo com crianças que apresentavam inibição comportamental revelou que: a freqüência de crianças com inibição comportamental é maior nos grupos de pais com Transtorno de Pânico; as crianças com inibição comportamental têm mais risco de desenvolverem na infância múltiplos Transtornos de Ansiedade, pais de crianças com inibição comportamental apresentam mais freqüentemente ansiedade social, história pregressa de ansiedade infantil, incluídos esquivas e ansiedade excessiva, muitas vezes representando um continuum de ansiedade crônica.

Segundo Nardi (2000), apresentação de queixas fóbicas - como medo de ficar de pé diante de outros colegas na escola, ter seu nome chamado em sala de aula, medo de estranhos, multidões ou viagens, medo de sair ou ficar sozinho em casa - são comuns em crianças com inibição comportamental. Adultos agorafóbicos ou com ansiedade social também apresentam todos esses sintomas ou tem queixas parecidas.

A relação entre o comportamento parental e a competência social da criança é um fator familiar que pode influenciar no desenvolvimento da Fobia Social (Beidel & Turner, 1998). Por exemplo, há evidências que a relação entre o estilo de vínculo pai-filho influência no relacionamento social subseqüente da criança com pares. Especificamente, vínculos pai-filho seguros são fatores que podem facilitar que a criança participe de grupos sociais e estabeleça relacionamentos saudáveis com pares. Estudos revelam que relacionamento maternal acolhedor funciona também como facilitador no comportamento pró-social da criança com outras crianças (Beidel & Turner, 1998).

 

Desenvolvimento das Habilidades Sociais

O desenvolvimento da sociabilidade humana pode ser entendido como um conjunto de modificações que ocorrem, ao longo da vida do indivíduo, na qualidade e natureza das relações e interações interpessoais e, simultaneamente, nos processos cognitivos, afetivos e comportamentais a elas associados. A cognição, emoção e o comportamento podem ser compreendidos como componentes de um sistema único, que interagem entre si e com o ambiente social. Segundo Del Prette (2002), não é possível separar estes processos.

A socialização da criança, considerando os processos cognitivos, inicia-se pelo reconhecimento que ela faz das pessoas e das demandas das situações possibilitando a diferenciação entre conhecidos e estranhos que se relacionam ao desenvolvimento da identidade social, através de autocategorização e categorização dos demais em termos de gênero, idade, papel social... Incluindo o reconhecimento de si e dos comportamentos que são esperados que ela apresente. Essa cognição social é importante para a aquisição de padrões comportamentais de auto-cuidado, auto-apresentação, comportamentos pró-sociais e opositivos e de outras habilidades, como, regras de convivência.

Quanto à afetividade, ocorre a formação de vínculos que se iniciam com as figuras de apego do ambiente familiar e se generalizam para outras pessoas, associada à experiência com as diferentes emoções.

Os processos: cognitivo, afetivo e comportamental estão presentes no desenvolvimento das habilidades de resolução de problemas impostos pelo ambiente social e que exigem habilidades de discriminar e responder a estímulos sociais e, ao mesmo tempo, aos próprios eventos internos (pensamentos e sentimentos).

Para Berger e Thompson (1997, citado por Silva, 2003) as crianças apresentam a capacidade de se adaptar aos acontecimentos sociais mais cedo do que se esperava. As crianças são naturalmente sociais e têm necessidades sócio-emocionais que, quando supridas através das interações com o cuidador e o ambiente, permitem ganhos em seu desenvolvimento motor e cognitivo. Ao longo do desenvolvimento, a criança vai interagindo com outros contextos sociais mais amplos, como a família extensa e a escola, e através dessas interações os agentes sociais vão transmitindo à criança valores, normas e regras de convivência. Dessa forma, a influência do meio social e a interação da criança com ele permitem que seu comportamento seja passível de ser educado.

No contexto familiar, aquisição de habilidades sociais é geralmente mediada pelos pais. A criança começa a aprender habilidades sociais juntamente com a ampliação do conhecimento sobre os diferentes papéis que fazem parte do amplo quadro da vida social. A família é o primeiro grupo social da criança, onde ela inicia o processo de aprendizagem de convivência social. Assim, a infância é um período crítico para o aprendizado de habilidades sociais.

Fatores como a modelação, ensaio comportamental e o reforço parecem intervir na aquisição das habilidades sociais (Caballo, 1999). A modelação ocorre pelo princípio da aprendizagem vicariante, ou seja, aprendizagem pela observação do comportamento de outros ou da experiência alheia. Assim, as crianças observam seus pais interagindo com eles, assim como, com outras pessoas e aprendem seu estilo. Tanto os comportamentos verbais (por exemplo, assuntos de conversação, fazer perguntas, produzir informações) como os não verbais (por exemplo, sorrisos, entonação de voz, distância interpessoal) podem ser aprendidos pela modelação.

Outro modo importante para a aprendizagem é o ensino direto, ou seja, dar instruções (ensaio comportamental). Falas como: “peça desculpas”, “não fale com a boca cheia”, “lave as mãos antes de comer” modelam o comportamento social da criança. As respostas sociais podem ser reforçadas ou punidas, o que permite que certos comportamentos aumentem e refinem-se, e outros diminuam ou desapareçam. Além desses fatores, a oportunidade de praticar o comportamento em uma série de situações, e o desenvolvimento das capacidades cognitivas são outros procedimentos que parecem estar implicados na aquisição das habilidades sociais (Caballo, 1999).

Segundo Caballo (1999), um comportamento socialmente habilidoso seria um conjunto de comportamentos apresentados pelo indivíduo em um contexto interpessoal que expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo. Esse comportamento deve resolver problemas imediatos e minimizar a probabilidade de futuros, de forma adequada à situação, respeitando os comportamentos dos demais. A competência em habilidades sociais, particularmente as assertivas ou de enfrentamento, tem sido vista como fator de proteção para um funcionamento psicossocial adaptativo do indivíduo diante dos fatores de risco que se apresentam em sua história de vida (Caballo, 1999).

Incidentes no ambiente social podem prejudicar o desenvolvimento harmonioso dos padrões acima referidos, favorecendo a aquisição de estilos disruptivos nas relações interpessoais, gerando prejuízo para o indivíduo e seu meio. O desenvolvimento pode ser considerado deficitário quando permanece aquém do esperado para o grupo cultural em que o indivíduo está participando.

Déficits em determinadas habilidades sociais pode caracterizar relações sociais restritas e conflitivas que interfere, de maneira negativa, sobre esse grupo e sobre a saúde psicológica do indivíduo. Por outro lado, pode ser considerado satisfatório, quando atinge ou supera a expectativa do grupo, criando relações sociais prazerosas e produtivas. Os problemas de comportamento, como agressividade e condutas anti-sociais, ou interiorizados em timidez e inibição excessivas, constituem o contrário do desenvolvimento socioafetivo satisfatório, associando-se, geralmente, a déficits em habilidades sociais importantes para desempenhos mais adaptativos.

Pais que apresentam Transtornos Ansiosos podem prejudicar o desenvolvimento das habilidades sociais dos filhos. Pais com Fobia Social podem evitar que as crianças participem de eventos sociais, pois apresentam ansiedade ao interagir com outros pais, podendo, assim, restringir a oportunidade da criança de exercitar suas habilidades em uma série de situações (Beidel & Turner, 1998). Öst e Hugahl (1982, citado por Falcone & Figueira, 2001) em seu estudo relatam que 13% de seus sujeitos apresentaram o desenvolvimento da Fobia Social através do condicionamento vicário. Conseqüentemente, esse comportamento dos pais com Transtornos de Ansiedade pode prejudicar as crianças, em pelo menos, três áreas. Primeiro, as crianças teriam vulnerabilidade de transmissão genética. Segundo, os pais podem restringir o desenvolvimento de habilidades das crianças de envolvimento sociais. Finalmente, os pais podem transmitir para as crianças seus medos e ansiedades através do aprendizado por modelação ou transmissão de informação (Beidel & Turner, 1998).

 

Orientação de Pais no Tratamento da Fobia Social.

O surgimento da psicopatologia na infância não está relacionado a nenhum agente ou fator único, ao contrário, pesquisas recentes apontam que o comportamento é determinado de forma múltipla e que uma série de fatores interagem na contribuição do surgimento de problemas psiquiátricos. Fatores genéticos, interpessoais e ambientais influenciam-se reciprocamente, colocando as crianças em risco para o desenvolvimento de Transtornos Mentais (Reinecke, Dattilio & Freeman, 1999). De forma similar, esses fatores cumprem uma função protetora, diminuindo tais riscos. Como conseqüência, algumas crianças expostas a fatos estressantes da vida podem desenvolver um estresse apenas moderado, enquanto outras apresentam distúrbios psiquiátricos.

Considerando que o meio, onde a criança está inserida, é tão importante na concepção do Transtorno Mental, o tratamento será tanto mais efetivo quanto maior for a alteração nos elementos negativos que atuam sobre a criança. Conseqüentemente, se a família e a escola apoiarem o trabalho do psicólogo durante o tratamento ele será mais eficaz, à medida que, alcançará mudanças mais duradouras. Esse modelo de intervenção se chama modelo triádico, nele há a participação de três elementos no processo terapêutico: a criança, o terapeuta e o medidor (pais, escola...) que atua sob a orientação do psicólogo. Este modelo apresenta vantagens sobre os enfoques mais tradicionais de terapia infantil, em que os terapeutas trabalham individualmente com a criança (McMahon, 1999).

Patterson (1982) foi o pioneiro a desenvolver um trabalho como modelo explicativo dos problemas de comportamento das crianças, enfatizando o papel dos pais no surgimento e na manutenção dos mesmos. Segundo esse modelo, o foco do problema encontra-se na deficiência de habilidades-chave próprias dos pais, como reforço positivo, disciplina, vigilância, solução de problemas e envolvimento. A disciplina imposta por essas famílias seria de natureza coerciva e controladora. Assim, os aspectos cognitivos da criança durante o tratamento são colocados em segundo plano, uma vez que, a resposta adequada dos pais poderia amenizar dificuldades relativas às cognições da criança. A característica coerciva desse tipo de educação poderia estar presente desde a mais tenra idade.

A Terapia Cognitivo-Comportamental na infância apresenta dois enfoques distintos que são interdependentes: a intervenção realizada diretamente com a criança e a intervenção realizada com a família. A orientação de pais é um aspecto importante do tratamento infantil. Este estudo se propõe a apresentar os pontos que devem ser abordados na orientação de pais de crianças com Fobia Social.

Na Fobia Social a participação familiar recebe especial atenção porque a infância e o contexto familiar têm sido enfatizados como períodos e contextos críticos para aquisições que influem decisivamente sobre as fases posteriores e também sobre outras áreas de desenvolvimento. Embora o desenvolvimento das habilidades sociais ocorra ao longo de todas as etapas do ciclo vital.

No tratamento da criança com Fobia Social o período de entrevista deve incluir uma ampla avaliação, com informações de diversas fontes, como a família, a escola e os profissionais que lidam com a criança (professores). Além das diversas fontes, é importante variar os métodos, que podem incluir entrevistas com pais e professores, observação da criança na sessão, em casa e na escola, desenhos, redações, inventários e monitoramento de atividades diárias.

A primeira estratégia que deve ser trabalhada na orientação de pais é a psicoeducação, é importante oferecer informações quanto à Fobia Social e os fundamentos da Terapia Cognitivo-Comportamental (Beidel & Turner, 1998). Deve-se reconhecer também crenças e expectativas dos pais em relação ao seu próprio comportamento e dos filhos, é necessário investigar qual a compreensão que os pais têm do problema apresentado pelos filhos, questionando explicações e sentimentos associados. É importante reconhecer também a gravidade da disfunção da criança ou da família, bem como informações que tornem contra-indicado o tratamento, como primeira forma de intervenção, se a prioridade for o tratamento dos pais. Outro aspecto relevante é o estabelecimento de uma aliança terapêutica, incluindo o reconhecimento de fatores que podem resultar em oposição à implementação de mudanças, como, por exemplo, problemas conjugais que são deixados em segundo plano devido ao problema da criança.

Durante as entrevistas com os pais, o psicólogo deve tentar identificar características dos mesmos como, sinais de depressão, indicativos de isolamento social, ou seja, avaliar se eles preenchem critérios para Transtorno Mental. Como a criança é identificada como o paciente, o terapeuta deve inicialmente se dedicar somente a compreender o funcionamento da criança. Quando julgar apropriado, deve questionar os pais se outros membros da família, incluindo eles, apresentam sintomas de ansiedade neste momento ou se já apresentaram. Essa linha de questionamento pode oferecer informações importantes para compreensão do surgimento e manutenção da psicopatologia infantil.

Pais que sofrem de Fobia Social podem mostrar dificuldades para estimular os filhos a interagirem com outras crianças porque apresentam ansiedade ao interagir com outros pais. Pais que sofrem de Agorafobia podem ser incapazes de levar seu filho para casa do amigo para brincarem juntos. Pais que apresentaram ansiedade na infância para ir a escola podem se mostrar muito empáticos ao desconforto do filho e relutar e reintroduzir a criança na escola. Assim, é necessário que o terapeuta oriente os pais sobre a fundamentação teórica do tratamento, em especial as exposições. Os pais que apresentarem Transtorno de Ansiedade que for o suficientemente grave para comprometer o tratamento da criança, o psicólogo deve encaminha-los para tratamento individual (Beidel & Turner, 1998).

Kendall (1994), em seu estudo com crianças ansiosas, verificou que a participação dos pais é uma variável que influencia no resultado do tratamento da criança. A diminuição do envolvimento dos pais no tratamento revelou uma efetividade moderada, enquanto, em alguns casos, a participação efetiva dos pais intensificou o resultado. Dessa forma, as expectativas e atitudes dos pais de crianças ansiosas são fatores importantes para a eficácia do tratamento. Para conseguir a adesão dos pais, é importante que o psicólogo durante as entrevistas evidencie que sua compreensão do problema inclui o meio familiar (Souza & Baptista, 2001). O comportamento dos pais fora do setting terapêutico também apresenta influência na eficácia do tratamento (Kendall, 1994). O terapeuta deve estar atento a disponibilidade dos pais para auxiliarem a criança na realização das tarefas de casa, uma vez que a exposição a situações que geram ansiedade é a essência do suporte empírico do tratamento psicológico para a Fobia Social. Alguns pais permitem que os filhos pratiquem as exposições com o terapeuta, mas se mostram relutantes para ajudar a criança com a tarefa de casa. Os motivos são variados: não quererem que a criança sinta desconforto (ansiedade) ou não têm tempo disponível para ajuda-la com o exercício.

O psicólogo deve estar atento aos aspectos comportamentais e cognitivos dos membros da família. É necessário avaliar comportamentos pouco ou até mesmo não desenvolvidos, por exemplo, de reforçamento de comportamentos desejáveis, bem como aqueles que apresentam uso de afirmações humilhantes. A avaliação inclui as habilidades-chave dos pais para lidar com os problemas da criança, como habilidades de comunicação, capacidade de solucionar problemas e negociar, autocontrole do próprio comportamento.

Argyle (1994, citado por Caballo, 1999) aponta três estratégias pelas quais os pais educam seus filhos: por meio das conseqüências (recompensas e punições); pelo estabelecimento de normas, explicações, conselhos e estímulos e por modelação. Essas estratégias baseiam-se em ações educativas que supõem um repertório elaborado e diversificado de habilidades sociais dos pais. Há fatores que podem favorecer para o comprometimento das habilidades-chave próprio dos pais: problemas conjugais (podem propiciar uma disciplina inconsistente e coercitiva), cognições disfuncionais dos pais (por exemplo, temores de que a disciplina possa comprometer a autonomia da criança no futuro), Transtornos Mentais de um dos pais (Souza & Baptista, 2001; Beidel & Turner, 1998).

Barrett (Barret, Dadds, Rapee & Ryan, 1996) em seu estudo analisando a comunicação verbal entre crianças ansiosas e seus pais, verificou que este processo familiar na maioria das vezes serve para intensificar, em vez de eliminar, as respostas ansiosas das crianças. Assim, o modelo de interação familiar pode servir para reforçar comportamentos mal-adaptativos e o estilo de interação familiar deve ser alterado para o tratamento ser bem sucedido. Na avaliação das habilidades parentais, o psicólogo deve compreender em que momento as dificuldades da criança se deve a falta de habilidade dos pais. Assim, alguns pais, acidentalmente ou propositalmente, reforçam comportamentos evitativos da criança ansiosa, ou não apresentam comportamentos parentais básicos, como reforçar habilidades da criança. Na orientação, eles precisam aprender a reforçar comportamentos positivos e corajosos da criança e não reforçar comportamentos de evitação.

O reforço é uma estratégia comportamental básica que geralmente produz resultados rápidos para aumentar comportamentos-alvo, portanto, é a forma primária de aumentar a freqüência de um comportamento. O reforço é negligenciado por muitos pais, que só percebem o comportamento do filho quando é disruptivo ou indesejável. É importante que os pais entendam que deixar de elogiar ou incentivar a criança quando ela se comporta adequadamente, pode significar ignorar o comportamento positivo. A atenção é um dos reforçadores mais ignorados pelos pais. No entanto, a maioria das crianças anseia por ele, logo, dar atenção às crianças é uma forma efetiva de os pais aumentarem o comportamento desejável (Friedberg & McClure, 2004). Durante o tratamento o terapeuta deve se certificar que os pais compreenderam o princípio do reforço e que estão aplicando adequadamente, pois este é um componente importante para a terapia.

Concluindo, o terapeuta deve no tratamento da criança com Fobia Social estar atento aos seguintes pontos: avaliar se os pais apresentam algum Transtorno Mental e compreender como a psicopatologia dos pais favoreceu para o surgimento e manutenção da ansiedade social da criança, quando necessário encaminhar os pais para tratamento individual. Avaliar as habilidades-chave do dos pais para lidar e reforçar os comportamentos positivos da criança. Se certificar que os pais compreenderam claramente as explicações sobre a Fobia Social, quais são os sintomas e como podem ser mantidos devido as evitações e pensamentos distorcidos da criança, e se os pais compreenderam os fundamentos das estratégias de tratamento, como os reforços e exposições. Avaliar a motivação dos pais para o tratamento da criança, incluindo sua disponibilidade de tempo para participar das sessões e auxiliar a criança nas tarefas de casa. O psicólogo deve estar atento a essas variáveis do comportamento parental que podem influenciar negativamente o tratamento, desde as entrevistas iniciais.

 

Conclusão

A Terapia Cognitivo-Comportamental enfoca o relacionamento entre as cognições (os pensamentos), os sentimentos e comportamento. Esta terapia compreende que a psicopatologia pode ser desenvolvida devido à interação de vários fatores e preocupa-se em entender como os eventos e as experiências são interpretados e como identificar e mudar as distorções que ocorrem no processamento cognitivo do indivíduo. O Tratamento infantil apresenta recursos terapêuticos centrados na criança e nos pais. Embora a queixa esteja focada no comportamento infantil, a intervenção deve também ser direcionada à família, uma vez que, a compreensão do problema inclui a família e a criança.

Os problemas de relação pai-filho freqüentemente têm impacto na apresentação e na manutenção do sofrimento afetivo e na atuação comportamental na criança, logo, o envolvimento dos pais no tratamento é um componente lógico que não deve ser minimizado. Os pais são comumente os responsáveis pelo reforço em quase todo o ambiente da criança. Fornecendo informações aos pais e trabalhando cooperativamente com eles para identificar comportamentos e habilidades-alvo, os terapeutas podem ensinar os pais a dar reforço positivo e apoio a seus filhos, que se generalizam fora das sessões de terapia. Assim, a freqüência de comportamentos adequados da criança deve aumentar. Outro aspecto importante da participação dos pais na terapia e que eles podem dar informações importantes sobre o comportamento dos filhos entre as sessões. O psicólogo também deve estar atento se os pais apresentam Transtornos Mentais e como esse dado interfere no surgimento e manutenção da psicopatologia infantil.

O Transtorno de Ansiedade Social inicia-se cedo, em geral na infância, sendo importante que sua presença em crianças não seja desvaloriza ou confundida com timidez. A característica principal da ansiedade social é o medo persistente e excessivo de ser avaliado ou julgado em situações sociais de desempenho.

A Fobia Social freqüentemente leva a uma limitação funcional grave que pode ser medida nas áreas educacional e profissional e nos relacionamentos sociais e familiares. As crianças podem apresentar prejuízo acadêmico, recusa à escola ou esquiva de atividades sociais e encontros adequados à idade. Vários estudos epidemiológicos, tanto na população geral quanto em amostras de pacientes, têm mostrado os efeitos deletérios da psicopatologia (Nardi, 2000).

A Fobia Social é uma patologia que cursa com risco aumentado de suicídio, particularmente quando se desenvolve comorbidade secundária (Nardi, 2000). O comprometimento funcional específico está refletido na reduzida qualidade de vida. A avaliação formal da qualidade de vida no Transtorno mostra quase todos os domínios da vida afetados (Nardi, 2000). A baixa qualidade de vida é agravada por um aparente aumento nas taxas de doenças físicas concomitantes. A proporção de queixas em relação a saúde é duas vezes maior do que na população normal, e esta aumenta de forma significativa quando o paciente apresenta comorbidade (Nardi, 2000).

Os sintomas da ansiedade social levam o indivíduo a evitar interação social e o conduzem ao isolamento e limitações típicos da condição. A incapacidade cumulativa ao longo da vida é alta devido à cronicidade do Transtorno, pois não tende a melhorar com o passar do tempo.

Pesquisas na área de Treinamento de Habilidades Sociais têm mostrado que as pessoas socialmente competentes tendem a apresentar relações pessoais e profissionais mais produtivas, satisfatórias e duradouras, além de melhor saúde física e mental e bom funcionamento psicológico (Del Prette, 2002). Assim, de posse de um diagnóstico de Fobia Social o tratamento deve ter início o mais cedo possível para minimizar o contínuo sofrimento do paciente e eventual cronificação de seu quadro.

 

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Recebido em: 06/04/2005
Aceito em: 25/05/2005

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