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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. v.3 n.2 Rio de Janeiro dez. 2007

 

HOMENAGEM

 

Homenagem a Albert Ellis

 

Homage to Albert Ellis

 

 

Bernard Rangé

Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro &– UFRJ

Endereço para correspondência

 

 

 “Perturbam aos homens não as coisas, senão a opinião, que delas têm.”
Epicteto

“Se você estiver sendo perturbado por alguma coisa externa,
o sofrimento não é devido à coisa em si,
mas pela sua própria estimativa dela; e você tem
o poder de revogá-la em qualquer momento.”
Marco Aurélio

“A felicidade não é alcançada
por você se satisfazer com o que deseja,
mas por destruir o seu desejo.”
Epicteto

 

 

“É com profunda tristeza que o Instituto Albert Ellis anuncia a morte de Albert Ellis, Ph.D., no dia 24 de julho de 2007. O Dr. Ellis, que tinha 93 anos, morreu de causas naturais. No momento da sua morte, ele era o Presidente-Emérito do Instituto Albert Ellis, em Nova York”.

Essa foi a notícia que apareceu no New York Times, na mesma data, e daí correu o mundo, tendo saído também no jornal Folha de São Paulo.

Não se pode deixar de lamentar essa perda. Só para se ter uma idéia, em 2003 a Associação Americana de Psicologia (APA) o reconheceu como o segundo psicólogo mais influente do século XX, antecedido apenas por Carl Rogers. A mesma APA o qualificou, em 1985, com o prêmio de Distinguished Professional Contributions to Applied Research; a Association for Behavioral and Cognitive Therapies outorgou-lhe, em 1996, o Outstanding Clinician Award e, em 2005, o Lifetime Achievement Award; a American Humanist Association reconheceu-o, em 1971, como o “Humanist of the Year”; a Associação de Psicologia de Estado de Nova York, em 2006, o distinguiu com o Lifetime Distinguished Service Award.

Em sua carreira, Albert Ellis foi Presidente da Divisão de Psicologia Clínica da APA; membro do Conselho de Representantes, Presidente e sócio da Sociedade para o Estudo Científico do Sexo; sócio da Associação Americana de Terapeutas de Casais e Famílias; da Associação Americana de Ortopsiquiatria; da Associação Americana de Sociologia; da Associação Americana de Antropologia Aplicada e da Associação Americana para o Progresso da Ciência.

Quando completou seus 90 anos, recebeu mensagens de congratulação do Prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, de Hillary Clinton, do ex-presidente Bill Clinton e do Presidente George W. Bush. Em honra pela ocasião, ele recebeu um xale de seda que havia sido benzido pelo Dalai Lama.

 

História

Albert Ellis nasceu em  Pittsburg, no dia 17 de setembro de 1913, e era filho de pais judeus. Ele era o filho mais velho de três crianças, um irmão dois anos mais moço e uma irmã quatro anos menor. Seu pai era um homem de negócios que teve sucessos pequenos nos seus empreendimentos aventureiros e mostrou uma afeição modesta por seus filhos em função de suas constantes viagens de negócios. Na sua autobiografia, Ellis caracterizou a sua mãe como uma pessoa auto-absorvida com seu transtorno bipolar. Segundo ele, ela era uma “tagarela alvoroçada que nunca ouvia”. Ela expunha as suas fortes opiniões na maioria dos assuntos, mas raramente oferecia uma base factual para esses pontos de vista. Como seu pai, ela também era emocionalmente distante de seus filhos. Ele afirmava que, tipicamente, ela ficava dormindo quando ele ia para a escola e, usualmente, não estava em casa quando ele retornava. Em vez de se tornar uma pessoa amarga, ele assumiu a responsabilidade por cuidar de seus irmãos.

Comprou um despertador com seu próprio dinheiro e passou a acordá-los e vesti-los para que pudessem ir para a escola. Apesar da pobreza emocional, sua família experimentou pouca privação até a Depressão. Depois dela, foi necessário que os três fossem trabalhar para ajudar em casa.

O pequeno Albert era frágil e sofreu de inúmeros problemas de saúde durante a sua infância. Foi hospitalizado aos cinco anos com problemas renais. Também se submeteu a uma amigdalectomia. Ele relatou oito internações hospitalares entre os cinco e os sete anos. Uma dessas durou quase um ano. Seus pais não ofereceram quase nenhum apoio emocional durante esses anos, visitando-o e consolando-o raramente. Ellis parece ter fortalecido sua resiliência ao ser confrontado com essas adversidades enquanto ele “desenvolvia uma indiferença crescente com essa negligência”.

A doença séria nos rins desviou a atenção dele dos esportes para os livros. As brigas em sua família fizeram que seus pais se separassem quando ele tinha doze anos, o que provavelmente o conduziu a se interessar por compreender os outros.

Na escola média, inclinou-se para se tornar “o” grande escritor americano. Planejou estudar contabilidade para fazer dinheiro o suficiente a fim de se aposentar com 30 anos e então escrever sem a pressão de ganhar dinheiro. Mesmo assim, ele se formou em administração na City University de Nova York, em 1934. 

Ellis dedicou a maior parte do seu tempo para escrever contos, peças, poesia, ensaios e livros de não-ficção. Quando ele tinha 28 anos, já havia terminado quase duas dúzias de manuscritos, sem conseguir, no entanto, publicá-los. Dedicou-se, então, exclusivamente à não-ficção para promover o que ele chamou de “revolução familiar e sexual”.

Enquanto ele coletava material para o tratado que ele chamava de “O Caso da Liberdade Sexual”, seus amigos começaram a vê-lo como um especialista no assunto e freqüentemente o consultavam para serem aconselhados por ele. Ellis descobriu que gostava de aconselhamento tanto quanto de escrever. Em 1942, voltou para a universidade, entrando no programa de psicologia clínica da Universidade de Colúmbia. Começou a atender seus clientes em aconselhamento sexual e familiar pouco depois de receber seu mestrado em 1943.  

Quando a Universidade de Colúmbia lhe outorgou o seu doutorado em 1947, Ellis acreditava que a psicanálise era a forma de terapia mais aprofundada e efetiva. Decidiu se submeter a um processo de formação em psicanálise e se tornar “o mais destacado psicanalista dos próximos anos”. Os institutos de psicanálise se recusavam a aceitar treinandos que não fossem médicos, mas ele descobriu um analista do grupo de Karen Horney que concordou em praticar com ele uma análise clássica sob a supervisão dele.

Mas a fé de Albert Ellis na psicanálise foi se desintegrando rapidamente. Descobriu, por exemplo, que seus clientes melhoravam rapidamente, independentemente de terem sessões semanais ou diárias. Passou a ter um papel mais ativo, fazendo interpretações e dando conselhos quando ele atendia pessoas com problemas sexuais ou familiares. Seus clientes pareciam melhorar mais rapidamente também do que quando ele utilizava procedimentos psicanalíticos passivos. Lembrou ainda que, antes de se submeter à análise, ele tinha resolvido muitos dos seus problemas pessoais lendo e praticando as filosofias de Epicteto, Marco Aurélio, Spinoza e Bertrand Russell. Começou, então a ensinar aos seus clientes os princípios que tinham funcionado com ele. 

No final de 1953, ele já não se definia como psicanalista e começou a desenvolver a sua forma de psicoterapia racional, como a denominou no artigo  ‘Rational Psychotherapy’, que publicou na revista Journal of General Psychology (1958).

Em 1955, Ellis já havia largado a psicanálise completamente e estava se concentrando em mudar o comportamento de seus clientes confrontando suas crenças irracionais, persuadindo-os a adotar crenças racionais. Esse papel estava mais de acordo com o gosto dele, pois assim conseguia se sentir mais honesto com ele mesmo. “Quando me tornei racional-emotivo,” disse ele uma vez, “os processos pessoais da minha personalidade começaram a vibrar”. Ele publicou seu primeiro livro sobre TREC, “Como Viver com um Neurótico”, em 1957. Dois anos depois, ele organizou o Instituto para uma Vida Racional, onde ele oferecia workshops para ensinar seus princípios para outros terapeutas. Depois de publicar a “Arte e a Ciência do Amor”, em 1960, seu primeiro grande sucesso, publicou o seu clássico “Terapia Racional-Emotiva”, em 1962, em que apresenta as onze crenças irracionais que ele concebia como a base da perturbação dos seres humanos. O impacto dessas novas idéias foi enorme: era a primeira vez que estava sendo proposto um tipo de psicoterapia baseada na influência de processos cognitivos sobre os sentimentos e comportamentos. 

“Neurose”, disse ele, era “só uma palavra da classe alta para choramingação”.

A Terapia Racional-Emotiva-Comportamental (TREC) foi se tornando uma forma de psicoterapia com uma popularidade cada vez maior. A TREC se tornou um método de terapia orientado para solução de problemas de forma direta e eficiente dirigida para fazer mudanças emocionais e comportamentais por meio de desafiar os pensamentos auto-derrotistas. O sucesso da sua prática clínica, seus livros e seu instituto de treinamento testemunham que seus métodos funcionavam. Ele se tornou um dos terapeutas mais influentes da América.  Desde então, publicou 54 livros e mais de 600 artigos sobre a TREC, sexo e casamento. Ele se tornou o Presidente-Emérito do Instituto Albert Ellis, em Nova York, que oferece programas de treinamentos e psicoterapia para indivíduos, casais, famílias e grupos.

 

A TREC em essência

Para quem ainda não conseguiu ter informação alguma sobre a contribuição dele, será feita agora uma brevíssima revisão.

Uma das marcas da TREC é a idéia de que os seres humanos funcionam baseados em crenças, algumas delas racionais e outras irracionais. As crenças racionais estão relacionadas com estados emocionais negativos equilibrados, como tristeza, mágoa, pesar, desprazer, aborrecimento; mas as crenças irracionais produzem reações emocionais perturbadas, como pânico, depressão, fúria etc. Esses estados emocionais têm uma relação direta com comportamentos saudáveis, como aqueles relacionados com as crenças racionais, ou problemáticos, quando ativados por crenças irracionais.

Albert Ellis também introduziu o modelo ABC, que ressalta claramente as relações entre os acontecimentos (os ‘A’), as crenças (os ‘B’, do inglês beliefs) e as conseqüências emocionais e comportamentais (os ‘C’). Isso facilitou muito o entendimento da influência dos processos cognitivos no funcionamento emocional e comportamental. Também sustentou que as crenças irracionais podem ser muito efetivamente combatidas (os ‘D’, de dispute, disputar, combater) pelo uso dos métodos lógico-empíricos da ciência.

A TREC afirma que a perturbação psicológica depende da tendência dos seres humanos de fazerem avaliações absolutistas dos acontecimentos em suas vidas. Essas avaliações, que têm a forma de “tenho quês”, de “deverias”, de “devos” e “tenho-a-obrigação-de” dogmáticos, são os aspectos centrais de uma filosofia de religiosidade dogmática que Ellis afirma ser o aspecto central da perturbação emocional e comportamental humanas. Há, inclusive, um termo, infelizmente intraduzível, que aparece freqüentemente em seus escritos: “musturbation”. Essa mistura de masturbação mental com “tenho quês” vai gerar um conjunto de conclusões irracionais como as seguintes:

Terrivelização (awfulizing): caracterizado pelo uso de palavras como “horrível”, “terrível”, “catastrófico”, ao descrever alguma coisa, como, p.ex., ‘Seria terrível se...’, ‘Seria a pior coisa que poderia acontecer’, ‘Seria o fim do mundo’... É o que acontece  quando um acontecimento é avaliado como mais do que 100% ruim.

Não-agüentoite
(I-can’t-stand-it-itis): ver um acontecimento como insuportável, como em afirmações to tipo ‘Não suporto isso’, ‘É absolutamente insuportável’, ‘Vou morrer se eu for rejeitado’... Diz respeito a uma pessoa acreditar que não possa conseguir experimentar felicidade alguma se um acontecimento que não devesse ocorrer, ocorra de fato.

Exigências
: usar ‘deverias’ (moralisar) ou ‘tenho-quês’ (musturbating, masturbação mental), p.ex., ‘Eu não devia ter feito aquilo’, ‘Eu não posso falhar’, ‘Preciso que ser amado’, ‘Eu tenho que tomar uma bebida’.
Rotulação de pessoas: rotular ou avaliar todo o seu self (ou o de outras pessoas), como, p.ex., ‘Sou um estúpido / desesperado / inútil / sem valor’.

 

Ellis defendia também que todos os seres humanos são basicamente hedonistas, uma vez que têm uma forte tendência biológica a ficarem vivos e a buscar um grau razoável de felicidade. Hedonismo é uma escolha, mais do que uma necessidade absoluta, e, assim, parece provável que seja uma predisposição inata fazer essa escolha fundamental. No entanto, uma pessoa pode escolher entre satisfações imediatas e de longo prazo. Se uma pessoa escolher conscientemente ter satisfações imediatas e aceitar as implicações dessa decisão, é uma prerrogativa sua, e isso não é necessariamente irracional. Mas se, entretanto, uma pessoa escolher ter gratificações imediatas, em vez de satisfações futuras, mas, depois, exigir tê-las também no futuro e se rebela quando isso não acontece, este não é um comportamento racional. Da mesma forma, se uma pessoa escolhe ter satisfações futuras, mas não consegue se impor, a disciplina necessária para isso, também não é racional. Uma pessoa poderia ter um desejo de experimentar heroína, por exemplo. Poderia fazê-lo sabendo que estaria correndo riscos de morrer de overdose ou de se tornar dependente; mas poderia também preferir não experimentá-la, tendo em vista a possibilidade de problemas com traficantes ou com a polícia. As escolhas feitas dessa forma poderiam ser escolhas racionais, mas escolher experimentar e depois se lamentar da sua dependência seria uma escolha baseada numa crença irracional.

 

Homenagem

Infelizmente, no ano anterior à sua morte, o conselho diretor do Instituto Albert Ellis o afastou, sem que ele tivesse sido previamente informado, afirmando que seu afastamento estava sendo feito por necessidades econômicas. Um juiz interferiu dizendo que o conselho tinha agido de forma errada e o reinstituiu. Ele retornou ao Instituto em junho. Ellis esteve envolvido em batalhas legais com o Instituto que ele fundou e dirigiu por mais de quarenta anos, acusando o conselho de removê-lo de forma inapropriada. 

No dia 28 de setembro de 2007, foi realizada uma cerimônia em sua homenagem, da qual participaram o Dr. Aaron Beck, do Instituto Beck de Terapia Cognitiva, o Dr. Alan Kazdin, próximo Presidente da APA, o Dr. Frank Farley, ex-presidente da APA, o Dr. Jeff Zeig, fundador e diretor da Fundação Milton H. Erickson, entre muitos outros.

Ellis deixou sua esposa, Debbie Joffe-Ellis, psicóloga, que fora previamente sua assistente, e vários sobrinhos.

 

 

Endereço para correspondência
Bernard Rangé: Rua Visconde de Pirajá, nº 547 sala 608 &– Ipanema, Rio de Janeiro.
CEP: 22415-900.

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