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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. v.4 n.1 Rio de Janeiro jun. 2008
ENTREVISTA
Entrevista com Dr. Jeffrey Young1
Eliane Mary de Oliveira Falcone*; Paula Rui Ventura**
*Professora Adjunta do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
**Doutora em Ciências pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
O Dr. Jeffrey Young é atualmente um dos grandes nomes da psicoterapia mundial. Dr. Young é o criador da Terapia do Esquema e, mais atualmente, da Terapia dos Modos do Esquema. Sua nova abordagem traz contribuições à Terapia Cognitiva relativas ao estudo das experiências precoces na formação das crenças, dos esquemas e das estruturas de significado. O modelo do Dr. Young é uma integração pioneira da terapia cognitivo-comportamental com as abordagens da Gestalt-Terapia e da Teoria do Apego e têm se mostrado muito eficiente no tratamento de pacientes difíceis, como aqueles com transtornos de personalidade. Jeffrey Young, desta forma, expande o modelo da terapia cognitivo-comportamental ao dar mais ênfase ao relacionamento terapêutico, à experiência afetiva e à discussão das experiências iniciais no tratamento dos pacientes mais resistentes.
RBTC: Dr. Young, a Terapia do Esquema é atualmente bastante popular no Brasil. Nós gostaríamos de lhe perguntar como começou seu trabalho como psicólogo clínico e o que o levou a desenvolver a Terapia do Esquema.
JY: Mesmo antes de começar meu treinamento como psicólogo clínico, ainda na graduação, eu era bastante interessado em psicoterapias em geral e eu sempre achei que gostaria de aprender todos os tipos de psicoterapia. Assim, eu tentava ler sobre os diferentes tipos de terapia nesta época. Para entender minha trajetória, nós precisamos voltar ao tempo de graduação, pois meu interesse começou neste momento. Na faculdade, eu tive uma disciplina com o Lazarus e esse foi meu primeiro contato com a Terapia Comportamental. Isso teve uma grande influência sobre mim, pois até aquele momento tudo o que eu conhecia era a Psicanálise. Apesar de, obviamente, como graduando, a Terapia Comportamental era só introdutória, havia muito pouco o que eu pudesse fazer. Assim, eu pensei que, quando eu começasse meu treinamento clínico após a graduação, eu gostaria de aprender Terapia Comportamental com o Lazarus ou com alguém que o tivesse treinado, o Wolpe. Quando eu estava para começar meu treinamento clínico, eu escolhi um programa de pós-graduação na Filadélfia, na Universidade da Pensilvânia. Eu escolhi este programa porque eu sabia que lá havia treinamentos disponíveis em diferentes tipos de psicoterapia. Wolpe, Beck e Minucchin, da terapia de família, todos estavam na Filadélfia e o Ellis não estava longe, já que ele morava em Nove Iorque. Eu também fiz um acordo com os responsáveis pelo programa que, se eu escolhesse esta universidade, poderia ser treinado por todos eles, por minha conta, além do que era obrigatório para o meu currículo. Então, o meu primeiro treinamento foi no Wolpe’s Center, onde a maior parte do trabalho era com fobias e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Era muito interessante, pois a Terapia Comportamental de Wolpe estava no início e muitas pessoas importantes estavam lá na clínica dele: Edna Foa, pessoas que trabalhavam com dessensibilização encoberta etc. Era como se eu estivesse entrando em um mundo completamente novo, de uma nova terapia que se mostrava muito mais ativa do que a Psicanálise. Eu nunca gostei da Psicanálise quando mais jovem, na faculdade, porque me parecia muito confusa, a terapia me parecia muito passiva e alguma vezes eu não conseguia entender a teoria quando eu lia. Quando eu era estudante, eu não tinha absolutamente nenhum interesse em Psicanálise e eu sempre procurei algo mais ativo, em que eu poderia solucionar os problemas e ajudar as pessoas rapidamente. Foi por isso que, inicialmente, eu estava mergulhado na Terapia Comportamental. Após o treinamento com Wolpe, ainda na pós-graduação, eu trabalhava em um Centro Comunitário de Saúde Mental e comecei a tentar aplicar a abordagem de Wolpe a uma gama ampla de pacientes. A maioria deles não tinha fobias e o problema é que esta terapia não funcionava tão bem para outros problemas. Eu pensei: “Bom, isso não é suficiente. É bom, mas não é suficiente”. Então eu li o livro do Beck, de 1976 Terapia Cognitiva para Problemas Emocionais, e pensei: “Aqui está um livro escrito por alguém que pensa como eu”. Se eu pudesse ter escrito um livro, eu gostaria de ter escrito este. Sem dúvida, eu gostaria de usar a Terapia Cognitiva e, por sorte, o Beck também estava na minha universidade. Entretanto, ele estava no departamento de psiquiatria e, nos EUA, psicologia e psiquiatria são totalmente separadas, são campos completamente diferentes. Por sorte, eu havia decidido escrever minha dissertação sobre Terapia Cognitiva para solidão. Naquela época, eu estava lendo Bowlby, e pensei que seria interessante tentar entender a solidão do ponto de vista da Terapia Cognitiva. No final do meu curso, eu dava aulas para estudantes de mestrado e selecionei o livro do Beck como um dos livros da bibliografia da disciplina. Ninguém nunca havia selecionado este livro para um disciplina. Assim, alguém estava andando pela livraria da universidade e soube que aquele livro tinha sido escolhido para uma disciplina. Imediatamente, o Dr. Beck pediu para que alguém me ligasse e marcasse um encontro entre eu e ele. Quando eu o conheci, eu lhe disse que havia lido seu livro e achado maravilhoso, falei sobre minha dissertação e, ali mesmo em seu escritório, ele me convidou para fazer pós-doutorado no programa quando eu terminasse minha dissertação. Terminei meu doutorado, fiz meu pós-doutorado no centro do Beck e acabei me tornando o diretor de pesquisa e treinamento do centro. Foi quando eu comecei a trabalhar com pacientes deprimidos e com outros transtornos do Eixo I, mas não com fobias. Naquela época, nós fazíamos pesquisas com tratamentos. Em uma pesquisa, os pacientes não são selecionados aleatoriamente para o tratamento, há uma triagem que verifica a presença de qualquer outro diagnóstico. Assim, todos os meus pacientes tinham apenas depressão. Eu aplicava a Terapia Cognitiva, treinado pessoalmente pelo Dr. Beck, e esta funcionava extremamente bem para os pacientes simplesmente deprimidos. Eu pensei que esta terapia seria a resposta para tudo, já que 80% dos pacientes melhoravam, o que é um índice bastante alto. Eu estava muito animado. Quando decidi deixar o centro e iniciar minha prática clínica privada, comecei usando a Terapia Cognitiva pra um grupo de pacientes mais geral e mais uma vez enfrentei problemas. Não tão sérios quanto os que eu tive com a Terapia Comportamental, mas problemas sérios na medida em que pelo menos metade dos pacientes não respondia tão bem. Metade deles me dizia: “isso faz sentido racionalmente, mas não me afeta emocionalmente”. Eram pacientes muito inteligentes, que entendiam todos os conceitos, faziam os registos de pensamentos mês após mês, todas as técnicas cognitivas que eu conhecia e, ainda assim, não melhoravam. Eles entendiam o problema, entendiam quando estavam distorcendo, mas não conseguiam mudar. Eu sabia que devia fazer mais do que a Terapia Cognitiva. Não algo ao invés dela, mas além dela. Além disso, tinham também partes da Terapia Comportamental de que eu gostava, porque eu sabia o quanto era importante não somente pensar sobre os pensamentos, mas também conseguir que as pessoas mudem seus comportamentos. Eu estava usando, na verdade, ambas as terapias, comportamental e cognitiva. Mas eu sabia que precisava de algo mais. Como eu estava passando por mudanças no campo pessoal nesta época, fui me submeter a terapia. Meu primeiro terapeuta era cognitivo, um ótimo terapeuta, mas a terapia não funcionou, primariamente, porque ele nunca conseguiu indentificar o problema. Nós sabíamos qual era o problema básico, mas não conseguíamos entender porque eu tinha estas dificuldades em meus relacionamentos. Não havia nada no modelo cognitivo que pudesse explicar isso. Eu não tinha pensamentos distorcidos. Então um amigo, também psicoterapeuta, em Nova Iorque, estava se submetendo à Gestalt Terapia. Eu iniciei uma terapia de orientação gestática e, logo na primeira sessão, a terapeuta disse: “Feche os olhos e pense em uma imagem da sua infância”. De repente, todas as memórias, não memórias traumáticas, mas memórias da minha mãe e do meu pai e um monte de emoções começaram a surgir. Eu nunca as entendi, mas sabia que estavam lá. Aquilo explicava completamente porque eu tinha problemas em meus relacionamentos. Em uma ou duas sessões eu fui capaz de explicar questões que eu não consegui em um ano de terapia cognitiva. Eu entendi que se aprofundar nas emoções, nos sentimentos da infância, imagens, algo que não fosse tão racional tinha sido, pelo menos para mim, uma maneira muito mais poderosa de entender meu problema do que a terapia cognitiva. Eu continuei em Gestalt terapia por mais um tempo e então comecei a perceber que, ainda que esta fosse eficaz para esclarecer o problema (pois a terapia me ajudava a senti-lo), ela não me ajudava a solucioná-lo. Pelo menos agora eu sabia do que se tratava. Então fiquei sem saber o que fazer, já que não havia outras terapias. Eu cheguei a frequentar uma Terapia Psicodinâmica por uma ou duas sessões, mas não funcionou novamente porque o terapeuta ficava sentado, calado, e isso para mim era muito frustrante. Assim, finalmente eu entendi que o que eu precisava ainda não existia. Eu precisava criar eu mesmo e encontrar outros lugares por onde procurar.
RBTC: A Terapia do Esquema integra conhecimentos derivados de vários sistemas teóricos, como a Terapia Cognitiva de Beck, o Construtivismo, a Gestalt Terapia, a Psicanálise e a Teoria do Apego. Qual destas teorias você considera mais importante pra trabalhar com os esquemas?
JY: Eu comecei lendo o trabalho de Guidano e Liotti. Guidano foi um dos primeiros construtivistas e teve um grande impacto na Terapia Cognitiva. Estes autores eram muito envolvidos com a Teoria do Apego e desenvolveram todo um modelo de personalidade que me parecia sintetizar melhor o que estava acontecendo. Eles usaram elementos da Terapia Cognitiva, da Psicanálise, da Gestalt Terapia e Eu acho que o Construtivismo foi muito útil no sentido de me afastar um pouco da abordagem Cognitivo-Comportamental ou da Gestalt mais estrita e me possibilitou ter um paradigma teórico para entender os problemas da pessoas. Então passei a usar elementos do modelo de Guidano e Liotti. O problema que eu encontrei foi que eles tinham um modelo teórico, mas não um modelo de terapia. Por muitos anos, eu comecei a desenvolver a Terapia do Esquema como uma tentativa de pegar a teoria da Terapia Cognitiva, da Terapia Comportamental e do modelo de Guidano e Liotti e de alguma forma expandir estes modelos de forma que eu pudesse encaixar melhor meus próprios pacientes. Ainda, eu tentei criar uma teoria que eu pudesse efetivamente explicar para os meus pacientes. Não é possível explicar o Construtivismo ou a Psicanálise para um paciente. Eu queria uma teoria, assim como a Terapia Cognitiva, que o paciente também pudesse entender. Eu queria um modelo conceitual que fosse fácil de entender, com poucos conceitos-chave, mas que pudesse orientar o tratamento. A partir disso, surgiu a lista de esquemas, a idéia de esquema e dos modos de enfrentamento. As outras terapias me davam os fundamentos, mas a maior parte da síntese eu fiz por mim mesmo, a partir do trabalho com os pacientes, gradualmente desenvolvendo o modelo baseado em esquemas. O último passo foi quando, talvez em 1990, trabalhando com pacientes com Transtorno Borderline, eu descobri que a terapia do esquema não estava funcionando e decidi que precisava de algo diferente. Foi quando eu tive a idéia dos modos. Eu desenvolvi quase que uma nova terapia, a Terapia dos Modos do Esquema, para trabalhar com pacientes difíceis, como Borderline, Narcisista, Anti-sociais e outros transtornos de personalidade severos. Essa evolução foi longa e eu passei por muitas abordagens para chegar a este modelo. A única coisa da psicanálise que eu aproveitei foi a idéia de mecanismos de defesa. Eu acho que esse é um conceito muito útil, apesar da lista de 25 ou mais mecnismos eu considerar desnecessária. Alguns deles são bastante úteis, como a repressão, mas eles não são simples o sificiente para serem usados com os pacientes e alguns são demasiadamente complicados. Logo, eu tentei simplifica-los para somente aqueles que eu via em meus pacientes, usando apenas os mais importantes. Eu decidi chamá-los de “estilos de enfrentamento”, o que era mais consistente com a terapia Cognitivo-Comportamental. Outra coisa importante da Psicanálise foi a idéia de prestar atenção nos dados da infância.
RBTC: Que pesquisas têm sido feitas para avaliar a eficácia da terapia do esquema e que resultados foram obtidos até o momento?
JY: Houve muito poucos estudos. Uma das minhas maiores frustrações é o fato de que ninguém nos EUA financia estudos com terapias de longa duração. Nos EUA, a terapia deve durar até 20 sessões e não é possível fazer terapia do esquema em 20 sessões. A Terapia do Esquema é uma terapia de longa duração para transtornos da personalidade (um ano ou dois ou até mais tempo para pacientes borderline). Nos EUA, eu não consegui que fossem feitas muitas pesquisas pois não há interesse em financiá-las e os ensaios clínicos são muito caros. Nos últimos seis anos, outros países que fazem pesquisas com terapias de longa duração passaram a fazer pesquisas com Terapia do Esquema. O Dr. Beck me apresentou ao mais importante pesquisador cognitivo na Holanda, Dr. Arno Arnz, que pretendia fazer um estudo clínico com pacientes borderline. Eu comecei a ir até a Holanda para treinar os terapeutas para este estudo. Desde que este estudo começou, vários outros começaram a ser feitos. Eu acho que nós ainda não sabemos a eficácia da terapia, pois este é o maior estudo e os outros foram muito pequenos para que se possa tirar conclusões. Mas exatamente porque os resultados destes estudos foram bons é que atualmente temos várias pesquisas em curso. O governo holandês acaba de financiar um novo estudo, com 80 terapeutas do esquema, 80 terapeutas centrados no cliente e 300 pacientes, a fim de comparar as duas terapias quanto a todos os transtornos de personalidade, à exceção do transtorno borderline. Agora nós poderemos saber o quão eficaz é a Terapia do Esquema para todos os outros transtornos de personalidade, apesar de que para isso ainda deveremos levar em torno de cinco anos. Há também uma pesquisa na Inglaterra, com população penitenciária; há estudos começando na Nova Zelândia, com depressão crônica, e um grande estudo com Terapia do Esquema para dependência de substâncias, a fim de determinar se a Terapia do Esquema previne recaída para drogas e álcool.
É difícil me manter atualizado, pois há muitas pessoas começando estudos com a terapia, mas eu acredito que ainda devemos levar uns cinco anos para termos resultados de pesquisas suficientes para saber se a Terapia do Esquema funciona para estes outros problemas. Pelos resultados com os pacientes borderline, eu acho que esta é uma boa terapia para estes casos e eu acredito que vamos conseguir provar sua eficácia para os outros transtornos de personalidade, assim como para depressão crônica. Para os outros transtornos, eu não sei. É uma área muito nova em termos de estudos clínicos, mas eu acho que é bastante promissora. Nós temos feito a terapia no nosso centro há bastante tempo, com resultados muito bons. Entretanto, todo terapeuta pensa que sua terapia é boa. Assim, nós temos que fazer pesquisas que provem que a terapia realmente funciona. Eu espero que, em cinco anos, se vocês me fizerem esta pergunta de novo, eu tenha muitos estudos para lhes contar. No momento, é possível encontrar relatos de caso publicados, mas ainda são muito poucos.
RBTC: Como você relaciona o conceito de Terapia do Esquema aos diferentes níveis de pensamento propostos pela Terapia Cognitiva de Beck?
JY: Eu acho que a forma mais fácil de responder a esta pergunta é dizer que o esquema é parte do modelo original de Beck. Piaget e os gregos também já falavam de esquemas. Esquema, semelhante à maneira como eu conceituo, já estava presente no trabalho de Beck. Beck propôs que o esquema era o nível mais profundo do pensamento. Ele não chamava isto de crença, mas de estrutura. Não é o mesmo que eu faço, mas é bastante semelhante. Ambos acreditamos que o esquema é a estrutura mais profunda, do ponto de vista psicológico. Assim como Beck, eu acredito que os esquemas direcionam os outros níveis de cognição. Por exemplo, se você tem um esquema de defectividade, isto vai gerar pensamentos automáticos como “Eu sou uma pessoa má”. Beck nunca teve as crenças centrais como parte de seu modelo. Isso é novo. Eu acho que foi apenas um desenvolvimento político e não acho que isso tenha nenhum significado. Relacionando os esquemas às crenças centrais, eu acho que o esquema é uma estrutura mais abrangente e que a crença central é a parte cognitiva do esquema. O esquema direciona o seu pensamento. Quando os pacientes têm pensamentos automáticos negativos, estes foram gerados pelo esquema, o esquema os propulsionou. Este é o modelo de Beck, do qual eu compartilho. Sobre os outros níveis de pensamento, as distorções cognitivas também são geradas pelos esquemas. “Suposições subjacentes” são um termo menos usado atualmente. Atitudes disfuncionais também são dirigidas pelos esquemas. Eu diria que o esquema é o nível mais profundo do pensamento e que todo o resto surge do esquema.
RBTC: Uma das muitas contribuições da Terapia do Esquema para a prática clínica da Terapia Cognitiva é que esta oferece a base para entender melhor e intervir em situações que envolvem a relação terepêutica. Você poderia comentar este aspecto?
JY: Eu acho que uma das melhores partes da Terapia Cognitiva é que esta gera uma boa relação terapêutica. Diferentemente da Psicanálise e até da Terapia Comportamental, há muito mais ênfase, na Terapia Cognitiva, em ter uma aliança terapêutica forte. Entetanto, Beck, até muito recentemente, via a relação terapêutica como uma forma de conseguir que os pacientes fizessem as tarefas de casa e mudassem seu pensamento, mas não como uma forma direta de mudança terapêutica. A diferença é que eu acredito que a forma de mudar os esquemas é trabalhando diretamente com a relação terapêutica, através de uma experiência emocional corretiva, o que significa que o terapeuta vai criar uma nova experiência para o cliente na relação terapêutica e que isto vai mudar a forma como o paciente se relaciona com as pessoas em geral. Assim, quando os pacientes saem da terapia, eles se relacionam melhor com as pessoas. A terapia não é somente uma forma de conseguir que alguém faça as tarefas de casa ou que mude sua forma de pensar. A terapia é um instumento para dar ao paciente novas experiências que combatam os seus esquemas iniciais. Se você tem um esquema de que as pessoas vão mentir para você, trair você, e você tem uma relação terapêutica em que o terapeuta lhe diz diretamente o que ele sente, é honesto com você, você tem uma nova experiência agora, e isto muda seus esquema. Os psicanalistas usam isto no sentido de interpretar os problemas nas relações, o que não é o que nós fazemos. Se você é um paciente borderline, e você diz: “Eu me sinto tão só, ninguém me ama”, um analista vai lhe dizer que você precisa encontrar alguém que te ame, ou que você deveria parar de reclamar e fazer algo sobre isso ou ainda “parece que você tem problemas em seus relacionamentos”. Mas isto é interpretar a necessidade, ou confrontá-la, mas não realmente satisfazê-la. A minha idéia é que o terapeuta olhe para o que estava faltando na infância do paciente, entender que necessidades não foram atendidas e atendê-las, por meio da relação terapêutica. A inovação é que o terapeuta não só interpreta ou explica as necessidades dos pacientes, mas também as supre. Se o paciente não obteve cuidados suficientes, nós efetivamente cuidamos deles, o que quer que tenha faltado, nós provemos mais e mais, a fim de contrabalançar a falta daquilo na infância. Isto é o que eu chamo de “reparentamento limitado”. Isto significa que nós nos tornamos como pais, dentro dos limites da terapia, e fazemos o que os pais deveriam ter feito, mas não fizeram. Eu acredito que esta é uma das formas mais poderosas de se mudar um esquema. Nós usamos isto com todos os nossos pacientes, mas particularmente com os borderline. Eu acho que o reparentamento limitado é a parte mais efetiva do tratamento e eu atribuo a isto os bons resultados obtidos. Quanto mais difícil é o paciente, mais importante é o reparentamento. Eu acho que o reparentamento limitado é a melhor forma de mudar os esquemas mais profundos, não apenas em nível emocional ou cognitivo, mas tendo um novo relacionamento com alguém que prove para você, através da relação, que seu esquema está errado. A pessoa não pensa sobre isso ou analisa. Depois de um tempo, eles simplesmente sentem que podem começar a confiar nas pessoas, ou que existem pessoas que se importam, não porque você diz isto para eles, mas porque você os trata desta forma. Se você trata alguém de uma forma que esta pessoa não está acostumada a ser tratada, ela melhora. No início, as pessoas pensaram que esta era uma idéia louca, mas agora, em função dos ótimo resultados, elas percebem que nós podemos fazer isto, sem ultrapassar os limites sexuais e pessoais inerentes à relação terapêutica.
RBTC: O trabalho com modos parece ser um dos aspectos mais difíceis da intervenção. Como os modos dos esquemas se relacionam com os estilos de enfrentamento?
JY: Os estilos de enfrentamento são parte do modelo original. Quando eu desenvolvi o trabalho com os modos, eu não quis perder nada do modelo original. Assim, os esquemas e os estilos de enfrentamento estão contidos no modelo dos modos. Nenhum dos construtos desapareceu, eles só foram realocados. Todos os estilos de enfrentamento se tornaram modos de enfrentamento. O estilo de rendição foi transformado no modo rendição complacente, o estilo evitativo, agora é o protetor distante e para o supercompensatório, temos o modo supercompensado. Nós simplesmente incorporamos o conceito de estilos de enfrentamento aos modos. Basicamente, todos os estilos de enfrentamento se encontram na lista de modos. Se você observar a lista de dez modos, você verá que três deles são chamados de modos de enfrentamento e equivalem aos três estilos de enfrentamento.
RBTC: Como você vê o futuro das psicoterapias e que contribuição a Terapia dos Esquemas trará para este futuro?
JY: Eu acredito que haverá um movimento muito maior em direção às imagens com conteúdo emocional. Se você observar os novos livros de Terapia Cognitiva, há esquemas emocionais no título e relatos de trabalho com imagens, o que é bastante inovador. Eu acho que o trabaho com imagens e o trabalho experiencial da terapia do esquema já estão se tornando parte da corrente principal em psicoterapia. A Gestalt Terapia nunca fez parte desta corrente principal, mas atualmente, após convencer os terapeutas cognitivos a incorporarem o trabalho experiencial e com imagens, esta se tornará parte desta corrente. O que eu espero agora é que o paciente típico que procura terapia, com problemas profundos, tenha acesso ao trabalho experiencial e com imagens, o que quase nenhum paciente obtém atualmente. Eu imagino que esta será uma grande contribuição.
Uma segunda contribuição seria o reparentamento limitado. Eu acho que a percepção de que o terapeuta pode suprir as necessidades dos pacientes na relação, dentro de alguns limites, é um conceito muito importante. Uma terceira contribuição seria parar de ver os pacientes como patológicos e dizer que todos temos esquemas, modos e estilos de enfrentamento e que a questão é o quão severos estes são, fazendo os problemas psicológicos mais normais, como um espectro entre o normal e o que os pacientes apresentam, de forma que os pacientes não precisem ficar alinhados em uma categoria especial. Os pacientes são como todo mundo, eles simplesmente são as pessoas que vêm ao seu consultório. Este enfoque fará dos transtornos de personalidade não transtornos, mas algo dentro do espectro de problemas de personalidade que todos temos. Se nós entendermos os processos normais dos problemas psicológicos, nós também entenderemos os nossos pacientes. A idéia é criar uma linguagem que não se mostre negativa em relação ao paciente, que não os enfoque de uma maneira ruim, que seja humana, compreensiva e compassiva. Eu acho que esta seria uma das maiores contribuições da Terapia do Esquema, fazer com que as pessoas parem de ver os pacientes como maus, loucos, manipulativos, psicopatológicos, se livrando destes rótulos, e dizendo simplesmente que eles são como todo mundo, somente com infâncias mais difíceis. Ainda, eu espero que isto convença as pessoas a fazerem terapias de longa duração. Eu espero que a longo prazo, as pessoas deixem de pensar que as terapias de curta duração são a resposta para pacientes difíceis. Estes pacientes precisam de mais terapia e você não pode espremê-la em um curto espaço de tempo. A relação custo-benefício mostra que três anos de terapia, duas vezes por semana, era favorável para pacientes difíceis, o que significa que era mais eficiente a sociedade investir em terapias de longo prazo.
Em relação ao futuro das psicoterapias, eu não acho que podemos prever o que ocorrerá daqui a 20 anos. É difícil olhar tão para a frente. Eu tenho certeza que, daqui a dez anos, existirão novas terapias e nós não temos a menor idéia do que elas serão. Eu espero que o futuro das psicoterapias seja integrador. Eu acho que o maior perigo é que as pessoas façam o que eu fiz no início, ou seja, toda vez que você achar uma nova terapia, pensar que esta é a resposta para tudo e depois perceber que esta é somente uma parte da resposta. Eu gostaria que as pessoas começassem a perceber que ser um bom terapeuta é integrar o que você sabe com outras coisas e sempre estar aberto para novas idéias. Eu espero que o futuro das psicoterapias seja entender que, assim como na medicina, cada transtorno precisa de um tipo de tratamento, e que sempre surgirá um tratamento melhor, que o que temos é apenas temporário. Espero que em terapia, as pessoas não fiquem restritas a um tratamento, que haja o entendimento de que nós estamos sempre aprendendo coisas novas e que nós temos que seguir ampliando o conhecimento, ao invés de trocar de uma terapia para outra. Se você ficar alternando entre as terapias, há sempre perdas e no final sempre se terá terapias incompletas. Um modelo mais aberto seria manter o que já se sabe, mas sempre adicionando novos conhecimentos e idéias de intervenção.
Endereço para correpondência
Endereço da autora principal: Eliane M. O. Falcone. Rua Jardim Botânico 674/108 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro.
Email: falcone@unisys.com.br
1 Entrevista realizada em São Paulo, no dia 27 de julho de 2007.