Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687
Rev. bras.ter. cogn. vol.5 no.2 Rio de Janeiro nov. 2009
ARTIGO
Diagnóstico psicológico e terapia cognitiva: considerações atuais
Current status of psychological diagnostics in cognitive therapy
Isabel Cristina Weiss de Souza1; Carolina Ferreira Guarnieri Cândido2
1Psicóloga; Mestranda em Saúde Coletiva UFJF
2Psicóloga; pós-graduanda em Desenvolvimento Humano UFJF
RESUMO
A avaliação psicológica é de suma importância para a atividade profissional do psicólogo. Com as mudanças na legislação, a necessidade de discussões sobre classificações psiquiátricas é emergente. Classificações como a CID-10 e o DSM-IV, quando utilizadas em diagnósticos psicológicos, por serem embasadas cientificamente, facilitam a discussão entre profissionais de campos diferentes. O processo de avaliação cognitivo-comportamental é o início do desenvolvimento do tratamento terapêutico nesta abordagem. Os terapeutas cognitivo-comportamentais vêm desenvolvendo técnicas que objetivam influenciar os pensamentos, os comportamentos e o humor. A compreensão dos fatos relacionados aos distúrbios psicológicos permite o planejamento de intervenções clínicas efetivas e personalizadas. Então, para profissionais de abordagens diferentes, que fazem uso do diagnóstico psicológico, ferramentas como as classificações psiquiátricas são um importante instrumento para um diagnóstico preciso, para aprimorar a comunicação clínica com outros profissionais e aumentar a generalização e comparabilidade de conclusões diagnósticas. O objetivo deste artigo é enfatizar a importância da avaliação psicológica na condução do processo terapêutico em terapia cognitivo-comportamental.
Palavras-chave: Terapia cognitivo-comportamental, Avaliação psicológica, Psicodiagnóstico.
ABSTRACT
Psychological evaluation is an important professional activity for psychologists. Due to changes in legislation, the need for discussion about psychiatric classification became evident. Classifications such as CID-10 and DSM-IV, used for psychological diagnosis can be considered scientifically based and make the discussion between professionals from different fields easier. The process of cognitive-behavioral evaluation is the gate to psychotherapeutic treatment development. Cognitive-behavioral therapists develop therapy sessions by using a set of techniques with the objective to influence thoughts, behaviors and mood. The understanding of facts related to psychological disturbances allow the planning of effective and individualized clinical interventions. So, for professionals of different approaches who make use of psychological diagnosis, the tools such as psychiatric classifications are the main instrument to increase accurate diagnosis, to improve clinical communication with other professionals and to increase generality and comparability of diagnostic conclusions.
Keywords: Cognitive-behavior therapy, Psychological evaluation, Psychodiagnosis.
A clínica da atualidade tem demonstrado necessidade de pesquisas e desenvolvimento de técnicas de intervenção eficazes para aqueles que procuram atendimento psicológico (Paulo, 2006). Em razão disso, com as contribuições advindas de diversos estudos na área nas últimas décadas, é possível notar uma evolução no processo psicodiagnóstico.
Desde sua introdução na prática psicológica, há aproximadamente 40 anos, o campo da terapia cognitivo-comportamental tem se desenvolvido: Hoje há diversos modelos de terapia cognitiva comprovadamente eficazes (Knapp, 2004). é notável que este modelo terapêutico está crescendo, com as recentes tendências em favor de terapias empiricamente comprovadas.
Diversos sistemas de saúde no mundo se esforçam para conter custos e melhorar a relação custo-benefício dos tratamentos de saúde mental. Dessa forma, na última década, a terapia cognitiva teve um enorme impacto sobre o campo da saúde mental, como resultado de sua eficácia evidenciada na compreensão e no tratamento de uma ampla gama de distúrbios emocionais e comportamentais (Dattílio & Freeman, 1998b). A quantidade crescente de trabalhos que mostram sua eficácia constitui uma explicação para o fato de esta abordagem ser considerada a que mais obteve popularidade nas últimas décadas (Rangé, 2001).
Por apresentar interfaces entre a psiquiatria e abordagens da psicologia, além de ser voltada para a resolução de problemas com objetividade e eficiência, de forma estruturada, validando cientificamente suas ferramentas e resultados psicoterápicos, num curto espaço de tempo e com baixo índice de recaídas, a terapia cognitivo-comportamental tem apresentado franca demanda por sua utilização e ensino.
Assim, o objetivo deste artigo é apresentar a interface existente entre a prática da terapia cognitivo-comportamental e o diagnóstico psicológico, enfatizando a importância do psicodiagnóstico na condução do processo terapêutico.
A terapia cognitiva de Beck é considerada por muitos a principal abordagem cognitiva de hoje. Em seus trabalhos iniciais sobre a depressão, ele constatou que as avaliações e os pensamentos negativos, comumente encontrados em pacientes com depressão, não constituem um sintoma somente, mas são fatores que estão na manutenção deste transtorno (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Na atualidade, dispõe de uma ampla gama de tratamentos para os diversos transtornos psiquiátricos.
As terapias cognitivo-comportamentais denominam-se assim por constituírem uma integração de conceitos e técnicas cognitivas e comportamentais, e se diferenciam umas das outras de acordo com o enfoque predominante, cognitivo ou comportamental. Pesquisas na área e a prática da TCC vêm mostrando que, apesar das diferenças entre as abordagens, sua integração vem apresentando resultados satisfatórios e demonstrando sua viabilidade.
O crescimento das terapias cognitivas trouxe consigo evoluções no sentido de manter renovada a teoria cognitiva da prática clínica, tanto em termos da teoria e da técnica, quanto em termos das concepções filosóficas, epistemológicas e científicas. Entre as evoluções, a aproximação com as neurociências e com os fundamentos da psicologia cognitiva experimental, traz como conseqüência positiva explicações etiológicas mais integrativas dos transtornos psicológicos e uma prática muito mais objetiva e agregada à farmacoterapia, no intento de aumentar a qualidade de vida dos pacientes.
Uma mudança da lei brasileira permitiu ao psicólogo, enquanto profissional da saúde, emitir atestados psicológicos para efeito de licença-saúde (Manual do Conselho Regional de Psicologia, 1997, Resolução CFP n.° 007/94 de 28/10/94 e Resolução CRP-06 n.° 008/94 de 08/08/94, pp. 86 e 99). Tal exigência traz à discussão a questão fundamental do referencial teórico a ser utilizado. Com efeito, o texto da lei indica a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, Décima revisão, 1993) como fonte de enquadramento de diagnósticos. Cabe perguntar sobre as possibilidades de coincidência entre tal classificação e as concepções de doença mental em uso pelos profissionais de psicologia.
Em algumas abordagens, os psicólogos têm seguido as classificações psiquiátricas. Todavia, o critério classificatório é tomado, muitas vezes, como um guia compreensivo de um quadro psicopatológico, com a finalidade de se manter uma comunicação entre profissionais, sobretudo entre psicólogos e médicos psiquiatras. A prática do psicodiagnóstico nosológico possibilita um espaço de diálogo entre profissionais, um código que permite que diferentes profissionais, independentemente da abordagem, se comuniquem sem que os vários termos referentes ao diagnóstico (cada abordagem teórica apresenta seus próprios termos) interfiram negativamente na compreensão entre eles.
Fundamentos do Diagnóstico Psicológico
A avaliação psicológica constitui uma prática relativamente recente na psicologia, visto que se configura como campo de produção a partir da segunda metade do século XX. Em nossa cultura, o desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão, e, por conseguinte, do diagnóstico psicológico, sofreram várias influências. Entre elas, do modelo médico, dos estudos da psicometria e do surgimento da psicanálise (Ocampo, 1985).
Considerando-se a avaliação como uma atividade que requer rigor e eficácia, pode-se afirmar que a avaliação psicológica é uma prática profissional importante para o psicólogo, tendo-se em vista que pode fornecer elementos de análise imprescindíveis para a atuação em diferentes campos. Na realização de avaliações seguras, é imprescindível o conhecimento e o domínio de instrumentos de coleta de dados, dentre eles o teste psicológico (Oliveira, Noronha, Beraldo & Santarém, 2003).
Os testes são instrumentos de medida que investigam amostras de comportamento e devem ser capazes de auxiliar na identificação de características de sujeitos. Para tanto, devem ser construídos com base científica e apresentar parâmetros psicométricos que de alguma forma atestem a confiabilidade e a representatividade do construto que está sendo medido.
Os testes são mais um recurso para auxiliar o profissional na compreensão e fechamento das considerações a respeito de um examinando, seja em processo seletivo (exame psicológico ou psicotécnico), avaliação psicológica e psicodiagnóstico.
Muitas das questões sobre o rigor e o valor da avaliação psicológica passam pela atuação do psicólogo que a realiza. Assim sendo, faz-se necessário que ele apresente condições mínimas para tarefa, como conhecimento atualizado da literatura e de pesquisas disponíveis sobre o comportamento humano e sobre o instrumental psicológico, treinamento específico para o uso de testes e escalas, domínio sobre os critérios estabelecidos para avaliar e interpretar resultados obtidos, capacidade para considerar os resultados obtidos à luz das informações mais amplas sobre o indivíduo, contextualizando-os, seguir as orientações existentes sobre organizações dos laudos finais e, acima de tudo, garantir princípios éticos quanto ao sigilo e à proteção ao indivíduo avaliado (Alchieri & Cruz, 2003).
No Brasil, a atuação do psicólogo, na testagem, é considerada uma atividade pericial. Por lei, os peritos devem prestar serviço de qualidade à sociedade, e esta qualidade pode ser cobrada judicialmente. Isto é, o psicólogo responde até criminalmente por sua conduta na área dos testes psicológicos. Os direitos do testando, de modo geral, são norteados pelos comitês de ética em Psicologia e pelas normas para Testagem Educacional e Psicológica da American Psychological Association (APA).
Embora as pesquisas sobre a utilização dos testes psicológicos tenham crescido na última década, Noronha (1999), pesquisando os usos e problemas na utilização dos testes psicológicos, constatou que os psicólogos não costumam utilizar testes psicológicos na sua avaliação. Outro dado que merece atenção é que a formação na área de ensino de testes é deficiente, como observado por Oliveira, Noronha, Beraldo e Santarém (2003). Noronha (2003) afirma que é preciso repensar a formação do profissional de Psicologia, de modo que o psicólogo tenha uma bagagem teórica mais consistente e faça um uso ético e consciente dos instrumentos.
A avaliação psicológica é uma atividade exclusiva do profissional de Psicologia, sendo regulamentada pelo Código de ética Profissional, desde a promulgação da Lei nº 4119 de 1962. Como são muitas as teorias existentes e nem sempre estas são convergentes, a atuação do psicólogo em diagnóstico varia consideravelmente.
Nos últimos anos houve um maior interesse pela avaliação psicológica, o que pode ser justificado em função do aumento do número de congressos específicos, discussões entre pesquisadores, criação de laboratórios ligados a universidades, bem como pela criação do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e pela recomendação de mestrado e doutorado com área de concentração em avaliação psicológica. Talvez o fato mais marcante nesse novo cenário nacional da área de avaliação seja a promulgação das resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP), cujo eixo central é a avaliação da qualidade dos testes comercializados no Brasil.
Recentemente, o Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região, em consonância com outras entidades, organizou um encontro cujo foco era o ensino da avaliação psicológica (Conselho Regional de Psicologia, 2004). Embora eventos nem sempre possam oferecer soluções imediatas para as questões emergentes, vale ressaltar que tais discussões fomentam reflexões e tendem a gerar pesquisas.
A Terapia Cognitivo Comportamental
A terapia cognitiva é um sistema de psicoterapia que se baseia na teoria de que o modo como um indivíduo estrutura as suas experiências determina o modo como ele se sente e se comporta (Dattílio & Freeman, 1998a). Os sentimentos não são determinados por situações, mas pelo modo como as pessoas as interpretam. Nesta visão, os transtornos psicológicos decorrem de um modo distorcido ou disfuncional de perceber os acontecimentos, influenciando os afetos e os comportamentos (Beck, 1997). Os indivíduos têm predisposição a fazerem construções cognitivas falhas, o que é chamado de ‘vulnerabilidade cognitiva’ (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997).
A emoção torna-se disfuncional quando decorrente de pensamentos irrealistas e absolutistas, interferindo na capacidade da pessoa de pensar objetivamente. Isso não significa que os pensamentos causam os problemas emocionais, mas sim que eles modulam e mantêm as emoções disfuncionais (Rangé, 2001). Há uma interação recíproca entre os pensamentos, os sentimentos e os comportamentos, fisiologia e ambiente; a mudança em qualquer um destes componentes pode iniciar modificações nos demais (Knapp, 2004).
O terapeuta cognitivo busca produzir mudanças no pensamento e no sistema de crenças do cliente, com o propósito de promover mudanças duradouras (Beck, 1997). Embora o processo terapêutico possa variar de acordo com as necessidades de cada paciente, existem alguns princípios que caracterizam o procedimento clínico nesta abordagem de tratamento.
A terapia cognitiva é baseada nos problemas do cliente e no estabelecimento de metas específicas, através das quais são identificados os pensamentos automáticos testáveis que impedem a realização dessas metas. A validade desses pensamentos é avaliada em conjunto por terapeuta e cliente. Posteriormente esses pensamentos serão testados por experimentos comportamentais, e utilizadas técnicas de resolução de problemas (Rangé, 2001).
Na terapia cognitiva, segundo Beck (1997), três níveis de cognição serão trabalhados: pensamentos automáticos, pressupostos subjacentes (crenças intermediárias) e crenças nucleares (centrais). As primeiras sessões focalizam-se na conceituação, socialização e adesão ao tratamento. Posteriormente, o foco será a modificação de pensamentos automáticos, bem como das emoções e dos comportamentos que mantêm o transtorno psicológico. Na medida em que evolui, o tratamento focaliza a modificação das suposições, regras e crenças centrais/esquemas (Rangé, 2001).
As técnicas comportamentais são empregadas, sobretudo, para que o paciente altere algum comportamento de seu repertório e possa, com isso, reexaminar as crenças sobre si mesmo e sobre os eventos, obter evidências factuais para suas conclusões e reformular suas avaliações. Os experimentos comportamentais, em que o paciente é incentivado a modificar as contingências de seu próprio ambiente, são importantes técnicas avaliativas, pois testam diretamente a validade dos pensamentos (Nabuco & Roso, 2003).
Já as técnicas cognitivas têm sido aprimoradas ao longo dos anos, procurando instrumentalizar os terapeutas para o trabalho de identificação, análise e reestruturação do sistema de crenças do cliente. Por exemplo, ao utilizar a técnica de registro de pensamentos (RPD), que deve ser precedida da compreensão da lógica do modelo cognitivo, pensamentos relevantes a serem trabalhados em terapia são identificados.
O terapeuta cognitivo constrói hipóteses ao longo do processo terapêutico. Ele vai testando, reconstruindo suas hipóteses e se aproximando da estrutura cognitiva do paciente. Essa construção da hipótese cognitiva global é chamada de Conceituação Cognitiva. A Conceituação cognitiva é uma hipótese sobre pensamentos, suposições, emoções e crenças do paciente.
A conceituação cognitiva constitui o arcabouço que permite ao terapeuta conduzir seu trabalho com objetivos e uma rota definida. Segundo Rangé (2001) e Caminha, Wainer, Oliveira & Piccoloto (2007), a ausência de uma conceituação cognitiva torna o tratamento vago e irrelevante, mesmo que sejam usadas as técnicas cognitivas. Assim, a conceituação cognitiva é a habilidade clínica mais importante para o terapeuta cognitivo.
Esta requer primeiramente uma avaliação inicial dos problemas do paciente, que deve incluir a identificação do problema, as circunstâncias de vida que precipitaram o problema, a história familiar e do desenvolvimento, as medidas padronizadas de ansiedade e depressão e de transtornos específicos relacionados ao caso, medidas específicas (como diário de freqüência de ataques de pânico e registro de pensamentos disfuncionais) e a hipótese diagnóstica. A especificação de metas está incluída (Beck, 1997).
Além de entrevistas com o paciente, recursos tais como entrevistas com pessoas- chave, observação direta do comportamento em ambientes clínicos, automonitoração e aplicação de instrumentos psicológicos (escalas e questionários) ampliam a compreensão do caso, garantindo uma formulação mais completa (Caminha e cols., 2007).
A avaliação inicial possibilita que o terapeuta levante hipóteses sobre as experiências no desenvolvimento do cliente que contribuíram para a construção da crença central, assim como sobre as crenças intermediárias e pensamentos automáticos relacionados à crença central, as estratégias cognitivas, afetivas e comportamentais utilizadas pelo paciente para enfrentar as suas crenças disfuncionais, e os eventos estressores que contribuíram para a manifestação dos problemas psicológicos (Beck, 1997).
A conceituação cognitiva tem início no primeiro contato com o paciente e é aprimorada continuamente. O objetivo principal da conceituação cognitiva é melhorar o resultado do tratamento, auxiliando o terapeuta a obter uma concepção mais ampla e profunda do paciente.
Na concepção cognitiva, a psicopatologia é considerada o resultado de crenças excessivamente disfuncionais e de pensamentos demasiadamente distorcidos que, em atividade, influenciam o humor e o comportamento do indivíduo, enviesando sua percepção da realidade. Assim, sua identificação e posterior modificação são elementos centrais para o tratamento, capazes de promover a redução dos sintomas (Beck, 1997).
A todas as pessoas ocorrem pensamentos involuntários, chamados de pensamentos automáticos na terapia cognitiva, que são exagerados, distorcidos, equivocados, irrealistas ou disfuncionais, e que têm um importante papel na psicopatologia, porque moldam tanto as emoções como as ações do indivíduo (Knapp, 2004). Os pensamentos automáticos derivam de um "erro" cognitivo e têm íntima relação com as crenças. Estas são as cognições mais fáceis de acessar e modificar.
Embora a terapia cognitiva seja identificada por intervenções que visam modificar pensamentos, essa é apenas uma das muitas formas de intervenção. Se as emoções não forem trabalhadas, o tratamento cognitivo pode tornar-se apenas uma troca intelectual, o que não teria sentido terapêutico (Knapp, 2004). Da mesma forma, padrões de comportamento retroalimentam a disfunção emocional e cognitiva, e também precisam ser trabalhados.
Processos e Instrumentos de Avaliação na Terapia Cognitiva
No ano de 1952, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou a primeira edição do “Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM-I), e as edições seguintes, publicadas em 1968 (DSM-II), 1980 (DSM-III), 1987 (DSM-III-R) e 1994 (DSM-IV), foram revistas, modificadas e ampliadas. As principais características do DSM-IV são a descrição dos transtornos mentais, a definição de diretrizes diagnósticas precisas, através da listagem de sintomas que configuram os respectivos critérios diagnósticos, um modelo ateórico, sem qualquer preocupação com a etiologia dos transtornos, a descrição das patologias, dos aspectos associados, dos padrões de distribuição familiar, da prevalência na população geral, do seu curso, da evolução, do diagnóstico diferencial e das complicações psicossociais decorrentes, a busca de uma linguagem comum, para uma comunicação adequada entre os profissionais da área de saúde mental, e o incentivo à pesquisa.
Na área de saúde mental os sistemas diagnósticos mais utilizados são a CID-10 e o DSM-IV. A CID-10 é o critério diagnóstico adotado no Brasil pelo Sistema único de Saúde (SUS).Ele abrange todas as doenças e foi elaborado pela Organização Mundial de Saúde (1993). O DSM-IV foi elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana (1994), abrange apenas os transtornos mentais e tem sido mais utilizado em ambientes de pesquisa, porque possui itens mais detalhados, em forma de tópicos.
Tanto o DSM-IV quanto a CID-10 são nosográficos e têm por objetivo listar e classificar os transtornos mentais, mas não substituem o exercício da clínica. A consulta e o uso adequado do DSM-IV são de suma importância para os profissionais que atuam na área da saúde mental. A sua utilização tem resultado, nos últimos anos, em avanços científicos significativos no campo da prática clínica e do estudo epidemiológico dos transtornos mentais. Possibilitou também uma ampla comunicação, através de uma linguagem comum, entre médicos psiquiatras e psicólogos em todo o mundo.
A entrevista é o instrumento mais poderoso do psicólogo. A padronização da técnica não significa que ela seja destinada a uma aplicação mecânica. São imprescindíveis conhecimento e experiência clínica para fazer o melhor uso dela. Esta técnica amplia a capacidade diagnóstica do profissional, principalmente no que se refere ao diagnóstico diferencial.
O processo de avaliação cognitivo-comportamental, também chamada de conceituação, formulação ou enquadre cognitivo-comportamental, é a porta de acesso ao desenvolvimento do tratamento psicoterápico (Caminha e cols., 2007). A avaliação cognitivo-comportamental proporciona um nível de estrutura básico para o entendimento do paciente. Durante o processo de avaliação o terapeuta levanta hipóteses que norteiam o tratamento (Beck, 2007).
A avaliação tem como objetivo discutir com o paciente uma formulação dos problemas a serem tratados e obter informações suficientemente detalhadas a respeito dos fatores que mantêm o problema, para que se possa elaborar um plano de tratamento eficiente (Caminha e cols., 2007). Formular um caso é elaborar um modelo, uma representação demonstrativa de como o paciente está funcionando, e norteia a atuação terapêutica (Rangé, 1998).
Para complementar as informações obtidas na entrevista, os terapeutas cognitivo-comportamentais costumam utilizar uma série de instrumentos de registro, avaliação e medida padronizados que auxiliam na compreensão do grau de dificuldade do cliente em determinadas áreas e também servem para monitorar o progresso do cliente ao longo do tratamento.
Completada a fase de descrição das características gerais do funcionamento do indivíduo e tendo uma compreensão ampla das dificuldades vivenciadas pelo cliente, descrevem-se as hipóteses diagnósticas e de trabalho, para então definir quais tipos de metas e intervenções serão planejados para ajudá-lo na resolução de seus problemas. A hipótese de trabalho é o centro da formulação cognitivo-comportamental, articulando os problemas que constam da lista, as crenças centrais e condicionais, e os eventos ativadores (Beck, 1997).
é na hipótese de trabalho que a maioria dos clínicos se refere quando pensam em uma formulação de caso. Ela orienta intervenções e explica tanto o progresso quanto os problemas da terapia. Esta hipótese é mantida, alterada ou descartada, dependendo dos resultados do tratamento. Se um cliente não atinge um progresso satisfatório ou torna-se relapso, a hipótese de trabalho é revisada e utilizada na formulação de um novo plano de tratamento. A natureza mutável deste processo – formulação, tratamento baseado na formulação, monitoração dos resultados e revisão da formulação baseada nos resultados – é a marca da formulação de caso cognitivo-comportamental (Knapp, 2004).
A formulação pode ser utilizada, entre outras coisas, para assegurar colaboração, selecionar pontos de intervenção e orientar o inquérito, selecionar estratégias de intervenção e tarefas de casa, garantir a cooperação do cliente e prever obstáculos ao tratamento (Beck, Rush, Shaw & Emery, 1997). Apesar de ser uma parte importante do início da terapia, ela não ficará em destaque no tratamento, mas servirá sempre como suporte de toda e qualquer intervenção durante as sessões.
O processo de formulação de caso cognitivo-comportamental é mais do que simples diagnóstico. é uma compreensão do funcionamento global do indivíduo, não somente no momento atual, mas ao longo de sua história de desenvolvimento. é um mapeamento de suas habilidades, sua forma específica de organizar sua história e seu jeito de se relacionar com as pessoas. Destacam-se, ainda, os pontos de conflito e dificuldades para o indivíduo, a serem trabalhados na terapia, e que serão posteriormente reavaliados, tanto pelo relato verbal subjetivo do paciente quanto pelas medidas objetivas dos instrumentos disponíveis (Rangé, 2001).
Considerações Finais
Avaliação Psicológica é um conjunto de procedimentos para a tomada de informações de que se necessita e não deve ser entendida como um momento único em que um instrumento poderia ser suficiente para responder às questões relacionadas ao problema que se pretende investigar. Este tipo de processo é a base da atuação do profissional da psicologia seja qual for sua área (clínica, escolar, organizacional, jurídica, e outras). Não tem por objetivo somente identificar os aspectos deficitários ou patológicos do paciente, mas reconhecer os seus recursos potenciais e suas possibilidades (Oliveira & Cols., 2003).
A avaliação é utilizada em psicologia com a finalidade de diagnóstico e ao final de cada intervenção, servindo de base para a avaliação da prática do profissional. Na terapia cognitiva, em especial, isso é característico, visto que o diagnóstico não é fechado inicialmente, mas a cada intervenção os objetivos e as hipóteses de avaliação são revistos e novamente avaliados para uma intervenção futura (Araújo & Shinohara, 2002).
Como destacam Araújo & Shinohara (2002), um terapeuta cognitivo pode utilizar testes e inventários em sua avaliação, contudo tais instrumentos são considerados auxiliares, e têm de ter por base a teoria psicométrica em sua construção. Existe divergência entre a teoria e a prática profissional, mas a utilização somente de instrumentos concernentes à teoria cognitivo-comportamental é consenso entre estes profissionais.
A utilização do DSM-IV e da CID-10 por profissionais de diversas orientações como o padrão, constitui-se no principal instrumento para aumentar a precisão diagnóstica, favorecendo a comunicação clínica entre profissionais e facilitando a generabilidade e comparabilidade entre conclusões diagnósticas. Quando utilizados por profissionais com treinamento adequado, estes são instrumentos de valor extraordinário para o diagnóstico diferencial (Noronha, Beraldo & Oliveira, 2003).
Na prática clínica não há fronteira entre terapia epsicodiagnóstico. As entrevistas diagnósticas se assemelham às sessões de terapia, não somente pela interpretação que se faz, mas também pelas intervenções inerentes a essas situações. O psicodiagnóstico ocupa um lugar de destaque entre as opções nos serviços de psicologia, independente do motivo que leva o paciente a procurar a instituição. Ele deve ser utilizado como dispositivo para planejar, guiar e avaliar a escolha e indicação terapêutica fundamentada (Noronha e cols., 2003).
A terapia cognitiva surgiu há poucas décadas, e nesse curto tempo tornou-se o mais validado e mais reconhecido sistema de psicoterapia, e a abordagem de escolha ao redor do mundo para uma ampla gama de transtornos psicológicos, visto que se mostra eficaz para diferentes populações, independentemente de cultura e níveis sócio-econômico e educacional. O foco no problema reflete o desejo constante por parte dos profissionais de documentar os efeitos terapêuticos, e pode possibilitar a seleção da terapia mais eficaz para determinado problema (Caminha e cols, 2007).
A originalidade e o valor das idéias iniciais de Beck foram reforçados e expandidos através de um volume respeitável de estudos e publicações, refletindo hoje o que há de melhor no estágio atual do pensamento e da prática psicoterápica. A efetividade desta psicoterapia tem sido objeto de inúmeros estudos científicos e os resultados mais atualizados apontam para sua indiscutível eficácia (Rangé, 1998).
O modelo de terapia cognitiva proposta por Aaron Beck (Beck, 1997) encontra-se em constante evolução e aperfeiçoamento, tanto com contribuições do próprio Beck como de seus colaboradores e, recentemente, dos novos terapeutas que seguem o mesmo modelo. Cabe aos profissionais continuar buscando aprimorar o conhecimento, mesmo porque, o humano está em constante construção, com suas possibilidades, suas potencialidades e sensibilidades, o que é o grande motivador na continuidade da busca por atualização e aprimoramento profissional.
Recentemente, parece existir uma tendência à integração de diversos pontos de vista em atendimentos psicológicos que visam aumentar a consistência e abrangência dos tratamentos. Assim, no que se refere à conceituação cognitiva, somente através do desenvolvimento de uma boa formulação da situação ou problemas trazidos para terapia, é que se pode planejar procedimentos efetivos para alcançar as mudanças desejadas e, conseqüentemente, ficará mais fácil avaliar se um determinado tipo de intervenção psicológica é uma terapêutica realmente eficaz ou não (Knapp, 2004).
Uma boa compreensão dos fatores que causam e/ou mantém distúrbios psicológicos, permite o planejamento de intervenções clínicas efetivas e individualizadas para cada sujeito, uma vez que cada um possui uma história de experiências e aprendizagens única.
Refêrências Bibliográficas
Alchieri, J. C. & Cruz, R. M. (2003). Avaliação Psicológica: conceito, métodos e instrumentos. (Coleção temas em avaliação psicológica) Rio de Janeiro: Zahar. [ Links ]
American Psychiatric Association (1994). Manual diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Araújo, C. F. & Shinohara, H. (2002). Avaliação e diagnóstico em terapia cognitivo comportamental. Revista Interação em Psicologia, 6 (1), 37-43. [ Links ]
Beck, A. T.; Rush, A. J.; Shaw, B. F. & Emery, G. (1997). Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Beck, J. S. (1997). Terapia cognitiva: Teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Caminha, R. M. Wainer, R. Oliveira, M. & Piccoloto, N. M. (org) (2007). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: teoria e prática. São Paulo: Casa do psicólogo. [ Links ]
Conselho Federal de Psicologia (2004) [on line]. www.pol.org.br. Acessado em 09/2007. [ Links ]
Dattilio, F. M & Freeman, A. (1998). Introdução à terapia cognitiva. Em Dattilio, F. M & Freeman, A. (org). Compreendendo a terapia cognitiva (pp 19- 28). Campinas: Editorial Psy. [ Links ]
Dattilio, F. M & Freeman, A. (1998a). O desenvolvimento das conceituações de tratamento na terapia cognitiva. Em Dattilio, F. M & Freeman, A. (org). Compreendendo a terapia cognitiva (pp 29-42). Campinas: Editorial Psy. [ Links ]
Dattilio, F. M & Freeman, A. (1998b). A terapia cognitiva no ano 2000. Em Dattilio, F. M & Freeman, A. (org). Compreendendo a terapia cognitiva (pp 423-427). Campinas: Editorial Psy. [ Links ]
Knapp, P. (2004). Princípios fundamentais da terapia cognitiva. Em Knapp, P. (org). Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica (pp 19-41). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Nabuco, C.N. & Roso, N. (org) (2003). Psicoterapias cognitiva e construtivista: Novas fronteiras da prática clínica. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Noronha, A.P.P., Beraldo, F.N.M. & Oliveira, K.L. (2003). Instrumentos psicológicos mais conhecidos e utilizados por estudantes e profissionais de psicologia. Psicologia Escolar e Educacional, 7 (1), 47-56. [ Links ]
Noronha, A. P. P. (1999). Avaliação psicológica segundo psicólogos: Usos e problemas com ênfase nos testes. Tese de Doutorado não-publicada, Instituto de Psicologia, PUC-Campinas, Campinas, SP. Disponível em www.scielo.com.br, em novembro de 2008. [ Links ]
Ocampo, M. (1985). O Processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo, Martins Fontes. [ Links ]
Oliveira, K. L., Noronha, A. P. P., Beraldo, F. N. M. B. & Satarem, E. M. (2003). Utilização de técnicas e instrumentos psicológicos: uma pesquisa com estagiários de clínica comportamental. Psico-PUCRS, 34(1), 123-140. [ Links ]
Organização Mundial da Saúde. (1993). Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10. Descrições Clínicas e Diretrizes. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Paulo, M. S. L. L. (2006) Psicodiagnóstico interventivo em pacientes adultos com depressão. Boletim de Psicologia, 56 (125), 153-170. [ Links ]
Rangé, B. (1998). Psicoterapia Cognitiva. In B. Rangé (org.), Psicoterapia Comportamental e Cognitiva, Pesquisa, Prática, Aplicações e Problemas (Vol. I, pp. 89-108). Campinas: Editorial Livro Pleno. [ Links ]
Rangé, B. (org.). (2001). Psicoterapias Cognitivo-comportamentais: Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Endereço para correspondência
Isabel Cristina Weiss de Souza
E-mail: isabelweiss@acessa.com
Carolina Ferreira Guarnieri Cândido
E-mail: souperaltinha@yahoo.com.br
Av Rio Branco, 2827/304 - Centro- Juiz de Fora MG - 36010-012
Telefones: 32-9931-5847/32- 3271-2031