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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687

Rev. bras.ter. cogn. vol.7 no.2 Rio de Janeiro dez. 2011

 

ARTIGOS

 

Avaliação e intervenção psicoterapêutica nos transtornos disruptivos: algumas reflexões

 

Assessment and psychotherapeutic intervention in disruptive behavior disorders: some reflections

 

 

Janaína Bianca Barletta

Professora do curso de Especialização de TCC do IMEA (Instituto Minerva de Educação Avançada/SE) e doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe

Correspondência

 

 


RESUMO

Os transtornos disruptivos são os transtornos psiquiátricos mais frequentes na infância e têm grande impacto na adolescência e na vida adulta. Porém, há uma série de empecilhos para seu diagnóstico: a) dificuldade com o diagnóstico diferencial, principalmente em relação a ansiedade, depressão e déficit de atenção/hiperatividade; b) dificuldade em apontar quando o comportamento faz parte do ciclo normal do desenvolvimento infantil; e c) escassez de instrumentos e técnicas padronizadas para esse tipo de atendimento. Portanto, este artigo teórico tem por objetivo refletir sobre os aspectos considerados necessários e importantes para o atendimento psicoterápico nos transtornos disruptivos, sem pretensão de esgotar a discussão. Para tanto, inicialmente serão apresentadas a definição e a caracterização de transtorno da conduta e transtorno desafiador de oposição. A partir desse ponto serão levantadas questões sobre avaliação, passando por entrevista clínica, análise funcional e inventários, e sobre as técnicas de intervenção, discutindo-se aspectos relevantes do treinamento de pais e do treinamento de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: avaliação, intervenção psicoterapêutica, transtorno disruptivo.


ABSTRACT

The disruptive disorders are the most common psychiatric disorders in childhood and with considerable impact in adolescence and adulthood. However, there are a number of obstacles in making the diagnosis: a) difficulty with the differential diagnosis, especially in relation to anxiety, depression and attention-deficit/hyperactivity disorder, b) to point where performance is part of the normal cycle of child development and, c) shortage instruments and standardized techniques for this type of care. Therefore, this theoretical article aims to reflect on the aspects considered necessary and important for psychotherapy in disruptive disorders, without the pretension of exhausting the discussion. For that, initially, there will be a passage for the definition and characterization of conduct disorder and oppositional defiant disorder. From this point will be raised about assessment, via the clinical interview, functional analysis and inventories, and on intervention techniques, discussing relevant aspects of parental training and training of children and adolescents.

Keywords: assessment, disruptive behavior disorder, psychotherapeutic intervention.


 

 

INTRODUÇÃO

Os transtornos disruptivos são considerados difíceis de diagnosticar e tratar, uma vez que as crianças e os adolescentes, em seu ciclo normal de desenvolvimento, apresentam uma série de classes de comportamentos, incluindo os desafiadores. Isso significa dizer que nem todos os comportamentos apresentados por eles são aqueles desejados socialmente, como os comportamentos de educação e de civilidade. Segundo Bordin e Offord (2000), comportamentos como mentir e matar aulas fazem parte do desenvolvimento da criança e do adolescente, especialmente quando ocorrem de forma isolada ou esporádica. Porém, se esse tipo de comportamento se torna uma constante, um padrão, pode ser caracterizado como um transtorno.

A literatura da área classifica como transtornos disruptivos aqueles em que os comportamentos característicos associados são de transgressão de normas, desafiadores e antissociais, que causam muito incômodo nas pessoas por serem problemas externalizantes, de grande impacto no ambiente social, em geral com implicações severas (Koch & Gross, 2005; Veiga, 2007). Dessa forma, crianças disruptivas geram sentimentos negativos muito fortes nos outros, como raiva, frustração e ansiedade (Friedberg & McClure, 2001).

Segundo o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (American Psychiatric Association [APA], 2002), essa classificação mais geral é composta por dois transtornos: o transtorno da conduta e o transtorno desafiador de oposição (TDO), que atingem crianças e adolescentes. As pessoas com mais de 18 anos que apresentam essas características são consideradas com transtorno da personalidade antissocial.

O transtorno da conduta, de acordo com a revisão de Koch e Gross (2005), está associado aos comportamentos de crianças ou adolescentes considerados, por pessoas próximas a eles, como antissociais ou muito difíceis de lidar. Outra característica importante é que tais comportamentos prejudicam de forma significativa a vida da criança ou adolescente, seja na escola, em casa ou na vida social.

Vale ressaltar que o termo "comportamento antissocial" é amplo, indicando todo e qualquer tipo de comportamento de quebra de normas ou de ação contra outras pessoas. Em geral, quando se aborda o transtorno, há ocorrência conjunta de vários comportamentos. Assim, quando uma criança é agressiva, provavelmente também apresentará comportamentos como roubo, vandalismo e mentiras (Koch & Gross, 2005).

O TDO está associado aos comportamentos de desobediência, desafio e hostilidade emitidos de forma constante às pessoas que ocupam papéis de autoridade (APA, 2002). Os comportamentos que se encaixam nessa descrição foram subdivididos em três categorias na revisão feita por Luiselli (2005): a demora demasiada para responder a uma solicitação de um adulto; a falta de manutenção de uma resposta solicitada, mesmo quando a criança/adolescente tenha respondido à primeira solicitação de maneira imediata, ou a desobediência às normas sociais. Tais comportamentos estão associados a dificuldades comportamentais graves no futuro, incluindo problemas criminais (Pardini & Fite, 2010).

Muitas vezes as crianças com transtornos disruptivos são avaliadas como ansiosas, deprimidas e até com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) (Friedberg & McClure, 2001). Devido à gravidade desses comportamentos, muitas vezes dificilmente diagnosticados de forma correta, dois pontos se tornam essenciais: identificar as crianças com risco de sofrer desses transtornos e as formas eficazes de tratamento (Koch & Gross, 2005). Nesse sentido, este artigo teórico tem por objetivo refletir sobre os aspectos considerados necessários e importantes para o atendimento psicoterápico nos transtornos disruptivos, desde a avaliação até as técnicas de intervenção, sem pretensão de esgotar a discussão. Para tanto, inicialmente será feita uma rápida passagem pela definição e pela caracterização do transtorno da conduta e do TDO.

 

DEFINIÇÃO DOS TRANSTORNOS DISRUPTIVOS

Transtorno da conduta

Um dos transtornos psiquiátricos mais observados na infância é o transtorno da conduta, especialmente envolvendo comportamentos agressivos ou vandalismo (Bordin & Offord, 2000; Koch & Gross, 2005). O transtorno tem frequência maior em crianças do gênero masculino, assim como a sintomatologia apresentada também difere em relação ao gênero da criança. Isto é, em meninos há predominância de comportamentos de enfrentamento, como brigas, enquanto nas meninas há predominância de comportamentos sem enfrentamento, como mentir, fugir e prostituir-se (Koch & Gross, 2005).

Quando os sintomas aparecem antes dos 10 anos de idade, é mais provável que permaneçam até a adolescência e caracterizem o transtorno ou evoluam para um transtorno da personalidade antissocial. Já quando aparecem depois dos 10 anos, a tendência é que os comportamentos manifestos sejam menos agressivos ou problemáticos, assim como é menos provável o desenvolvimento de um transtorno da personalidade. A amplitude do comportamento, sua frequência, intensidade e diversidade são outros indicadores de gravidade (Koch & Gross, 2005).

Dessa forma, o extremismo, a duração e a consistência dos comportamentos antissociais são pontos importantes para diferenciar crianças que podem ser diagnosticadas com transtorno da conduta de crianças em desenvolvimento normal. Segundo Koch e Gross (2005), esses comportamentos podem ser categorizados em quatro grandes classes: (a) agressão a terceiros, sendo pessoas ou animais; (b) destruição do patrimônio, como atos de vandalismo e incendiários; (c) defraudação ou furto, como arrombamentos de imóveis alheios, furtos sem arrombamentos e ludibriar pessoas; e (d) violações sérias de regras, como fugir de casa à noite e gazetear aulas.

Todos esses comportamentos se encaixam no primeiro critério diagnóstico do DSM-IV-TR (APA, 2002), sendo um padrão repetitivo e persistente de violação de normas ou de direitos individuais dos demais, em que três deles devem ter sido manifestados nos últimos 12 meses e um nos últimos 6 meses. O comprometimento do funcionamento do indivíduo no contexto social e não satisfazer os critérios do transtorno da personalidade antissocial (para maiores de 18 anos) são outros dois critérios.

Transtorno desafiador de oposição

Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), são oito os critérios para identificar a criança ou o adolescente com TDO, sendo que esses sintomas devem persistir pelo período mínimo de seis meses. São eles: perder a calma, discutir com adultos, desafiar ou negar-se a obedecer, emitir comportamentos para incomodar as pessoas, deliberadamente culpar terceiros por seus comportamentos, irritabilidade, estar enraivecido constantemente, comportamentos vingativos e rancorosos. Outro ponto importante é que esses comportamentos devem ser apresentados em lugares públicos, além da escola e da casa.

Segundo Luiselli (2005), antes da puberdade, o transtorno acomete mais homens e se equilibra quando os sintomas aparecem depois desse evento, sempre com a presença de sintomas de forma similar entre os gêneros. Como excesso de atividade, dificuldade de se acalmar e reatividade extrema são comportamentos comuns, o TDO é facilmente confundido com TDAH, ou pelo menos diagnosticado como comorbidade. Outras comorbidades comuns são transtornos da comunicação e de aprendizagem. Dessa forma, o diagnóstico diferencial é muito importante.

Pergher, Schneider e Melo (2007) fizeram um quadro comparativo mostrando que o déficit acadêmico, a atitude oposicionista e o prejuízo social ocorrem por diferentes motivos no transtorno da conduta, no TDO e no TDAH. Esses autores apontam também que a atitude em atividades lúdicas é diferente, assim como a idade de início do transtorno e o processo cognitivo mais afetado.

 

AVALIAÇÃO

Inicialmente, em qualquer transtorno e para qualquer paciente, o primeiro passo é a realização de uma avaliação minuciosa que possa trazer dados consistentes a fim de se traçar uma linha de base. Isto é, conhecer quem é a pessoa, qual sua demanda, como foi sua história de aprendizagem e quais são as relações estabelecidas com o contexto. A avaliação permite fazer um diagnóstico topográfico e funcional, apontar diagnósticos diferenciais e escolher as técnicas mais pertinentes e eficazes para serem utilizadas no processo terapêutico. Além disso, a avaliação não ocorre apenas no início do acompanhamento psicoterápico, mas durante todo o processo. Uma vez que a criança e os pais vão se transformando ao longo do processo, vão aprendendo e desenvolvendo novas formas de relacionamento e adquirindo maior poder de discriminação de situações consideradas aversivas. Dessa forma, diferentes maneiras de interpretação das situações vão sendo favorecidas e, consequentemente, novas habilidades de enfrentamento podem ser emitidas. Nesse sentido, o processo avaliativo deve estar presente durante todo o processo psicoterápico, a fim de focar as metas, verificar possíveis resultados, restabelecer intervenções e objetivos terapêuticos.

Uma das dificuldades para se fazer uma avaliação bem feita é que não existe um padrão de testes e inventários com respostas exatas (Koch & Gross, 2005). Por isso, o manejo clínico passa a ser a principal estratégia para se alcançar os dados, isto é, a postura empática e assertiva, a capacidade de continência, a capacidade de fazer perguntas adequadas, pouco vagas e não indutoras, que possibilitem as respostas almejadas.

Entrevista clínica

A entrevista é um dos principais instrumentos de intervenção clínica que os psicólogos possuem e seu objetivo sempre está ligado à obtenção de dados para a intervenção terapêutica. É a partir dela que se pode estabelecer uma relação colaborativa, facilitadora do processo terapêutico. A qualidade da relação estabelecida interfere na validade dos dados e, consequentemente, no resultado do processo terapêutico (Silvares & Gongorra, 2006).

A entrevista inicial em geral ocorre nas primeiras sessões e tem vários formatos, desde entrevistas mais específicas, como a chamada Entrevista de Comportamento Antissocial (Koch & Gross, 2005), até entrevistas menos formalizadas. Nos transtornos disruptivos, a primeira entrevista acontece com os pais ou responsáveis, mas a entrevista com a criança e com o adolescente também é de extrema importância.

Segundo Othmer e Othmer (2003), a entrevista pode ser considerada um quebra-cabeça, pois implica uma situação em que duas pessoas estão tentando montar um quadro. O paciente tem as peças, enquanto o terapeuta tem a imagem completa do desenho, o que faz com que o trabalho tenha de ser conjunto, colaborativo e com a participação ativa dos dois. Dessa forma, independentemente do tipo de entrevista, para que seja bem feita, algumas habilidades são importantes. De acordo com Silvares e Gongorra (2006), dentre elas se destacam nove habilidades: empáticas, não verbais, de perguntar, de operacionalizar a informação, de parafrasear, de sumarizar ou resumir, de refletir sentimentos, de controle ou condução da entrevista e de manter uma sequência ou continuidade ao tema.

Análise funcional

Nos transtornos disruptivos, um importante instrumento clínico é a avaliação e a análise funcional das interações entre os filhos e os pais (Koch & Gross, 2005). Como o lar é um dos principais lugares da construção da subjetividade da criança, é também o primeiro local de aprendizado e modelagem de comportamentos. Para tanto, é preciso que se conheçam as contingências das quais o comportamento é função.

Uma forma de fazer essa avaliação é construir junto com os pais e com as crianças/adolescentes um diário. Inicialmente é preciso fazer um trabalho psicoeducativo, definindo os comportamentos específicos, para que não haja confusão quanto ao que observar e ao que avaliar. Além disso, explicar sobre os antecedentes, ou seja, situações que possibilitam o aparecimento do comportamento, e consequentes, que são os acontecimentos que ocorrem após a emissão do comportamento, independentemente de serem positivos ou negativos (Koch & Gross, 2005).

Weber (2009) alerta que essa análise é muito importante para os pais, pois, a partir do momento em que conseguem entender e prestar atenção aos eventos que fortalecem o comportamento, se dão conta de que fazem parte desse comportamento. Luiselli (2005) reforça que a avaliação e a análise funcional também devem ser feitas na escola, ambiente em que a criança passa bastante tempo.

Instrumentos avaliativos

Um dos principais instrumentos utilizados na literatura internacional e muito usado na literatura nacional para avaliação de crianças e adolescentes é a lista de comportamentos conhecida como Child Behavior Checklist (CBCL), para crianças, e o Youth Self-Report (YSR), para adolescentes (Bueno & Moura, 2009; Koch & Gross, 2005; Luiselli, 2005). O CBCL é respondido pelo responsável e pelos professores da criança, com escalas separadas para cada um (Friedberg & McClure, 2001). Já o YSR é respondido pelo responsável, pelos professores e pelo próprio paciente, também por escalas separadas.

Luiselli (2005) e Friedberg e McClure (2001) apontam outros instrumentos que também podem ser úteis, como as Escalas de Avaliação do Professor e dos Pais de Conners para avaliação global de psicopatologia infantil, o Inventário do Comportamento Infantil de Eyberg (ECBI), o Questionário de Situações na Casa (HSQ) e o Questionário de Situações Escolares (SSQ).

 

ABORDAGENS DE TRATAMENTO

Segundo Friedberg e McClure (2001), o melhor tratamento dos transtornos disruptivos é o multimodal. Para tanto, o primeiro passo seria iniciar com a psicoeducação sobre o modelo de tratamento, pois isso pode ser uma forma mais eficaz de motivar a criança ou o adolescente. A falta de motivação está ligada à falta de interesse do paciente na mudança do próprio comportamento, uma vez que a motivação para mudança de comportamento vem de terceiros, como os pais.

O segundo passo seria o ensino de habilidades comportamentais básicas para as crianças e adolescentes e seus responsáveis. Em seguida, o desenvolvimento de habilidades sociais com técnicas autoinstrutivas e de empatia. O quarto passo seria o uso de procedimentos cognitivos mais complexos, como reatribuição, exploração de alternativas e diminuição de atributivos hostis das crianças. Outro ponto importante é o aumento da capacidade de raciocínio moral (Friedberg & McClure, 2001). Para esses autores, a tarefa de casa é uma forma de o paciente poder exercitar o desempenho em outros momentos. Porém, ainda que se tenha possibilidades de atendimento, um passo importante para a tomada de decisão na clínica está ligado à avaliação que o profissional faz de quem é a pessoa e qual a problemática.

A escolha das técnicas de intervenção vai depender da análise funcional do caso, mesmo se tratando de transtornos específicos. Apesar disso, a análise topográfica dos transtornos não deve ser deixada de lado, pois permite focar algumas técnicas e até mesmo dar suporte às escolhas de alguns protocolos de atendimento. Na psicoterapia infantil, o trabalho com os pais é sempre fundamental para que o aprendizado em sessão clínica possa ser generalizado e reforçado em outros ambientes. No caso de crianças e adolescentes com transtornos disruptivos, o trabalho com os pais ou cuidadores se torna essencial. Se for preciso, o trabalho com a escola e os professores também é indicado.

Treinamento de pais

A literatura aponta que as práticas educativas parentais podem levar aos comportamentos antissociais dos filhos ou aos comportamentos pró-sociais. As práticas educativas são definidas como as estratégias escolhidas e utilizadas pelos pais para promover a educação e a socialização das crianças. Em geral, os pais usam uma diversidade de estratégias em função da situação vivenciada. O resultado do uso dessas estratégias é denominado estilos parentais (Salvo, Silvares, & Toni, 2005).

Segundo o estudo de coorte prospectivo de base populacional realizado por Buschgens e colaboradores (2009) na Holanda, os estilos parentais têm efeitos significativos nos comportamentos externalizantes das crianças. Entre os principais resultados, essa pesquisa apontou que, dentre os estilos estudados, a rejeição paterna foi considerada um importante preditor de agressão e delinquência em crianças e adolescentes.

Em outro estudo, cujo objetivo era correlacionar os estilos parentais e características pessoais de crianças com transtornos disruptivos, Lapalme e Déry (2008) analisaram 336 crianças, com idade entre 6 e 13 anos, que já faziam acompanhamento para problemas comportamentais. Como resultados, o estudo apontou que falta de supervisão dos pais e personalidade antissocial dos cuidadores estão relacionados com o transtorno da conduta das crianças, enquanto a monitoração inconstante está relacionada com o TDO.

Dessa forma, o objetivo do treinamento é ensinar os pais a lidar de forma mais positiva com seus filhos. Para tanto, são trabalhados causas e consequências de comportamentos, reforços positivos, efeitos de punição. Esse trabalho educativo se faz necessário uma vez que os pais de crianças disruptivas tendem a prestar atenção apenas nos comportamentos negativos dos filhos, negligenciando os positivos. Os comportamentos negativos no processo de socialização dos filhos mais apontados na literatura são negligência, abuso físico e psicológico, disciplina relaxada, punição inconsistente e monitoria estressante. Essa postura, conhecida como "práticas educativas negativas", gera nos pais cansaço, frustração, intolerância e raiva quanto ao filho, o que aumenta a probabilidade de deterioração do relacionamento e interfere na autoestima e na autoeficácia de todos os envolvidos (Friedberg & McClure, 2001; Salvo et al., 2005).

Nesse sentido, o treinamento de pais pretende aumentar as práticas educativas positivas, como a atenção e o conhecimento sobre os filhos, o estabelecimento de regras, a monitoria positiva, o estreitamento da relação de afeto e o comportamento moral (Salvo et al., 2005). Por isso, a literatura tem apontado o trabalho com os pais como uma estratégia fundamental, necessária e eficaz no tratamento de crianças que apresentam problemas de comportamento (Nixon, 2002; Bueno & Moura, 2009). Para tanto, Weber (2009) propõe alguns temas importantes, como ensinar aos pais que o amor incondicional à criança é essencial, o que não quer dizer amar os comportamentos dela. Isso significa dizer que, quanto mais amada se sente, melhor a criança aceita as regras e desenvolve amor e compaixão pelos outros. Esse tipo de comportamento dos pais fortalece a autoestima dos filhos e o comportamento de resiliência.

Outro ponto fundamental é o quanto os pais conhecem sobre o desenvolvimento de uma criança/adolescente e o quanto conhecem seus filhos. O primeiro ponto facilita a flexibilidade, pois permite aos pais aceitarem, por exemplo, que um pouco de bagunça é normal na infância e que às vezes as crianças não têm noção de seu comportamento (Weber, 2009). O segundo ponto também é importante, porque aproxima pais e filhos. Existem alguns jogos terapêuticos para serem trabalhados conjuntamente com pais e filhos, com perguntas sobre o cotidiano, preferências e comportamentos de ambos (Moura, 2002).

O autoconhecimento, a comunicação positiva, o uso de reforços positivos como elogiar e valorizar, ser consistente, não usar punições corporais e sim consequências lógicas, ser um modelo moral para os filhos e educar para a autonomia são outros temas que devem estar presentes no treinamento de pais para uma educação positiva (Weber, 2009; Weber, Salvador, & Brandenburg, 2009).

 

TREINAMENTO COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O primeiro passo para o trabalho com crianças e adolescentes, além da psicoeducação, é a motivação para o acompanhamento terapêutico. A automonitoração facilita que o paciente tome ciência sobre a repercussão de seu comportamento e resulta na maior probabilidade de mudança. Friedberg e McClure (2001, p. 215) descrevem uma atividade que facilita a visualização da criança de que seu comportamento está causando algumas consequências negativas, assim como facilita a adesão ao processo psicoterápico:

Eu começo a atividade dizendo aos clientes que vamos conduzir uma experiência. Pego um ovo e lhes pergunto: "o que é isto?". No segundo passo, anuncio que vou bater o ovo do lado de uma tigela e pergunto: "o que vai acontecer agora?". No terceiro passo, quebro o ovo e digo: "deem uma olhada na tigela. Quem sabe o que aconteceu?". Inevitavelmente as crianças relatam que o ovo quebrou. Finalmente, faço a pergunta-chave de Vernon: "Mas o ovo escolheu quebrar?"... Comumente refiro-me novamente ao exercício quando uma criança reage de forma irracional e pergunto: "você está sendo um ovo?".

Pergher e colaboradores (2007) sugerem um modelo de automonitoramento mais lúdico, como se fosse uma investigação. O registro pode ser feito de forma personalizada, com uso de figurinhas de álbum com personagens de desenho. Esses personagens devem ser colados para descrever sentimentos ou uma carinha sem a boca para a criança colocar, por exemplo, um sorriso. Para medir sua intensidade, podem ser desenhados um termômetro, réguas, sinais de trânsito, entre outros. Nos pensamentos podem ser colados balões de pensamento.

Segundo Luiselli (2005), o treinamento em habilidades cognitivas deve ocorrer diretamente com as crianças e adolescentes com TDO e focar em habilidades compensatórias para melhorar a adaptação em casa e na escola. Além disso, possibilita à criança desenvolver estratégias para lidar com situações conflitivas.

Os comportamentos perturbadores, desafiadores e de oposição são trabalhados de duas formas. Inicialmente a criança aprende a avaliar sua percepção sobre o mundo e sobre os outros, facilitando a interpretação mais positiva em relação aos acontecimentos. Aprende também a discriminar eventos externos e sua relação com seus comportamentos. A partir do reconhecimento dos antecedentes, o segundo passo é ensinar a criança a enfrentar situações consideradas difíceis, uma vez que já estarão alerta sobre possíveis consequentes e poderão reavaliar estratégias para lidar com a situação, minimizando comportamentos impulsivos e selecionando comportamentos mais adaptativos (Luiselli, 2005).

Uma das dificuldades encontradas, de acordo com Kuhn, Chirighin e Zelenka (2010) é que a criança precisaria de uma alta taxa de reforço positivo. A fim de aumentar as chances de sucesso do atendimento psicoterápico, esses autores sugerem que, após a psicoeducação e o aumento de comportamentos mais adequados, é importante que as crianças e adolescentes sejam ensinados a discriminar reforçadores naturais em detrimento de reforçadores arbitrários. Tal perspectiva favorece a manutenção do comportamento adaptativo e de uma comunicação mais funcional.

Comumente o treino de habilidades sociais é utilizado com o intuito de diminuir comportamentos disruptivos e aumentar comportamentos pró-sociais (incluindo fazer amizades). Friedberg e McClure (2001) sugerem uma série de atividades que facilitam o desenvolvimento dessas habilidades. Em situações de trabalho de grupo, atividades como plantar um jardim, em que cada criança tenha uma função específica, podem ser bastante eficazes. Nessas situações, cada um é responsável por aprender e ensinar ao resto do grupo, o que favorece a implicação e a adesão da criança, assim como aumenta a probabilidade de sucesso no resultado. Essa técnica é conhecida como montagem.

Para que esse treinamento ocorra de forma eficaz, algumas técnicas podem ser acopladas como treino em solução de problemas. Esse procedimento tem por objetivo reavaliar as formas de lidar com a situação problemática e desenvolver estratégias alternativas para superar aquilo de forma menos sofrida. Para tanto, aplicações criativas podem ser muito pertinentes, como narração de histórias, uso de jogos, confecção de máscaras e de livros, cestas de pensamento-sentimento, analogias a super-heróis (Friedberg & McClure, 2001).

Outras técnicas também são sugeridas na literatura, como os planos de ação, que ajudam a criança a refletir sobre os comportamentos adequados em certas situações em que antes agiria com impulsividade, antecipar possíveis problemas e construir formas alternativas e positivas de lidar com eles. Depois disso, a execução de fato, como tarefa de casa (Greenberger & Padesky, 1999).

Filmes, revistas em quadrinhos, contos de fada são recursos para modelação do comportamento da criança. O role playing, ou ensaio comportamental, também é um ótimo recurso, especialmente com o uso de fantoches, dedoches, argila, música, bonecos (Friedberg & McClure, 2001). Pergher e colaboradores (2007) sugerem ainda o sistema de economia de fichas, a fim de fortalecer os comportamentos adequados por meio do reforçamento positivo e a cadeira do pensamento como time out.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No atendimento aos transtornos disruptivos existem várias possibilidades, não havendo um protocolo fechado. Alguns terapeutas optam pelo trabalho mais cognitivo, enquanto outros optam pelas técnicas mais comportamentais.

Nesse tipo de atendimento o terapeuta é modelo de comportamento tanto para crianças e adolescentes como para pais. Para as crianças, o comportamento moral, o amor à pessoa (e não ao comportamento) e a forma de relacionamento são pontos importantes que devem estar presentes na sessão. Com os pais, as práticas educativas positivas são necessárias na postura do terapeuta. Além disso, o trabalho com pais/filhos também deve ser incluído e não apenas o treinamento separado de ambos.

É preciso que o terapeuta faça uma boa avaliação para poder escolher as melhores estratégias para cada caso, bem como que esteja preparado para possíveis dificuldades, resistências e hostilidades, especialmente no início. Vale ressaltar que a terapia infanto-juvenil deve ser prioritariamente lúdica.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 17/7/2011