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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687
Rev. bras.ter. cogn. vol.9 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20130003
RELATOS DE PESQUISAS
Contribuições da terapia cognitivo-comportamental para as dificuldades de adaptação acadêmica
Contributions of cognitive behavioral therapy for difficulties in college adjustment
Clarissa Tochetto de OliveiraI; Ana Cristina Garcia DiasII; Neri Maurício PiccolotoIII
IEspecialista em Terapia Cognitivo - comportamental - (Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria, bolsista CAPES) - Santa Maria - RS - Brasil
IIDoutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo - (Professora Adjunta da Universidade Federal de Santa Maria)
IIIMestre em Psicologia Clínica (PUCRS) - (Coordenador e Professor do Curso de Especialização em Psicoterapia Cognitivo - comportamental (WP))
RESUMO
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido utilizada em diversos contextos e pode ser útil para auxiliar estudantes na transição para o ensino superior. O objetivo deste estudo é identificar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários no contexto acadêmico e, a partir disso, refletir sobre como a TCC pode contribuir para a minimização desses obstáculos. Participaram do estudo 504 estudantes universitários de 12 cursos de graduação de duas universidades públicas do Sul do Brasil. Um questionário para caracterizar a amostra e identificar as dificuldades encontradas no contexto acadêmico foi aplicado coletivamente em sala de aula, e as informações foram submetidas à análise de conteúdo temática. As principais dificuldades correspondem a diferenças percebidas entre ensino médio e superior, aspectos pessoais e interpessoais e gestão do tempo. É possível que intervenções individuais ou grupais que fazem uso de técnicas cognitivas e comportamentais (como agendamento de atividades, exame e contestação das distorções cognitivas, gráfico em forma de torta, aceitação e resolução de problemas) auxiliem os estudantes universitários a lidar com as dificuldades encontradas. Conclui-se que profissionais que trabalham com a TCC podem explorar esse campo de trabalho, além de conduzir pesquisas experimentais para propor um modelo de intervenção específico para o público acadêmico.
Palavras-chave: ensino superior, estudantes universitários, terapia cognitivo-comportamental.
ABSTRACT
Cognitive Behavioral Therapy (CBT) has been used in different contexts and can be useful to help students in their transition to higher education. The aim of this study is to identify the main difficulties of students in college and to propose how CBT can contribute to minimize these obstacles. Five hundred and four college students participated in the study from 12 undergraduate courses of two public universities in Southern Brazil. The sample characteristics and the difficulties faced by students during college were gathered through a questionnaire collectively applied in the classroom. The information was submitted to content analysis. The main difficulties are the differences between high school and higher education, personal and interpersonal issues, and time management. It is possible that individual and group interventions based on cognitive and behavioral techniques (such as schedule of activities, examination and challenge of cognitive distortions, pie chart, acceptance, and problem solving) help college students handle their difficulties. We concluded that professionals who work with CBT can work in this field, besides carrying out experimental researches in order to propose a specific intervention model for college students.
Keywords: cognitive therapy, college students, higher education.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma abordagem da psicologia que se caracteriza por ser um modelo de psicoterapia breve, estruturado e direcionado para a resolução de problemas atuais e a modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais (Beck, 1964). Frequentemente, os problemas vivenciados pelos indivíduos surgem a partir da interpretação deste a respeito de determinado evento, o que, por sua vez, influencia no humor e no comportamento subsequente. O objetivo da TCC é quebrar o ciclo que perpetua e amplifica os problemas do indivíduo. Para tanto, há uma série de técnicas capazes de modificar os pensamentos automáticos e, consequentemente, eliminar o impacto da tendenciosidade no humor e no comportamento (Knapp, 2004). A terapia cognitiva tem sido utilizada no tratamento de diversos transtornos mentais com pacientes de diferentes níveis de educação, renda e background (Beck, 1997), sendo também eficaz para as terapias de casal e famílias (Dattilio, 2004) e a reeducação alimentar (Beck, 2009; Meyer, 2004).
É possível que a TCC seja útil para auxiliar estudantes universitários durante a transição para o ensino superior. O contexto acadêmico tem características próprias, diferentes das do ensino médio em diversos aspectos. Essas mudanças demandam adaptações dos estudantes para que se sintam integrados ao curso e à universidade (Teixeira, Dias, Wottrich, & Oliveira, 2008). O termo adaptação acadêmica refere-se à necessidade vivenciada pelos indivíduos de se ajustar ao ambiente universitário quando ingressam em uma instituição de ensino superior. O processo de adaptação pode ser compreendido a partir das atitudes dos alunos em relação ao curso, de sua capacidade para estabelecer novas relações de amizade, da presença ou ausência de estresse e ansiedade ante as demandas acadêmicas e do vínculo desenvolvido pelo estudante com a instituição universitária (Baker & Siryk, 1984).
Todavia, o ingresso no ensino superior pode se tornar uma experiência estressante para os alunos devido aos desafios acadêmicos e sociais apresentados pelo novo contexto, para os quais eles podem ainda não estar preparados (Friedlander, Reid, Shupak, & Cribbie, 2007). De fato, mais da metade dos alunos que ingressam no ensino superior demonstra dificuldades nessa transição (Almeida & Soares, 2003). Dentre as dificuldades diretamente relacionadas à adaptação ao ensino superior, destacam-se problemas no desempenho acadêmico (Liporace, González, Ongarato, Saavedra, & Iglesia, 2009), na aquisição de novas responsabilidades (Teixeira et al., 2008), na gestão do tempo (Cunha & Carrilho, 2005; Liporace et al., 2009), em experiências de trabalho (Carmo & Polydoro, 2010; Soares, Guisande, & Almeida, 2007), no ajuste a novas regras (Teixeira et al., 2008) e nas relações com colegas e professores (Bardagi & Hutz, 2012; Liporace et al., 2009; Swenson, Nordstrom, & Hiester, 2008). Essas dificuldades podem contribuir para a desadaptação do jovem ao contexto acadêmico, para a reprovação nas disciplinas (Páramo et al., 2010) e, inclusive, para o abandono dos estudos (Rull et al., 2011).
Além disso, constata-se um aumento dos níveis de psicopatologia na população universitária (Almeida & Soares, 2003). É possível que os estudantes estejam mais suscetíveis a perturbações emocionais nos anos iniciais da graduação em virtude da adaptação ao modelo de vida universitário. Entretanto, também pode haver um aumento do estresse psíquico, dos distúrbios psicossomáticos e da falta de confiança na capacidade de desempenho nos anos seguintes da graduação, indicando uma diminuição da saúde mental geral (Cerchiari, Caetano, & Faccenda, 2005). Isso pode ser confirmado tanto pelo fato de o índice médio de ansiedade ser mais alto do que o da população geral como pela constatação de que a maioria desses acadêmicos apresenta experiência de sintomas de depressão (Osse & Costa, 2011). Nesse sentido, torna-se importante a proposição de estudos que busquem investigar o modo como esses jovens vivenciam essa etapa (Costa & Leal, 2006), bem como de que forma os profissionais da saúde mental podem contribuir para facilitar a transição para o ensino superior e para prevenir o desenvolvimento de transtornos mentais.
Foram realizadas buscas de artigos em diferentes bases de dados por meio do cruzamento das palavras-chave "terapia cognitivo-comportamental"/"cognitive behavior therapy"/ e "adaptação acadêmica"/"college adjustment"/ ou "estudantes universitários"/"college students"/, ou "transição para a universidade"/"transition to college"/. Nenhum artigo foi encontrado no Scielo, no Pepsic, no Lilacs, no Redalyc e no PsycINFO. Já nos periódicos da CAPES, foi possível identificar 80 trabalhos completos publicados desde 2003. Entretanto, estes não se referiam à aplicação da TCC para auxiliar os discentes com as dificuldades encontradas no ensino superior. A busca na base de dados ScienceDirect resultou em 55 artigos, mas apenas um aplicava a TCC em estudantes universitários (Anastopoulos & King, 2014). Essas informações demonstram a restrição de pesquisas atuais sobre o tema. Assim, o objetivo deste estudo consiste em identificar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários no contexto acadêmico durante o primeiro ano de graduação e, a partir disso, refletir sobre as formas como a TCC pode contribuir para a minimização dos obstáculos que eles vivenciam.
MÉTODO
Participantes
Participaram do estudo 504 estudantes (321 mulheres) de 12 cursos de graduação (Administração, Agronegócio, Artes Cênicas, Ciências Biológicas, Ciências Contábeis, Educação Especial, Enfermagem, Fonoaudiologia, Matemática, Medicina Veterinária, Sistemas de Informação e Superior em Produção de Grãos) de duas universidades públicas do Sul do Brasil. A idade dos participantes variou entre 16 e 52 anos (M= 23,5 anos; DP = 5,44). Quanto ao estado civil, 50,58% eram solteiros, 31,32% namoravam, 14,98% eram casados, 0,97% eram divorciados e 0,19% eram viúvos. Quanto à situação de moradia, 42,22% moravam com os pais, 11,87% moravam sozinhos, 10,89% moravam com amigos, 6,81% moravam com outros parentes, 6,22% moravam na casa do estudante, 3,89% moravam com irmãos e 15,56% tinham outra situação de moradia.
Procedimentos
Para a realização da pesquisa, foram explicados os objetivos e os procedimentos do estudo aos coordenadores e aos professores dos cursos, solicitando sua autorização para a coleta dos dados junto aos alunos. Após, os objetivos e os procedimentos foram explicados aos estudantes, que foram então convidados a participar da pesquisa. Os discentes que concordaram em colaborar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam ao questionário. Ressalta-se que o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (Protocolo 12392413.4.0000.5346).
A coleta dos dados foi realizada coletivamente em sala de aula por meio de um questionário elaborado especialmente para esta pesquisa, composto por questões que visavam caracterizar a amostra (como universidade, curso, idade, sexo, entre outros) e, devido à natureza exploratória do estudo, por uma questão aberta sobre as principais dificuldades encontradas no contexto acadêmico durante o primeiro ano da graduação. As informações foram digitadas e submetidas à análise de conteúdo temática (Bardin, 1979). As respostas dos participantes foram analisadas por três juízes (psicólogos formados, escolhidos por pesquisarem o tema estudado) e organizadas em 10 categorias, conforme a semelhança dos conteúdos relatados. Obteve-se um índice de concordância entre as classificações realizadas pelos juízes nessa questão de 95,93%. As categorias são apresentadas e discutidas a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As dificuldades encontradas pelos participantes deste estudo durante o primeiro ano da graduação foram organizadas em 10 categorias. O critério para a categorização das respostas fornecidas pelos estudantes foi a semelhança entre os conteúdos apresentados. A Tabela 1 apresenta as categorias e a frequência de respostas de cada uma delas. Alguns discentes deixaram a questão em branco. Esses jovens são descritos na Tabela 1 como aqueles que "não responderam à questão".
A categoria que obteve maior percentual de respostas foi "diferenças entre ensino médio e superior", que se refere às questões burocráticas e ao nível de exigência mais elevado no ensino superior. Exemplos de respostas congregadas nessa categoria são: "adaptação quanto à carga horária no primeiro semestre e ao número de disciplinas, também o alto nível das disciplinas", "na universidade, precisamos ser muito autodidatas, e a escola não nos prepara para isso" e "a grande diferença é o interesse dos professores pelos alunos. Na escola, o professor procura entender o que ocorre com os alunos, o motivo das faltas, das notas baixas, e tenta formas de recuperar, enquanto na faculdade o aluno tem de fazer por si". Os relatos dos participantes indicam que eles percebem a universidade como um ambiente que exige tempo, dedicação e organização dos alunos, sem oferecer suporte para tal. Essa realidade pode ser ainda mais contrastante para os calouros que vieram de escolas com um funcionamento diferente desse.
A categoria "dificuldades pessoais" também obteve um índice alto de frequência das respostas. Ela foi composta por características pessoais e situações particulares que geram dificuldades para cada acadêmico, como timidez, insegurança, falta de motivação e falta de ritmo para os estudos. Essa categoria agrupa afirmações como "tenho dificuldade para falar em público", "medo de não conseguir realizar alguma tarefa e não ser um bom profissional, medo de rodar", "a maior dificuldade é com o que farei depois...", "aprender a ter autonomia na tomada de decisão" e "retornar às salas de aula por ter passado muitos anos fora delas".
A categoria "dificuldades interpessoais" refere-se aos problemas de relacionamento do acadêmico com colegas, professores e funcionários da instituição. As afirmações que melhor representam essa categoria são: "trabalhar em grupos, falta de parceria, pessoas mal humoradas, pessoas sempre cansadas", "falsidade, fofoca, convivência", "alguns ficam tentando se autopromover, intitulando-se mais experientes/ melhores do que os mais novos", "dificuldade de me enturmar", "relacionamento com professores autoritários" e "rigidez e sinceridade dos professores".
Os participantes também descreveram dificuldades relacionadas à gestão do tempo. O principal problema enfrentado pelos discentes consiste em conciliar as demandas da vida universitária com compromissos pessoais e/ou profissionais. A elevada carga horária do curso resulta em menos tempo para a família, para realizar as tarefas da casa e, inclusive, para participar de atividades extracurriculares, conforme ilustram as afirmações: "chegar no horário, devido ao trabalho", "tenho dificuldade com aulas o dia todo, parece que preciso de um turno para descansar e me organizar, com isso acabo faltando aulas às vezes para ficar em casa descansando ou fazendo as tarefas de casa", "não ter tempo para outras tarefas como grupos de estudo" e "me responsabilizo por muitas coisas dentro e fora da sala de aula e não consigo ter disciplina para dar conta de tudo".
Características da própria universidade e do curso de graduação também podem constituir desafios para os estudantes. A limitação das bibliotecas, a inadequação dos laboratórios, o funcionamento deficiente de certos setores, a falta de acesso à internet e a falta de preparo por parte da instituição para receber e orientar os calouros são alguns exemplos de dificuldades estruturais da instituição de ensino. A categoria denominada "dificuldades estruturais da universidade e do curso" reúne respostas como: "passar o dia na faculdade sem ter lugar adequado para descansar nos intervalos", "dificuldade de saber onde ficam os locais e o que significam as siglas", "encontrei dificuldade em saber o lugar das aulas" e "acredito que a maior delas foi vir morar na casa do estudante, dividindo um quarto com mais ou menos 100 pessoas, e banheiro, cozinha e sala com umas 300".
Os estudantes também relataram dificuldades relacionadas às capacidades de raciocínio, leitura, memória e de manter a concentração. A categoria "dificuldades cognitivas" agrupou respostas como "dificuldades na aprendizagem", "dificuldade de assimilar a matéria", "dificuldades de aprendizado, concentração, memória" e "por enquanto, tenho um pouco de dificuldade em tentar acompanhar o raciocínio".
Os participantes disseram enfrentar dificuldades em se adaptar ao estilo de ensino dos professores. Aqueles que se depararam com essa questão apontaram baixa habilidade ou desinteresse por parte de certos docentes na hora de transmitir os conteúdos e conduzir a aula de forma satisfatória como os principais problemas. Essa categoria reuniu respostas como "alguns professores têm dificuldades em transmitir o conteúdo para os alunos, às vezes por falta de experiências, ficando lacunas no curso e dificultando aprendizagem posterior", "falta de didática/metodologias diferentes pelos professores", "compreender quando alguns professores falam muito rápido e não repetem", "ensino voltado somente para obtenção de conteúdo e não para o contexto da sociedade em geral", "dificuldade nos professores em ensinar e pedir silêncio nas aulas" e "eles não estão nem aí se você aprendeu o conteúdo ou não, ou se tem tempo para estudar, a maioria se importa apenas em vencer a ementa".
Muitas vezes, o ingresso na universidade exige um número maior de deslocamentos, bem como uma utilização mais frequente de meios de transporte, fato que pode representar um elemento estressor para o estudante. A categoria "dificuldades de deslocamento e transporte" reuniu respostas como "primeiro ter de andar de ônibus, experiência nova", "ônibus lotado e mobilidade urbana reduzida", "falta de transporte até o hospital veterinário", "deslocamento até o campus" e "deslocamento até Santa Maria".
Os participantes do estudo relataram dificuldades financeiras enfrentadas no início da graduação. A necessidade de investir e precisar do apoio da família para transporte, refeição e participação em eventos é percebida pelos estudantes como um problema. A categoria "dificuldades econômicas" agrupou respostas como "dinheiro para custear transporte", "falta de refeição", "falta de apoio da universidade para participação em alguns eventos" e "tive um pouco de dificuldade econômica, pois minha família tem poucos recursos, mas com as bolsas acadêmicas tudo melhorou".
Contribuições da TCC
Acredita-se que intervenções baseadas na TCC, que já se revelaram empiricamente válidas, podem contribuir para a promoção do bem-estar de estudantes universitários de maneira geral, auxiliando-os a lidar com os desafios encontrados. Esse serviço pode ser feito por profissionais com formação em TCC que prestam atendimento a esse público no contexto clínico ou acadêmico, combinando elementos da psicoterapia cognitivo-comportamental (como aliança terapêutica, relação colaborativa e estabelecimento de objetivos) com aplicação de técnicas da mesma abordagem. Salienta-se a importância de esse trabalho ser realizado por um profissional capacitado, uma vez que podem surgir pensamentos disfuncionais em todas as técnicas que merecem ser trabalhados colaborativamente entre cliente e terapeuta. A seguir, são discutidas algumas técnicas da TCC que podem ser utilizadas no contexto acadêmico e de que forma podem ser aplicadas às dificuldades mencionadas pelos participantes (Tabela 2).
O Registro de Pensamentos Disfuncionais (RPD) permite identificar emoções, cognições e comportamentos. O indivíduo deve anotar o pensamento e a emoção que lhe ocorrem quando notar alteração em seu humor (Knapp, 2004). Frequentemente, o pensamento é uma distorção cognitiva, isto é, uma tendência negativa no processamento cognitivo que compromete a interpretação das situações cotidianas (Beck, 1997) e, por sua vez, pode provocar emoções intensas (Mc-Mullin, 2005). O RPD permite que os alunos identifiquem as situações que estão distorcendo, para, então, pensar de forma mais coerente com a realidade e, consequentemente, diminuir as alterações de humor. Um aluno que sofre com as diferenças entre ensino médio e superior pode pensar "eu devo ter um bom desempenho em todas as disciplinas" (imperativo), "ou serei um péssimo profissional" (pensamento dicotômico). Esse tipo de distorção cognitiva poderá gerar intensa ansiedade no estudante quando estiver em situações de avaliação, resultando em comportamentos de esquiva. Um exemplo de pensamento mais adaptativo para a situação descrita anteriormente poderia ser: "seria ótimo se eu tivesse um bom desempenho em todas as disciplinas, mas se isso não for possível, não quer dizer que serei um profissional ruim, pois é natural ter facilidade em algumas disciplinas e dificuldade em outras". Esse pensamento mais realista e flexível pode contribuir para que o jovem se sinta menos ansioso e lide melhor com situações de avaliação. O RPD ainda pode contribuir para lidar com as dificuldades pessoais (visões de si permeadas por insegurança e pouca motivação), interpessoais (visão negativa dos outros, por exemplo, falsos e autoritários) e com aquelas relacionadas ao estilo dos professores (visão dos outros como desinteressados e incompetentes).
O exame e a contestação das distorções cognitivas podem auxiliar nas dificuldades pessoais, interpessoais, relacionadas às diferenças entre ensino médio e superior, à gestão do tempo e ao estilo dos professores, de forma semelhante ao RPD. Sintomas de depressão, ansiedade e raiva frequentemente são resultado de distorções cognitivas (Leahy, 2006). É possível que essas distorções também sejam uma das fontes das dificuldades vivenciadas pelos estudantes durante a trajetória universitária. Por exemplo, as dificuldades pessoais podem derivar de distorções do tipo previsão do futuro ("vou rodar na disciplina") e do tipo "e se" ("e se eu não for um bom profissional?"). Outras dificuldades, como as interpessoais, associadas às diferenças entre ensino médio e superior e ao estilo dos professores, podem igualmente ser fruto de afirmações do tipo "deveria", uma vez que podem estar associadas a expectativas de que a instituição, os docentes e os colegas "deveriam" oferecer algo mas não o fazem ("meus colegas deveriam ser mais parceiros", "a universidade deveria oferecer informações sobre o curso", "eles deveriam se importar se o aluno aprendeu o conteúdo").
O exame e a contestação das distorções cognitivas consistem em ensinar os indivíduos a identificar seus pensamentos automáticos, categorizá-los conforme a distorção cognitiva que representam e contestá-los, perguntando a si mesmos se há evidências que comprovem aquelas afirmações (Leahy, 2006). O pensamento "meus colegas deveriam ser mais parceiros" corresponde a uma distorção cognitiva do tipo deveria. O profissional que está atendendo o estudante poderia perguntar o que significa, para ele, ser "parceiro". Em seguida, poderia questionar se todas as pessoas têm a mesma definição de "parceria", se é possível que alguém seja considerado "parceiro" por uma pessoa e o contrário por outra. O estudante provavelmente responderá que sim ao se lembrar de suas experiências anteriores e constatará que não é possível que todos os colegas correspondam às suas expectativas de "parceria", alguns serão percebidos como mais e outros como menos "parceiros". Esse processo de questionamento pode ser incentivado pelo profissional toda vez que o estudante perceber alteração em seu humor.
Os indivíduos também podem adotar técnicas de oposição para confrontar as distorções cognitivas. A técnica consiste em desenvolver pensamentos opositores para os pensamentos irracionais baseados na realidade (McMullin, 2005). O pensamento "e se eu não for um bom profissional" poderia ser confrontado com "não é verdade! Estou estudando os conteúdos e participando de atividades extracurriculares para melhorar minha formação". Já o pensamento "meus colegas deveriam ser mais parceiros" poderia ser confrontado com "eles não são obrigados a agradar todo mundo. Posso buscar apoio em outras pessoas". É importante que os estudantes desafiem suas distorções cognitivas repetidamente. Afinal, a técnica pode demandar certo tempo para trazer resultados (McMullin, 2005).
A técnica de descatastrofização pode ser empregada com o mesmo objetivo. Pede-se que o estudante registre, em uma escala de 1 a 10 (sendo 1 equivalente a nenhum perigo, e 10, catástrofe), o pior resultado possível de uma situação. Após, repete-se o procedimento com o melhor resultado possível. Na sequência, o jovem deve decidir, com base em experiências passadas, o que é mais provável que aconteça: a catástrofe, o melhor resultado ou um resultado intermediário (McMullin, 2005). Por exemplo, na situação de retomar os estudos após um longo período ("retornar às salas de aula após ter passado muitos anos fora delas"), o pior resultado poderia ser "não vou conseguir acompanhar e vou rodar", e o melhor, "não vou enfrentar nenhuma dificuldade e terei um desempenho excelente". Já um resultado mais provável pode ser "talvez eu enfrente alguma dificuldade, mas não quer dizer que não terei um desempenho suficientemente bom para ser aprovado". Afinal, mesmo que o discente tenha passado um longo período afastado dos estudos, ele foi aprovado na seleção para ingressar na universidade, assim como seus colegas que não ficaram afastados do estudo.
Determinados pensamentos perturbam os indivíduos porque indicam que algo pode acontecer. Isso pode ser verdade especialmente para aqueles que relatam dificuldades pessoais e cognitivas. Nesses casos, o teste das previsões negativas pode ser utilizado. A técnica consiste em coletar informações sobre a realidade e testá-las (Leahy, 2006). As previsões de baixo desempenho e de problemas em acompanhar o raciocínio, por exemplo, podem ser testadas com base nas avaliações das disciplinas. Essa verificação mostrará que nem sempre as previsões negativas dos estudantes se concretizam.
Pensamentos relacionados às dificuldades pessoais e ao estilo dos professores também podem ser respondidos de outras formas. Agir como um advogado de defesa contra as previsões ou as "acusações" dos pensamentos automáticos pode ser uma estratégia eficaz (Leahy, 2006). O pensamento "a maior dificuldade é com o que farei depois..." (dificuldades pessoais) pode ser respondido da seguinte forma: os planos futuros podem ser difíceis para qualquer um, mas eu posso buscar identificar meus interesses por meio de atividades extracurriculares, por exemplo, o que pode facilitar minha decisão de carreira. Já no caso do pensamento "ensino voltado somente para a obtenção de conteúdo e não para o contexto da sociedade em geral" (dificuldades com o estilo dos professores), os estudantes poderiam dizer a si mesmos que, em um primeiro momento, talvez seja importante um ensino com maior ênfase na teoria para embasar a prática no futuro, além de sempre existir a possibilidade de questionar os professores sobre como seria a aplicação daquele conhecimento e de buscar atividades complementares.
A técnica denominada gráfico em forma de torta pode ser utilizada para determinar a responsabilidade relativa a determinado resultado (Beck, 1997; Leahy, 2006). No caso das dificuldades interpessoais, o objetivo é avaliar se o estudante tem parcela da responsabilidade sobre os problemas interpessoais que tem vivenciado. Pede-se que ele nomeie responsáveis pela situação-problema e, depois, divida um gráfico em forma de torta conforme a porcentagem de responsabilidade para cada pessoa citada, inclusive ele mesmo. Essa técnica também pode ser utilizada para as dificuldades relacionadas à gestão do tempo, já que possibilita que o estudante perceba, ao dividir o gráfico de acordo com o tempo despendido nas suas atividades, quanto tempo tem dedicado a cada papel de vida. Quanto à estrutura da universidade e do curso, o estudante pode, de fato, atribuir essa responsabilidade à própria instituição. No entanto, em alguns casos, o indivíduo pode ter iniciativa e buscar outras opções dadas às limitações da universidade, como pedir livros emprestados a professores ou colegas e submeter projetos de pesquisa a editais de financiamento para adquirir os materiais de que necessita.
Outra técnica com o objetivo de minimizar a ruminação e gerar soluções para as dificuldades vivenciadas corresponde à negação do problema (Leahy, 2006). Deve-se identificar o problema e responder "isso não é um problema porque...", completando a frase com as soluções que vierem à mente. Um exemplo da aplicação dessa técnica à dificuldade relacionada com a falta de "dinheiro para custear transporte" é "isso não é um problema porque sei fazer bolo e posso ganhar dinheiro com isso, ou posso pedir carona para algum colega que mora perto de mim, ou posso me planejar para morar mais perto da universidade, ou posso ir de bicicleta, etc.". Essa estratégia pode ser aplicada às dificuldades cognitivas, de transporte e econômicas, bem como àquelas relacionadas às diferenças entre ensino médio e superior, e à estrutura da universidade e do curso.
A técnica de resolução de problemas pode ser utilizada em conjunto com a técnica anterior, e pode ser aplicada para todas as dificuldades mencionadas pelos participantes do presente estudo. O primeiro passo consiste em identificar e especificar o problema. Após, deve-se gerar múltiplas soluções para ele, avaliá-las e, então, escolher uma para pôr em prática (Beck, 1997). Se o problema for dificuldade de assimilar a matéria, o estudante poderia propor soluções como pedir para o professor explicar novamente, buscar leitura complementar, pedir ajuda a algum colega que a tenha entendido, fazer mais exercícios sobre o conteúdo que está sendo estudado, entre outras. Em seguida, o discente deve escolher uma opção para colocar em prática. Caso tenha pedido nova explicação para o professor e ainda assim não tenha compreendido, pode pedir ajuda a um colega como uma nova tentativa. Essa estratégia permite que o estudante assuma uma postura mais ativa na solução de suas dificuldades em vez de se manter em uma posição de queixa.
Pode haver situações em que os estudantes tenham dificuldade de gerar soluções para os problemas que estão enfrentando. Nesses casos, pode ser útil observar a forma como os demais lidam com as coisas, ou seja, pensar como as pessoas que passaram por dificuldades similares lidaram com essas situações de forma produtiva (Leahy, 2006). Um estudante com dificuldade de saber onde ficam as salas de aula e o que significam as siglas da universidade pode observar o que seus colegas estão fazendo para enfrentar essa situação. É possível que um colega pergunte na secretaria do curso, ou pergunte aos veteranos, e anote para não esquecer, que consulte o site da universidade, entre outros. Dessa forma, o discente vai criar um repertório de formas para enfrentar a dificuldade que está vivenciando. Essa técnica pode ser aplicada para diversas dificuldades relatadas pelos participantes dessa pesquisa, já que os pares compartilham a estrutura da universidade e do curso, têm aula com os mesmos professores, têm os mesmos colegas, percebem as mesmas diferenças entre ensino médio e superior e, eventualmente, vivenciam situação econômica similar e utilizam os mesmos meios de transporte.
Também há técnicas mais voltadas para a ação. O agendamento de atividades pode auxiliar o indivíduo a se organizar e a cumprir aquilo que lhe é exigido. Essa técnica consiste em criar uma planilha com atividades a serem realizadas durante a semana. Ao lado de cada atividade, o jovem deve atribuir uma nota para prazer e habilidade esperados, que será confrontada com o prazer e a habilidade que de fato foram obtidos de cada uma (Knapp, 2004). As exigências do contexto universitário podem ser encaradas pelos calouros como algo difícil ou não prazeroso. No entanto, é possível que mudem sua percepção sobre isso conforme obtenham êxito ao lidar com elas ou compreendam o motivo de elas serem requisitadas. O agendamento de atividades ainda pode contribuir para minimizar as dificuldades relacionadas à gestão do tempo a partir do estabelecimento de atividades prazerosas, obrigatórias e de socialização, exercícios, etc.
O experimento comportamental pode ser utilizado para lidar com dificuldades pessoais relatadas pelos estudantes. Essa técnica consiste em testar a validade dos pensamentos do indivíduo (Beck, 1997). O pensamento "tenho dificuldade para falar em público" pode ser trabalhado para identificar o que de fato causa essa dificuldade. Por exemplo, se o estudante tiver medo de ser humilhado pelos colegas durante a apresentação de um trabalho em sala de aula, o experimento pode ser apresentar um trabalho e verificar como os colegas reagirão durante a apresentação. O experimento comportamental pode ser associado à técnica denominada agir "como se", que consiste em experimentos para desenvolver postura e comportamento condizente com a pessoa que se deseja ser. Por exemplo, se o jovem conseguir agir como se fosse seguro e extrovertido, isso significa que ele pode ser assim (Knapp, 2004).
Nem todas as dificuldades vivenciadas pelos estudantes podem ser modificadas. Há aspectos da vida acadêmica que requerem adaptação dos alunos para que possam continuar frequentando o ensino superior. A técnica da aceitação parece se encaixar nesse cenário. Os discentes precisam aprender a aceitar algumas situações e apreciar o que é possível fazer em relação a elas (Leahy, 2006). Em outras palavras, de fato há diferenças entre o ensino médio e o superior, a universidade e o curso realmente têm limitações quanto à estrutura que podem oferecer, cada professor tem um estilo diferente e os próprios estudantes podem ter suas limitações cognitivas, econômicas e de transporte.
CONCLUSÃO
O objetivo deste estudo foi identificar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários no contexto acadêmico durante o primeiro ano de graduação e, a partir disso, refletir sobre as formas como a TCC pode contribuir para a minimização dos obstáculos vivenciados por eles. Verificou-se que os problemas vivenciados com maior frequência pelos discentes referem-se às diferenças entre ensino médio e superior, a dificuldades pessoais, interpessoais e à gestão do tempo. A partir disso, foram discutidas diversas técnicas que podem ser aplicadas nessas situações, visando amenizar as dificuldades experimentadas pelos alunos.
As técnicas propostas para o trabalho com a população universitária enfocando as dificuldades de adaptação abrangem a maioria das técnicas conhecidas da TCC, que tem como objetivo final a reestruturação cognitiva. Knapp (2004) observa que as principais técnicas da TCC frequentemente são adaptadas para diferentes demandas que o paciente apresenta, podendo ser utilizadas em diversos transtornos mentais. A diferença de utilizar essas técnicas no trabalho com estudantes universitários encontra-se no foco para o qual elas estão dirigidas - variáveis associadas ao processo e problemas de adaptação ao ensino superior. Por isso, foi realizado um levantamento das dificuldades encontradas pelos discentes no contexto acadêmico durante o primeiro ano da graduação, que correspondem aos possíveis focos de trabalho na aplicação das técnicas. Considera-se ainda que a TCC pode ser bastante efetiva e auxiliar significativamente os estudantes universitários, uma vez que estes, de maneira geral, têm bons recursos cognitivos, que poderiam ser acionados por meio da psicoeducação.
É possível que o presente estudo seja uma das poucas publicações nacionais que expressam a tentativa de estabelecer relação entre a TCC e as dificuldades vivenciadas no contexto universitário devido à escassez de trabalhos sobre a utilização dessa abordagem no ambiente acadêmico. Além disso, os resultados evidenciam um campo de atuação que pode ser explorado pelos profissionais da área. O direcionamento dessa abordagem para a resolução de problemas e a modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais pode vir a contribuir para que o ciclo que perpetua os problemas do indivíduo seja quebrado.
Este estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados. Uma delas refere-se à amostra estudada, composta somente por estudantes de universidades públicas. Assim, é possível que discentes de instituições particulares apresentem dificuldades distintas das encontradas, que demandem uma intervenção diferente da proposta. Além disso, a amostra foi composta pelos estudantes que estavam presentes na sala de aula no dia da coleta dos dados. Portanto, existe a possibilidade de a pesquisa não ter acessado estudantes com dificuldades que prejudiquem sua participação nas aulas. Outro aspecto importante é que as técnicas mencionadas foram sugeridas de acordo com suas indicações gerais, de forma que mais pesquisas são necessárias para comprovar ou não sua eficácia no contexto universitário. Ainda, estudos experimentais poderiam propor um modelo de intervenção individual ou grupal com base na TCC para tratar as principais dificuldades encontradas por estudantes universitários durante a vida acadêmica. De qualquer modo, vale destacar a importância de as técnicas serem aplicadas por profissionais capacitados para tal, uma vez que elas não devem vir desacompanhadas de outros elementos considerados fundamentais para a TCC, como a aliança terapêutica, a relação colaborativa e o estabelecimento de objetivos.
REFERÊNCIAS
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 14 de fevereiro de 2014. cod. 233.
Artigo aceito em 05 de janeiro de 2015.