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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.15 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2019
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20190009
10.5935/1808-5687.20190009 COMUNICAÇÕES BREVES
Terapia cognitivo-comportamental e depressão: intervenções no ciclo de manutenção
Cognitive-behavioral therapy and depression: interventions in the maintenance cycle
Tayla Fernandes AgostinhoI; Mariana Fortunata DonadonII; Sabrina Kerr BullamahIII
IPsicóloga, Especialista em Terapia Cognitivo- Comportamental do Centro de Terapia Cognitiva Veda - (Psicóloga)
IIMestrado em ciências médicas FMRP USP, docente do Centro de Terapia Cognitiva Veda (CTC VEDA RP) - (Doutoranda FMRP USP)
IIIPsicóloga, especialista em Terapia Cognitivo- Comportamental, docente do Centro de Terapia Cognitiva Veda. Mestre em Ciências - (Psicóloga)
RESUMO
A depressão corresponde hoje à principal causa de incapacidade no mundo. Para grande parte dos indivíduos, o transtorno é crônico e recorrente, podendo levar ao suicídio. Existem diversos tipos de tratamentos indicados para a depressão, e muitas pesquisas demonstram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental (TCC). Ao pensar no tratamento da depressão, deve-se atentar para o fato de o ciclo de redução de atividades ser um dos mais importantes mantenedores do problema, pois funciona como fonte de retroalimentação, com o indivíduo, devido ao humor deprimido, reduzindo suas atividades, perdendo os reforçadores e agravando seu estado depressivo. O objetivo deste trabalho foi ilustrar um processo de intervenção na abordagem cognitivocomportamental sobre um ciclo de redução de atividades de um paciente deprimido por meio do relato de caso de um atendimento individual. O estudo de caso foi realizado com um paciente do sexo masculino, 24 anos, solteiro e sem filhos. As principais intervenções utilizadas foram: psicoeducação, quadro de atividades, lista de atividades prazerosas e registro e avaliação de pensamentos e crenças automáticas disfuncionais. Entre os resultados, observou-se que, ao interromper o ciclo de redução de atividades, o paciente melhorou o humor, flexibilizou cognições e apresentou comportamentos mais funcionais, retomando conquistas em diversas áreas de vida.
Palavras-chave: Terapia Cognitivo Comportamental; Depressão; Ciclos de manutenção
ABSTRACT
Depression is today the leading cause of disability in the world. For most individuals, the disorder is chronic and recurrent and can lead to suicide. There are several types of treatments prescribed for depression, among them, Cognitive-Behavioral Therapy (CBT) has its effectiveness proven by research. The cycle of activity reduction is one of the most important maintainers of the problem, because it acts as a feedback loop in which the individual, due to depressed mood, reduces their activities by losing the reinforces resulting from them, aggravating their depressive state. The aim of this study was to illustrate a process of CBT interventions on the maintenance cycle of reduction of activities of a depressive patience thought a case report at individual psychotherapy. The case study was performed with a male patient, 24 years old, single and childless. The main interventions used were: psychoeducation, daily activity diary, list of pleasurable activities and recording and evaluation of automatic thoughts and beliefs. It was observed that when interrupting the cycle of reduction of activities, the patient had his mood improved, acquired cognitive flexibility and presented more functional behaviors, regaining achievements in several areas of life.
Keywords: Cognitive Behavioral Therapy; Depression; Maintenance Cycle
INTRODUÇÃO
Dados recentes divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que a depressão afeta, hoje, 322 milhões de pessoas, sendo a principal causa de incapacidade no mundo, e sinalizam um aumento de mais de 18% da incidência desse transtorno entre os anos de 2005 e 2015. No Brasil, a depressão atinge 11,5 milhões de brasileiros (World Health Organization, 2017). Uma condição clássica no do grupo dos transtornos depressivos é o transtorno depressivo maior, caracterizado, além de outros aspectos, pela presença de humor deprimido ou perda de interesse ou prazer (American Psychiatric Association, 2014).
Segundo Powell, Abreu, Oliveira e Sudak (2008), em grande parte dos pacientes a depressão é crônica e recorrente, levando a diversos sintomas residuais que aumentam o risco de recaídas e de suicídio, provocam o empobrecimento das habilidades psicossociais e aumentam a mortalidade advinda de outras doenças clínicas. Nesse sentido, a OMS (WHO, 2017) reforça a necessidade de um aumento dos investimentos em saúde mental em diversas nações, apontando que, mesmo em países mais ricos, aproximadamente 50% das pessoas com depressão não recebem tratamento.
Existem diversos tipos de tratamentos indicados para a depressão na atualidade, sendo que muitas pesquisas demonstram a eficácia da terapia cognitivo-comportamental (TCC) para esse tipo de transtorno (Beck, Kovacs, & Holon, 1977; Gloaguen, Cottraux, Cucherat, & Blackburn, 1998; Paykel et al., 1999; Rupke, Blecke, & Renfrow, 2006). Butler, Chapman, Formam e Beck (2006) revisaram mais de 300 ensaios clínicos, comprovando a alta eficácia da TCC para diversos transtornos psiquiátricos, sendo a abordagem com maior embasamento empírico da atualidade. Essa terapia, desenvolvida por Aaron Beck no início da década de 1960, tem como principais pilares a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas, tendo como característica a modificação do humor e de pensamentos e comportamentos disfuncionais, utilizando para isso diversas técnicas cognitivas e comportamentais (Beck, 2013). Segundo Greenberger e Padesky (2017), a TCC baseia-se no entendimento de que nossa interpretação sobre determinada situação influencia de forma direta nossas reações emocionais, físicas e comportamentais relacionadas a essa experiência. Portanto, "[...] em sua forma geral, essa teoria especifica que a melhora sintomática no transtorno psicológico resulta da modificação do pensamento disfuncional, e que a melhora durável (redução de relapso) resulta da modificação de crenças ‘maladaptativas’" (Beck & Alford, 2000, p. 36).
Outro aspecto relevante ao pensar no tratamento da depressão diz respeito à identificação dos ciclos de manutenção de determinado problema, ou seja, quais os processos psicológicos do paciente que, ao se retroalimentarem, impedem que ele melhore, podendo até agravar a situação (Westbrook, Kennerley, & Kirk, 2011). A partir disso, Moorey (2010) afirma que os protocolos de tratamento que obtêm maior êxito são os que incorporaram um modelo de como os transtornos são mantidos com esses círculos viciosos, oferecendo instruções de como rompê-los. Nesse mesmo trabalho, o autor desenvolve um diagrama para a compreensão do transtorno depressivo e de seus processos de manutenção, o qual nomeia como "flor viciosa da depressão", situando o modo deprimido no miolo e os ciclos de manutenção nas pétalas da flor. Ao todo, Moorey (2010) aponta seis processos mantenedores do problema: (1) Pensamentos automáticos negativos; (2) Ruminações e autoataque; (3) Humor/emoção; (4) Esquiva e evitação; (5) Comportamentos disfuncionais; e (6) Motivação e sintomas físicos.
A fim de romper com esses processos e auxiliar o indivíduo a alcançar padrões mais funcionais, uma das intervenções possíveis no ciclo de redução de atividades refere-se ao aumento do número de atividades que a pessoa realiza diariamente, bem como ao investimento na melhora dos tipos e qualidades dessas atividades, enfocando aquelas que fornecem uma sensação de prazer e realização e que vão ao encontro de seus valores (Greenberger & Padesky, 2017). Leahy (2015) afirma também que, muitas vezes, o comportamento cria a motivação, ou seja, é necessário que o indivíduo primeiro escolha fazer o que precisa ser feito para que depois encontre a motivação a partir das recompensas advindas de sua ativação comportamental. Isso pode acontecer por meio do registro e do planejamento de atividades prazerosas ou que ajudem o indivíduo a atingir algum objetivo, obtendo, assim, satisfação (Beck, 2013; Greenberger & Padesky, 2017; Leahy, 2015; Powell et al., 2008).
Segundo Powell e colaboradores (2008), outra intervenção importante é a reestruturação cognitiva, pois pacientes deprimidos acabam assumindo posturas pessimistas, diminuindo sua mobilidade. Para alcançar a mudança cognitiva, esses autores apontam que técnicas como a psicoeducação sobre a TCC e sobre o transtorno, e a identificação de distorções cognitivas, de pensamentos e crenças disfuncionais relacionadas à depressão, bem como de comportamentos mantenedores das crenças também são fundamentais no decurso do tratamento (Powell et al., 2008). Após o reconhecimento desses processos, Leahy (2015) e Westbrook e colaboradores (2011) indicam o questionamento de pensamentos automáticos disfuncionais, em que, por meio do questionamento socrático, são feitas perguntas ao paciente para analisar o quanto seus pensamentos são úteis e verdadeiros e quais são as possíveis consequências de mantê-los ou modificá-los (Wright, Basco, & Thase, 2008).
A partir disso, conclui-se que as intervenções nos ciclos de manutenção, tanto cognitivas quanto comportamentais, se fazem essenciais para a mudança em padrões disfuncionais do indivíduo a fim de reduzir seu sofrimento e melhorar sua qualidade de vida. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo ilustrar, com o relato de caso de atendimento individual, um processo de intervenção da abordagem cognitivo-comportamental sobre um ciclo de redução de atividades.
RELATO DO CASO
A descrição do relato de caso a seguir baseou-se no modelo desenvolvido pelo Centro de Terapias Cognitivas Veda (CTC VEDA) (Nicoletti & Donadon, 2019, pp.14-51).
André (nome fictício), paciente do sexo masculino, caucasiano, 24 anos, solteiro e sem filhos. Morava com dois amigos em uma república universitária, porém nas duas últimas semanas se encontrava na casa dos pais, em sua cidade de origem, por ter abandonado o curso de graduação em Engenharia Mecânica. O paciente estava consciente e orientado, com a fala clara e coerente, porém com emissão um pouco lenta das palavras devido ao uso de clonazepam.
Procurou atendimento devido à queixa de se sentir muito triste nos últimos meses, apresentando dificuldades para dormir, choro frequente, incapacidade para tomar decisões e falta de vontade de fazer suas atividades. Relatou medo do futuro por ter abandonado a faculdade, bem como de decepcionar seus pais. André se classificava como fracassado e inútil por não ter dado continuidade aos estudos e por ter se isolado de suas ocupações anteriores. Tinha ideias de se matar diariamente.
Por ter sido reprovado duas vezes consecutivas em algumas disciplinas da graduação e estar cursando as matérias pela terceira vez, seu humor deprimido e sua ansiedade se intensificaram, levando-o a deixar o curso. Quando chegou para a terapia, estava tomando sertralina e clonazepam havia três dias, receitados pelo clínico geral de uma unidade de saúde. Foi solicitada pela terapeuta uma avaliação psiquiátrica. O paciente já realizara acompanhamento psiquiátrico e psicológico aos 14 anos, quando tomara antidepressivo e fizera terapia psicanalítica. A queixa na época referia-se a falta de concentração, dificuldades nos estudos e diminuição no rendimento escolar, levando ao quadro depressivo.
André residia sozinho havia quatro anos e meio, desde quando passara no vestibular e fora morar em outra cidade. Visitava seus pais quinzenalmente. Seu irmão caçula também cursava faculdade em outro município. Eles se encontravam em alguns fins de semana, mas conversavam diariamente pela internet. Os dois eram muito amigos, apoiando-se nos momentos difíceis. Durante a infância, André convivera com pais superprotetores e "sentimentais". Sua mãe, responsável pelos cuidados domésticos, sempre agradava os filhos de maneira excessiva, e tem histórico de depressão, tendo apresentado um episódio grave quando o paciente tinha 13 anos. Seu pai, apesar da postura reservada e passiva, mostrava-se emotivo em diversas situações. André fez referência a dois relacionamentos amorosos sérios ao longo da vida: na adolescência, quando esteve por alguns meses com uma colega de sala, e dos 21 aos 22 anos, quando manteve um namoro a distância. Ao final das duas relações, vivenciou um período de muita tristeza.
No âmbito social, relatou ter alguns amigos de infância na cidade de São Paulo, onde morara até os 15 anos de idade, e outros amigos da graduação, apresentando um círculo pequeno. André tinha como hobby participar de comunidades e jogos interativos de computador, mantendo amizades virtuais. O jovem estava matriculado no 9º semestre do curso de graduação em uma universidade federal e relembrava sua felicidade por ter alcançado esse objetivo anos atrás, juntamente com a tristeza e o medo pela possibilidade de não se graduar. Disse gostar das disciplinas de maneira geral, apresentando bom desempenho em diversas áreas, mas duvidando de sua capacidade em matérias específicas. O jovem idealizava montar seu próprio negócio após se formar, a fim de ajudar os pais financeiramente, mas não acreditava ter capacidade para alcançar essa meta.
Formulação de Caso
O incidente crítico do primeiro episódio de depressão do paciente ocorreu aos 14 anos. André estava com dificuldades de concentração nas atividades escolares, e seu desempenho decaía. A partir disso, o jovem sentiu-se cada dia mais triste, e foi diagnosticado com depressão. No segundo episódio, descrito neste relato, o precipitante para seu humor deprimido também surgiu com a queda de seu desempenho acadêmico, após ter ficado retido pela segunda vez consecutiva em duas disciplinas da graduação.
Os gatilhos que ativavam o humor deprimido e ansioso do jovem eram: ter que assistir aulas; realizar tarefas e provas das disciplinas que estava cursando novamente; realizar as atividades assumidas no grupo de pesquisa; tomar decisões sobre a manutenção da república onde residia; ficar sozinho nos fins de semana. A intensidade do problema aumentava quando lia mensagens nas redes sociais dos colegas da graduação; recebia notificações no WhatsApp sobre trabalhos, projetos e datas de provas; presenciava brigas; enfrentava a pressão dos pais para retornar às aulas, vendo-os chorar por sua causa; e quando ruminava aspectos do passado.
Visão Transversal de Cognições e Comportamentos
Uma situação difícil para André era quando visualizava as notícias do andamento do projeto de pesquisa. Pensava: "Estou estragando tudo e não vejo saída", o que desencadeava tristeza e culpa. O comportamento do jovem era não olhar o celular, passando o dia assistindo à televisão.
Outra situação difícil era quando ouvia seus pais conversando e chorando por causa de sua situação. Pensava: "Sou uma decepção para os meus pais, um fracassado na vida", sentia-se triste e isolava-se no quarto, recusando outras atividades.
Em uma terceira situação, encontrava-se sentado refletindo sobre suas experiências e pensava: "O passado é que era bom, o presente nunca é bom para mim", sentindo-se triste e chorando.
Visão Longitudinal de Cognições e Comportamentos
O jovem tinha crenças centrais como: "Não sou bom o suficiente/sou incompetente", "Sou incapaz de ser amado/ aceito", "Eu afasto as pessoas", "Sou um fracasso" e "Sou um inútil". Como resultado, desenvolveu as seguintes crenças intermediárias: "Se eu falhar, não mereço ser amado", "Se eu não errar, então serei aceito pelas pessoas/sociedade", "Se eu me isolar das situações difíceis, então evito falhar" e "Se eu não me esforçar o tempo todo, serei um inútil", bem como as regras: "Não devo ficar triste ou deprimido", "Devo ser o melhor em tudo", "Devo sempre me culpar pelos meus erros". Quando questionado sobre o significado dessas crenças, o paciente sempre respondia que se preocupava com a possibilidade de não ser amado pelas pessoas e não ser aceito pela sociedade, indicando o funcionamento predominante do esquema de desamor.
Ele utilizava as estratégias compensatórias de redução de atividades, de esquiva e de perfeccionismo, o que sustentava o problema. De início, mantinha principalmente o ciclo de redução de atividades, pois, ao recusar situações que lhe proporcionassem prazer e/ou satisfação, deixava de receber as recompensas positivas desses comportamentos, mantendo-se mais deprimido e cristalizando suas crenças.
Hipóteses de Trabalho
A partir das interpretações sobre suas experiências, André formou crenças com ideias de rejeição e de não ser digno de amor. Assim, estabeleceu regras e pressupostos rígidos envolvendo alto nível de perfeccionismo. Não conseguindo alcançar todas as suas expectativas, esquivava-se, o que o fazia frustrar-se ainda mais, classificando suas falhas como fracassos absolutos. Dessa forma, começou a ficar deprimido, abandonando suas atividades acadêmicas e sociais, retroalimentando o círculo vicioso de redução de atividades.
Plano de Tratamento
A elaboração do plano de tratamento se deu de acordo com a descrição de Nicoletti e Donadon (2019, pp. 54-65).
A seguinte lista de problemas foi feita pelo paciente em sessão em conjunto com o psicoterapeuta:
a) Vontade de abandonar a graduação;
b) Humor deprimido;
c) Ansiedade elevada;
d) Autocrítica elevada;
e) Pouca assertividade na comunicação com amigas/ paqueras;
f) Afastamento dos amigos;
g) Não fazer atividade física;
h) Dormir com medicação.
Com base na lista de problemas, foram formulados objetivos para o tratamento:
a) Retomar as aulas no próximo semestre;
b) Superar a depressão;
c) Reduzir os sintomas ansiosos;
d) Reduzir a autocrítica;
e) Aumentar o repertório comportamental para se relacionar;
f) Retomar amizades;
g) Retomar atividade física;
h) Dormir sem medicação;
i) Aumentar a autoeficácia;
j) Romper os ciclos de manutenção;
k) Aumentar a capacidade de resolução de problemas;
l) Buscar flexibilização cognitiva
Intervenções
A partir da hipótese de trabalho e para alcançar a quebra do ciclo de manutenção dos sintomas depressivos, foram utilizadas algumas intervenções, destacando-se:
Psicoeducação: Com exemplos trazidos pelo paciente, foi-lhe explicado seu funcionamento, o modelo cognitivo da depressão e o ciclo de redução de atividades. Assim, ele percebeu a importância de mudar seus comportamentos para que novas recompensas pudessem surgir, incluindo mudanças em sua forma de pensar e sentir.
Quadro de atividades: Foi feito um levantamento de atividades que pudessem fornecer ao paciente o senso de prazer e/ou satisfação, e essas foram inseridas em sua rotina de modo gradativo.
Lista de prazer e satisfação: Foi elaborada uma lista de prazer e satisfação nas atividades que desempenhava em seu dia a dia.
Inventário de custos e benefícios: Análise sobre as atividades que realizava e/ou deixava de realizar em seu dia a dia e o quanto se beneficiava e/ou se prejudicava com isso.
Registro de pensamentos e crenças automáticas disfuncionais: Ao registrar seus pensamentos disfuncionais, o paciente pôde perceber de forma mais evidente seus padrões de pensamento e compreender melhor o quanto determinados comportamentos afetavam de forma direta suas cognições e seu humor.
Avaliação de pensamentos e crenças automáticas disfuncionais: Ao avaliar os pensamentos e crenças, o paciente pôde identificar sua utilidade e sua veracidade, chegando a formas alternativas de interpretação sobre essas situações. Para isso foram utilizados: inventário de vantagens e desvantagens de manter a crença/pensamento, técnica da seta descendente, minuta de crenças, continuum cognitivo e treino de resolução de problemas.
RESULTADOS
De início, o objetivo do tratamento foi elevar o humor do paciente, instilando esperança e reduzindo sua ansiedade, aumentando em sua rotina o número de atividades que lhe traziam prazer e satisfação, a fim de preservar sua vida, reduzir o sofrimento e aumentar o bem-estar e o senso de autoeficácia para que alcançasse sua meta principal de retornar à universidade. Para tanto, foram utilizadas diversas técnicas, entre elas, o quadro de atividades. A partir dessa intervenção, o jovem retomou algumas atividades básicas que faziam parte de seu cotidiano antes do episódio depressivo, como correr, frequentar a igreja e realizar tarefas domésticas, voltando a obter as recompensas provenientes de sua ativação comportamental, o que lhe permitiu reconhecer seus esforços, identificar suas avaliações cognitivas equivocadas e entender o quanto essas distorções de pensamento provocavam emoções e comportamentos disfuncionais. Além disso, foram também utilizados a avaliação de custos e benefícios e o registro e a avaliação de pensamentos automáticos disfuncionais.
Em especial, a psicoeducação sobre o ciclo de redução de atividades colaborou para a mudança comportamental do paciente. Foram inseridas atividades em seu quadro de rotina, e o jovem experimentou novas recompensas a partir de ações como correr e frequentar a igreja, o que ultrapassou o plano de ação proposto e lhe permitiu sentir-se "muito bem e mais disposto". Após a quebra do ciclo de redução de atividades, ele apresentou melhoras na qualidade do sono e no estado de humor de forma geral. O paciente descreveu o início dessas mudanças na quarta sessão, sinalizando uma situação em que não sentiu medo e sim "um pouco de felicidade e vontade de fazer as coisas de novo". Essa melhora ao longo do tratamento fica evidenciada pela redução dos escores dos inventários de Beck, ilustrados na Figura 1.
Na fase intermediária da psicoterapia, foram trabalhadas a investigação e a avaliação de pensamentos e crenças intermediárias e centrais, regras e pressupostos, além da modificação efetiva dos ciclos de manutenção, o que causou flexibilização cognitiva e melhor funcionalidade. Nesse sentido, André aprendeu a identificar suas distorções e questionar pensamentos disfuncionais, adquirindo maior flexibilidade cognitiva. Isso corroborou para que persistisse em suas atividades, substituindo pensamentos do tipo "Eu não estou fazendo nada para melhorar" por "Estou fazendo de 75 a 80% do planejamento" e "Nem tudo pode ser perfeito, e mesmo não fazendo tudo (100%), algo está sendo feito".
Mais um resultado importante que, além de envolver outras ações, também está relacionado com intervenções no ciclo de redução de atividades, foi o retorno à universidade. Tal fator acabou sendo um dos responsáveis pela elevação do humor e pelo aumento do senso de autoeficácia, pois André pôde reestruturar pensamentos que antes o impediam de retomar os estudos. Na sessão que antecedeu seu retorno (12ª), o jovem concluiu: "Sou insistente com as coisas e, por mais que esteja difícil, vou fazer o meu melhor" e "Sou forte por estar tentando". Essa retomada lhe possibilitou testar hipóteses, obtendo evidências contrárias às suas crenças disfuncionais. Outros ganhos foram: conseguir suspender o uso do clonazepam, retomar amizades, começar a se relacionar com mulheres de forma mais assertiva e obter um bom desempenho nas provas das disciplinas temidas. Observamos que o paciente alcançou flexibilizações essenciais após ter sido submetido a uma variedade de técnicas, e as principais reestruturações cognitivas encontram-se descritas na Tabela 1:
Por seu turno, na fase final, o foco da psicoterapia recaiu sobre os ganhos terapêuticos obtidos ao longo do processo, bem como sobre a prevenção de recaídas, preparando o paciente para a alta. Utilizamos o quadro de crenças, a resolução de problemas para lidar com gatilhos, a revisão de técnicas aprendidas, o questionamento de pensamentos sobre a alta, o espaçamento de sessões e os cartões de enfrentamento.
DISCUSSÃO
André demonstrou melhora no humor, flexibilização cognitiva e mudanças comportamentais importantes a partir das intervenções no ciclo de manutenção de redução de atividades, que era um dos principais objetivos do tratamento. Ainda, como desafio, havia a necessidade de retomada do curso de graduação em 45 dias, para não perder o ano letivo. Sendo assim, a psicoeducação foi fundamental nesse processo, já que envolveu uma maneira de possibilitar ao paciente conhecimentos sobre seu funcionamento em termos cognitivos e comportamentais, incluindo os processos mantenedores e suas consequências em sua vida, o que contribuiu significativamente para a melhora de seu humor, instilou esperança e fomentou sua motivação para o tratamento (Dobson & Dobson, 2010; Powell et al., 2008).
Outro aspecto que se apresentou em concordância com a literatura foi o sucesso do uso do quadro de atividades para monitorar a rotina do paciente, inserindo ações produtivas e prazerosas. A partir dessa intervenção, o jovem retomou algumas atividades básicas que faziam parte de seu cotidiano antes do episódio depressivo. O monitoramento das atividades permite a identificação de faltas ou excessos de comportamentos que influenciam em avaliações cognitivas equivocadas e provocam o surgimento de distorções e emoções desagradáveis (Beck, 2013; Greenberger & Padesky, 2017; Leahy, 2015; Powell et al., 2008).
Por meio da identificação e do questionamento de seus pensamentos automáticos disfuncionais também foi possível observar efeitos no ciclo de manutenção. A flexibilização cognitiva resultou na construção de pensamentos alternativos mais realistas, contribuindo para o rompimento do círculo vicioso (Beck, 2013; Leahy, 2015; Powell et al., 2008; Westbrook et al., 2011; Wright et al., 2008). Ao romper o ciclo de redução de atividades, André foi recebendo as recompensas ambientais, melhorando seu humor e flexibilizando suas cognições, aumentando, assim, seu sentimento de autoeficácia, prejudicado pela tríade negativa da depressão (Beck, 2013; Leahy, 2015; Powell et al., 2008). O jovem decidiu retomar os estudos no período de 45 dias, o que demonstra os efeitos das intervenções e concorda com a literatura que explica que a reestruturação cognitiva leva a mudança comportamental (Beck, 2013; Beck & Alford, 2000; Greenberger & Padesky, 2017).
O retorno gradual às suas atividades favoreceu o avanço do tratamento para a fase intermediária, quando foram realizadas intervenções nas crenças de desamor. As crenças mal-adaptativas, quando investigadas, estavam ligadas ao seu receio de não ser amado e não ser aceito pela sociedade. Por acreditar nessas verdades absolutas, como "Não sou bom o suficiente" e "Sou incapaz de ser amado/aceito", o esquema continuava operando com ajuda das estratégias de esquiva e de perfeccionismo embasadas nas crenças intermediárias "Se eu não errar, então serei aceito pelas pessoas/sociedade" e "Se eu me isolar das situações difíceis, então evito falhar", o que o fazia manter comportamentos que apoiassem as crenças nucleares, desvalorizando dados contrários (Beck, 2013).
Apesar de ter apresentado dificuldades no início das aulas, voltando a ter pensamentos de desistência, foi muito importante a compreensão de que, ao adotar novamente comportamentos disfuncionais com a finalidade de ocultar suas crenças, como faltar às aulas, evitar falar com professores e colegas e dormir em vez de estudar, o paciente sentia-se bem apenas momentaneamente (Greenberger & Padesky, 2017), porém, o que de fato acontecia é que essa forma de se comportar apenas retroalimentava seu sintoma inicial, mantendo-o ou podendo até agravá-lo (Westbrook et al., 2011). Tal como afirma Moorey (2010), é importante que o paciente deprimido possa ser conduzido a perceber seus ciclos de manutenção e receba instruções de como eles podem ser rompidos, a fim de que o caso obtenha êxito. Como exemplo disso, André sinalizou a importância de manter-se atento às suas tendências de reduzir atividades, de esquivar-se e de ter níveis de exigência irrealistas, conseguindo, assim, atingir suas metas da terapia.
Outro aspecto interessante a ser discutido refere-se à importância de se considerar o histórico de sua doença. Avaliando os precipitantes do transtorno de André, foi possível observar a semelhança entre as situações ativadoras de ambos os episódios depressivos: queda no rendimento escolar e acadêmico. Ao perceber tal similaridade, essas situações foram utilizadas na psicoeducação sobre seu funcionamento, ou seja, respeitando os princípios da TCC, foi dada ênfase à colaboração ativa, com o objetivo de ensinar o paciente a ser seu próprio terapeuta e evitar recaídas (Beck, 2013), identificando seus gatilhos e estratégias de enfrentamento (Wright et al., 2008).
Por fim, o presente estudo aponta que as intervenções no ciclo de manutenção de redução de atividades foram fundamentais para o tratamento do paciente. A modificação desse ciclo possibilitou a retomada de reforçadores importantes para a modificação de seu humor, a flexibilização cognitiva e as alterações comportamentais que contribuirão para a prevenção de recaídas, pois ele passará a ter recursos para identificar e romper esse ciclo caso volte a se manifestar.
Como limitações no estudo, apontam-se a impossibilidade de generalização dos resultados pela metodologia empregada e a experiência reduzida da terapeuta. Sugere-se que novos trabalhos sejam realizados a fim de ampliar a literatura nacional sobre ciclos de manutenção.
CONCLUSÃO
Ao conseguir interromper o ciclo de redução de atividades, o paciente apresentou melhoras imediatas em seu humor, suas cognições e seus comportamentos. Quando o jovem volta a obter recompensas advindas de sua ativação comportamental, isso lhe possibilita testar suas conclusões equivocadas, passando a ter evidências contrárias aos seus pensamentos e crenças anteriores, podendo adquirir um novo repertório de habilidades. A partir das intervenções iniciais nesse ciclo, foi possível a continuidade do tratamento, bem como o preparo para a fase final visando a prevenção de recaídas.
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Correspondência:
Mariana Fortunata Donadon
Instituição: Centro de Terapia Cognitiva Veda
AV Independência 1356
Ribeirão Preto SP CEP: 14022-000
E-mail: marianadonadon@usp.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 20 de Novembro de 2018. cod. 698
Artigo aceito em 11 de Março de 2019