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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.16 no.2 Rio de Janeiro dez. 2020

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20200016 

COMUNICAÇÕES BREVES BRIEF COMMUNICATIONS

 

Uso de imagens para a reestruturação cognitiva: relato de caso

 

The use of imagery in cognitive restructuring: case reports

 

 

Lia Silvia KunzlerI,II; Maria Cecília Ferreira-de-LimaI; Yu Hua FengI

IMental Health, Clínica de Psiquiatria e Psicologia - Brasilia - DF - Distrito Federal -Brasil
IIUniversidade de Brasília, Hospital Universitário - Brasilia - DF - Distrito Federal - Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

Os processos cognitivos envolvidos nas imagens mentais e as áreas corticais ativadas são semelhantes às situações reais, indicando o potencial terapêutico do uso de imagens para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. O objetivo do presente estudo foi apresentar três relatos de casos em que o uso de imagem foi a técnica determinante para conseguir o desfecho terapêutico desejado: (1) reestruturação cognitiva de crenças nuclear e condicionais distorcidas para alcançar comportamentos desejados; (2) reestruturação cognitiva de crenças intermediárias através do desenho como coadjuvante no tratamento oncológico; (3) fortalecer crenças nucleares e condicionais saudáveis. O uso de imagem se mostrou efetivo nos três casos apresentados, pois através desta intervenção foi possível a identificação de crenças, a reestruturação cognitiva e a regulação emocional. Consequentemente auxiliou na resolução de problemas, na amenização do sofrimento e do comprometimento global, pois facilitou o desenvolvimento de novas habilidades para o enfrentamento de situações estressantes e conflituosas, o que propicia uma melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Imagem mental; Reestruturação cognitiva; Regulação emocional.


ABSTRACT

In mental imagery, the involved cognitive processes and the activated cortical areas are similar to those of real-life situations, thus indicating a potential therapeutic use of images to develop coping skills. The aim of the current article is to present 3 cases in which the use of imagery was a determining technique to ensure the desired therapeutic outcome:1) cognitive restructuring of distorted core and conditional beliefs to achieve desired behaviors; 2) cognitive restructuring of intermediate beliefs through drawings to enhance oncologic treatment; 3) strengthening of healthy core and intermediate beliefs. The use of imagery allowed for the identification of beliefs, cognitive modification and emotional regulation, and was shown to be effective in the 3 presented cases. Therefore, imagery has helped with problem solving, suffering relief, and global compromise, as it promotes the development of new coping strategies for stressful and conflicting situations, which, in turn, contributes to a better quality of life.

Keywords: Mental imagery; Cognitive restructuring; Emotional regulation.


 

 

INTRODUÇÃO

As imagens mentais (IM) são representações neurais construídas a partir de informações sensoriais e variam desde memórias intrusivas involuntárias sobre o passado, até devaneios voluntários sobre possíveis eventos futuros, podendo envolver todos os sentidos e evocar memórias decorrentes de experiências sensoriais diversas e não apenas restritas à visão. A construção de IM ocorre quando o estímulo sensorial acessa a memória, causando a sensação de ver ou ouvir algo mentalmente, caracterizando-se por sua semelhança subjetiva com as impressões sensoriais perceptuais (Saulsman, Ji, & McEvoy, 2019).

Os mecanismos da IM ativam áreas cerebrais que respondem de forma semelhante às emitidas em situações reais (Albers, Kok, Toni, Dijkerman, & de Lange 2013), pois evocam memórias emocionais e os estados afetivos correspondentes, e em determinadas situações podem desencadear pensamentos disfuncionais, o que torna frequente a presença de imagens perturbadoras nas psicopatologias (Holmes & Mathews, 2010; Hales et al., 2015). Imagens mentais intrusivas negativas são frequentes em indivíduos com transtornos mentais, inclusive de morte e suicídio, além da pobreza de capacidade de produzir imagens mentais positivas (Holmes, Blackwell, Burnett, Renner, & Raes, 2016;Weßlau, Cloos, Hofling, & Steil, 2015). A reestruturação destas imagens pode auxiliar na redução das intrusões imagéticas e consequentemente na redução dos sintomas (Yamada et al., 2018). Por estes motivos, as imagens são conteúdos importantes na abordagem comportamental, sobretudo em intervenções de dessensibilização e inundação, pois, como considerado por Aaron Beck desde os primórdios da terapia cognitivo comportamental (TCC), as imagens são de importância crucial para compreender o sofrimento humano, e não apenas as decorrentes de lembranças, mas também as dos sonhos e das fantasias (Hackmann, Bennett-Levy, & Holmes, 2011; Stopa, 2009).

Em 1971, numa descrição sobre os padrões cognitivos, Beck concluiu que os mesmos esquemas regem tanto os sonhos como as imagens diurnas (Rosner, Lyddon, & Freeman, 2002), envolvendo tanto as cognições que conduzem ao funcionamento saudável quanto ao não saudável. Estas estruturas cognitivas são consideradas a chave para a compreensão dos transtornos psicológicos e base para as intervenções da TCC (Kunzler, 2008; Kunzler & Araujo, 2013; Padesky, 1994). A prática da TCC é baseada na combinação da reestruturação cognitiva e técnicas cognitivo-comportamentais (Range, Falcone, & Sardinha, 2007), e que se fundamenta na racionalidade teórica de que a emoção e o comportamento são determinados pela maneira como o indivíduo interpreta as situações, e não pela situação em si (Beck, 1963; Knapp & Beck, 2008).

Com base nesta premissa, a proposta da TCC é auxiliar o paciente a desenvolver estratégias de enfrentamento em situações diversas, através da compreensão do seu padrão de comportamento, tanto o indesejado quanto o desejado (Kunzler, 2008). Exercícios preenchidos compõem um "arquivo pessoal" que pode ser evocado em momentos estressantes futuros, facilitando a tomada de decisão saudável e assim promovendo a autonomia do indivíduo (Kunzler & Araujo, 2013). A TCC sistematiza e ensina os pacientes a identificar, questionar e corrigir os pensamentos distorcidos, sendo que o uso de imagens para reestruturar as cognições que determinam os pensamentos disfuncionais vem sendo estudada e aplicada (Kunzler, Naves, & Casulari, 2018, 2019).

O uso de imagens tem efeito emocional mais poderoso que a análise verbal de eventos (Hales et al., 2015). Esta característica pode ser modulada no contexto clínico a partir da perspectiva usada na IM: a visão pela primeira pessoa tem maior impacto emocional e o ponto de vista de observador pode auxiliar o distanciamento da emoção em questão, facilitando a reestruturação e as mudanças comportamentais (Burnett et al., 2017; Holmes & Mathews, 2010). E a interação entre o processamento de IM e informações sensoriais reais facilita que os contextos trabalhados por imagem sejam incorporados à memória com maior facilidade, consequência observada nas terapias nas quais modificação guiada de imagens (image rescripting) é realizada para abordar traumas passados (Arntz, 2012).

A imaginação guiada é o processo de usar imagens mentais de forma proposital, estruturada e monitorada, para conduzir a exploração de conteúdos específicos na terapia. O indivíduo desenvolve um novo controle sobre o modo como ele representa experiências do passado. Auxilia a mudança de um estado mental, da autoimagem e do comportamento, produzindo resultados positivos da saúde (Bazzo & Moeller, 1999). A visualização é a representação de um objeto, acontecimento ou sensação através da imagem, habilidade que gera uma imagem mental e, na perspectiva cognitiva, transforma a figura a ser trabalhada e consequentemente a emoção associada, recriando um conteúdo emocional que proporcione bem estar e pode ser utilizada como estratégia de solução de problemas (Cabete, Cavaleiro, & Pinteus, 2003). É um recurso que pode ser explorado em diversos contextos de doenças como depressão, na oncologia, em intervenções cirúrgica, na pediatria e no Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Cabete et al., 2003).

A utilização da imaginação e do desenho são estratégias adicionais na construção de cognições saudáveis, por amenizar os sintomas que acarretam prejuízo no desempenho de atividades globais. A reestruturação cognitiva através de imagens pode ser abordada em quadros psiquiátricos, tais como: ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático (Maier, Schaitz, Kroener, Connemann, & Sosic-Vasic, 2020; Kunze, Arntz, & Kindt, 2019), transtorno bipolar (O'Donneli, Simplicio, Brown, Holmes, & Heyes, 2017; Berg, Voncken, Hendrickson, Houterman, & Keijsers, 2020), personalidade borderline (Shaitz, Kroener, Maier, Connemann, & Sosic-Vasic, 2020), e depressão (Weßlau et al., 2015; Holmes et al., 2016).

Como exemplo, pacientes depressivos referem um esquema com conteúdo de "Eu sou um fracasso". Quanto mais grave os sintomas, maior o comprometimento de habilidades de reestruturação cognitiva, mas quando os pacientes são capazes de questionar seus pensamentos, a regulação emocional é alcançada (Beck, 1963, 1964).Nesse quadro pode ocorrer também o empobrecimento das imagens mentais positivas e o aumento de intrusões imagéticas perturbadoras (Morina, Deeprose, Pusowski, Schmid, & Holmes, 2011). O treinamento para aumentar a intensidade e a clareza de imagens mentais positivas pode melhorar o afeto e favorecer a ativação comportamental; a reestruturação das cognições associadas às intrusões negativas são estratégias importantes na abordagem das depressões (Holmes et al., 2016). A modificação de imagens mentais e memórias aversivas nesse transtorno pode melhorar o humor e a incidência das intrusões mentais (Morina, Lancee, & Arntz, 2017;Yamada et al., 2018).

As técnicas da TCC são frequentemente adaptadas para o tratamento de doenças físicas, incluindo o câncer, pois ao receber este diagnóstico, a reação inicial mais comum é de choque e desesperança, seguidos por sintomas de ansiedade, raiva, culpa e depressão, com maior ou menor gravidade. A TCC auxilia na adaptação aos problemas decorrentes da doença, com foco no bemestar e controle da qualidade de vida (Scott, Williams, & Beck, 1994).

Estratégias da TCC, como a reestruturação cognitiva, a autoinstrução e o relaxamento, são frequentemente usadas, prescritas e adaptadas para o tratamento de doenças físicas, incluindo o câncer, pois pode ser usada adicionalmente ao tratamento medicamentoso (Melton, 2017). A pobreza de imagens positivas nos pacientes oncológicos com depressão pode prejudicar o envolvimento em ações necessárias para o tratamento do câncer (Holmes et al., 2016), as técnicas de imagens mentais pode auxiliar na reestruturação efetiva de cognições e crenças e a produção de imagens mentais positivas que auxilia a combater a disforia e a manter comportamentos mais saudáveis (Pictet, Couhgtey, Mathews, & Holmes, 2011).

O objetivo do presente estudo é demonstrar que a utilização de imagens mentais com ou sem auxílio do desenho pode ser uma estratégia adicional na construção de cognições saudáveis, amenizando sintomas que acarretam prejuízo no desempenho de atividades globais. Para este fim, serão apresentados os relatos de três casos em que o uso de imagem auxiliou na reestruturação cognitiva, permitindo que os pacientes construíssem visualmente os pensamentos distorcidos e a partir destes construir imagens que conduziram para cognições saudáveis, facilitando o enfrentamento frente ao evento estressor. Os dois primeiros casos expressaram as imagens mentais em formato de desenho e no terceiro relato as imagens mentais foram expressas verbalmente.

 

RELATOS DOS CASOS

Caso 1: Uso de imagem para a reestruturação cognitiva de crenças nuclear e condicionais distorcidas para alcançar comportamentos desejados Paciente C., 25 anos de idade, foi encaminhada pelo seu departamento de graduação da Universidade de Brasília (UnB) para acompanhamento médico-psicoterápico devido ao baixo rendimento acadêmico, frequentes reprovações e abandonos de semestres acadêmicos. Ela cursava o 8º ano e foi pressionada a concluir o curso de Graduação ou ser jubilada da Universidade. A pressão sofrida para a conclusão do curso foi um fator precipitante para os sintomas depressivos.

Alguns dados de sua história pessoal são relevantes: desde a infância, seus pais cobravam perfeição. Era obrigada a cuidar da casa e de seus irmãos. Como consequência, ela se via como má e sem valor se não fizesse as coisas com perfeição. Ela desenvolveu então a seguinte crença intermediária ou condicional: "Se eu não for perfeita, então eu sou um fracasso". Aos 14 anos de idade, C. foi diagnosticada com sintomas depressivos, tendo feito uso de vários antidepressivos desde então. Morava em uma cidade do interior de seu Estado natal, sentindo-se diferente dos outros adolescentes.Tinha dificuldade para fazer parte do grupo que a estigmatizava pelo fato de ser paciente psiquiátrica, gostar de estudar e ler e ter um excelente desempenho escolar.

Mudou-se para Brasília, aos dezessete anos de idade, quando ingressou em uma universidade pública federal. Foi encaminhada por dois professores de seu departamento. Em sua primeira consulta, os seguintes sintomas foram evidenciados: emocionais - anedonia, tristeza, isolamento e raiva; cognitivos - prejuízo acadêmico; comportamentais - problemas com colegas e professores por ser agressiva; e fisiológicos - distúrbio do sono e cansaço.

Os objetivos do tratamento incluíram a reestruturação cognitiva e a construção de comportamentos mais saudáveis. Dentre os comportamentos, alguns foram mais importantes, tais como concluir a universidade depois de 10 anos de seu ingresso, estabelecer relacionamentos, melhorar os contatos sociais, fortalecer o relacionamento com professores, colegas e amigos, ler romances, brincar com crianças, não ficar tanto tempo sozinha, deixar o cabelo crescer e usar roupas coloridas.

O plano de tratamento para a reestruturação cognitiva e consequente remissão dos sintomas depressivos somente se mostrou eficaz quando o recurso pessoal da paciente foi utilizado: o desenho. Para facilitar a prática do maior número de situações, seu caderno de desenho foi utilizado. C. representou os seus pensamentos disfuncionais com desenhos, assim como as maneiras possíveis e mais saudáveis na construção das respostas alternativas e adaptativas. A consequência da construção de pensamentos e comportamentos saudáveis foi o equilíbrio das emoções.

A cognição relacionada com os sintomas, em nível de crença nuclear, foi "Eu sou um fracasso." Como estratégia de enfrentamento, C. usava uma máscara para esconder seu fracasso. A maneira saudável de lidar com a aflição gerada pelo acionamento da crença nuclear foram asas para voar e se afastar do fracasso, que representaram a esperança em concluir a Universidade e alcançar os outros comportamentos estabelecidos como objetivo da terapia. As asas coloridas, detalhadas em uma borboleta representaram o seu maior tesouro, a transformação. Após desenhar a máscara e as asas, C. decidiu entalhar e colorir as asas da transformação (Figura 1).

 

 

Como fator saudável foi identificado que a paciente desempenhava bem o seu trabalho no estágio; quando se dedicava no semestre, ela era elogiada pelo desempenho; e quando ela estava bem, as pessoas gostavam de estar próximas a ela. Desde o início do tratamento, dois professores da aluna ofereceram-se para colaborar para melhores resultados acadêmicos, sendo que um deles foi o seu orientador no projeto de conclusão do curso. Depois de dois anos de tratamento, C. apresentou o seu projeto e foi parabenizada pela banca de avaliação - a maquete de uma escola do ensino fundamental foi feita com minúcia e dedicação. Como o seu orientador necessitou se afastar da universidade para concluir o pós-doutorado, C. foi selecionada pelo departamento para desempenhar a função de professora substituta.

Caso 2 - A reestruturação cognitiva de crenças intermediárias através do desenho como coadjuvante no tratamento oncológico.

Paciente M. recebeu o diagnóstico de câncer de mama aos 38 anos de idade. Dois anos antes, sua mãe falecera por metástases decorrentes de câncer de mama com evolução de 4 anos. Sua história é repleta de casos de câncer de diversos órgãos em diversas idades.

Quando os resultados dos exames foram comparados, evidenciou-se que o prognóstico de M. era, em princípio, pior do que de sua mãe. Logo, a expectativa de vida seria inferior a 4 anos. Em virtude da gravidade do caso e da intensidade da desregulação emocional, tanto do ponto de vista físico quanto o mental, foi proposto o enfrentamento da situação com o recurso do desenho.

A paciente procurou atendimento psicoterápico por estar bastante preocupada com sua filha. Apresentava sintomas depressivos. Referiu desesperança em relação ao seu prognóstico e tratamento. Os pensamentos distorcidos pela emoção foram identificados: "Meu caso é muito grave. Minha filha será abandonada. Estou com o pé na cova" (Figura 2).

 

 

A proposta de reestruturação cognitiva através do desenho foi aceita pela paciente. Ela fez desenhos ligados ao tratamento e cuidados com a saúde - um hospital, a paciente e a mensagem "exercício", flores da renovação e pássaros vivendo em harmonia. Algumas crenças condicionais foram reestruturadas: " Se eu recebi o diagnóstico de câncer, eu tenho de me estruturar emocionalmente e fisicamente; Apesar do diagnóstico, eu posso ter uma boa sobrevida, basta eu reformular minha vida; Para superar a doença, seguirei as orientações médicas e praticarei atividade física; Com a quimioterapia, eu perdi todo o cabelo, mas ele cresceu forte e ondulado, como eu sempre quis; Com o diagnóstico, eu não acreditava mais no amanhã, mas agora todo o dia é um novo amanhã; Como eu quero ter a melhor qualidade de vida, voltarei a caminhar e cuidarei da saúde mental; Eu decidi fazer o que os médicos aconselharam; Cada dia é uma renovação e sinto que estou vivendo em harmonia" (Figura 3).

Caso 3 - Uso de imagens mentais metafóricas para fortalecer crenças nucleares e condicionais saudáveis.

Paciente J. procurou atendimento psiquiátrico mais uma vez aos 48 anos por ter história de depressão de longa data e resposta errática com as medicações, além de resultado insatisfatório da psicoterapia no passado. J. era casada havia oito anos, não tinha filhos e era servidora pública, assim como o marido. Relatava muita ansiedade e autocrítica além de tristeza, desânimo e pouca esperança de melhorar. Havia parado há alguns anos de se dedicar a trabalhos manuais com papel que era seu hobbie, referiu redução do prazer de estar na companhia de suas melhores amigas e se criticava e se culpava por não se esforçar mais a socializar.

J. é filha única de mãe solteira, tendo sido criada pela mãe e pelos avós, que eram, segundo seu relato, pouco comunicativos e afetivos. Estudou na infância na escola onde a mãe era professora e desde cedo se sentia diferente: "Não tenho pai, sou diferente, sou defeituosa."

Sempre foi tímida e ansiosa e se comparava com colegas mais extrovertidas e consideradas mais bonitas: "Não tenho nada para oferecer aos outros." Conheceu seu pai aos 12 anos e culpou-se quando ele faleceu há alguns anos por não ter conseguido se aproximar emocionalmente a ele: "Não sou uma pessoa boa, pois não consegui ser próxima do meu pai."

J. concordou em iniciar terapia com objetivo de lidar com a depressão. Foi utilizada a ativação comportamental como estratégia inicial para combater a anedonia: foram programadas atividade prazerosas semanais, tais como café com uma amiga, tomar sol e voltar a ler. Quando seu humor começou a melhorar, decidiu planejar um lanche com as duas melhores amigas em sua casa e passou algumas semanas escolhendo detalhes, flores e cartões para recebê-las. No dia, se sentiu muito feliz e próxima às amigas, o que não havia sentido há vários meses. A partir dessa experiência de aceitação e afiliação, foi começado o trabalho de reestruturação cognitiva de algumas crenças de menos-valia como "Se as minhas amigas gostam de estar comigo, então eu tenho valor para elas; Se me preocupo e gosto das minhas amigas, então sou uma pessoa OK".

Com a melhora do humor e da disposição, começou a ter mais esperança que poderia de alguma forma diminuir o impacto da crença de inferioridade, e cognitivamente passou a enfraquecê-la com a reestruturação cognitiva e experimentos comportamentais. No entanto, emocionalmente seguia crendo ser diferente e sem valor. Foi então proposto trabalho de imagens, mas J. não se sentia preparada para abordar crenças antigas com a técnica da cadeira vazia, com frequência usada nas TCC de Terceira Onda para lidar com estas questões (Pugh, 2018).

Como alternativa, aceitou tentar encarar a crença como algo externo a si, uma entidade que a fazia se sentir inferior ou não digna de amor. Em uma sessão, trouxe espontaneamente uma imagem metafórica na qual se via pequena e vulnerável frente à crença que aparecia como um monstro branco disforme que gritava e a subjugava. Esta imagem foi aos poucos sendo refinada e modificada e após algumas semanas, uma nova imagem surgiu, em que a crença apareceu grande, como um adulto e J. a mandava calar.

Nesta imagem, a crença foi diminuindo de tamanho até virar uma criança que era mandada embora. Mais recentemente, a crença foi vista como uma pessoa insistente e chata querendo se impor, e J. se visualizou entrando num cômodo da casa e deixando a crença no corredor, falando sozinha.

O trabalho de imagem ajudou a paciente a identificar a ativação da crença em várias situações de sua vida, e a se sentir com mais recursos para enfrentá-la e reduzir seu impacto no seu dia a dia. Relata ainda que seu humor se mantém bom, se sente mais assertiva nas relações, inclusive no casamento, e conseguiu retomar atividades prazerosas e as amizades que lhe são tão importantes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos três casos apresentados, pode-se observar e confirmar a efetividade do uso de imagens nos processos de identificação de crenças, reestruturação cognitiva e regulação emocional. A visualização demonstrou ser efetiva na resolução de problemas, na amenização do sofrimento e do comprometimento global, pois facilita o desenvolvimento de novas habilidades para o enfrentamento de situações estressantes e conflituosas, o que propicia uma melhor qualidade de vida.

Também foi observado que o grau de habilidade para o desenho ou da criatividade que o indivíduo apresenta não interferiu na qualidade da resposta apresentada no processo da reestruturação cognitiva, apontando que o uso de imagem pode ser utilizado, independente do recurso individual de cada paciente em relação às ferramentas estudadas. A elaboração de um desenho técnico e amador apresentaram desfechos semelhantes, assim como o relato inicial de não ter criatividade para a imaginação não ter comprometido o uso satisfatório da técnica.

O presente estudo constatou que com o treinamento específico para o uso da imagem em intervenções da TCC, o profissional amplia as possibilidades de recursos que o paciente pode utilizar na busca de pensamentos saudáveis e funcionais, construindo um trabalho de colaboração. É fundamental o respeito por parte do terapeuta às possibilidades de adaptação dos recursos para melhor aproveitamento das técnicas. A TCC tem como uma de suas características principais o trabalho colaborativo do terapeuta e do paciente que puderam utilizar a criatividade para tratar seus sintomas, para então basear os seus pensamentos na realidade e não em hipóteses não realistas.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Yu Hua Feng
E-mail: fengbr2@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 12 de Agosto de 2020. cod. 130.
Artigo aceito em 12 de Outubro de 2020.

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