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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.18 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2022  Epub 24-Jun-2024

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20220014 

Pesquisa Empírica

Esquemas iniciais desadaptativos e mulheres com medo de dirigir

Early maladaptive schemas and women with driving fear

William Macedo Fiúza1 
http://orcid.org/0000-0002-7688-7192

Rossane Frizzo de Godoy1 

1Universidade de Caxias do Sul, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA - Caxias do Sul - Rio Grande do Sul - Brasil


Resumo

Objetivo:

O presente estudo investigou possíveis relações entre esquemas iniciais desadaptativos (EIDs) e medo de dirigir em mulheres.

Método:

estudo quantitativo, explicativo-exploratório e transversal. Participantes: 176 mulheres com Carteira Nacional de Habilitação (CNH), do município de Caxias do Sul, divididas em dois grupos: 88 mulheres com medo de dirigir (Grupo I) e 88 mulheres sem medo de dirigir (Grupo II). Instrumentos utilizados: Questionário Sociodemográfico, Driviving Cognitions Questionnaire (DCQ) e Inventário de Esquemas deYoung - versão breve (YSQ-S3).

Resultados:

o grupo I apresentou menor tempo de CNH, maior tempo e idade para obtê-la, menor frequência na direção e incidência de acidentes, embora os danos físicos tenham sido maiores. Foi possível observar diferença estatisticamente significativa entre os grupos nos esquemas de abandono, desconfiança/abuso, privação emocional, isolamento social/alienação, dependência/incompetência, autocontrole/autodisciplina insuficientes, subjugação, autossacríficio e negativismo, com a média destes esquemas apresentando-se maior no grupo I.

Conclusões:

mulheres com medo de dirigir apresentaram esquemas com maior valência do que mulheres sem medo de dirigir. Sugere-se novos estudos que possam avaliar percepções de mulheres com medo de dirigir, complementando os pontos discutidos neste estudo.

Palavras-chave: terapia do esquema; medo; mulheres; transtornos fóbicos

Abstract

This study aimed to investigate possible relation between early maladaptive schemas (EMSs) and driving fear in women.

Method:

a quantitative, explanatory-exploratory cross sectional data research. Participants: 176 women with National Driving License, from Caxias do Sul, with no physical restriction for driving, divided in two groups: 88 women with driving fear (group I) and 88 women without driving fear (group II). Instruments used: Sociodemographic Questionnaire, Driving Cognitions Questionnaire (DCQ) and Young Schema Questionnaire - Short Form (YSQ-S3).

Results:

group I presented less time with the National Driving License, an older age to get it, less frequency on the wheel and incidence in traffic accidents, although presented more physical damage. It was possible to identifiy statistically significant difference beetween groups in the schemas of abandonment, mistrust/abuse, emotional deprivation, social isolation/alienation, dependence/incompetence, insufficient self-control/self-discipline, subjugation, self-sacrifice and negativity, being higher in group I.

Conclusions:

women with driving fear presented higher schemas than women without driving fear. New studies that can evaluate the perceptions of women with driving fear are suggested, complementing the points discussed in this study.

Keywords: schema therapy; fear; women; phobic disorders

INTRODUÇÃO

O medo e a ansiedade são estados naturais de ordem fisiológica e emocional que possuem uma função evolutiva e adaptativa de identificação do perigo e defesa do mamífero frente a ameaças (LeDoux, 2012). Enquanto o medo refere-se a uma situação que está ocorrendo no momento, a ansiedade é uma resposta antecipada a potenciais perigos que podem ocorrer ou não (Davies & Craske, 2020). Quando o sujeito percebe algum estímulo que entende como perigoso, é acionado o mecanismo conhecido como “luta ou fuga” no qual diversas mudanças hormonais e fisiológicas acontecem para que o indivíduo esteja no estado de alerta que a situação exige. Em situações nas quais a intensidade e duração desse processo são persistentes e desproporcionais ao estímulo encontrado, pode se tornar patológico e limitador (Sardinha & Nardi, 2014).

Na literatura, o termo medo de dirigir é utilizado para se referir a uma condição emocional que apresenta as respostas de ansiedade e medo descritas em situações relacionadas ao ato de conduzir um vínculo ou mesmo a ideia de dirigir. É uma condição emocional muito comum na população que pode trazer intenso sofrimento e prejuízos para a autoestima e vida laboral do indivíduo (Fort et al., 2021). Apesar da semelhança com diversos quadros de ansiedade, dependendo da intensidade, pode ser considerado uma fobia específica. O fator performance o difere de outras fobias, visto que o estímulo desencadeador de medo não é atribuído a fatores externos, mas sim a uma avaliação negativa da própria capacidade (Taylor, 2018).

Pensamentos distorcidos sobre o trânsito, o dirigir e acerca da própria habilidade despertam ansiedade limitadora, que contribui para que o indivíduo evite dirigir. A evitação, nesse sentido, associa-se à manutenção da ansiedade. Quanto maior a resposta de evitação ao estímulo ansiogênico, menos capaz a pessoa se percebe para enfrentá-lo (Fischer, Heider, Schroder & Taylor, 2019).

Os elementos que despertam ansiedade no trânsito são variados, podendo se relacionar com expectativas de perigo (como por exemplo dirigir a noite, em rodovias, túneis ou na névoa) e ansiedade de estar em situações desagradáveis. Esse segundo grupo está associado com a avaliação de terceiros, existindo o receio de críticas, atrapalhar o trânsito ou que possíveis erros sejam percebidos pelos demais, denotando preocupações que possivelmente não ocorrem apenas no contexto de trânsito (Mognon, Santos & Martins, 2017). Devido a aspectos culturais e de gênero, tais receios são comuns entre mulheres, que representam 85% das pessoas com medo de dirigir (Gracindo, 2017).

Muitas mulheres com medo de dirigir manifestam desejo de superá-lo, visto que a independência e a realização pessoal por poder dirigir impactam positivamente a maneira com que a pessoa se vê (Gracindo, 2017). Assim, os motivos para a retomada da direção são diversos e subjetivos, geralmente divididos em aspectos práticos e de necessidades/desejos pessoais, ligados a autonomia, independência, satisfação e lazer (Cantini et al., 2013). Nesse sentido, a pesquisa realizada por Costa, Carvalho, Cantini, Freire e Nardi (2014), identificou maior qualidade de vida em mulheres brasileiras sem medo de dirigir, em relação às participantes que relataram medo.

Visando possibilitar a retomada da direção de quem busca tratamento, o trabalho proposto pela Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) envolve a reestruturação cognitiva, para que o indivíduo possa ampliar suas percepções e desenvolver formas mais funcionais de se relacionar com o trânsito. Um elemento essencial é a dessensibilização sistemática, para que o sujeito gradativamente entre em contato com a direção e realize o processo de habituação, aumentando o seu senso de autoeficácia. Exercícios de imaginação conduzidos pelo terapeuta e realidade virtual por meio de simuladores podem auxiliar nesse desenvolvimento, visto que o indivíduo pode se visualizar dirigindo em segurança e trabalhando a ansiedade despertada (Fischer et al., 2019). Posteriormente, a exposição in vivo é encorajada pelo profissional que irá ajudar o sujeito a fazer um planejamento de situações no trânsito que pode enfrentar, da menos a mais ansiogênica. (Barp & Mahl, 2013). Dessa forma, a conotação de perigo (associação excitatória) é diminuída, enquanto a conotação de segurança (associação inibitória) é aumentada (Davies & Craske, 2020).

A efetividade do trabalho com pessoas com medo de dirigir irá depender, além do entendimento sobre o histórico de aprendizagem do medo, de uma avaliação adequada acerca dos aspectos de personalidade envolvidos na questão. No entanto, a literatura da área centraliza o tratamento no aumento da frequência da direção e não necessariamente em outros elementos que podem estar relacionados a essa dificuldade, limitando os resultados da terapia. A avaliação clínica não envolve apenas um diagnóstico, mas um olhar global do funcionamento do sujeito e sua relação com o ato de dirigir (Mognon et al., 2017). Na presente pesquisa, esse entendimento foi feito por meio da terapia do esquema (TE), abordagem que integra preceitos da TCC tradicional e outras vertentes de psicoterapia, especialmente a teoria do apego de John Bowbly (Young, Klosko & Weishaar, 2008).

O conceito chave da TE é a ideia de que as experiências na infância, relacionadas com o temperamento, as tarefas evolutivas e os estilos parentais dos cuidadores podem favorecer o desenvolvimento de esquemas iniciais desadaptativos (EID’s). Entende-se um esquema como um padrão emocional e relacional, associado a determinadas necessidades emocionais não atendidas. Na vida adulta, esse padrão de funcionamento e as estratégias de enfrentamento desenvolvidas para lidar com o sofrimento advindo deste, trazem prejuízos e comportamentos disfuncionais (Young & Klosko, 2019).

Os 18 EID’s estão divididos em cinco domínios esquemáticos, de acordo o padrão familiar e necessidades faltantes nas seguintes áreas: aceitação e pertencimento; senso de autonomia e competência adequado; limites realistas e com afeto; respeito aos seus desejos e aspirações; expressão emocional legítima (Young et al., 2008). Assim, os autores apresentam os EID’s e seus domínios da seguinte forma:

  • 1º Domínio – Desconexão e Rejeição: privação emocional, abandono, desconfiança/abuso, isolamento/alienação e defectividade/vergonha.

  • 2º Domínio – Autonomia e Desempenho Prejudicados: fracasso, dependência/incompetência, vulnerabilidade ao dano e doença e emaranhamento.

  • 3º Domínio – Limites prejudicados: grandiosidade/arrogo e autocontrole/autodisciplina insuficientes.

  • 4º Domínio – Direcionamento para o outro: subjugação, autossacrifício e busca de aprovação/busca de reconhecimento.

  • 5º Domínio – Supervigilância e Inibição: inibição emocional; padrões inflexíveis; negativismo/pessimismo e postura punitiva.

A existência dos EID’s pressupõe padrões internos de funcionamento e experiências disfuncionais, o que os caracteriza como um preditor para o desenvolvimento de condições psicológicas não saudáveis (Young et al., 2008). Na depressão, por exemplo, uma revisão sistemática identificou a associação com os EID’s de defectividade e isolamento social, elucidando aspectos importantes de serem trabalhados com esses pacientes (Bishop, Younan, Low & Pilkington, 2021).

Portanto, o entendimento da relação desses aspectos com determinada demanda possibilita maior compreensão e possibilidades de intervenção, especialmente com indivíduos que não se adaptam aos protocolos da TCC tradicional (Young et al., 2008). A revisão de literatura realizada por Fiuza e Godoy (2021), identificou um aumento em pesquisas brasileiras que visam identificar EID’s em popupalações específicas, abordando contextos como conjugalidade, uso de drogas, empatia, bullying, suicídio, entre outros.

Diante do exposto, o objetivo geral deste estudo foi identificar possíveis associações entre EID’s e medo de dirigir em mulheres a partir das seguintes hipóteses: 1-mulheres com medo de dirigir apresentam maior valência em EID"s do que mulheres sem medo de dirigir; 2- os EID’s estão associados ao medo de dirigir.

MÉTODO

Delineamento: Estudo quantitativo de tipo explicativo-exploratório e transversal.

Participantes: Amostra não-probabilística do tipo intencional composta exclusivamente por mulheres dividas em dois grupos: 88 com medo de dirigir (grupo I = G1) e 88 sem medo de dirigir (grupo II = G2). Os critérios de inclusão utilizados foram: mulheres com Carteira Nacional de Habilitação (CNH), residentes do município de Caxias do Sul. O critério de exclusão utilizado foi impedimento físico de dirigir.

Os grupos caracterizaram-se por mulheres predominantemente casadas, com filhos, brancas, de religião católica, com média de idade 3719 ± 11,7 no grupo I e 36,58 ± 12,34 no grupo II, visto que não apresentaram diferença estatisticamente significaiva nos referidos aspectos sociodemográficos. Diferenças foram observadas em relação à ocupação, renda e escolaridade. Esses aspectos serão retomados no item resultados para serem discutidos.

Instrumentos

Todos os instrumentos utilizados são compostos de medidas autoavaliativas e auto-administradas, disponibilizados por meio de formulário online.

Questionário Sociodemográfico: perguntas para mapear o perfil das participantes em relação a aspectos sociodemográficos e vivências relacionadas à direção. Também havia uma pergunta em que a participante identificava se possuía, ou não, medo de dirigir, por meio da qual os grupos I e II foram divididos e as participantes do grupo I direcionadas para questões específicas sobre o medo de dirigir.

Driving Cognitions Questionnaire – DCQ: inventário que avalia cognições relativas ao dirigir, divididas em duas dimensões: cognições relativas ao medo da crítica social/falta de controle no trânsito e cognições relativas ao medo de acidentes de trânsito. É composto por 20 declarações, respondidas em escala Likert, variando entre 0 - “nunca” a 4 - “sempre” O escore total representa a soma de cada valor assinalado e varia de 0 a 80 pontos. O inventário foi inicialmente desenvolvido por Ehlers et al. (2007), sendo avaliado com viabilidade na equivalência semântica em português e boa consistência interna na versão brasileira (Gomes, Lopes, Rossini & Lopes, 2015).

Questionário de Esquemas de Young - versão breve (YSQ-S3): versão reduzida do questionário de Young que avalia o nível de valência dos dezoito esquemas iniciais desadaptativos, por meio de sentenças que expressam as crenças e pressupostos típicos de cada um deles. É composto por 90 declarações, respondidas em escala Likert, variando numa escala de 1 - “completamente falso” a 6 - “descreve-me perfeitamente”. As respostas equivalentes de cada esquema são somadas e o total encontrado é dividido por cinco, gerando um resultado final para cada esquema, Quanto mais alto o valor do esquema, maior sua valência de ativação. A validade estrutural, adequação semântica ao português e consistência interna são satisfatórias (Souza, Damasceno, Ferronatto & Oliveira, 2020).

Procedimentos

O presente estudo seguiu os procedimentos éticos conforme a Resolução nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde, 2012), o qual foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul (CAAE: 39024020.4.0000.5341). O estudo, juntamente do link com acesso para o formulário online da pesquisa, foi divulgado via redes sociais e grupos de WhatsApp dos pesquisadores, do programa de mestrado no qual a pesquisa foi realizada e pela Secretaria Municipal de Trânsito da cidade que era foco do estudo, sendo repassado por diversas pessoas que se identificaram com o tema e auxiliaram na divulgação.

Todas as participantes foram esclarecidas quanto ao objetivo da pesquisa e concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que pudessem ter acesso aos instrumentos.

Análise de Dados

Para análise descritiva, os dados categóricos foram apresentados por frequências absolutas e relativas. A descrição das variáveis numéricas foi representada por média e desvio padrão. Para análise bivariada foi empregado o teste t ou o Teste U de Mann-Whitney quando identificado que a condição de normalidade foi violada (p < 0,05). O Teste Qui-quadrado foi utilizado na comparação de variáveis categóricas. Os dados foram processados no Excel 2010 (Microsoft, EUA) e analisados com o auxílio dos programas Statistical Package for the Social Sciences for Windows versão 21 (IBM SPSS Software, EUA).

RESULTADOS

Foi possível observar que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos em aspectos de caracterização da amostra. A média de idade foi 37,19 anos ± 11,7 (G 1) e 37,19 anos ± 11,7 (G 2), (p = 0,736). As participantes dos dois grupos são predominantemente casadas (p = 0,066; G1, 53,4%; G2, 375%), com filhos (p = 0,878; G1, 59,1%; G2, 58%), identificam-se como brancas (p = 0,101; G1, 73,9%; G2, 64,8%), possuem .religião (p = 0,125; G1, 78,4%; G2, 68,2%), em sua maioria católica (p = 0,463; G1, 79,8%; G2, 66,7%). Também não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos nos critérios de já ter feito psicoterapia (p = 0,094; G1, 58%; G2, 60,2%), se atualmente faz psicoterapia (p = 0,277; G1, 26,1%; G2, 22,7%), se já fez uso de medicação psiquiátrica (p = 0,277; G1, 33%; G2, 40,9%) e no tipo de medicação utilizado, com predominância do uso de antidepressivo (p = 0,396; G1, 58,7%; G2, 61,1%).

Foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos em alguns aspectos: ocupação (p = 0,002), 0 G1 apresentou maior percentual de profissionais liberais e área da saúde e o grupo II profissionais atuando na área de educação; renda familiar (p = 0,012), o G2 com média salarial mais elevada e, limítrofe na escolaridade (p = 0,050), o grupo I apresentando maior número de pessoas com ensino médio incompleto/completo e o G2 com mulheres com pós-graduação incompleta/completa.

A Tabela 1 apresenta as informações referentes às experiências na direção das participantes. Em relação à CNH, é possível observar, que houve diferença estatisticamente significativa no tempo para a obtenção (p = 0,017), no tempo em que possui (p = 0,039) e na idade com que concluiu o processo (p = 0,000). O G1 apresentou maior tempo para obter a CNH, menor tempo que possui a CNH e maior idade para concluir o processo do que o G2.

Tabela 1. Experiências Vivenciadas com a Direção 

Variável G1 (N = 88) G2 (N = 88) Valor de p
Tempo para obter CNH em meses 7,12 ± 6,93 5,20 ± 5,71 0,017*
Tempo que possui CNH em anos 11,70 ± 8,87 15,20 ± 10,55 0,039*
Idade em que concluiu processo da CNH 11,70 ± 8,87 21,38 ± 5,52 0,000*
Possui acesso a carro
Sim 82 (93,2%) 84 (95,5%) 0,424
Não 6 (6,8%) 4 (4,5%)
Frequência com que dirige
Diariamente 13(14,7%) 61 (69,5%) 0,000*
Mais de uma vez por semana 7 (7,9%) 15(17%)
Algumas vezes no mês 5 (5,6%) 8 (9%)
Indefinido 33 (37,4%) 3 (3,4%)
Não dirijo 30 (34,4%) 1 (1,1%)
Há quanto tempo dirigiu pela última vez
Entre hoje e uma semana 29 (33%) 76 (86,3%) 0,000*
No último mês 9(10,2%) 8(9,1%)
No último ano 22 (25%) 2 (2,3%)
Entre 1 e 5 anos 18(20,4%) 2 (2,3%)
Mais de 5 anos 10(11,4%) 0 (0%)
Já passou por situação de acidente no trânsito
Não 64 (72,7%) 49 (55,7%) 0,018*
Sim 24 (27,3%) 39 (44,3%)
Tempo de acidente
Menos de 2 anos 5 (20,8%) 13 (33,3%) 0,041*
2 a 5 anos 5 (20,8%) 17 (43,6%)
5 a 10 anos 9 (37,5%) 5(12,8%)
Mais de 10 anos 5 (20,8%) 4(10,3%)
Houve danos físicos 9 (10,2%) 5 (5,7%) 0,005*
Houve danos materiais 23 (26,1%) 38 (43,2%) 0,725
Driving Cognitions Questionnaire
Total 35,4 ± 15,96 12,45 ±9,06 0,000*
Crítica social/falta de controle 27,47 ± 11,16 12,45 ±9,06 0,000*
Acidentes 7,89 ± 5,93 3,13 ±3,00 0,000*

A descrição das variáveis foi apresentada por média, desvio padrão (±) e porcentagem (%). Foi utilizado o Teste Qui-quadrado na comparação de variáveis categóricas e o teste Maan--Whitney para as variáveis numéricas. Nível de significância de 5%. *Há diferença significativa entre os grupos, pois p < 0,05.

No quesito acesso a carro não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Ambos os grupos possuem esse acesso. Foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos na frequência com que dirige (p = 0,000) e no tempo em que dirigiu pela última vez (p = 0,000), de forma que o G II apresentou maior frequência na direção e menor distância temporal da última vez em que dirigiu em relação ao G1.

Em relação a acidentes no trânsito, houve diferença estatisticamente significativa no número de participantes que passou por situação de acidente por grupo (p = 0,018), no tempo do acidente (p = 0,041) e no índice de danos físicos (p = 0,005). Desse modo, o G1 apresentou menos pessoas que passaram pela vivência, maior distância temporal do ocorrido e maiores danos físicos do que o G2.

Na Tabela 1 também é possível observar o resultado do DCQ. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no escore total (p = 0,000) e nas subcategorias crítica social/falta de controle (p = 0,000) e acidentes (p = 0,000). O G1 apresentou maior média do que o G2 nas três divisões. Nos dois grupos a subcategoria crítica social/falta de controle apresentou escore maior do que a subcategoria acidentes.

Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos nos critérios de já ter feito psicoterapia (p = 0,094; G1, 58%; G2, 60,2%), se atualmente faz psicoterapia (p = 0,277; G1, 26,1%; G2, 22,7%), se já fez uso de medicação psiquiátrica (p = 0,277; G1, 33%; G2, 40,9%) e no tipo de medicação utilizado, com predominância do uso de antidepressivo (p = 0,396; G1, 58,7%; G2, 61,1%).

Entre as participantes com medo de dirigir, 88 (95,5%) gostariam de dirigir mais. Além disso, 79 participantes (89,8% do grupo 1) identificaram prejuízos por não dirigir, sendo as áreas sinalizadas: vida social e lazer (26,5%), mobilidade e realização de tarefas rotineiras (31,7%), autoestima e satisfação pessoal (28,3%) e nível elevado de ansiedade (13,5%). Ademais, 51 delas (57,9% do grupo 1) buscaram apoio para lidar com o medo de dirigir, sendo as formas de auxílio mais acessada a aula prática com instrutor de trânsito (47,2%), seguido de treino com familiar ou amigo (27%) e, por fim, a psicoterapia ou apoio psicológico (25,8%).

A Tabela 2 apresenta as informações referentes aos EID’s. Foi possível observar diferença estatisticamente significativa nos esquemas de abandono, desconfiança/abuso, privação emocional, isolamento social/alienação, dependência/incompetência, autocontrole/autodisciplina insuficientes, subjugação, autossacríficio e negativismo, com a média destes esquemas apresentando-se maior no grupo 1. Também é possível observar correlação positiva entre os esquemas e o DCQ na maioria dos EID’s dos dois grupos, com exceção dos esquemas de emaranhamento, subjugação e autossacríficio no grupo 1 e nos esquemas de autocontrole/autodisciplina insuficientes e grandiosidade/arrogo no grupo 2.

Tabela 2. Esquemas iniciais desadaplativos das Participantes 

Esquemas Iniciais Desadaplativos Média (G I) Média (G II) Valor p Correlação com DCQ (G1) Correlação com DCQ (G2)
Abandono 2,55+1,21 2,13+ 1,06 0,016* 0,321* 0,329*
Desconfiança/abuso 2,77 ±1,15 2,77 + 1,07 0,001* 0,480* 0,410*
Privação Emocional 2,20 + 1,30 2,20 ± 0,78 0,002* 0,336* 0,276*
Defectividade/vergonha 1,65 ±0,89 1,48 ±0,80 0,122 0,348* 0,408*
Isolamento social/alienação 2,65+1,24 2,17 ±0,97 0,010* 0,236* 0,308*
Fracasso 2,31 ± 1,34 1,89 ± 0,98 0,092 0,233* 0,279*
Vulnerabilidade ao dano/doença 2,51 ±1,15 2,18 + 0,93 0,073 0,370* 0,358*
Dependência/incompetência 1,89 = 0,88 1,59 + 0,70 0,020* 0,304* 0,311*
Emaranhamento/self subdesenvolvido 2,21 ± 1,15 1,91 ±0,96 0,070 0,070 0,294*
Autocontrole/autodisciplina insuficientes 2,88 -L 1,13 2,48 ± 0,96 0,013* 0,236* 0,110
Grandiosidade/arrogo 2,77 ± 0,92 2,68 ± 0,89 0,517 0,288* 0,088
Subjugação 2,58 ± 1,25 2,08 ± 0,99 0,007* 0,160 0,403*
Autossacríficio 3,82± 1,16 3,20+ 1,15 0,001* 0,118 0,312*
Busca de aprovação/reconhecimento 2,81 ± 1,17 2,74± 1,11 0,907 0,258* 0,269*
Inibição Emocional 2,60+1,25 2,20 ± 0,87 0,061 0,261* 0,267*
Padrões inflexíveis 3,59 + 1,20 3,33 ± 1,18 0,098 0,322* 0,210*
Negativismo 2,88 + 1,18 2,51 + 1,12 0,029* 0,522* 0,232*
Postura punitiva 2,44+ 1,13 2,15+ 1,10 0,053 0,227* 0,359*

A descrição das variáveis foi apresentada por média, desvio padrão (+) e porcentagem (%). Foi utilizado o teste Maan-Whitney para as variáveis numéricas. Nível de significância de 5%. *Há diferença significativa entre os grupos, pois p < 0,05. ’Correlações significativas para p < 0.05.

DISCUSSÃO

O perfil sociodemográfico e informações referentes a CNH das participantes do presente estudo se assemelha a estudos brasileiros realizados previamente sobre medo de dirigir (Cantini et al., 2013; Costa et al., 2014; Gracindo, 2017). Não há consenso na literatura acerca da relação entre idade e medo de dirigir. Contudo, a busca pela obtenção da CNH em período posterior da vida pode estar relacionada à falta de incentivo da família, sendo este um possível fator de risco para o medo de dirigir (Cantini et al., 2013). Além disso, o receio da avaliação e autocrítica exacerbada, presentes no medo, podem gerar ansiedade de desempenho em relação à prova prática de habilitação, dificultando o processo (Araújo, Borloti & Haydu, 2016).

Quanto à prática da direção, foi possível observar que o acesso a carro não é um impedimento para dirigir, diferente do exposto pelas participantes na pesquisa de Cantini et al. (2013), o que pode estar relacionado ao contexto socioeconómico das participantes. A diferença entre os grupos na frequência em que dirige e última vez em que dirigiu reforça a importância do processo de evitação na manutenção do medo. Quanto mais frequente e intensa é utilizada a resposta de fuga, maior será a intensidade do medo, podendo ocorrer mesmo quando o estímulo ansiogênico não está presente (Fort et al., 2021).

No que se refere a acidentes, foi possível observar que a vivência dessa experiência não está necessariamente associada ao medo. Em um estudo francês, apenas 11,4% das pessoas que passaram por acidente consideraram-no início da ansiedade frente à direção (Hidalgo-Muñoz et al., 2021). Já no estudo de Gracindo (2017), 51% das pessoas com medo de dirigir haviam sofrido acidente. Assim, é possível compreender que as interpretações sobre o ocorrido e a maneira com que o indivíduo internaliza essas vivências parecem ter mais relevância do que o fato em si (Mãirean, 2020).

Segundo Mãirean (2020), compreender com maior detalhamento a maneira com que o acidente foi vivenciado, como a responsabilidade na maneira com que este aconteceu e se houve consequências jurídicas, pode auxiliar o motorista no entendimento de como este foi interpretado e o seu impacto ao se sentir seguro ou inseguro na direção. Na presente pesquisa, o maior índice de danos físicos apresentado pelo G1 pode ter contribuído para maior ansiedade na direção, apesar de mais pessoas no G2 terem passado por situação de acidente.

Por outro lado, na pesquisa de Hidalgo-Muñoz et al. (2021), a responsabilidade no acidente e o papel exercido no mesmo (se o indivíduo estava presente enquanto motorista ou passageiro) não teve impacto no nível de ansiedade vivenciado para dirigir após o ocorrido. É possível que isso ocorra devido ao suporte social recebido por essas pessoas e que se contrapõe ao julgamento direcionado para quem possui medo sem ter vivido uma experiência de acidente.

O nível de ansiedade despertado pelo dirigir pode impactar na intensidade com que os demais prejuízos são vivenciados e percebidos pelo sujeito (Fort et al., 2021). É comum que o medo passe a ser identificado como um problema apenas quando o deslocamento do indivíduo por outros meios está impossibilitado, acentuando a necessidade de direção (Haydu, Fornazari, Borloti & Haydu, 2014). Na pesquisa de Gracindo (2017), por exemplo, apenas 44,4% das participantes identificou o medo de dirigir como algo patológico, reconhecendo que precisariam de ajuda para retomar a direção. Portanto, é compreensível que apesar de 89,8% das participantes perceberem prejuízos por não dirigir, apenas 579% tenham buscado alguma forma de auxílio.

Além disso, é comum na cultura brasileira que muitas mulheres precisem recorrer ao carro para dar conta da agenda de compromissos e atividades - delas mesmas e especialmente dos filhos (Procópio & Araújo, 2019). Cuidar da família e possibilitar seu transporte, é um dos objetivos de quem procura auxílio para o medo de dirigir (Haydu et al., 2014). Ao deixar de dirigir, muitas pessoas podem se atrasar para atividades importantes ou mesmo não conseguir participar dessas, gerando frustração (Stephens et al., 2020). O mesmo pode ocorrer na área profissional por meio das restrições nas vagas de emprego e ansiedade por solicitações que podem ser feitas no ambiente de trabalho (Fort et al., 2021; Trappey et al., 2021).

O fato de uma parcela menor de participantes ter procurado a psicologia enquanto ponto de apoio pode indicar que a população não conhece os benefícios que a psicoterapia pode oferecer, bem como, não associa essa dificuldade a questões emocionais. Por outro lado, a prática é realmente necessária, visto que o nível de preparo que a pessoa possui para lidar com o que teme é um fator importante no medo, de forma que a exposição gradual ao estímulo aversivo irá auxiliar no desenvolvimento do senso de autoeficácia. Uma referência compreensiva e incentivadora é necessária, de forma que tão importante quanto a prática é pensar em quem está acompanhando esse processo (Barp & Mahl, 2013).

Em contrapartida, a vivência do medo pode estar relacionada a aspectos que não estão ligados com a capacidade real do sujeito, denotando a importância de trabalhar as questões emocionais e cognitivas envolvidas (Mognon et al,. 2017). Isso pode explicar o fato de a maioria das participantes que buscou ajuda ter optado por treinar a direção e, ainda assim, se considerarem pessoas com medo de dirigir, resultado também encontrado no grupo controle da pesquisa de Marín (2017).

Em relação aos EID’s que apresentaram diferença entre os grupos, quatro pertencem ao 1º domínio (desconexão e rejeição). Experiências infantis típicas desse domínio são caracterizadas por famílias frias e distantes, ocasionando vínculos frágeis e dificuldade de sentir segurança nas relações durante a vida adulta (Young et al., 2008). Sem um modelo interno de funcionamento seguro, torna-se custoso explorar o mundo (Mendes, 2021). Assim, é possível hipotetizar parceiros que não incentivam o desenvolvimento da direção, como observado na pesquisa de Gracindo (2017).

O esquema de abandono é caracterizado pelo medo de que as pessoas se distanciem, o que inclui o afastamento, rompimento de vínculos ou até mesmo a morte. Assim como tendem a estar em relacionamentos com pessoas emocionalmente distantes, que reproduzem a experiência de abandono, podem se tornar excessivamente obedientes em uma ideia distorcida de que isso irá assegurar o afeto das pessoas (Young et al., 2008). Essa ativação esquemática pode estar associada com fatores de risco presentes no medo de dirigir, como a dificuldade de lidar com críticas e a falta de figuras presentes que incentivem o desenvolvimento da direção (Cantini et al., 2013).

Já o esquema de privação emocional, está relacionado a falta de cuidados, empatia e/ou proteção na infância (Young et al., 2008). Desse modo, é possível pensar que o contato com a direção pode remeter à falta desses três aspectos: sentir que não será cuidado se algo acontecer no trânsito, sentir que não será compreendido e acolhido se cometer algum erro e sentir que não receberá cuidado ou orientação se demonstrar dificuldades. Isso é reforçado pelo comportamento cultural de invalidar o medo de dirigir, associando-o à fraqueza ou incompetência (Barp & Mahl, 2013).

Pessoas que foram muito privadas na infância podem agir como se não tivessem necessidades ou não precisassem de apoio, pois acreditam que tais necessidades não serão atendidas (Young et al., 2008). Essa defasagem pode elucidar um dos aspectos associados ao fato de que muitas pessoas com medo de dirigir não buscam ajuda. Se o dirigir provoca sensações de falta de apoio e conexão, é natural que seja uma atividade evitada (Fischer et al., 2019).

O esquema de desconfiança/abuso, que também apresentou diferença entre os grupos, inclui a crença de que as pessoas possuem a intenção de enganar, humilhar ou mentir, tendo dificuldade de identificar com quem podem verdadeiramente contar. Muitas pessoas com esse esquema passaram por situações de abuso - físico, emocional ou sexual - durante a infância, contribuindo para experiências traumáticas de rompimento de vínculos (Young & Klosko, 2019).

Tão importante quanto a compreensão do desenvolvimento do medo, é imprescindível entender os fatores que geram a sua manutenção (Fischer et al., 2019). Sendo assim, uma hipótese é que o esquema de desconfiança/abuso esteja relacionado com a dificuldade no enfrentamento do medo de dirigir, visto que pessoas com esse esquema podem ficar receosas de dividir vulnerabilidades. É possível que seja devido a essa dinâmica que torna-se necessário que instrutores de trânsito sejam calmos e passem confiança, como proposto por Barp e Mahl (2013).

O fato de não se abrirem para as relações é um aspecto também encontrado no esquema de isolamento social/alienação, em que o sentimento de pertencimento é uma falta importante. Nesse esquema, em que os indivíduos percebem-se como “alguém de fora”, gerando sentimentos de isolamento e exclusão (Young et al., 2008). Portanto, é possível hipotetizar que o esquema de isolamento social/alienação se associa ao medo de dirigir justamente no sentimento de diferenciação que essas mulheres possuem, visto que a literatura acerca do medo de dirigir destaca que, muitas vezes, a pessoa com essa dificuldade se vê como alguém inapto, o que afeta a autoestima (Taylor, 2018). Por ser uma dificuldade não validada socialmente, evitam falar do assunto, intensificando o afastamento (Haydu et al., 2014). Essa hipótese também foi levantada em um estudo sobre transtorno obsessivo-compulsivo, em que o indivíduo pode se sentir inadequado devido os pensamentos invasivos característicos desse quadro (Kwak & Lee, 2015).

Apesar do 2º domínio (autonomia e desempenho prejudicados) estar associado com famílias preocupadas e/ou super-protetoras que privaram o desenvolvimento de independência adequado da criança, apenas o esquema de dependência/incompetência apresentou diferença neste domínio. Esse resultado difere de outras pesquisas relacionadas à ansiedade que identificaram associações com outros esquemas desse domínio (Gusmão, Plutarco, Moura, Silva & Meneses, 2017; Kwak & Lee, 2015). Pessoas com o esquema de dependência/incompetência sentem-se incapazes de cuidar de si e tomar decisões, buscando outras pessoas com quem possam contar, o que reforça o sentimento de ser incapaz de funcionar sozinho. A perspectiva de não ser capaz inibe o indivíduo de desenvolver habilidades importantes que, de fato, o tornarão apto a realizar determinada atividade, havendo uma postura resignada diante da sensação de incapacidade (Young & Klosko, 2019). No dirigir, em que o fator performance assume um papel mais central do que em outros tipos de fobia, isso pode ocorrer em habilidades técnicas tais como noção de espaço, capacidade de manobrar, entre outros (Cantini et al., 2013; Taylor, 2018).

Esse senso de continuidade e motivação é um aspecto defasado em indivíduos com esquema de autocontrole/autodisciplina insuficientes, pertencente ao 3º domínio (limites irrealistas), em que a falta de disciplina e orientação irá impactar na tolerância à frustração e desconforto na vida adulta. Muitas vezes, o comportamento de evitação é uma tentativa de não entrar em contato com a própria vulnerabilidade, despertando outras formas de prejuízo ao sujeito, como dependência, tentativa de controle e busca de satisfação pessoal (Young et al., 2008). Assim, a baixa frequência na direção observada nas participantes e o fato de muitas não buscarem auxílio pode estar relacionado com essa característica.

No 4º domínio (orientação para o outro) foram identificados dois esquemas, muitas vezes desenvolvidos como forma de lidar com o sofrimento e esquemas do 1º domínio. A subjugação relaciona-se com cuidadores dominadores e punitivos, enquanto no autossacrifício geralmente foi vivenciada uma infância “parentalizada”, devido um cuidador percebido como excessivamente demandante (Young et al., 2008).

Na subjugação, o destaque está na suposta força dos demais, de forma que o indivíduo com esse esquema se submete ao outro por medo de críticas e retaliações, tentando evitar o desconforto alheio (Young et al., 2008). É um dos esquemas identificados em pessoas com ansiedade social no estudo de Diez, Zumalde e Sola (2012). Essas características se assemelham com que a literatura acerca do medo de dirigir traz como preocupações sociais, em que o receio de ter seus erros percebidos ou atrapalhar o trânsito podem colaborar no aumento da ansiedade e manutenção do comportamento de evitação (Mognon et al., 2017). No estudo de Procópio e Araújo (2019), com 16 mulheres idosas, 68,75% verbalizaram ter sofrido algum tipo de desrespeito ou discriminação no trânsito e 75% acreditam que agressões verbais podem ocasionar a desistência de conduzir veículos.

Já no autossacrífico, a ênfase de força está no próprio sujeito, que sente-se responsável pelos demais e na obrigação de evitar possíveis desconfortos, sentindo culpa quando não o faz (Young et al., 2008). É importante destacar que os dois grupos do estudo apresentaram esse esquema como o de maior média. Culturalmente, pode ser validado como uma característica altruísta e associado erroneamente a privações e sacrifícios inerentes à maternidade, mesmo que possa gerar intenso sofrimento, o que pode explicar a prevalência desse esquema maior em mulheres do que em homens (Squefi & Andreatta, 2016). Essa visão social sobre o “ser mãe” pode reforçar o autossacríficio, visto que nesse esquema existe um forte padrão moral internalizado em que o sujeito acredita que precisa suprir as demandas externas para não se sentir culpado ou julgado por terceiros (Young et al., 2008). Pensando no contexto do trânsito, pode ocorrer a valorização de um suposto pragmatismo masculino, em detrimento de uma postura mais cuidadosa que é presumida ao público feminino (Geldstein et al., 2011).

Por fim, o esquema de negativismo está associado a uma ótica generalizada e pessimista, devido ao padrão familiar de tensão, ruminação excessiva e dificuldade de espontaneidade presente no 5º domínio (hipervigilância e inibição). A diferença estatisticamente significativa encontrada entre os grupos no DCQ demonstra que o grupo 1 apresentou mais pensamentos negativos sobre o trânsito. Apesar do grupo 2 apresentar maior incidência de acidentes e menor distância temporal do ocorrido, o grupo 1 apresentou mais cognições referentes à temática. Desse modo, a expectativa de natureza catastrófica pode não ter base na realidade e trazer intenso sofrimento (Young et al., 2008). A perspectiva de desfechos negativos no trânsito pode gerar ansiedade mesmo em indivíduos que estão na carona, denotando a importância de maiores estudos desse tipo de relação com o trânsito (Lemercier, Rousseau, Séjourné, Delmas & Caroux, 2021).

Pensamentos negativos sobre o trânsito e possibilidade de situações desconfortáveis ao dirigir também apresentaram associação com o medo de dirigir e o comportamento de evitação em uma pesquisa com 116 motoristas da Romênia (Mãirean, 2020). Na Lituânia, o trabalho com as crenças sobre a direção apresentou aumento do senso de autoeficácia durante o período de treinamento e um ano após a indepedência da direção (Endriulaitienèa, Seibokaitè, Marksaitytè, Slavinskienè & Arlauskienè, 2020).

A ativação dos EID’s está associada com maior vulnerabilidade a diferentes quadros psicopatológicos no sujeito (Young et al., 2008). Dessa forma, é possível supor que as correlações identificadas entre os EID’s e o DCQ nos dois grupos indicam que a ativação dos EID’s remete a maior vulnerabilidade emocional e não apenas ao medo de dirigir em si. Levando em conta as correlações encontradas nos dois grupos, é também reforçada a importância de compreender as diferenças apresentadas entre eles. Assim, ratifica-se a influência sob o medo de dirigir dos EID’s que se apresentaram estatisticamente maiores no grupo 1.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foram investigadas possíveis relações entre EID’s e medo de dirigir em mulheres. As hipóteses do estudo foram confirmadas. Mulheres com medo de dirigir apresentaram maior valência em esquemas do que mulheres sem medo de dirigir. Além disso, foram discutidas possíveis associações entre os esquemas e o medo. Esses resultados podem contribuir para integrar aspectos da TE no tratamento do medo de dirigir, ampliando os ganhos terapêuticos com essa demanda para além da retomada da direção, além de demonstrar a importância de mais pesquisas que investiguem a relação dos EID’s com determinada demanda.

Como limitação do estudo, destaca-se que não foi possível avaliar a influência do contexto da pandemia do Covid-19 nos escores dos esquemas. Cabe destacar também que existem aspectos que podem influenciar nas respostas dos inventários aplicados, como os estilos de enfrentamento e modos esquemáticos. Assim, sugere-se novos estudos que possam avaliar EID’s e medo de dirigir em outros contextos sociais e de trânsito, bem como, pesquisas qualitativas para investigar aspectos subjetivos de mulheres com medo de dirigir e outras particularidades da TE.

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Recebido: 19 de Janeiro de 2022; Aceito: 03 de Dezembro de 2022

Correspondência: William Macedo Macedo Fiuza. E-mail: fiuzawm@gmail.com

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