INTRODUÇÃO
Del Prette e Del Prette (2017) referem-se às habilidades sociais como comportamentos requeridos nas tarefas de interações sociais, diretamente observáveis, com alta probabilidade de gerar consequências positivas para o indivíduo e para o seu grupo, em determinados contextos cultural e situacional. Desde a infância, as crianças aprendem habilidades sociais, de forma natural, por meio das relações. No entanto, condições ambientais inadequadas a essa aprendizagem podem acarretar déficits de habilidades sociais. Por essa razão, é importante investir em programas estruturados para o ensino dessas habilidades tanto para pais quanto para professores, e até mesmo para as crianças diretamente (Del Prette & Del Prette, 2017; Fernandes et al., 2018).
As HSPI são destacadas por Marturano et al. (2017) como essenciais para manter relacionamentos satisfatórios desde a infância, pois elas auxiliam a lidar com conflitos interpessoais que ocorrem diariamente. As autoras ressaltam que o repertório limitado de alternativas de resolução de problemas é um dos fatores que leva à agressividade infantil e, indiretamente, ao isolamento social a que crianças agressivas são submetidas. Além disso, apontam que as habilidades sociocognitivas envolvidas no processo de solução de problemas interpessoais consistem em analisar as possíveis consequências de cada solução, examinar as relações entre ação e consequência, observar os próprios sentimentos e dos outros e planejar ações para atingir os objetivos desejáveis (Marturano et al., 2017).
As habilidades sociais têm a mesma função que problemas de comportamento, sendo classes de comportamento concorrentes entre si; no entanto, os problemas comportamentais geram prejuízos para si mesmo e para os outros. Dessa forma, crianças com um repertório deficitário de habilidades sociais tendem a apresentar maior ocorrência desse tipo de problema (Faria & Rodrigues, 2020).
De acordo com Costa e Fleith (2019) e Bolsoni-Silva et al. (2021), os problemas de comportamento se referem a excessos ou déficits comportamentais que dificultam o acesso da criança a novas contingências de reforçamento, relevantes para a aprendizagem e promotoras do desenvolvimento. Esses problemas podem aumentar o risco de problemas psicossociais na adolescência e no início da fase adulta, além de poderem se agravar conforme interações negativas forem ocorrendo (Bolsoni-Silva et al. 2018; Conroy et al., 2018 &).
Com base na diferenciação inicial de Achenbach e Edelbrock (1979), de forma geral, a literatura de psicopatologia infantil classifica os problemas comportamentais em dois grandes grupos: internalizantes (expressam-se basicamente em relação ao próprio indivíduo) e externalizantes (apresentam-se predominantemente em relação a outras pessoas). Um dos problemas de comportamento externalizante é o problema da conduta, definido por Vilhena e Paula (2017) como ações que violam os direitos dos outros e os colocam contra as normas e autoridades. Ambos os grupos são igualmente prejudiciais e podem ter consequências desfavoráveis para o desenvolvimento, portanto, devem ser foco de intervenções preventivas (Faria & Rodrigues, 2020).
Considerando esses fatores, é essencial pensar em programas de intervenção preventivos. A prevenção pode ser caracterizada como universal (ou seja, uma ação dirigida a toda a população), indicada (específica para sujeitos que apresentam características de risco) e seletiva (direcionada àqueles que necessitam de intervenção) (Murta et al., 2015). Com relação às habilidades sociais, podem ser implementadas intervenções de ensino pelos professores a crianças, realizando-se programas para aumento do repertório de habilidades sociais, com o intuito de ampliar as competências sociais (Del Prette & Del Prette, 2017).
A educação infantil é bastante propícia para esse tipo de intervenção, já que, além da família, a escola é o contexto mais importante do desenvolvimento da criança e, portanto, de construção do repertório de habilidades sociais (Glen et al., 2018). A experiência escolar é essencial para as aquisições educacionais e sociais, exercendo grande influência nas trajetórias da vida adulta, referentes a relações interpessoais, progresso na escolarização, adesão às regras da sociedade e imagem positiva de si mesmo (Del Prette & Del Prette, 2017; Fernandes et al., 2018).
Na literatura, foram encontrados inúmeros estudos de intervenção com o objetivo de desenvolver habilidades sociais em crianças do ensino fundamental e ajudá-las a lidar com os desafios do dia a dia e relações interpessoais (Jovarini et al., 2018). No entanto, foram escassas pesquisas voltadas a pré-escolares.
Um dos estudos encontrados na literatura, no que se refere a essa faixa etária, foi o de Fossum et al. (2017), que avaliou o The Incredible Years Teacher Classroom Management Program (IY-TCM), apontou que os participantes tiveram ganhos apenas na variável habilidades sociais (foco do programa), ressaltando que mesmo as crianças consideradas clínicas para problemas comportamentais tiveram ganhos, embora pouco expressivos. Deve-se notar que apesar de estatisticamente significativo, os tamanhos de efeito foram pequenos. Outro estudo relevante encontrado foi o de Seabra-Santos (2018), no qual o programa avaliado foi universal e foi observado que houve aumento de habilidades sociais e diminuição de problemas de comportamento na maioria das crianças. Contudo, participantes avaliados como apresentando alto risco para problema comportamentais e pertencentes a famílias com baixo poder aquisitivo tiveram aumento nas habilidades sociais, mas não houve melhora com relação aos problemas de comportamento. É relevante observar que Conroy et al. (2018) avaliaram um programa de prevenção específica para sujeitos que apresentam características de risco e obtiveram resultados bastante positivos com relação à diminuição na porcentagem de crianças consideradas clínicas ou limítrofes para problemas de comportamento. Destaca-se que, assim como afirmam Murta et al. (2015), a depender das medidas de algumas variáveis eleitas como foco de ação, a prevenção universal pode não se mostrar efetiva, e intervenções seletivas ou indicadas seriam mais efetivas e eficazes. Além disso, a interferência de variáveis não controladas e que se mostram adversas ao desenvolvimento afetam a possibilidade de ganhos de possíveis recursos quando se trata de promoção e prevenção (Murta et al., 2015).
No que se refere ao ensino fundamental, um dos estudos relevantes da área foi o trabalho desenvolvido com o Programa Posso Pensar (Marturano e Elias, 2016) verificaram os efeitos do programa em 203 alunos do ensino fundamental, com idade entre 6 e 10 anos, e suas professoras. O estudo teve delineamento quase-experimental com grupos de intervenção e controle, realizando medidas pré e pós-intervenção. Os resultados apresentaram que apenas o grupo de intervenção apresentou melhoras significativas em todas as variáveis investigadas, com destaque para redução de problemas de comportamento e desenvolvimento de HSPI e outras habilidades sociais.
Diante desse cenário, buscou-se verificar se o Programa Posso Pensar poderia trazer contribuições para o desenvolvimento e/ou aprimoramento de HSPI em crianças pré-escolares.
OBJETIVOS
O presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos de um treinamento de habilidades sociais, com ênfase em HSPI, com alunos da educação infantil, de modo a verificar a replicabilidade dos resultados obtidos com alunos dos anos iniciais do ensino fundamental (Marturano & Elias 2016). Para isso, compararam-se as HSPI, as habilidades sociais e os problemas de comportamento antes e após a intervenção, comparando as variáveis cada grupo com ele mesmo (grupo de intervenção e grupo de espera).
MÉTODO
Participantes
Participaram da pesquisa, inicialmente, 71 crianças da educação infantil (22 meninas e 23 meninos com média de idade de 5 anos, DP = 4 meses) seus pais e 3 professoras. Ao final do estudo, 45 crianças tinham as avaliações completas realizadas pelos professores, pais e pesquisadora. As crianças foram subdivididas em dois grupos: GI - grupo de intervenção, composto por duas salas, em escolas diferentes, em que a intervenção foi aplicada; e GE - grupo de espera, composto por uma sala em que não foi feita a intervenção em um primeiro momento (recebendo-a após um ano de espera).
Instrumentos
A versão para pais do Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ) foi validada para o contexto brasileiro por Fleitlich-Bilyk e Goodman (2000). Nesse instrumento, os pais avaliam comportamentos de seus filhos respondendo a perguntas. Em estudos de validação do SDQ, foi verificada a variação de índice de correlação de 0,63 a 0,88 para a versão dos pais. Com relação à consistência interna, apresentam-se valores próximos de 0,80 para o escore total de dificuldade. São avaliados comportamento pró-social, sintomas emocionais, hiperatividade, problemas de conduta, problemas de relacionamento com colegas e total de dificuldades.
A Escala de Comportamento Social para Pré-escolares (PKBS-BR), produzida nos Estados Unidos e traduzida para o contexto brasileiro por Dias et al. (2011), é um instrumento de relato, com duas versões (pais e professores), apresentando propriedades psicométricas satisfatórias quanto à consistência interna. Por meio da escala são avaliadas as seguintes variáveis: total de habilidades sociais, cooperação social, independência social, interação social, total de problemas comportamentais, problema de comportamento internalizante e problema de comportamento externalizante.
Para avaliar as HSPI, foi utilizado o Procedimento de Solução de Problemas Interpessoais em Pré-escolares (PIPS) (Shure, 1990), desenvolvido para avaliar crianças de 4 a 8 anos. O aplicador conta a história de uma criança que estava brincando com um brinquedo há um tempo, quando chega outra criança que quer brincar com o mesmo brinquedo. Assim, o aplicador pergunta o que a segunda criança pode fazer para ter a chance de brincar com o brinquedo. A outra fase da aplicação é referente a problemas com as mães. O aplicador conta uma história em que a criança fez algum dano a um objeto pessoal da mãe ou a um objeto da casa e o que pode ser feito para evitar que a mãe fique brava. As histórias são contadas de forma lúdica, com cartões representando os meninos, as meninas, os brinquedos e as mães. Solicita-se à criança encontrar uma solução diferente para cada nova situação apresentada, conforme ela se depara com variações da mesma situação-problema. Por meio do instrumento, são avaliadas as variáveis taxa de resposta e força de resposta. No manual, são fornecidos critérios para a classificação das respostas como de solução ou de não solução, além de um sistema de classificação para o julgamento que deve ser feito para decidir se aquela é uma solução diferente de todas as que a criança forneceu até então. Uma resposta relevante deve solucionar o problema e ser diferente das outras apresentadas pela criança. O escore final é a taxa de relevância, que consiste na razão entre o número de soluções relevantes e o total de respostas relevantes e de não solução. Já a taxa de força da resposta, relacionada à agressividade, é obtida pela proporção entre o número de soluções vigorosas dadas pela criança e o total de respostas relevantes. Um exemplo de resposta de solução vigorosa pode ser “puxar o brinquedo” ou “bater na mãe”, nos casos da situação-problema com o companheiro e com a mãe, respectivamente. A utilização dos critérios de classificação das respostas em 10 protocolos por três avaliadores forneceu índices de concordância entre 85 e 90%.
A intervenção realizada foi o Programa Posso Pensar (Elias, 2012), desenvolvido e testado no contexto brasileiro, que visa promover e aprimorar as HSPI e outras habilidades sociais em crianças de 6 a 10 anos em ambiente educacional. Por meio de atividades lúdico-pedagógicas, o programa foi concebido para ensinar as crianças como pensar em situações-problema e não o que pensar. É um programa de prevenção universal a ser aplicado por educadores, composto por 40 lições (temas a serem trabalhados) e 40 atividades de reforço a serem aplicadas no dia seguinte à lição. Cada lição tem um roteiro a ser seguido, que inclui objetivos/metas, lista dos recursos necessários para conduzi-la, esquemas de diálogos com as crianças e sugestões de jogos a serem desenvolvidos.
Procedimento
O estudo foi desenvolvido junto à Rede Municipal de Educação de uma cidade do interior paulista. A Secretaria de Educação autorizou a aplicação do projeto e indicou possíveis escolas para a realização da pesquisa. As diretoras das escolas também aceitaram e indicaram salas que teria maior probabilidade do interesse das professoras. O projeto, então, foi apresentado para as professoras, que aceitaram participar da pesquisa após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Após autorização e preenchimento do instrumento pelos pais, foi solicitado às professoras as avaliações do repertório comportamental das crianças por meio dos instrumentos citados anteriormente. Houve dificuldades em receber os questionários preenchidos pelas professoras e pelos pais, que não cumpriram o prazo estabelecido. Concomitantemente à avaliação das professoras, os alunos foram avaliados individualmente pela pesquisadora em uma sala reservada. As avaliações ocorreram durante o período das aulas e o procedimento durava em torno de 20 minutos para cada aluno. Houve dificuldades em avaliar todas as crianças devido a faltas recorrentes de algumas delas.
Após o término das avaliações, deu-se início à intervenção que visava ao desenvolvimento de habilidades sociais. Foi realizada no contexto de grupo, no qual todos os alunos estavam reunidos, participando das atividades, que consistiam em leitura de histórias e atividades lúdicas, com o objetivo de discutir um tema relacionado às habilidades sociais aplicadas no contexto infantil. Inicialmente, foram trabalhados o reconhecimento e a expressão de emoções e, posteriormente, as habilidades sociais de forma geral (por exemplo, colocar-se no lugar do colega e respirar e pensar antes de agir) e de solução de problemas especificamente, estimulando as crianças a pensarem em possibilidades para determinado problema e possíveis consequências de cada ação levantada. As atividades ocorreram com duas turmas separadamente, uma em cada escola, e tiveram duração de uma hora cada, incluindo as atividades de reforço, que tinham duração de 10 a 15 minutos. As sessões ocorreram duas vezes na semana, totalizando 20 sessões, e as professoras acompanharam as atividades como forma de capacitação profissional.
Após a intervenção, foi solicitado novamente aos pais e professoras que respondessem aos mesmos instrumentos, e a pesquisadora fez o mesmo. As mesmas dificuldades encontradas na primeira avaliação também ocorreram nesse momento. A intervenção também foi realizada com o grupo de espera após um ano.
PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE DADOS
Os dados obtidos foram transpostos para planilha de Excel e, posteriormente, para o programa estatístico JASP (versão 9.2). Foi feita a verificação de frequências para identificar possíveis erros de digitação. Após, foram calculadas as estatísticas descritivas para a amostra total e os diferentes grupos constituídos (GI e GE). Para verificar o pressuposto de normalidade, foram observadas a curtose e a simetria, sendo considerados aceitáveis valores até 7 e 3, respectivamente, como indica Marôco (2011).
Para avaliação da magnitude das diferenças, considerou-se o efeito como pequeno quando d ≤ 0,2; médio, quando d entre 0,2 e 0,5; elevado para d entre 0,50 e 1; muito elevado quando d > 1 (Marôco, 2011). O mesmo foi considerado nas variáveis não paramétricas, considerando o índice de correlação rrb (rank-biserial correlation).
As comparações entre antes e após a intervenção e a espera, respectivamente, para todos os instrumentos, foram realizadas por meio do teste t de Student para amostras pareadas, com nível de confiança de 95% ou correlato não paramétrico Wilcoxon para variáveis em que não foi encontrada normalidade dos dados.
ASPECTOS ÉTICOS
O projeto foi iniciado após aprovação do Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto-SP (CAAE 36475614.0.0000.5407). Participaram do estudo somente crianças cujos pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Serão apresentados os resultados de GI (antes e após a intervenção) e de GE (antes e após a espera), seguindo a ordem dos instrumentos apresentados na Tabela 1.
Gl | GE | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variável | Antes Int | Após Int | P | d | Antes Esp | Após Esp | P | d | ||
Média | Média | Média | Média | |||||||
(dp) | (dp) | (dp) | (dp) | |||||||
Comportamento Pró-Social | 8,636 (1,537) |
8,485 (1,698) |
0,454 | 0,132 | 7,833 (2,250) |
8,750 (1,288) |
0,085 | -0,547 | ||
Hiperatividade | 3,667 | 3,727 | 0,857 | -0,032 | 2,917 (2,906) |
2,917 (2,864) |
0,175 | -0,418 | ||
(2,594) | (2,649) | |||||||||
Sintomas Emocionais | 3,485 | 2,758 | 0,023 | 0,414 | 2,167 (1,749) |
1,833 (1,749) |
0,551 | 0,178 | ||
(2,21) | (2,166) | |||||||||
Problema de Conduta | 2,909 | 2,273 | 0,042 | 0,368 | 2,417 (2,253) |
1,750 (1,603) |
0,255 | 0,347 | ||
(2,241) | (1,859) | |||||||||
Problemas de Relacionamento com colegas | 2,061 (2,015) |
1,485 (1,482) |
0,089 | 0,305 | 1,750 (1,712) |
1,500 (2,023) | 0,623 | 0,146 | ||
Total de Dificuldades | 12,121 | 10,242 | 0,033 | 0,388 | 9,250 (5,562) |
8,833 (5,491) |
0,787 | 0,080 | ||
(6,299) | (5,618) | W | P | rrb | W | P | rrb | |||
Aborrecem | 0,030 | 0,030 | 1,500 | 1,000 | 0,000 | NaN | ||||
(0,174) | (0,174) | 0,000 (0,000) | 0,000 (0,000) | |||||||
Dia-a-dia | 0,030 | 0,000 | NaN | 0,091 (0,302) | 0,000 (0,000) | NaN | ||||
(0,174) | 0,000 | |||||||||
Amizade | 0,061 | 0,000 | NaN | 0,000 (0,000) | 0,000 (0,000) | NaN | ||||
(0,242) | 0,000 | |||||||||
Aprendizado | 0,000 | 0,030 | NaN | NaN | ||||||
(0,000) | (0,174) | 0,000 (0,000) | 0,167 (0,577) | |||||||
Lazer | 0,000 | 0,030 | NaN | NaN | ||||||
0,000 | (0,174) | 0,182 (0,405) | 0,000 (0,000) | |||||||
Total | 0,182 | 0,061 | 10,000 | 0,572 | 0,333 | |||||
(0,727) | (0,242) | 0,333 (0,651) | 0,250 (0,622) | 3.500 | 1,000 | 0,167 |
Notas: GI- grupo de intervenção; GE=grupo de espera; int=intervenção; esp=espera; n= tamanho da amostra; GI N=33;GE N=12; dp = desvio padrão; t = estatística do teste t de student; gl = grau de liberdade; p≤0,05, d = tamanho de efeito; w= teste wilcoxon; ; p≤0,05; rrb= rank-biserial correlation; NaN: variância=0.
Observa-se que, em relação as variáveis sintomas emocionais, problemas de conduta e total de dificuldades, as crianças diminuíram significativamente seus escores após a intervenção, com tamanho de efeito médio. Já com relação ao GE, pode-se perceber que não foram encontradas diferenças significativas para os participantes antes e após a espera. Nas variáveis não paramétricas, não foram observadas diferenças significativas.
A partir da Tabela 2, observa-se que não houve diferenças significativas para GI, antes e após a intervenção, entre as médias das variáveis investigadas, o que também foi observado para os participantes de GE.
Variável | Antes Int | GI Após Int | p | d | Antes Esp | GE Após Esp |
p | d | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Média | Média | Média | Média | ||||||
(dp) | (dp) | (dp) | (dp) | ||||||
Total de Habilidades Sociais | 23,388 | 23,430 | 0,946 | -0,012 | 31,750 | 34,583 | 0,103 | -0,513 | |
(5,856) | (5.028) | (6,837) | (4,944) | ||||||
Cooperação Social | 29,182 | 28,152 | 0,210 | 0,223 | 10,750 | 7,333 | 0,131 | 0,471 | |
(7,630) | (7.383) | (7,172) | (3,551) | ||||||
Independência Social | 24.606 | 25,545 | 0,169 | -0,245 | 10,000 | 5,667 | 0,159 | 0,436 | |
(7.075) | (5.932) | (12,721) | (6,199) | ||||||
Interação Social | 16,394 | 16,606 | 0,734 | -0,060 | 11,500 | 9,000 | 0,192 | 0,401 | |
Total de Problema de comportamento | (4,401) 20,121 | (4,069) 21,152 | 0,318 | -0,176 | (6,948) 26,050 (5,165) |
(4,991) 27,867 (4,391) |
W | p | rrb |
24,500 | 0,272 | -0,372 | |||||||
(9,780) | (11,404) | ||||||||
Problema de Comportamento externalizante | 23,000 | 25,455 | 0,070 | -0,326 | 27,167 (5,096) | 29,333 (4,271) | 12,000 | 0,228 | -0,467 |
(16,479) | (19,066) | ||||||||
Problema de comportamento internalizante | (17,242) | 16,848 | 0,709 | 0,065 | 19,250 (5,065) | 19,667 (4,942) | 20,000 | 0,811 | -0,111 |
(8,246) | (7,400) |
Notas: GI- grupo de intervenção; GE=grupo de espera; Int=intervenção; Esp=espera; n= tamanho da amostra; GI N=33;GE N=12; dp = desvio padrão; t = estatística do teste t de student gl = grau de liberdade; p≤0,05, d = tamanho de efeito; w= teste wilcoxon; rrb= rank-biserial correlation.
De acordo com a Tabela 3, houve aumento significativo na média de taxa de relevância após a intervenção. Já com relação à variável força, não foram encontradas diferenças significativas, segundo avaliação feita pela psicóloga utilizando o PIPS. Quanto às crianças do GE, observa-se que houve aumento significativo da taxa de resposta após a espera e o tamanho de efeito foi considerado grande.
Gl | Antes Esp Média (dp) | GE Após Esp Média |
P | d | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variável | Antes Int Média (dp) |
Após Int Média (dp) | P |
d (dp) |
|||||
0,719 | 0,857 | <,001 | -0,677 | 0,785 | 0,910 | 0,010 | 0,897 | ||
Taxa de relevância | (0,166) | (0,149) | W | P | rrb | (0,181) | -0,127 | ||
Força | 0,039 | 0,060 | 43,000 | 0,889 | -0,055 | 0,053 | 0,019 | 0,352 | 0,281 |
(0,066) | (0,164) | (0,132) | (0,046) |
Notas: GI- grupo de intervenção; GE=grupo de espera; int=intervenção; esp=espera; n= tamanho da amostra; dp = desvio padrão; t = estatística do teste t de student gl = grau de liberdade; p≤0,05, d = tamanho de efeito; w= teste wilcoxon; ; rrb= rank-biserial correlation.
DISCUSSÃO
Após a intervenção, foi verificada diminuição significativa das variáveis sintomas emocionais, problemas de conduta e total de dificuldades, referentes ao GI, segundo a avaliação dos pais. Esses dados indicam o efeito positivo do Programa Posso Pensar e corroboram diversos estudos que comprovam a eficácia de programas de treinamento de habilidades sociais, que envolvem o ensino de novas habilidades ou a ampliação do repertório já existente (Del Prette & Del Prette, 2017; Marturano & Elias, 2016).
Na avaliação das professoras, o GI não apresentou diferenças comportamentais significativas após a intervenção, entre as médias das variáveis investigadas. Já na avaliação realizada pela psicóloga quanto às habilidades de solução de problemas interpessoais, o GI apresentou aumento significativo na média de taxa de relevância após a intervenção. De acordo com Marturano et al. (2017), o desenvolvimento das habilidades de solução de problemas interpessoais, em específico, colaboram para um melhor desenvolvimento socioemocional e auxiliam na redução de problemas comportamentais, pois o repertório limitado de alternativas de solução de problemas é um dos fatores que leva à agressividade infantil e, indiretamente, ao isolamento social a que crianças agressivas são submetidas, por isso a relevância desse efeito do treinamento realizado.
Os resultados apresentados pelo GI vão parcialmente ao encontro dos achados de Marturano e Elias (2016) ao usar o programa com alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Contudo, ressalta-se que os participantes não foram avaliados com os mesmos instrumentos para problemas de comportamento e habilidades de solução de problemas interpessoais (devido à faixa etária), além disso, diferentemente dos participantes desta pesquisa, os alunos não apresentavam tantos problemas de comportamento antes da intervenção avaliada por Marturano e Elias (2016) mas fazendo um correlato não apresentavam tantos problemas de comportamento inicialmente.
Pode-se discutir também o tipo de prevenção utilizada. Ao observar os estudos de Fossum et al. (2017), Conroy et al. (2018) e Seabra-Santos et al. (2018), bem como o presente artigo, confirma-se que variáveis adversas ao desenvolvimento, como a preexistência de problemas de comportamento, afetam os possíveis ganhos de habilidades no que se refere à prevenção, como afirmam Murta et al. (2015).
Quanto à avaliação do GE, tanto os pais quanto as professoras não encontraram diferenças significativas entre as variáveis analisadas. Esses resultados convergem com os do GI, ao apontar as dificuldades que a escola tem para lidar com os problemas comportamentais dos alunos. A formação continuada de professores é essencial para orientações no sentido de desenvolverem as próprias habilidades sociais para ensiná-las aos alunos (Bolsoni-Silva et al., 2018; Del Prette & Del Prette, 2017).
Segundo a avaliação da psicóloga, na avaliação direta das crianças quanto às habilidades de solução de problemas interpessoais, o GE também apresentou aumento significativo na média de taxa de relevância após a intervenção. O aumento da média nessa variável no GE, mesmo sem receber a intervenção, pode ser explicado pelo papel fundamental da escola em desenvolver habilidades acadêmicas e sociais, sendo um contexto essencial para a promoção e para o exercício de habilidades relevantes ao longo do tempo (Faria & Rodrigues, 2020). A escola tende a reforçar positivamente alunos sem problemas de comportamento, o que caracterizou a maior parte dos participantes do GE (Correia-Zanini & Marturano, 2016).
Destaca-se que as habilidades de solução de problema promovem uma forma reflexiva de tomada de decisão, já que se baseia na análise das consequências de cada comportamento emitido, levando a um enfrentamento mais adaptativo e saudável.
Infere-se que as limitações encontradas se referem a quatro fatores que merecem atenção em próximos estudos com o Programa Posso Pensar ou outros programas. O primeiro relaciona-se ao fato de a aplicação ter sido realizada pela pesquisadora, e não pelas professoras, como no estudo de Marturano e Elias (2016), o que dificulta o uso do vocabulário e diálogo proposto originalmente no Programa Posso Pensar, que deve ser incorporado no currículo escolar, já que a pesquisadora tinha contato com as crianças apenas uma vez por semana. O segundo fator pareceu relacionado às crianças apresentarem problemas comportamentais significativos - na literatura, tem sido apresentado que programas universais têm pouco impacto sobre essas crianças. O terceiro aspecto diz respeito à constituição dos grupos; escolas e salas que participaram do estudo foram indicadas pela Secretaria de Educação, tendo, assim, um possível viés, tornando impossível a equivalência inicial dos grupos nas diferentes variáveis investigadas antes da intervenção e espera. Por fim, o quarto fator a ser considerado é que crianças pré-escolares apresentam características comportamentais típicas da fase do desenvolvimento e, assim, as intervenções necessitam ter um menor tempo e uma frequência maior, de forma a promover maiores ganhos.
CONCLUSÃO
Constata-se que os resultados encontrados corroboraram parcialmente os resultados encontrados por Marturano e Elias (2016). Ao avaliarem os efeitos do Programa Posso Pensar, quando aplicado a crianças do ensino fundamental, essas autoras sinalizaram ganhos dos participantes nas diferentes variáveis investigadas. Já neste estudo, os ganhos apresentados ocorreram em apenas algumas variáveis investigadas, segundo os pais e a psicóloga.
Como limitações do estudo, destaca-se o fato de que muitas crianças já tinham problemas de comportamento graves antes da intervenção, não sendo indicado, portanto, a aplicação de um programa de prevenção universal. Além disso, as salas em que o programa foi aplicado foram direcionadas pela diretora da escola, havendo um viés. Por fim, o número de participantes também foi uma limitação para a comparação entre grupos e generalização para outras turmas.
Conclui-se que ganhos podem ser potencializados a partir dos pontos destacados e que apesar de ser uma área ainda pouco explorada, é de extrema importância a realização de outros estudos, visto que intervenções preventivas na educação infantil podem atuar como fatores de proteção ao desenvolvimento do escolar. Sugere-se que pesquisas sejam realizadas avaliando treinamento de habilidades sociais aplicado por professores previamente treinados e que adaptações ao Programa Posso Pensar sejam feitas levando em consideração a faixa etária da educação infantil.