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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.19 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2023  Epub 01-Jul-2024

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20230011 

Revisão teórica

Prática de mindfulness no manejo da dor e otimização da qualidade de vida em pacientes com fibromialgia: uma revisão sistemática

Mindfulness Practice in Pain Management and Quality of Life Optimization in Patients with Fibromyalgia: A Systematic Review

Alana Gabriela Conceição Hora1 

Lucas Andrade de Carvalho1 

Eline Silva da Cunha2 

Rubneide Barreto Silva Gallo2 

1Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Enfermagem - Aracaju - SE - Brasil

2Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Fisioterapia - Aracaju - SE - Brasil


RESUMO

A fibromialgia (FM) é uma síndrome caracterizada por dor muscular crônica e difusa, associada a outros sintomas que influenciam na qualidade de vida (QV). A meditação mindfulness é uma das práticas mais divulgadas atualmente, com foco no controle da dor e no bem-estar físico, mental e emocional. O objetivo desta revisão foi sintetizar estudos sobre a prática de mindfulness no manejo da dor e otimização da QV em pacientes com FM, bem como analisar sua qualidade metodológica. Realizou-se uma revisão sistemática da literatura com ensaios clínicos randomizados controlados, utilizando os descritores “mindfulness”, “fibromialgia”, “síndrome da fadiga crônica”, “dor”, “dor crônica” e “qualidade de vida” nas bases de dados EMBASE, MEDLINE e PubMed, durante os meses de março a junho de 2021. Após aplicação dos critérios de inclusão, foram selecionados oito estudos dos 1527 artigos localizados. Foram encontrados resultados positivos na incorporação de mindfulness no tratamento da FM para intensidade da dor, QV, impacto da FM, estresse, ansiedade, depressão e outros desfechos, mas algumas divergências foram encontradas. A prática de mindfulness atuou na modulação da dor e melhora da QV, podendo ser considerada uma possibilidade de intervenção complementar no tratamento da FM.

Palavras-chave: Atenção plena; Fibromialgia; Qualidade de vida

Abstract

Fibromyalgia (FM) is a syndrome characterized by chronic and diffused muscular pain, associated with other symptoms that influence on the quality of life (QV). The mindfulness meditation is currently one of the most known practices, with focus on the pain control and physical, mental and emotional well-being. The aim of this review was to synthesize studies on the practice of mindfulness in managing and optimizing the quality of life in patients with FM, and to analyze their methodological quality. A systematic literature review was carried out with randomized controlled clinical trials, using the descriptors “mindfulness”, “fibromyalgia”, “chronic fatigue syndrome”, “pain”, “chronic pain” and “quality of life”, in the EMBASE, MEDLINE and PubMed databases, from March to June 2021. In the results, 1527 articles were obtained, after applying the inclusion criteria, eight studies were selected. Positive results were found in incorporating mindfulness into FM treatment for pain intensity, QoL, FM impact, stress, anxiety, depression and other outcomes, but some divergences were found. The practice of mindfulness acted to modulate pain and improve quality of life, therefore, it can be considered a possibility of complementary intervention in the treatment of fibromyalgia.

Keywords: Mindfulness; Fibromyalgia; Quality of Life

INTRODUÇÃO

A fibromialgia (FM) é uma síndrome caracterizada por dor muscular crônica (perdura por mais de três meses) e difusa, sem sinais de inflamação, associada a outros sintomas, como ansiedade, depressão, distúrbio do sono, fadiga, alterações de concentração e memória, e distúrbios intestinais (Sociedade Brasileira de Reumatologia [SBR], 2019).

Mundialmente, sua prevalência é de 0,2 a 6,6% da população geral (Marques et al., 2017). No Brasil, é de aproximadamente 2,5% e acomete principalmente a população do sexo feminino na faixa etária de 35 a 44 anos, podendo estar presente nas demais idades (Heymann et al., 2017).

A FM, se comparada com as demais doenças crônicas, acarreta uma maior procura por assistência à saúde devido às dores associadas. Desse modo, a depender da gravidade dos sintomas, há aumento dos custos diretos ou indiretos atrelados a essa patologia. Custos diretos são relacionados a medicamentos, consultas, exames, internações, emergência, entre outros. Os maiores custos são os indiretos, ocasionados pela diminuição na produtividade, na carga horária de trabalho, desemprego e afastamento precoce das atividades laborais (Mastroianni et al., 2017; Ribeiro et al., 2016).

A partir de norma publicada pela Joint Comission on Accreditation on Healthcare Organizations (JCAHO) nos anos 2000 (Posso et al., 2017), a dor passou a ser considerada o 5º sinal vital. Uma recente atualização do conceito de dor da International Association for the Study of Pain (IASP) adotou a dor nociplástica como forma de nomear as situações nas quais há nocicepção alterada, apesar de não haver evidência de lesão tecidual real que cause a dor, como na FM (DeSantana et al., 2020; Kosek et al., 2016; Raja et al., 2020). Portanto, valorizar e respeitar a queixa de dor, apesar de subjetiva, é fundamental em uma avaliação, bem como a resposta terapêutica para projetar estratégias não farmacológicas para o controle da dor, proporcionando cuidado ao paciente de modo integral, visando melhor QV.

A fim de proporcionar a integralidade no cuidado, uma possível abordagem é a utilização das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), as quais foram aprovadas por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2006). Posteriormente, a portaria nº 849, de 27 de março de 2017 (Brasil, 2017), incluiu uma gama de terapias a serem consideradas no rol das práticas integrativas, entre elas, a meditação.

Entre os diversos tipos de meditação, a técnica de mindfulness (atenção plena) é uma das mais divulgadas atualmente. Na década de 1970, o biólogo molecular norte-americano Jon Kabat-Zinn experenciou a meditação e introduziu um programa de redução de estresse no centro médico da University of Massachusetts, com uma técnica meditativa adaptada do budismo, a qual chamou de Mindfulness-Based Stress Reduction (MBSR). Inicialmente, a MBSR foi desenhada para o manejo de ansiedade, estresse, dor e enfermidade (Siegel & Barros, 2018).

Os mecanismos envolvidos que servem de base para as pesquisas em mindfulness são sua capacidade em diminuir a percepção da intensidade da dor, aumento da capacidade de tolerar a dor, redução da ansiedade, depressão e estresse, aumento na motivação para mudar o estilo de vida, além de alterações no sistema nervoso autônomo, função neuroendócrina e sistema imunológico. Esses mecanismos são amplamente pesquisados em busca da comprovação de sua eficácia (Ludwig & Kabat-Zinn, 2008).

A mindfulness é uma prática de baixo custo que pode trazer amplas melhorias na QV das pessoas, podendo, assim, favorecer aquelas diagnosticadas com FM (Pérez-Aranda et al., 2019). Desse modo, o Ministério da Saúde ratifica o posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio da portaria nº 702, de 21 de março de 2018 (Brasil, 2018), sobre a utilização das PICS para melhoria da saúde, do autocuidado, e, consequentemente, tendo em vista a redução dos custos.

Considerando que a FM é uma patologia multissistêmica com vários fatores psicoemocionais associados, o tratamento baseado em mindfulness pode se destacar como uma terapia auxiliar no manejo dos seus sintomas e consequente otimização da QV. Assim, espera-se que a pesquisa possa contribuir para maior divulgação e ampliação dessa prática, com vistas a colaborar com a promoção de uma abordagem integral de cuidado aos pacientes com FM.

Esta revisão objetivou sintetizar estudos sobre a prática de mindfulness no manejo da dor e otimização da QV em pacientes com FM, bem como analisar sua qualidade metodológica.

METODOLOGIA

Este estudo se baseou nos critérios estabelecidos para revisões sistemáticas Preferred Reporting Itens for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA) e foi realizado nos meses de março a junho de 2021 (Moher et al., 2015), sendo submetido ao PROSPERO sob registro CRD42021257649.

O levantamento de dados foi realizado nas bases EMBASE, MEDLINE e PubMed abarcando o período de 1998 a 2021. Os descritores, assim como seus termos relacionados, foram “mindfulness”, “fibromialgia”, “síndrome da fadiga crônica”, “dor”, “dor crônica” e “qualidade de vida”, incluindo os descritores em inglês “mindfulness”, “fibromyalgia”, “fatigue syndrome, chronic”, “pain”, “chronic pain” e “quality of life”. A combinação de descritores foi realizada da seguinte forma: mindfulness AND (fibromyalgia OR ‘fatigue syndrome, chronic’); mindfulness AND (fibromyalgia OR ‘fatigue syndrome, chronic’) AND (pain OR ‘pain, chronic’); mindfulness AND (fibromyalgia OR ‘fatigue syndrome, chronic’) AND ‘quality of life’.

Os critérios de inclusão foram: 1) tipo de estudo: ensaios clínicos randomizados controlados sobre o tema; 2) tipo de participantes: indivíduos adultos de ambos os sexos com diagnóstico de FM; 3) tipo de intervenção: estratégias que utilizaram a meditação mindfulness como tratamento para FM descritas no estudo; 4) tipo de desfechos: nas variáveis dor e/ou QV; 5) idioma: português e/ou inglês. Como critérios de exclusão: 1) duplicidade de artigo; 2) outros tipos de patologias no mesmo estudo; 3) intervenções multicomponentes (que utilizaram uma ou mais técnicas associadas à meditação mindfulness).

A pesquisa se iniciou com dois pesquisadores, que, de forma independente, obedeceram às etapas de busca descritas a seguir: 1) seleção por títulos - nesta etapa, foram selecionados artigos cujos títulos fizessem menção a alguma intervenção baseada em mindfulness para tratamento de FM (títulos que não abordassem o tema foram excluídos); 2) seleção por resumos - resumos incluídos continham a intervenção utilizada (aqueles que não se encaixavam no tema da revisão, que não trouxessem resultados nas variáveis dor e/ou QV, ou se enquadrassem nos critérios de exclusão foram retirados do estudo); 3) seleção integral do estudo - todos os resumos que não fornecessem informações suficientes sobre os critérios de inclusão e exclusão foram selecionados para avaliação do texto completo. Ambos os pesquisadores compararam os artigos identificados e, por consenso, definiram aqueles que seriam lidos na íntegra. Quando não houve consenso, um terceiro avaliador foi consultado para resolução de possíveis divergências entre os dois revisores principais. Os artigos foram lidos na íntegra e aqueles que continham todos os critérios de inclusão descritos foram selecionados para a síntese final. O processo de seleção dos artigos está descrito na Figura 1 e segue o modelo PRISMA (Moher et al., 2015).

Figure 1 Fluxograma PRISMA dos arquivos revisados e analisados. 

A extração dos dados foi realizada utilizando-se formulários padronizados. Os mesmos dois revisores, de forma independente, conduziram a extração de dados com relação às características metodológicas dos estudos, intervenções e resultados; diferenças também foram resolvidas por consenso. Os resultados de interesse extraídos são: autores, ano, país, participantes, protocolos de intervenção, grupo-controle, medidas avaliativas, momentos de avaliação e resultados.

A análise da qualidade metodológica dos estudos foi realizada por dois pesquisadores independentes que avaliaram o risco de viés pela ferramenta da Cochrane Collaboration (Carvalho et al., 2013); quando não houve consenso, um terceiro pesquisador foi consultado. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o RevMan - Review Manager 5.4.

RESULTADOS

DESCRIÇÃO DOS ESTUDOS

A Figura 1 apresenta o fluxograma do processo de seleção dos estudos. A busca inicial identificou 1527 trabalhos. Destes, foram excluídos 1222 duplicados; a análise de títulos e resumos identificou 14 estudos potenciais. Após uma verificação detalhada do texto completo dos estudos até então selecionados, a amostra final foi composta por oito trabalhos. Os motivos mais predominantes para a exclusão foram: utilizar multicomponentes, não abordar as variáveis do estudo (dor e/ ou QV) e não descrever a intervenção.

CARACTERÍSTICAS DOS ESTUDOS INCLUÍDOS

Mediante busca com os descritores selecionados, foram incluídos oito ensaios clínicos randomizados controlados, totalizando 822 pacientes com FM, sendo a maioria (n = 790) do sexo feminino. Entre os estudos, obteve-se a idade mínima de 18 e a máxima de 77 anos, e a média de 45,4 anos.

As características das intervenções abordadas nos estudos selecionados estão resumidas nas Tabelas 1 e 2. Quatro estudos utilizaram o protocolo MBSR (Cash et al., 2014; Grossman et al., 2007; Schmidt et al., 2011), um deles associado ao treatment-as-usual (TAU) (Pérez-Aranda et al., 2019). Dois aplicaram a acceptance and commitment therapy (ACT) (Wicksell et al., 2013), sendo um realizado on-line e relacionado com o TAU (Simister et al., 2018). Os demais protocolos empregaram a mindfulness-based cognitive therapy (MBCT) (Parra-Delgado & Latorre-Postigo, 2013) e o meditation awareness training (MAT) (Gordon et al., 2017). Alguns sofreram alterações, tornando-os mais flexíveis em relação ao tempo das sessões e das atividades diárias individuais, em comparação aos protocolos originais.

Tabela 1 Caraterísticas dos estudos incluídos. 

Autor
(Ano)
País
Participantes com FM (sexo
M/F, idade)
Protocolo de intervenção
(Mindfulness)
Grupo comparação Dor QV Outra Momento de avaliação
Cash et al.
(2014)
USA
M/F: 0/91 >=18 anos MBSR
8 sessões/ 1x por semana; 150 min/cada; retiro de meio dia.
Lista de espera. VAS. __ FIQ. CTQ; PSS; SSQ; FSI; BDI. Pré-tratamento;
Pós-tratamento;
Acompanhamento (2 meses).
Gordon et al.
(2017)
Reino Unido
M/F: 25/123 18 a 65 anos MAT (SG-MBI)
8 sessões/ 1x por semana;
120min/cada.
CBTG. SF-MPQ. __ FIQ-R. DASS; PSQI; NAS. Pré-tratamento; Pós-tratamento; Acompanhamento (6 meses).
Grossman et al.
(2007)
Suíça
M/F: 0/58 18 a 70 anos MBSR
8 sessões/ 1x por semana;
150 min/cada; retiro de 7h.
Suporte social ativo. VAS; PPS; IPR. QoL. HADS; SSI. Pré-tratamento;
Pós-tratamento;
Acompanhamento (3 anos).
Parra-Delgado; Latorre-Postigo
(2013)
Espanha
M/F: 0/33 30 a 77 anos MBCT
8 sessões/ 1x por semana;
150min/cada.
TAU. VAS. __ BDI; MINI. Pré-tratamento; Pós-tratamento; Acompanhamento (3 meses).
Pérez-Aranda et al.
(2019)
Espanha
M/F: 4/200 18 a 65 anos MBSR + TAU
8 sessões/ 1x por semana;
90min/cada; retiro opcional de 6 horas entre a 6ª e 7ªsemana.
FibroQoL +
TAU (C1); TAU (C2).
__ EQ-5D-
5L.
CSRI. Pré-tratamento; Pós-tratamento - só no grupo TAU;
Acompanhamento (12 meses após a randomização).
Schmidt et al.
(2011)
Alemanha
M/F: 0/177 18 a 70 anos MBSR
8 sessões/ 1x por semana;
150 min/cada; retiro de 7h.
Suporte social ativo + Lista de espera. PPS. PLC. FIQ. CES-D;
STAI; PSQI; GCQ; FMI.
Pré-tratamento; Durante;
Pós-tratamento;
Acompanhamento (2 meses).
Simister et al.
(2018)
Canadá
M/F: 3/64 18 a 64 anos ACT online + TAU
8 semanas/ 7 módulos, recomendado 1 por semana.
TAU. SF-MPQ; CPAQ-R. VLQ. FIQ-R. CES-D;
PSQI;
FFMQ;
CFQ; TSK-
11; PCS;
Teste de caminhada de 6 min;
Teste de 1 min sentarse e ficar em pé.
Pré-tratamento;
Pós-tratamento;
Acompanhamento (3 meses).
Wicksell et al.
(2013)
Suécia
M/F: 0/44 18 a 55 anos ACT
12 sessões/ 1x por semana; 90 min/cada.
TAU. PDI; VAS; PIPS. SF-36
(Health
Survey);
SES.
FIQ.
BDI; STAI. Pré-tratamento; Pós-tratamento; Acompanhamento (3 meses).

Nota. ACT = Terapia de Aceitação e Compromisso; CBTG = Teoria Comportamental Cognitiva para Grupos; FibroQoL = Protocolo que consiste em aulas de psicoeducação sobre a doença, treinamento de relaxamento e auto-hipnose; MAT = Treinamento De Consciência De Meditação; MBSR = Redução de Stress Baseada em Mindfulness; MBCT = Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness; SG-MBI = Intervenções baseadas em mindfulness de segunda geração; Suporte social ativo = Protocolo que consistiu em exercícios de relaxamento, alongamentos e discussões acerca da fibromialgia; TAU = Tratamento Usual; BDI = Inventário de Depressão de Beck; CES-D = Inventário de depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos; CFQ = Questionário de fusão cognitiva; CPAQ-R = Questionário de aceitação de dor crônica revisado; CSRI = Cliente Service Receipt Inventory versão em espanhol; CTQ = Questionário de Trauma Infantil; DASS = Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse; EQ-5D-5L = Questionário EuroQol: versão de cinco níveis do sistema de classificação de cinco dimensões EuroQol; FIQ = Questionário de impacto da fibromialgia; FIQR = Questionário de impacto da fibromialgia revisado; FMI = Inventário de Mindfulness de Freiburg; FFMQ = Questionário das Cinco Facetas da Atenção Plena; FSI = Inventário de sintomas de fadiga; GCQ = Questionário de Queixa de Giessen; HADS = Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão; IPR = Inventário de regulação da dor; MINI = Mini Entrevista Neuropsiquiátrica Internacional; NAS = Escala de Não Fixação; PCS = Escala de Catastrofização da Dor; PDI = Índice de Incapacidade de Dor; PIPS = Escala de Inflexibilidade Psicológica na Dor; PLC = Perfil de Qualidade de Vida do Doente Crônico; PPS = Escala de Percepção da Dor; PSS = Escala de estresse percebido; PSQI = Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh; QoL= Perfil de Qualidade de Vida do Doente Crônico; SES = Escala de Autoeficácia; SF-MPQ = Questionário de dor McGill curto; SF-36 = Formato abreviado de 36 itens; SSI = Inventário de sintomas somáticos; SSQ = Questionário de sono de Stanford; STAI = Inventário de Ansiedade Traço-Estado de Spielberger; TSK -11 = Escala de Tampa para cinesiofobia; VAS = Escala visual analógica; VLQ = Questionário de Vida Valorizada.

Tabela 2 Resultados das intervenções baseadas em Mindfulness. 

Variável
Autor/Ano
DESFECHO
Dor Qualidade de vida (QV) Outra
Cash, et al., (2014) (0) Intensidade da dor. - (+) Estresse percebido, sono, fadiga;
(+) Gravidade dos sintomas;
Gordon et al., (2017) (+) Intensidade da dor no pós- -tratamento e acompanhamento;
(+) Percepção da dor.
(+) Intensidade da dor (controle enfretamento) no pós-tratamento e acompanhamento;
- (+) Impacto FM, ansiedade, depressão, estresse, qualidade do sono, desapego e engajamento cívico no pós-tratamento e acompanhamento.
(+) Ansiedade, depressão até o acompanhamento;
Grossman et al., (2007) (+) Percepção da dor, afetiva e sensorial, no pós-tratamento;
(+) Enfrentamento da dor até o acompanhamento;
Entre os grupos:
(0) Intensidade da dor.
(+) Em todas as subescalas de QV, durante a intervenção. (+) Sintomas físicos e emocionais pós-tratamento;
(+) Queixas somáticas até o acompanhamento.
Parra-Delgado; Latorre-Postigo
(2013)
Intragrupo MBCT:
(+) Dor na região cervical e no membro inferior esquerdo, até o acompanhamento.
- (+) Impacto FM, sintomas depressivos no pós- -tratamento e acompanhamento.
Pérez-Aranda, et al., (2019) (+) Dor na região lombar no pos-tratamento. (+) QV no acompanhamento. (+) Custos diretos, indiretos e totais;
(0) Perspectiva do governo, serviços de saúde especializado.
(+) Ansiedade no pós-tratamento;
Schmidt et al., (2011) (+) Percepção da dor, afetiva, no acompanhamento. (+) QVRS intragrupo intervenção. (+) FMI;
(+) Sintomas físicos.
Intragrupo MBSR:
Simister et al., (2018) (+) Intensidade da dor no pós- -tratamento e acompanhamento;
(+) Aceitação da dor no pós- -tratamento e acompanhamento.
- (+) Impacto FM, depressão, insônia.
(+) Impacto FM;
(+) Depressão.
Wicksell et al., (2013) (+) Incapacidade provocada pela dor no pós-tratamento e acompanhamento;
(0) Intensidade da dor.
(+) QV relacionada à saúde mental no pós-tratamento e acompanhamento;
(+) QV relacionada à saúde física, pequeno efeito no acompanhamento.
(+) Impacto FM;
(+) Inflexibilidade psicológica.

Nota. (+): efeito significativo, muito grande, grande, médio ou pequeno efeito; Ø: sem efeito significativo, insignificante; p: p-valor; d: tamanho de efeito de Cohen; efeito significativo (p<0,05); sem efeito significativo (p>0,05); muito grande (d < 1,30); grande efeito (d ≥ 0,80 a d ≤ 1,29); médio efeito (d ≥ 0,50 a d ≤ 0,79); pequeno efeito (d ≥ 0,20 a d ≤ 0,49); insignificante (d ≤ 0,19).<0,05);

Os grupos utilizados nas condições de comparação incluídos neste estudo foram: TAU (tratamento padrão regular de medicação, se houver, podendo incluir analgésicos, ansiolíticos, opioides, antidepressivos e/ou anti-inflamatórios, além de prática regular de exercícios aeróbicos); FibroQoL (protocolo que consiste em aulas de psicoeducação sobre a doença, treinamento de relaxamento e auto-hipnose); lista de espera; cognitive behavioural theory for groups (CBTG); outras estratégias cognitivas, como programas educacionais e suporte social.

Em relação ao número de participantes, o grupo de intervenção variou de 17 a 74, enquanto o grupo-controle variou de 15 a 74. Os atendimentos foram realizados uma vez por semana, durante oito a 12 semanas, com duração de 90 a 150 minutos. A medição ocorreu no pré, pós e dois meses a três anos após a finalização do estudo (acompanhamento), com exceção de um estudo (Schmidt et al., 2011), que ocorreu em quatro tempos - pré, durante o período de intervenção, pós e acompanhamento de dois meses.

Observa-se que a maior parte das publicações ocorreu nos últimos dez anos (2010 a 2020), com sete publicações nesse período (87,5%) e apenas um em 2007 (12,5%). Os estudos revisados foram realizados em diversos países: Alemanha (n = 1), Canadá (n = 1), Espanha (n = 2), Estados Unidos (n = 1), Reino Unido (n = 1), Suécia (n = 1) e Suíça (n = 1).

EFEITOS DAS INTERVENÇÕES

INTENSIDADE DA DOR

Estudos baseados no protocolo MBSR para o manejo da dor mostram divergência no uso dessa prática para redução da intensidade da dor. Segundo Grossman et al. (2007), o grupo intervenção apresentou melhora significativa no controle (d = 1,10; 0,60) e enfrentamento (d = 0,59; 0,65) associados com a intensidade da dor no pós-tratamento e no acompanhamento, respectivamente. Contudo, de acordo com Cash et al. (2014), o programa não resultou em significância na dor, por não apresentar melhorias evidentes e duradouras.

A prática de mindfulness, mediante a MBCT, evidenciou melhora significativa, intragrupo intervenção, na dor cervical até o acompanhamento, na dor lombar pós-tratamento (no entanto, esta não persistiu no acompanhamento) e um pequeno efeito na dor no membro inferior esquerdo na medida de acompanhamento. Na comparação entre grupos, não foram encontradas diferenças significativas em relação à intensidade da dor em todas as áreas corporais (Parra-Delgado & Latorre-Postigo, 2013).

O MAT, protocolo de intervenção baseado em mindfulness de segunda geração, demonstrou diferença significativa em relação ao grupo-controle na diminuição da intensidade da dor (d = 2,01; 3,01) no pós-tratamento e no acompanhamento, respectivamente. Além disso, expôs que o engajamento cívico (quantas horas nos últimos sete dias os indivíduos passaram em trabalho remunerado, voluntário, participando de evento ou reunião, etc.) foi um mediador parcial dos efeitos do tratamento na intensidade da dor (Gordon et al., 2017).

Segundo Wicksell et al. (2013), a ACT não resultou em mudanças significativas na intensidade da dor (d = 0,38; 0,82) no pós-tratamento e no acompanhamento, respectivamente. Vale ressaltar que a diferença no tamanho de efeito do pós-tratamento para o acompanhamento ocorreu devido ao aumento da intensidade da dor no grupo-controle, visto que o grupo ACT obteve uma melhora mínima nesse aspecto (d = 0,30). Entretanto, Simister et al. (2018), ao utilizar a ACT on-line + TAU, apresentaram como resultado a melhora significativa dos participantes do grupo intervenção em relação à intensidade da dor, nos efeitos de interação condição significativa versus tempo (P = 0,010), apresentando tamanho de efeito grande (d = 0,84) no pós-tratamento, sendo reduzido (d = 0,11) no acompanhamento.

PERCEPÇÃO, ACEITAÇÃO E INCAPACIDADE PROVOCADA PELA DOR

Na perspectiva da percepção dolorosa, Grossman et al. (2007) e Schmidt et al. (2011), que utilizaram MBSR, o avaliaram quanto a dor afetiva e sensorial, sendo que os primeiros evidenciaram melhora afetiva (d = 0,35) e sensorial (d = 0,45) apenas no pós-tratamento, enquanto os segundos referiram melhora na dor afetiva (d = 0,50) e sensorial (d = 0,19) durante o acompanhamento de dois meses. Em concordância, o estudo de Gordon et al. (2017) apontou melhorias significativas nos níveis de percepção da dor.

No desfecho de aceitação da dor, Simister et al. (2018) observaram melhora relevante no grupo ACT + TAU on-line em relação à condição TAU, com um grande tamanho de efeito no pós-tratamento (d = 0,84) e no acompanhamento (d = 0,80). Além disso, o aumento na aceitação da dor mediou melhorias no impacto da FM no acompanhamento (d = 1,59).

Referente à incapacidade de dor, ACT apresentou melhora expressiva em relação à condição de controle, com tamanho de efeito médio no pós-tratamento (d = 0,75) e no acompanhamento (d = 0,73) entre os grupos. Essa melhora foi consideravelmente mediada pela diminuição na inflexibilidade psicológica, que obteve grande e médio efeitos (d = 1,06; 0,72) no pós-tratamento e no acompanhamento, respectivamente (Wicksell et al., 2013).

QUALIDADE DE VIDA

Os estudos que avaliaram a QV em pacientes com FM (Grossman et al., 2007; Pérez-Aranda et al., 2019; Schmidt et al., 2011; Wicksell et al., 2013) observaram que houve melhoras significativas de modo geral e nas suas especificidades, mentais e físicas.

Segundo Grossman et al. (2007), o MBSR é viável como intervenção para o bem-estar de pessoas com FM em longo prazo, visto que foram obtidas melhoras significativas em todas as subescalas de QV (status funcional d = 1,12; prazer/ relaxamento d = 1,07; afeto positivo d = 0,52; afeto negativo d = 0,85; contato social d = 0,90; sentido de pertencimento d = 0,61) durante a intervenção. Entretanto, houve uma redução considerável no acompanhamento, indicando uma atenuação dos efeitos ao longo do tempo, porém permanecendo mais altas que os valores basais.

De acordo com Schmidt et al. (2011), o MBSR não pode ser recomendado como um tratamento eficaz para mulheres com FM, visto que não apresenta diferenças significativas em comparação com outros braços do estudo. Todavia, o desfecho primário Quality of Life Profile for the Chronically III (PLC) mostrou uma mudança intragrupo significativa ao longo do tempo para o grupo de atenção plena (d = 0,39), já o grupo-controle ativo ou a condição de lista de espera não tiveram mudanças significativas. Vale ressaltar que a mudança positiva no autorrelato de mindfulness foi associada à melhora na QV relacionada à saúde.

Em conformidade com Grossman et al. (2007), o estudo de Pérez-Aranda et al. (2019) traz que o MBSR obteve o melhor resultado (d = 0,57) na medida do questionário EuroQol: Five-Level Version of the EuroQol Five-Dimensional Classification System (EQ-5D-5L) em relação aos demais grupos no acompanhamento de 12 meses. Considera-se, assim, que o MBSR tem efeitos na QV em longo prazo e que apresenta melhorias relacionadas a diversos sintomas da FM que a influenciam, podendo atuar como uma intervenção complementar à saúde.

A QV relacionada à saúde mental, conforme Wicksell et al. (2013), apresentou efeitos positivos (d = 0,84; 1,06) no pós-tratamento e no acompanhamento, respectivamente. Por sua vez, a QV relacionada à saúde física obteve apenas um pequeno efeito no acompanhamento (d = 0,28). Com isso, o estudo apoia a prática de ACT por pessoas com FM.

OUTROS DESFECHOS

Os artigos selecionados na presente revisão também avaliaram outros desfechos, além da dor e da QV. Apesar de não ser objetivo deste estudo, os trabalhos incluídos observaram melhora significativa em outros desfechos, que podem colaborar direta ou indiretamente para a melhora da QV dos pacientes: impacto da FM (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017; Parra-Delgado & Latorre-Postigo, 2013; Schmidt et al., 2011; Simister et al., 2018; Wicksell et al., 2013), depressão (Gordon et al., 2017; Grossman et al., 2007; Parra-Delgado & Latorre-Postigo, 2013; Schmidt et al., 2011; Simister et al., 2018), ansiedade (Gordon et al., 2017; Grossman et al., 2007; Schmidt et al., 2011), qualidade do sono (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017; Schmidt et al., 2011), estresse (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017), fadiga (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017), sintomas físicos (Grossman et al., 2007, Schmidt et al., 2011), queixas somáticas (Grossman et al., 2007), sintomas emocionais (Grossman et al., 2007), custos (Pérez-Aranda et al., 2019), desapego (Gordon et al., 2017), gravidade dos sintomas (Cash et al., 2014), engajamento cívico (Gordon et al., 2017) e inflexibilidade psicológica (Wicksell et al., 2013).

QUALIDADE METODOLÓGICA DOS ESTUDOS

Para verificação do risco de viés, foi utilizado o instrumento RevMan - Review Manager 5.4. A Figura 2 fornece um resumo do risco de viés dos oito estudos e a Figura 3 apresenta uma justificativa para cada classificação. Sete estudos foram adequados para o critério de geração da sequência aleatória e tiveram baixo risco de ocultação de alocação (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017; Parra-Delgado & Latorre-Postigo, 2013; Pérez-Aranda et al., 2019; Schmidt et al., 2011; Simister et al., 2018; Wicksell et al., 2013); apenas um estudo foi classificado como alto risco de viés quanto à ocultação dos participantes e dos profissionais (Schmidt et al., 2011); porém, quatro estudos tiveram risco de viés incerto, por não trazerem a informação (de ocultação dos participantes e dos profissionais) (Cash et al., 2014; Grossman et al., 2007; Simister et al., 2018; Wicksell et al., 2013). Em relação ao cegamento dos avaliadores, dois estudos foram adequados para o critério (Schmidt et al., 2011; Wicksell et al., 2013) e os demais foram considerados risco incerto. Apenas um estudo, na avaliação de dados incompletos, foi pontuado como risco alto de viés (Grossman et al., 2007); nos demais, o risco foi considerado baixo. Quanto à notificação seletiva, todos os estudos foram considerados adequados. O critério que trata de outras fontes de viés foi alto em seis estudos (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017; Grossman et al., 2007; Parra-Delgado & Latorre-Postigo, 2013; Pérez-Aranda et al., 2019; Simister et al., 2018); nos demais, o risco de viés foi baixo (Wicksell et al., 2013) e incerto (Schmidt et al., 2011).

Figure 2 Gráfico de risco de viés: julgamentos dos autores sobre cada risco dos itens de viés apresentados como porcentagem em todos os estudos incluídos. 

Figure 3 Resumo do risco de viés: julgamentos dos autores sobre cada risco dos itens de viés para cada estudo incluído. 

DISCUSSÃO

Nesta revisão sistemática, foram demonstrados alguns protocolos de mindfulness em pacientes com FM, em sua maioria (Gordon et al., 2017; Pérez-Aranda, et al., 2019; Simister et al., 2018) ou exclusivamente (Cash et al., 2014; Grossman et al., 2007; Parra-Delgado & Latorre-Postigo 2013; Schmidt et al., 2011; Wicksell et al., 2013) do sexo feminino, o que está atrelado à epidemiologia da síndrome (Heymann et al., 2017) e seus resultados para o manejo da dor e otimização da QV.

Verificou-se que diversos protocolos de mindfulness estão sendo estudados para a comprovação de sua eficácia na FM. O MBSR foi o primeiro protocolo desenvolvido, baseado no budismo para tratamento de doenças crônicas, estresse e ansiedade, no qual são realizadas meditações de varredura corporal com foco na respiração, além de incentivar que as situações cotidianas sejam vivenciadas de modo plenamente consciente, com a atenção focada no que está acontecendo, sem julgar ou racionalizar (Vandenberghe & Sousa, 2006); o MAT, segunda geração da mindfulness, apresenta uma gama Figure 3. Resumo do risco de viés: julgamentos dos autores sobre cada maior de técnicas meditativas com o objetivo de desenvolver risco dos itens de viés para cada estudo incluído. o desapego para melhorar diversos sintomas, já que reduzir o apego é considerado uma característica importante do caminho para o bem-estar psicoespiritual (Gordon et al., 2017).

Dois outros protocolos foram originados da associação com a terapia cognitivo-comportamental (TCC): a ACT, criada inicialmente para o tratamento da ansiedade, com enfoque na redução da fuga de situações que os indivíduos consideram que podem provocar desconforto psicológico; e a MBCT, desenvolvida para o tratamento da depressão maior ou recorrente e ansiedade, ao facilitar o entendimento dos mecanismos da depressão, proporciona o distanciamento de pensamentos negativos e emoções desafiadoras, maior abertura, flexibilidade e aceitação (Vandenberghe & Sousa, 2006). Todos os protocolos apresentaram efetividade na FM em diversas variáveis, sendo o MBSR e a MBCT os mais pesquisados atualmente (Mouzinho et al., 2018).

A dor referente à FM foi avaliada mediante Visual Analogue Scale (VAS), Short-form McGill Pain Questionnaire (SF-MPQ), Inventory of Pain Regulation (IPR), Pain Perception Scale (PPS), Chronic Pain Acceptance Questionnaire-Revised (CPAQ-R), Psychological Inflexibility in Pain Scale (PDI) e Pain Disability Index (PIPS), apresentando resultados divergentes. Os estudos que utilizaram apenas a VAS não trouxeram desfechos significativos na dor. Em contraste, aqueles que fizeram uso de outra(s) medida(s) avaliativa(s) e/ ou associaram a VAS, obtiveram resultados positivos acerca da intervenção mindfulness no manejo, intensidade e/ou outros aspectos associados à dor, como percepção, aceitação, inflexibilidade psicológica e incapacidade provocada pela dor. Essa discrepância pode ser resultado da limitação de escalas unidimensionais, que apesar de serem mais compreensíveis e de rápida aplicação, não abrangem outras características que interferem na dor (Martinez et al., 2011).

Mindfulness foi comparada a outras abordagens, descritas anteriormente, utilizadas para o tratamento da FM. O TAU engloba a terapia farmacológica, contudo, há a possibilidade de o paciente apresentar reações adversas. Com isso, novos métodos estão sendo estudados, incluindo mindfulness, e os demais grupos-controle encontrados nos estudos incluídos, FibroQoL e CBTG, envolvem um tratamento multidisciplinar envolvendo diversos aspectos da integralidade do ser (Nascimento, Oliveira, & DeSantana, 2018).

O indivíduo deve ser considerado em sua integralidade, pois a dor não é exclusivamente relacionada à intensidade, mas também a questões afetivas, motivacionais, cognitivas, que podem acarretar agravos que influenciam a QV. Diante disso, para avaliar a dor, é preferível utilizar instrumentos multidimensionais que reconhecem os diferentes componentes envolvidos no processo (Silva & Ribeiro, 2011). Com isso, o manejo da dor será realizado de maneira eficaz, contemplando a experiência individual, intrínseca e incompreensível dos pacientes com FM.

Segundo Lauche et al. (2013), em estudo de revisão sistemática com metanálise composto por seis ensaios clínicos randomizados com intervenção MBSR, totalizando 674 participantes, mindfulness possibilitou melhoria na dor em curto prazo. Estudos recentes indicam que mindfulness reduz o nível do brain-derived neurotrophic factor (BDNF) no soro, sendo potencialmente eficaz no impacto da FM (Andrés-Rodríguez et al., 2019; Sanabria-Mazo et al., 2020), já que em síndromes de dores crônicas os níveis BDNF, que atuam em processos de neuroplasticidade associados à modulação da dor, estão elevados (Nugraha et al., 2012).

Quanto à QV, os instrumentos utilizados foram EQ-5D5L, PLC, Valued Living Questionnaire (VLQ), Physical Functioning Component of The 36-Item Short Form Survey (SF-36) e Self-Efficacy Scale (SES), cujos resultados confirmaram que mindfulness é uma prática efetiva. Isso está em consonância com a revisão realizada por Adler-Neal e Zeidan (2017), em que mindfulness é uma prática complementar em saúde capaz de melhorar diversos aspectos associados à QV em pacientes com FM.

Outras pesquisas apresentaram efeito significativo na QV em curto prazo em relação aos grupos-controle (Lauche et al., 2013; Sanabria-Mazo et al., 2020), sendo que mindfulness auxilia na promoção de saúde e melhora da QV ao possibilitar a aceitação da dor, a redução do estresse, da ansiedade e da depressão (Demarzo & Garcia-Campayo, 2017).

Indubitavelmente, a QV é influenciada pela cultura, pelos valores morais e pela percepção da vivência social, envolvendo aspectos físicos, mentais, espirituais, psicológicos e emocionais (World Health Organization [WHO], 1995). Apesar de não ser um dos objetivos desta revisão, vale ressaltar que os estudos incluídos avaliaram outros desfechos apresentados pelos pacientes com FM que interferem na QV, como fadiga, insônia, ansiedade, estresse e depressão, engajamento cívico, os quais apresentaram resultados significativos.

Além de avaliarem o impacto da FM, o Fibromyalgia Impact Questionnaire ou sua versão revisada (FIQ/FIQR), são instrumentos habitualmente utilizados por serem específicos para FM, concordantes com os fatores de validação, aplicabilidade, sensibilidade, confiabilidade e clareza, visando a obtenção de dados mais fidedignos. Sendo importante para avaliar dor, QV, sintomas mentais, físicos e emocionais e capacidades funcionais, ou seja, avaliar amplamente o estado de saúde dos pacientes com FM, fornecendo informações que possibilitam a identificação e aplicação de tratamentos eficazes (Lorena et al., 2016). De maneira unânime, os estudos apresentaram efeitos positivos no impacto da FM, sendo assim, mindfulness pode ser considerada uma intervenção efetiva.

A melhoria dos sintomas da FM está diretamente relacionada ao tempo de prática em casa, o que foi investigado por três estudos (Cash et al., 2014; Gordon et al., 2017; Grossman et al., 2007). Segundo Herman et al. (2017) e Tang et al. (2015), a prática meditativa provoca alterações no sistema nervoso central, a exemplo da energização da ínsula, dos córtices sensoriais, responsáveis pela emoção e consciência corporal, e do hipocampo, região relacionada à memória, sendo mantidas desde que praticada frequentemente.

Ademais, um estudo de revisão sistemática, com nove ensaios clínicos randomizados controlados, demonstrou que a meditação reduz a pressão arterial, a frequência cardíaca, o estresse, a ansiedade, e promove estado de humor e autoestima, consequentemente proporcionando a otimização da QV (Nascimento et al., 2018).

Os desfechos tiveram seus resultados embasados nos valores estatísticos p-valor e de Cohen, sendo que apenas um estudo (Pérez-Aranda et al., 2019) utilizou exclusivamente o p-valor. Esse componente, de maneira isolada, não indica precisamente a significância ou insignificância clínica, pelo fato de não mostrar a importância de uma intervenção em relação à comparação. Por esse motivo, é recomendado relacionar ao tamanho de efeito, que incrementa o teste estatístico, apresentando resultados mais fidedignos de uma intervenção na prática clínica (Espirito-Santo & Daniel, 2015; Ferreira & Patino, 2015).

Deve-se ressaltar que a maioria dos estudos incluídos nesta revisão apresentou baixo risco de viés, de acordo com a avaliação dos seus itens pelo instrumento RevMan - Review Manager 5.4. Entretanto, em relação ao cegamento dos avaliadores de desfecho, a maioria dos trabalhos teve risco de viés incerto por não apresentarem informações suficientes para o julgamento, bem como alto risco na classificação de outros vieses por demonstrarem limitações que podem influenciar os resultados obtidos.

Esta revisão apresentou algumas limitações que impossibilitaram a realização de metanálise. Em alguns estudos, o tamanho da amostra era pequeno, incluindo somente pessoas do sexo feminino, pacientes com escolaridade elevada, curto tempo e baixa taxa de acompanhamento. Poucos estudos avaliaram a QV e as medidas de avaliação da dor unidimensionais mostraram-se insuficientes para mensurar adequadamente todos os aspectos que a envolvem. Além disso, em estudos sobre meditação, a diversidade metodológica dos grupos-controle é o principal fator de limitação (Nascimento et al., 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora ainda existam poucos estudos bem delineados e algumas divergências de resultados, esta revisão observou que a prática de mindfulness, quando incorporada ao tratamento da FM, pode favorecer o manejo da dor e melhora da QV dessa população ao promover uma abordagem integral de cuidado.

Os estudos apresentaram resultados promissores que poderão embasar novas pesquisas, as quais devem analisar as limitações mencionadas, a fim de solucioná-las, e aprofundar a compreensão de mindfulness no manejo da dor e melhora da QV.

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Recebido: 18 de Setembro de 2021; Aceito: 02 de Setembro de 2022

Correspondência: Alana Gabriela Conceição Hora. E-mail: alana.gabrielach@gmail.com

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