INTRODUÇÃO
A ansiedade corresponde a um sistema de respostas cognitiva, afetiva, fisiológica e comportamental a uma ameaça ou perigo percebido. Essa modalidade de reação constitui uma resposta emocional, esperada, precedida por uma avaliação cognitiva de uma situação como ameaçadora aos interesses vitais e bem-estar do indivíduo. Assim, entende-se que a mobilização promovida pela ansiedade tem como proposta o enfrentamento ao evento perigoso ou aversivo (Clark & Beck, 2012; Riskind & Rector, 2019).
A cognição desempenha função mediadora entre situação e afeto, tendo papel fundamental na resposta ansiosa aos eventos que alcançam os indivíduos. O processo de avaliação determina o nível de intensidade da ansiedade pela probabilidade ou gravidade da ameaça e pela capacidade de enfrentamento e segurança do avaliador. A ansiedade, por sua vez, pode ser desadaptativa caso a situação seja interpretada erroneamente, o que é um possível contexto para os transtornos de ansiedade (TA). Os TA podem ser definidos como quadros de níveis de ansiedade não adequados aos contextos avaliados e que geram prejuízos ao bem-estar (Clark & Beck, 2012), a exemplo da fobia social, que acentua o impacto da ansiedade sobre situações sociais, implicando em respostas ansiosas mesmo em situações sociais comuns (American Psychiatric Association [APA], 2022; Clark & Beck, 2012).
A literatura em saúde mental e ajustamento psicológico tem evidenciado que construtos psicológicos exercem importante papel no processo de avaliação cognitiva (Bandura, 1994; Folkan et al., 1986; Maddux & Gosselin, 2012; Orth & Robins, 2019; Rosenberg, 1965) e, por isso, têm função nos processos de gerenciamento e enfrentamento das demandas ambientais (Folkan et al., 1986). Os construtos da autoeficácia (Bandura, 1994; Maddux & Gosselin, 2012) e da autoestima (Orth & Robins, 2019; Rosenberg, 1965), ambos associados estatisticamente com a ansiedade (Green, 2022), são concebidos como crenças sobre habilidades e valorações próprias (Maddux & Gosselin, 2012; Orth & Robins, 2019). Os construtos operam como fatores individuais sobre os processos de avaliação e gerenciamento de eventos (Clark & Beck, 2012; Folkan et al., 1986), o que leva a perceber que eles estão integrados às habilidades individuais de adaptação, enfrentamento de demandas, estressores da vida e obtenção do estado de bem-estar (Folkan et al., 1986).
Em termos clínicos, os construtos podem ser focos úteis para abordagem e manejo de sintomas ansiosos, já que na terapia cognitivo-comportamental (TCC) servem a identificação, contestação e modificação de crenças sobre capacidade, autoeficácia (Hoffmann, 2012) valor e autoestima (Kolubinski et al., 2018). Como a TCC é uma terapia que tem por objetivo ajudar na identificação e na modificação de crenças negativas e comportamentos que contribuem para a ansiedade (Brittany & Beck, 2021), os construtos despontam como potenciais focos de intervenção. Nessa perspectiva, cabe salientar que existem diferenças na abordagem clínica para o manejo de sintomas ansiosos, a depender do construto considerado. Por exemplo, intervenções com foco na autoeficácia podem ter por objetivo as habilidades para a realização de uma tarefa (Bandura, 1997), ao passo que um enfoque na autoestima pode ter por objetivo enfraquecer crenças negativas e estabelecer alternativas mais positivas (Kolubinski et al., 2018).
A autoeficácia se refere a crenças que produzem efeito em processos cognitivos. Essas crenças remetem à capacidade de desempenhar níveis de performance que exerçam influência em eventos que afetam a vida do indivíduo. A autoeficácia tem papel determinante no pensar, no sentir, no comportamento e na motivação (Bandura, 1994; Maddux & Gosselin, 2012). Em outros termos, esse construto remete ao processo de avaliação sobre as próprias habilidades ou capacidades para atingir um objetivo com sucesso. Entre as evidências da relação com a ansiedade se encontram a associação de índices de autoeficácia rebaixada com sintomas ansiosos (Bassi et al., 2020; Liu et al., 2019), a correlação negativa da autoeficácia com a ansiedade (Green, 2022; Mo et al., 2021; Morales-Rodríguez & Pérez-Mármol, 2019) e a capacidade preditiva da autoeficácia sobre a ansiedade (von der Embse et al., 2018).
A autoestima representa o resultado da avaliação cognitiva sobre os próprios pensamentos, sentimentos e atitudes. Esse construto remete às atitudes positivas e negativas voltadas ao próprio indivíduo, bem como à avaliação de conteúdo, pensamentos e sentimentos que compõem uma pessoa, integralmente ou em parte (Orth & Robins, 2019; Rosenberg, 1965). Em outras palavras, diz respeito a um processo de valoração afetiva das próprias crenças por repetidas avaliações cognitivas. A autoestima está relacionada à ansiedade por associação (Nguyen et al., 2019; Xie et al., 2019), correlação (Green, 2022; Mammarella et al., 2018; Murad, 2020) e capacidade preditiva (Holas et al., 2023).
A relação entre autoeficácia e autoestima está bem estabelecida na literatura. As crenças sobre a capacidade de executar tarefas desempenham papel relevante na formação da autoestima (Bandura, 1997). Já a percepção sobre a competência e a eficácia das próprias ações está diretamente associada à autoestima, com maiores índices de uma correspondendo a maiores índices da outra (Kevin et al., 2020; Nunes & Faro, 2021; Rippon et al., 2022). Nessa perspectiva, a sintomatologia ansiosa e o tópico da saúde mental podem ser um meio para evidenciar ou mesmo testar a interindependência entre autoeficácia e autoestima, ou seja, em que medida a autoeficácia pode influenciar a autoestima e, por sua vez, como a autoestima de um indivíduo pode afetar suas crenças de autoeficácia.
Em princípio, a autoeficácia parece atuar no gerenciamento da ansiedade, pois pessoas com maiores índices de autoeficácia lidam melhor com a ansiedade. Elas exibem maior probabilidade de apresentar uma avaliação funcional das situações e de avaliar desafios como superáveis, não como ameaças intransponíveis (Bandura, 1997). Por sua vez, a autoestima rebaixada contribui para o desenvolvimento e a manutenção de quadros ansiosos, como a ansiedade social. Assim, pessoas com baixa autoestima apresentam maiores chances de avaliar situações como ameaçadoras e menor confiança sobre suas habilidades de enfrentamento (Holas et al., 2023).
As relações entre autoeficácia, autoestima e ansiedade parecem estar bem estabelecidas na literatura. A autoeficácia apresenta correlação positiva com autoestima, ou seja, maiores índices de uma correspondem a maiores índices da outra (Kevin et al., 2020; Nunes & Faro, 2021; Rippon et al., 2022), ambas exibem correlação negativa com a ansiedade, maiores índices de ansiedade estão correlacionados com baixa autoestima (Green, 2022; Mammarella et al., 2018; Murad, 2020) e piores níveis de autoeficácia (Green, 2022; Mo et al., 2021; Morales-Rodríguez & Pérez-Mármol, 2019). Também existem evidências da capacidade preditiva tanto da autoeficácia (von der Embse et al., 2018) quanto da autoestima (Holas et al., 2023) sobre a ansiedade. Logo, esses dois construtos podem ser considerados variáveis antecessoras da ansiedade e, com isso, mantêm a capacidade de explicação da presença ou da severidade de sintomas ansiosos (Green, 2022).
Em resumo, a literatura acumula evidências sobre o papel dos construtos cognitivos, autoeficácia e autoestima, na ansiedade e, por isso, julga-se relevante avaliar a relação de explicação entre eles. O esclarecimento desse aspecto perpassa as hipóteses que tanto a autoeficácia quanto a autoestima impactem a ansiedade e que tenham papel subjacente na relação um do outro com a ansiedade. Assim, estudar a relação preditiva dos construtos sobre a ansiedade parece ser necessário para esclarecer a relação direta ou indireta, além da interação entre essas variáveis, com os sintomas ansiosos. Para tanto, análise de mediação pode permitir o esclarecimento a respeito dessas relações.
Por definição, análise de mediação é um modelo para identificar e explicar um mecanismo ou processo subjacente a uma relação entre uma variável dependente e independente pela inclusão de uma terceira variável, chamada de variável mediadora (Agler & De Boeck, 2017). Metodologicamente, significa que deve existir uma relação de explicação entre a autoeficácia, a autoestima e de ambas com a ansiedade. Portanto, quando um dos construtos é avaliado como mediador, no modelo, como a autoeficácia na relação entre autoestima e ansiedade, a autoeficácia tem de ser antecedida pela autoestima e ser antecessora da ansiedade, ou seja, a autoeficácia deve ser explicada pela autoestima e antecedente preditora da ansiedade. Isso também se aplicaria à autoestima e, com isso, seria possível identificar com maior clareza os tipos de crenças pertinentes para o fenômeno da ansiedade, ao estimar a extensão do papel de cada construto no tratamento dos sintomas ansiosos.
Os objetivos do presente estudo foram investigar o papel dos construtos autoeficácia e autoestima em suas relações com a ansiedade, mensurar essas relações e identificar a possível primazia de um deles sobre a ocorrência de sintomas ansiosos. Ao se analisar as relações de mediação entre autoeficácia e autoestima com a ansiedade, dois modelos foram conduzidos. No primeiro, a autoeficácia foi postulada como variável mediadora da relação entre autoestima e ansiedade. Já no segundo, a relação entre autoeficácia e ansiedade foi mediada pela autoestima.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi composta por 189 estudantes universitários, com média de idade de 22,1 anos (DP = 6,2; Mínimo [Mín.] = 18 e Máximo [Máx.] = 55), sendo a maioria do gênero feminino (n = 117; 62,0%). O delineamento da pesquisa foi do tipo não probabilístico, com amostragem por conveniência, com a coleta tendo sido realizada presencialmente, em salas de aula.
Instrumentos
Utilizou-se a Escala de Autoeficácia Geral Percebida (EAGP; Schwarzer & Jerusalem, 1995), adaptada para o Brasil por Souza e Souza (2004). A EAGP contém sete itens em uma escala tipo Likert (1 a 4). A pontuação final foi obtida a partir da soma dos itens, variando entre 0 e 21 pontos, em que quanto maior o escore, maior a crença de autoeficácia. Na presente investigação, a escala apresentou alfa de Cronbach equivalente a 0,89.
Aplicou-se a Escala de Autoestima de Rosenberg (EAR; Rosenberg, 1965), adaptada para o Brasil por Hutz (2000). O instrumento apresenta 10 itens dispostos em uma escala tipo Likert (1 a 4). O escore total varia entre 10 e 40 pontos, sendo que quanto maior a pontuação, maior a percepção de autoestima do participante. Nesta amostra, a EAR obteve alfa de Cronbach de 0,81.
Por fim, aplicou-se a Generalized Anxiety Disorder 7-item Scale (GAD-7; Spitzer et al., 2006). O instrumento tem sete itens, dispostos em quatro pontos em uma escala tipo Likert (0 a 3), com pontuação que varia de 0 a 21. Suas questões medem a frequência de sinais e sintomas de transtorno de ansiedade generalizada (TAG) nas últimas duas semanas (Spitzer et al., 2006). A versão utilizada neste estudo foi traduzida para o português brasileiro por Moreno et al. (2016), com confiabilidade satisfatória no alfa de Cronbach de 0,92. Utiliza-se 10 como ponto de corte geral para a escala (Spitzer et al., 2006). O alfa de Cronbach encontrado neste estudo foi de 0,87, o que indica boa consistência interna.
Aspectos éticos e procedimentos
Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe. Os participantes foram abordados após prévia permissão dos professores responsáveis pelas turmas. Inicialmente, foram explicitados os objetivos e aspectos éticos do estudo. Os participantes maiores de 18 anos que aceitaram participar da pesquisa foram convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a fim de esclarecer o caráter confidencial de suas respostas e obter permissão para o uso científico das informações coletadas. O tempo médio de aplicação dos questionários foi de 25 minutos.
Análise de dados
O programa JASP (versão 0.17.0) foi utilizado para condução das análises. Foram efetuadas estatísticas exploratórias, com a substituição de casos perdidos e extremos (menos de 1% da amostra total) pela média, bem como análise dos coeficientes de assimetria e achatamento para avaliação da normalidade das distribuições. A análise dos dados consistiu em dois passos, primeiro a verificação de pressupostos para o desenvolvimento da análise de mediação e, depois, sua execução.
Na análise de mediação, a variável mediadora deve ter relação causal com as variáveis preditora e desfecho (Agler & De Boeck, 2017). Para tal, foram realizados o teste de correlação de Pearson e múltiplas regressões lineares entre os escores das escalas EAGP, EAR e GAD-7, que representam as variáveis autoeficácia, autoestima e ansiedade, respectivamente. Em seguida, foram feitas as análises de mediação em dois modelos. No primeiro, foi verificado o papel da autoeficácia como mediadora da relação entre a autoestima e a ansiedade. No segundo, verificou-se o papel mediador da autoestima na relação entre autoeficácia e ansiedade. Todas as estimativas na análise de mediação foram estimadas por meio do método Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS) (DiStefano & Morgan, 2014). O nível de significância estatística adotado para análise dos pesos de regressão nos modelos foi de p-valor (p) < 0,05.
RESULTADOS
Análise de pressupostos
Identificou-se correlação positiva entre autoestima e autoeficácia (R de Pearson [r] = 0,599; p < 0,001), correlação negativa entre autoeficácia e ansiedade (r = -0,356; p < 0,001) e correlação negativa entre autoestima e ansiedade (r = -0,530; p < 0,001). Assim, a possibilidade de uma relação de causalidade foi reforçada, faltando apenas verificar a direção do relacionamento entre as variáveis. Em seguida, conduziram-se quatro modelos de regressão linear. O primeiro apontou capacidade preditora da autoeficácia sobre a ansiedade [R (187,1) = 0,356, F = 27,166, p < 0,001)] e o seu impacto (β = -0,356, t = -5,212, p < 0,001). O segundo modelo revelou a capacidade preditora da autoestima sobre a ansiedade [R (187,1) = 0,530, F = 73,137, p < 0,001] e o seu impacto (β = -0,527, t = -8,552, p < 0,001). O terceiro modelo apontou a relação entre autoestima e autoeficácia [R (187,1) = 0,599, F = 104,834, p < 0,001] e a capacidade preditiva de uma sobre a outra (β = 0,599, t = -10,239, p < 0,001). O quarto modelo de regressão linear [R (186,2) = 0,532, F = 36,787, p < 0,001] revelou que o efeito preditivo da autoeficácia sobre a ansiedade desaparece (β = -0,060, t = -0,772, p = 0,441) quando controlado o efeito da autoestima (β = -0,494, t = -6,376, p < 0,001). No presente modelo, portanto, a ausência de significância do efeito aponta para a primazia da variável autoestima sobre a autoeficácia na relação com a ansiedade.
Análise de mediação
Para a análise de mediação foram propostos dois modelos (Figura 1). No primeiro, a autoestima foi preditora da ansiedade, tanto no efeito direto (c = 0,530; p < 0,001) quanto no efeito total (c’ = 0,494; p < 0,001), cabendo dizer que a autoeficácia não teve papel mediador (β = -0,036; p = 0,498). Em outras palavras, não foi possível identificar efeito mediador da variável autoeficácia na relação da autoestima com a ansiedade, apesar de nas análises dos pressupostos metodológicos ter existido efeito preditivo. O segundo modelo trouxe a autoestima como mediadora (β = -0,296; p < 0,001) e reforçou-se a hipótese da primazia da autoestima na relação das variáveis com a ansiedade, pois a autoeficácia apresentou apenas efeito total significativo (c’ = -0,356; p < 0,001), o efeito direto (c = -0,06; p = 0,491) revelou uma mediação completa da autoestima na relação. Ou seja, toda a variância explicada (R2 = 0,359) da autoeficácia sobre a ansiedade foi satisfeita pela autoestima. Em suma, as variáveis têm valor preditivo sobre a ansiedade quando testadas separadamente, mas no modelo de mediação, o papel da autoeficácia desaparece.
Modelos de mediação utilizados
Notas. O modelo 1 traz os coeficientes de regressão para a relação entre autoestima e autoeficácia mediadas pela autoeficácia. O modelo 2 traz os coeficientes de regressão para a relação entre autoeficácia e ansiedade mediadas pela autoestima.
a Efeito da variável preditora sobre a variável mediadora, representando o coeficiente de regressão entre as variáveis.
b Efeito da variável mediadora sobre a variável desfecho, representando o coeficiente de regressão entre as variáveis; compõe o efeito indireto, que corresponde ao efeito da variável preditora sobre o desfecho por meio da mediadora. c’ Efeito direto da variável preditora sobre a variável desfecho, correspondendo ao efeito da variável preditora sem a mediadora.
c Efeito total da variável preditora sobre a variável desfecho, correspondendo ao agregado entre os efeitos direto e indireto.
* p < 0,001
DISCUSSÃO
A presente pesquisa teve como objetivo examinar o papel mediador da autoeficácia e da autoestima na ansiedade. Os resultados indicaram que a autoestima tem primazia sobre a autoeficácia na relação com a ansiedade. Neste estudo, o efeito da autoeficácia sobre a ansiedade foi suprimido pela autoestima. A literatura corrobora os achados desta pesquisa tanto no exame dos pressupostos para análise de mediação quanto na correlação entre os construtos (Kevin et al., 2020; Nunes & Faro, 2021; Rippon et al., 2022) e na capacidade de predição deles sobre a ansiedade (Holas et al., 2023; von der Embse et al., 2018). Além disso, foi identificado que a autoestima, de modo isolado da autoeficácia, consegue explicar a variabilidade do escore de ansiedade.
Neste trabalho, a autoeficácia não teve efeito mediador na relação da autoestima com a ansiedade. Conceitualmente, a autoeficácia consiste em crenças que refletem a habilidade de exercer controle sobre a motivação, o comportamento e o ambiente, sendo fator para o enfrentamento de situações estressoras. As crenças de autoeficácia têm papel crítico em como os indivíduos respondem e percebem as situações, as crenças sobre controle e as próprias habilidades de enfrentamento em situações estressoras interagem com o processo de resposta emocional dos quadros de ansiedade (Bandura, 1994, 1997). No entanto, apesar das evidências quanto a relação entre o construto e a ansiedade (Green, 2022; Mo et al., 2021; Morales-Rodríguez & Pérez-Mármol, 2019), as crenças que compõem a autoeficácia, mas que não estão atreladas à autoestima, não foram responsáveis por mudanças no quadro ansioso. Uma hipótese para esse achado é a de que a autoeficácia perdeu seu impacto em relação ao modelo ajustado, uma vez que o efeito que exercia sobre a variável desfecho (ansiedade) pode estar sendo explicado pela outra variável já incluída no modelo (autoestima). Isso acontece porque as variáveis estão interconectadas e seus efeitos são interdependentes, uma vez que as crenças que compõem a autoestima englobam as crenças que compõem a autoeficácia. Assim, a autoestima abarca a totalidade das crenças que causam efeito na ansiedade, incluindo também as de autoeficácia.
Com o modelo testado nesta pesquisa, as crenças que compõem a autoestima foram suficientes para explicar mudanças no quadro ansioso. A autoestima é um componente do autoconceito - a totalidade de pensamentos e sentimentos sobre si -, tal qual a autoeficácia, (Maddux & Gosselin, 2012; Orth & Robins, 2019; Rosenberg, 1965) e sofre efeito das respostas emocionais derivadas dos processos de avaliação cognitiva (ansiedade) (Kolubinski et al., 2018). Neste estudo, foi identificada a relevância do conceito global de valor interno para o quadro de ansiedade, alinhado com a literatura do tema (Green, 2022; Holas et al., 2023; Mammarella et al., 2018; Murad, 2020). Isso mostra que a autoestima parece ser um construto com valor explicativo para comportamentos mal-adaptativos associados com respostas emocionais como a ansiedade. A avaliação de uma situação como ameaçadora produz afeto de medo e motivação para proteção, e um comportamento de resposta é evitar ou escapar da situação. Quando o comportamento de evitar ocorre, o indivíduo é recompensado, momentaneamente, pela manutenção da autoestima com a esquiva. No caso de exagero na avaliação de ameaça, o grau de alívio (ou seja, a recompensa da manutenção da autoestima) é maior, o que é visto, por exemplo, em indivíduos com transtornos de ansiedade social (Brittany & Beck, 2021).
A avaliação cognitiva tem papel no desenvolvimento de ansiedade. A teoria da avaliação cognitiva sugere que a maneira como os indivíduos avaliam ou interpretam uma situação pode impactar suas respostas emocionais e comportamentais. Ou seja, as pessoas fazem uma avaliação primária para verificar a relevância, ameaça e consolabilidade da situação, seguida de uma avaliação secundária para classificar sua capacidade de lidar com ela (Folkman et al., 1986; Beck & Haigh, 2014). A autoestima e a autoeficácia desempenham um papel importante nesse processo de avaliação, uma vez que influenciam as crenças dos indivíduos sobre seu autoconceito e sua capacidade de lidar com desafios (Clark & Beck, 2012; Folkman et al., 1986). A depender de como percebem o nível de ameaça dos estímulos ambientais (ou seja, avaliação primária), será feita a adequação dos recursos de enfrentamento (ou seja, avaliação secundária), afetando, consequentemente, o bem-estar dos indivíduos (Lazarus & Folkman, 1984).
Cabe destacar algumas recomendações. Por ter sido uma coleta de dados ocorrida na primeira metade de 2019, o estudo não contemplou variáveis relacionadas à covid-19, em virtude de ser anterior ao período pandêmico. Logo, os valores das variáveis identificados neste estudo podem divergir devido ao impacto do período pandêmico, caracterizado por uma alta nos níveis gerais de ansiedade (Delphino et al., 2022). Quanto à relação da autoestima com a ansiedade na proposta da teoria cognitiva de Brittany & Beck (2021), os esquemas iniciavam o processamento das experiências e seguiam o caminho da cognição → afeto + motivação → comportamento. No modelo atual, um subconjunto de cognições sobre mudanças na autoestima afeta a resposta emocional, a motivação e os comportamentos subsequentes (Brittany & Beck, 2021). Então, dependendo da extensão na qual a autoestima é alterada, os comportamentos rotineiros podem se tornar mal-adaptativos. Assim, os achados deste estudo parecem estar alinhados com a literatura quanto ao papel da autoestima na ansiedade. De qualquer forma, entende-se que novas pesquisas são essenciais para integrar o conhecimento que vem se desenvolvendo acerca do papel desse construto na ansiedade.
Em resumo, os achados desta pesquisa indicam que as crenças de autoestima, ou seja, que o processo de avaliação primária de ameaça, têm capacidade elucidativa sobre a ansiedade. No caso da autoeficácia, o construto não exibiu efeito na ansiedade quando controlado o efeito da autoestima, ainda que seja composto por crenças que compõem o self e seja capaz de produzir efeito no processo de avaliação cognitiva, quando avaliado isoladamente. Logo, estes achados parecem apontar para uma dominância do processo de avaliação de uma situação como ameaçadora - avaliação primária -, sobre a capacidade de enfrentamento da situação - avaliação secundária - no quadro ansioso.