INTRODUÇÃO
A terapia cognitiva, comumente conhecida como terapia cognitivo-comportamental (TCC), pode ser compreendida como “uma abordagem psicoterapêutica ativa, focada no problema e sensível ao tempo, que se concentra na mudança cognitiva e de comportamento e aceitação” (Wenzel, 2021, p. 16). A TCC foi desenvolvida por Aaron T. Beck (ATB), no início da década de 1960, a partir da formulação de um sistema teórico que foi avaliado e refinado ao longo do tempo, com a eficácia de um conjunto de técnicas e intervenções terapêuticas para o tratamento de transtornos mentais também sendo testada (Beck, 2021).
Inicialmente, a teoria e a terapia cognitiva foram desenvolvidas para depressão, sendo, posteriormente, aplicadas de modo sistemático para diversas condições psicopatológicas, como suicídio, transtornos de ansiedade, transtornos da personalidade, abuso de substâncias (Beck & Dozois, 2014) e, nos últimos anos, esquizofrenia (Beck et al., 2020). Portanto, a TCC tem se concretizado como uma das abordagens teórico-práticas mais utilizadas para o tratamento de um extenso conjunto de transtornos psiquiátricos, problemas psicológicos e condições clínicas que contenham elementos psicológicos (Beck, 2021; Hofmann, 2021), tornando-se referência nos campos de psicologia, psiquiatria, medicina, serviço social, enfermagem, entre outras áreas da saúde que preconizam a prática baseada em evidências (Beck & Dozois, 2011).
Em 2012, foi conduzida uma revisão abrangente de metanálises (Hofmann et al., 2012) que relatou a eficácia da TCC para a maioria das condições psicopatológicas. Recentemente, Fordham et al. (2021) examinaram a consistência do efeito da TCC em diferentes condições, populações e contextos. Os dados revelaram que a TCC, além de ter eficácia expressiva, resulta em melhorias na qualidade de vida de pessoas que são portadoras dos mais variados problemas físicos e mentais por um período superior a 12 meses após a finalização do tratamento, independentemente do formato empregado, seja TCC de alta ou de baixa intensidade. Ademais, há achados suficientes que indicam efeitos positivos quando o público-alvo são adultos ou crianças. Entretanto, há poucas evidências disponíveis quando se trata de crianças com menos de 6 anos de idade e de idosos a partir dos 65 anos de idade. Também não existem evidências significativas sobre se a etnia dos indivíduos ou o país onde residem moderam a eficácia da TCC, pois poucos estudos foram realizados em países da África, da Ásia ou da América do Sul, por exemplo (Fordham et al., 2021).
Apesar dos dados confiáveis e estimuladores no que se refere à eficácia da TCC, inconsistências e lacunas foram identificadas na teoria cognitiva, o que revelou a necessidade de reformulações ou maior detalhamento no que diz respeito aos conceitos e modelos existentes (Beck, 1996; Beck & Haigh, 2014). Um exemplo de avanço teórico e que repercutiu na prática dos terapeutas foi a elaboração da teoria dos modos (TM) (Beck, 1996). Segundo Beck et al. (2020), a concepção de modo é existente desde quando ATB trabalhava com pacientes com depressão na década de 1960. O autor verificou não somente uma alternância da presença de comportamentos distintos em indivíduos durante e após o episódio depressivo, mas também mudanças cognitivas. Os pacientes, quando não estavam deprimidos, não apresentavam crenças desadaptativas comumente presentes quando o quadro psicopatológico estava instalado, como “A vida não tem esperança” ou “Nada disso vai melhorar”. Contudo, as cognições ressurgiram na presença de sintomas depressivos. Similarmente, tal processo foi identificado em pessoas que sofriam de ansiedade social. A presença de ansiedade era dependente da situação, que poderia envolver ou não a possível avaliação dos pacientes por outra(s) pessoa(s), ou seja, um modo ansioso era ativado por estímulos coerentes a ele, o que implicaria a possibilidade de sentirem ansiedade (Beck et al., 2020).
Entretanto, devido à limitação de o modelo cognitivo linear original enfatizar a função dos esquemas cognitivos como ativadores das reações emocionais, motivacionais e comportamentais nos indivíduos, o fornecimento de explicações acerca dos fenômenos psicopatológicos ou não da personalidade foi imprescindível (Beck, 1996; Beck & Haigh, 2014). Consequentemente, na década de 1990, uma teoria preliminar da TM (Beck, 1996) foi desenvolvida para explicar, entre outros aspectos: a) os variados sintomas associados aos transtornos psicopatológicos; b) a organização esquemática relacionada às reações psicológicas intensas; c) uma vulnerabilidade de certos indivíduos a estímulos específicos que são congruentes com determinados transtornos mentais; d) reações psicológicas “normais”; e) a relação entre função, estrutura e conteúdo da personalidade; f) a remissão dos sintomas; g) o processamento das informações; e h) a influência dos aspectos socioculturais nas cognições.
Inicialmente, Beck (1996) propôs que as mudanças significativas no funcionamento dos pacientes deviam-se à ativação ou desativação dos modos, acarretando uma série de reações existentes, com influências mútuas. Portanto, os modos foram definidos como suborganizações dentro da personalidade para lidar com demandas específicas, sendo integrados por uma teia de componentes cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais. Além desses elementos, o esquema orientativo, que atribui um significado inicial aos estímulos ambientais, e o sistema fisiológico estão associados ao processo de ativação do modo (Beck, 1996). Nesse sentido, pode-se dizer também que o modo é uma rede de conteúdos interconectada em uma lógica idiossincrática.
Apesar da significativa contribuição da descrição pormenorizada e inicial da TM (Beck, 1996), aperfeiçoamentos foram realizados, como o detalhamento do modelo cognitivo da depressão (Clark & Beck, 1999) e a descrição do modelo cognitivo genérico ou geral (Beck & Haigh, 2014). Ademais, o uso da TM na literatura para pormenorizar os modos depressivo (Beck, 2008) e ansioso (Clark & Beck, 2010) tem relevância quanto aos aspectos teóricos e às aplicações clínicas. As referidas produções indicam que, ao longo dos anos, a expansão da TM proporcionou a atualização do modelo cognitivo da TCC, aumentando a compreensão e as inovações no continuum entre adaptação e desadaptação, processamento de informações, mecanismos da ativação dos esquemas, entre outros.
Embora a TM tenha avançado, ainda são escassos os trabalhos que fazem referência à teoria, seja propondo melhorias, seja utilizando-a para melhor entendimento do funcionamento adaptativo e desadaptativo dos indivíduos com condições psicopatológicas ou não (Beck et al., 2020). Apesar de não haver dados concretos, supõe-se que a maioria dos tratamentos de pessoas com transtornos mentais ou com condições relevantes para a TCC ainda utiliza como referencial teórico unicamente o modelo cognitivo linear original, baseado em pensamentos automáticos, emoções, comportamentos e no sistema de crenças centrais e intermediárias, sem considerar outros aspectos essenciais, como os relacionados ao processamento de informações, aos fatores socioculturais, à memória e à funcionalidade adaptativa do indivíduo (Beck, 1996; Beck et al., 2020; Beck & Haigh, 2014). Cabe ressaltar, ainda, que as revisões dos modelos cognitivos não são mutuamente excludentes, sendo possível afirmar que o modelo cognitivo linear original está contido no modelo modal (Rudd, 2000).
Uma importante diferenciação a ser feita e que geralmente é debatida na literatura são os conceitos de modo para a TCC e para a terapia do esquema (Beck et al., 2020). Distintivamente, a segunda abordagem terapêutica (Arntz et al., 2021) define o modo, comumente denominado modo esquemático, como o estado emocional-cognitivo-comportamental do indivíduo em um determinado momento, sendo produto das respostas de enfrentamento aos esquemas iniciais desadaptativos. Esse construto é compreendido como representações mentais disfuncionais que têm sua origem na infância e que são fruto da relação entre o temperamento infantil e os aspectos contextuais adversos aos quais a criança foi submetida (Arntz et al., 2021).
Recentemente, a TM tem ganhado destaque na TCC por ser significativamente relevante para a condução da terapia cognitiva orientada para a recuperação (CT-R), desenvolvida para pacientes diagnosticados com esquizofrenia e condições psicopatológicas graves (Beck et al., 2020). Resumidamente, o foco dessa modalidade terapêutica é não somente desativar os modos desadaptativos do paciente, mas também promover a ativação e a manutenção dos modos adaptativos. A CT-R envolve uma abordagem humanista do tratamento, com busca de interesses, habilidades e potencialidades dos indivíduos a fim de reforçá-las e de construir experiências enriquecedoras e motivadoras (Beck, Grant, et al., 2021). Portanto, investigações têm contribuído para evidenciar a efetividade da nova modalidade terapêutica, como na redução de crenças derrotistas, no maior relato de autoconceito positivo e na melhoria do humor em pacientes portadores de esquizofrenia (Grant et al., 2018), além da diminuição dos sintomas positivos e negativos (Grant et al., 2017).
Em decorrência de ser considerada uma das principais atualizações do modelo cognitivo, supõe-se que a aplicação da CT-R tem implicações importantes para o futuro da teoria e da terapia cognitivas, por possibilitar o refinamento do tratamento de populações com psicopatologias específicas, o aumento da ênfase nos modos adaptativos dos indivíduos (e não apenas nos desadaptativos) e o investimento em uma conceitualização cognitiva transdiagnóstica que aborda diferentes populações (Beck et al., 2020). Consequentemente, o mapeamento e a análise da utilização da TM no campo da TCC demonstram ter relevância para uma das práticas clínicas de maior evidência na atualidade. Portanto, o objetivo deste artigo de revisão foi identificar, mapear, sintetizar e relatar de forma abrangente a literatura relevante disponível sobre a TM relacionada ao modelo cognitivo de Beck e responder à questão “Qual o uso que as literaturas nacional e internacional no campo da terapia cognitivo-comportamental têm feito da teoria dos modos?”. Especificamente, pretende-se responder às seguintes subquestões: Quais as evidências empíricas disponíveis acerca da TM? Qual a sintetização do modelo cognitivo que inclui a TM? Quais as possíveis lacunas de conhecimento existentes para a realização de pesquisas futuras acerca da TM?
MÉTODO
Tipo de estudo
A fim de alcançar o objetivo mencionado, foi efetuada uma revisão de escopo. Trata-se de uma abordagem que mapeia sistematicamente uma temática na literatura ao identificar conceitos fundamentais, teorias, fontes de evidências e lacunas no campo de pesquisa (Peters, Marnie, et al., 2020). Devido ao seu caráter exploratório e descritivo, o estudo de escopo é indicado para ser precursor de uma revisão sistemática, para sintetizar as evidências disponíveis em um determinado campo, para localizar e analisar lacunas na área de pesquisa, para elucidar os principais conceitos existentes e os aspectos a eles relacionados e para examinar a condução das pesquisas (Peters, Marnie, et al., 2020). Desse modo, foi utilizada a estrutura metodológica de revisão de escopo do Joanna Briggs Institute - JBI (Peters, Marnie, et al., 2020), de acordo com as seguintes etapas: 1) definição e alinhamento do(s) objetivo(s) e da(s) pergunta(s); 2) desenvolvimento e alinhamento dos critérios de inclusão com o(s) objetivo(s) e a(s) questão(ões); 3) descrição da abordagem planejada para busca de evidências, seleção, extração de dados e apresentação das evidências; 4) procura pelas evidências; 5) seleção das evidências; 6) extração das evidências; 7) análise das evidências; 8) apresentação dos resultados; e 9) resumo das evidências em relação ao propósito da revisão, tirando conclusões e observando quaisquer implicações das descobertas. Ademais, a presente investigação foi conduzida conforme o checklist Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) (Tricco et al., 2018). Ressalta-se que não foi publicado o protocolo da presente revisão e que esta pesquisa contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Estratégias de busca: bancos de dados e critérios de inclusão e exclusão
A partir da pergunta norteadora “Qual o uso que as literaturas nacional e internacional no campo da terapia cognitivo-comportamental têm feito da teoria dos modos?”, o processo de seleção e categorização das produções foi realizado por dois revisores independentes e, no caso de divergências, chegou-se a um consenso sobre a consulta e análise de uma juíza especialista na área. Contudo, não houve divergências e a avaliação da juíza não se fez necessária. O levantamento bibliográfico foi efetuado entre 18 de fevereiro e 15 de março de 2021, por meio da seleção de artigos, capítulos, livros, dissertações ou teses publicadas em inglês ou português nas bases de dados eletrônicas Scielo, PubMed, Scopus e PsychINFO. A escolha das bases teve como princípio a relação do tema da revisão com os conteúdos indexados, além do fato de as bases serem compostas por estudos internacionais e nacionais. Ademais, não houve limite de período de publicação, a fim de alcançar a amplitude da TM no campo da TCC. A partir da expertise de dois revisores especialistas na temática e de consultas a produções publicadas sobre o assunto, foram definidos termos de pesquisa e utilizadas as seguintes combinações de descritores e operadores booleanos para todas as bases de dados eletrônicas: 1) (teoria dos modos OR modos OR modo) AND (terapia cognitivo comportamental OR tcc OR terapia cognitiva) AND (beck OR aaron t. beck); e 2) (theory of modes OR modes OR mode) AND (cognitive behavior therapy OR cbt OR cognitive therapy) AND (beck OR aaron t. beck).
Inicialmente, foi realizada uma busca livre, sem filtros, nas bases selecionadas, por meio dos descritores mencionados, sendo identificadas 1.437 produções. Com base nesse levantamento, foi realizada uma triagem a partir da leitura dos títulos, dos resumos e das palavras-chave, com a utilização dos seguintes critérios de inclusão: 1) literatura diretamente relacionada ou que se referia ao conceito de modos de ATB; e 2) foco ou menção à terapia cognitivo-comportamental. No total, foram triados previamente 53 textos. Então, realizou-se uma nova triagem, a partir da leitura na íntegra de todos os textos, sendo descartados aqueles que não estavam em inglês ou em português, que eram duplicados e que não abordavam o construto de modo no contexto da abordagem da TCC. Nessa etapa, 16 documentos foram elegíveis. Por fim, foi efetuado mais um refinamento, com a exclusão dos textos que não contemplavam a temática da presente revisão, ou seja, que não mencionavam a TM e discutiam parcial ou totalmente acerca do modo. Portanto, 11 estudos foram incluídos para análise final nesta revisão de escopo. Todo o processo de seleção foi resumido em um fluxograma (ver Figura 1).
Extração de dados
Os dados foram extraídos e inseridos em uma tabela para caracterizar as produções incluídas na revisão, de acordo com as seguintes informações: identificação e características dos textos (título, ano, fonte, periódico, idioma, país de estudo, autores, objetivo(s) e abordagem metodológica) e principais resultados e/ou contribuições para a TM.
Análise de dados
Para interpretação e síntese dos resultados, os dados extraídos foram classificados em categorias. A divisão foi unicamente didática, com a finalidade de propiciar uma análise descritiva e proporcionar a discussão das associações realizadas com a literatura específica da área de estudo, além de possibilitar uma visão crítica dos achados, destacando pontos fortes, limitações e sugestões para investigações futuras.
RESULTADOS
Características dos estudos
Os 11 estudos incluídos na revisão de escopo foram publicados entre 1996 e 2021, em inglês, e foram produzidos ou realizados nos Estados Unidos (n = 9), no Reino Unido (n = 1) e em Portugal (n = 1). O formato das produções foi variado, incluindo artigos (n = 7), livros completos (n = 2) e capítulos de livros (n = 2). Especificamente no que se refere à modalidade dos artigos, foram identificados: artigos teóricos (n = 4), com dois estudos que apresentaram e discutiram casos de pacientes para demonstrar a aplicação clínica da teoria; artigos originais (n = 2), sendo um com abordagem qualitativa (n. 7) e outro com abordagem quantitativa (n. 8); e um artigo de revisão (n = 1). Ademais, a maioria dos estudos (n = 7) tem ATB como um dos autores. Na Tabela 1 estão apresentadas a relação e as características dos estudos que integram o corpus da presente revisão. A enumeração foi em ordem decrescente com base no ano de publicação.
Nº | Autoria (Ano) | Idioma/País | Formato | Base de dados | Dados relevantes sobre artigos empíricos | |||
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Método | Delineamento | População estudada | ||||||
1 | Beck, Grant, Inverso, Brinen e Perivoliotis (2021) |
Inglês/EUA | Livro | PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Estudo teórico de apresentação de abordagem terapêutica | |
2 | Beck, Finkel e Beck (2020) | Inglês/EUA | Artigo teórico com caso clínico |
PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Estudo teórico de apresentação de abordagem terapêutica | |
3 | Beck (2018) | Inglês/EUA | Capítulo de livro | PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Estudo teórico de apresentação de abordagem terapêutica | |
4 | Beck, Davis e Freeman (2015) | Inglês/EUA | Livro | PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Pessoas diagnosticadas com transtornos de personalidade | |
5 | Ghahramanlou- Holloway et al. (2015) |
Inglês/EUA | Artigo de revisão | Scopus | Qualitativo | Revisão de literatura | Estudos sobre tratamento de pacientes com ideação suicida |
|
6 | Beck e Haigh (2014) | Inglês/EUA | Artigo teórico com caso clínico |
PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Estudo teórico sobre avanços do modelo modal de Beck | |
7 | Moorey (2010) | Inglês/ Reino Unido | Artigo empírico | PsycInfo | Qualitativo | Estudo de caso | 22 pós-graduandos em TCC | |
8 | Nobre e Gouveia (2000) | Inglês/ Portugal | Artigo empírico | PsycInfo | Quantitativo | Estudo de casos e controles | 29 pessoas do sexo masculino com disfunção sexual e 102 sem disfunção sexual | |
9 | Rudd (2000) | Inglês/EUA | Artigo teórico | PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Apresentação teórica do modo suicida | |
10 | Beck e Clark (1997) | Inglês/EUA | Artigo teórico | PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Estudo teórico sobre modelo modal e ansiedade | |
11 | Beck (1996) | Inglês/EUA | Capítulo de livro | PsycInfo | Qualitativo | Estudo teórico | Apresentação do modelo modal |
A maioria dos estudos (n. 1, 3, 4, 5, 7, 8, 9, e 10) enfatizou os aspectos teóricos e clínicos de modos específicos não adaptativos, como os modos suicida (Ghahramanlou-Holloway et al., 2015; Rudd, 2000) e depressivo (Moorey, 2010). Entretanto, uma pequena parcela das produções (n. 2, 6 e 11) concentrou-se nos fundamentos da TM, ao pormenorizar a composição e o funcionamento do construto. Acrescenta-se que, dos três estudos publicados nos últimos 5 anos, somente um (n. 2) consistiu na atualização do modelo modal. No entanto, todos os três estudos (n. 1, 2 e 3) utilizaram a TM para o tratamento de indivíduos com problemas de saúde mental graves, principalmente a CT-R para portadores da esquizofrenia. Ademais, os achados revelaram a ausência de produções com enfoque central nos modos relacionados às condições não psicopatológicas. Na Tabela 2, é apresentada a síntese das principais contribuições dos estudos da revisão à TM.
Nº | Autoria (Ano) | Principais contribuições para a Teoria dos Modos |
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1 | Beck, Grant, Inverso, Brinen e Perivoliotis (2021) |
Descrição do acesso, energização, desenvolvimento, atualização e fortalecimento do modo adaptativo na Terapia Cognitiva Orientada para a Recuperação (CT-R) para indivíduos que sofrem com problemas graves de saúde mental. |
2 | Beck, Finkel e Beck (2020) | Definição, descrição da estrutura, processo de ativação, adaptação e a desadaptação dos modos, bem como a relação destes com a psicopatologia, principalmente no que diz respeito aos mecanismos responsáveis pela ativação e mudança dos componentes da personalidade na esquizofrenia. Além disso, aborda em como a Teoria dos Modos fornece uma base para uma nova psicoterapia para esquizofrenia e outros transtornos mentais. |
3 | Beck (2018) | Importância do uso de intervenções terapêuticas para a promoção do deslocamento do modo regressivo para o modo adaptativo em pacientes portadores de esquizofrenia. Ademais, descreve a aplicação clínica para a manutenção da ativação do modo adaptativo por meio de uma progressão de tarefas comportamentais direcionadas aos objetivos individuais do paciente. |
4 | Beck, Davis e Freeman (2015) | Ênfase na importância do modo para se compreender que as respostas dos indivíduos (p. ex., subjetivas, cognitivas, comportamentais, psicológicas) são fortemente inter-relacionadas, formando uma estrutura psicológica interativa multidimensional. Ademais, a compreensão do processo de ativação dos modos dá base para a Terapia Cognitiva dos Transtornos da Personalidade. |
5 | Ghahramanlou- -Holloway et al. (2015) |
Com base na conceituação da ativação do modo suicida, são indicadas estratégias cognitivas e comportamentais a serem empregadas a fim da não recorrência de comportamentos suicidas. |
6 | Beck e Haigh (2014) | Expansão da Teoria dos Modos a partir da descrição do Modelo Cognitivo Genérico ou Geral. Especificamente, o modelo modal fornece substrato para episódios maníacos e de depressão endógena. Além disso, há uma caracterização do modo autoexpansivo e do autoprotetivo. |
7 | Moorey (2010) | Apresentação do modelo de manutenção da depressão com base na Teoria dos Modos. |
8 | Nobre e Gouveia (2000) | Caracterização da relação das dimensões sexuais cognitivas, afetivas, comportamentais e fisiológicas do modelo cognitivo da disfunção erétil com referencial da Teoria dos Modos. |
9 | Rudd (2000) | Descrição do modo suicida, incluindo seus componentes e aplicação clínica, com base na Teoria dos Modos e sua relação com a psicopatologia. |
10 | Beck e Clark (1997) | Caracterização do modelo de processamento de informações de ansiedade, envolvendo o papel do modo primário, de orientação e do metacognitivo. Além disso, destaca contribuições clínicas referentes à desativação e ativação dos modos. |
11 | Beck (1996) | Descrição da Teoria dos Modos, englobando definição, estrutura, ativação, especificidade dos modos, bem como aspectos da aplicação clínica na Terapia Cognitivo-comportamental. |
A seguir, são apresentados os resultados, alocando as produções em categorias com base nas semelhanças entre seus conteúdos. A classificação foi composta por: 1) definição e composição dos modos; 2) ativação e adaptabilidade dos modos; 3) especificidades dos modos; 4) intervenções direcionadas aos modos; e 5) agenda futura. Ressalta-se que alguns estudos foram incluídos em mais de um grupo.
Definição e composição dos modos
Oito trabalhos (n. 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9 e 11) mencionaram explicitamente o conceito de modos, e a maioria utilizou a produção de Beck (1996) para definição do termo. Verificou-se que a compreensão do construto modos quanto à cronologia dos textos não se modificou profundamente. O modo é delineado como uma suborganização (Beck, 1996, 2018; Beck et al., 2015; Rudd, 2000), uma construção interna (Beck et al., 2020) específica da personalidade ou uma maneira de agir ou fazer (Beck, John, et al., 2021) que tem como função a organização de respostas, quando ativado, para lidar com demandas específicas, desafios, oportunidades e obstáculos no ambiente e na cultura (Beck et al., 2015). Portanto, a função do modo é contextual, ele é sempre ancorado em uma cultura ou sociedade, e, assim, influenciado por esse contexto (Beck et al., 2020). Nessa direção, Beck et al. (2020) detalharam o papel do construto na adaptação dos indivíduos a uma determinada conjuntura. Os modos exercem uma função de equilíbrio entre os meios interno e externo das pessoas, e, em geral, tal processo ocorre naturalmente, como, por exemplo, no caso do surgimento de medo diante de um perigo real.
Ao se considerar a necessidade do indivíduo de responder a uma situação específica do meio, é necessária a presença de uma operação, de forma síncrona, de um conjunto de sistemas que integram os modos. Nove trabalhos (n. 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10 e 11) afirmaram que o modo é composto de uma rede integrada por componentes cognitivos, emocionais, comportamentais e motivacionais. Entretanto, somente sete (n. 2, 4, 6, 7, 8, 9 e 11) descrevem, integral ou parcialmente, de forma minuciosa, a estrutura do referido construto.
Comumente, o componente cognição é o primeiro a ser ativado ao realizar avaliações automáticas dentro de um contexto (Beck et al., 2020), ou seja, é responsável pelas funções que integram o processamento de informações e a atribuição de significados (Beck, 1996). As cognições formam estruturas complexas relativamente estáveis denominadas esquemas (Beck et al., 2015), com conteúdos intitulados crenças, que se referem às avaliações, regras, expectativas e suposições que exercem influência nas memórias e associações dos indivíduos (Beck & Haigh, 2014). Desse modo, as crenças têm efeitos sobre outras dimensões da personalidade, como: afeto, que contempla a experiência emocional subjetiva; motivação, que frequentemente ocorre de maneira automática e espontânea, além de ter origem nos esquemas principais do indivíduo e estar associada à ocorrência das respostas comportamentais posteriores; comportamento, que contempla a inibição ou a expressão comportamental, sendo que sua adaptabilidade pode não ser congruente com a motivação (Beck et al., 2020). Ademais, as respostas fisiológicas, juntamente com os componentes cognitivos, emocionais, comportamentais e motivacionais, funcionam de forma síncrona para a operação do modo (Beck et al., 2020) e são relevantes não somente pela influência direta no comportamento dos indivíduos, mas também devido à forma como os indivíduos as interpretam (Beck, 1996).
Ativação e funcionalidade dos modos
Todos os 11 trabalhos incluídos na revisão abordaram, direta ou indiretamente, a ativação do modo, que está associada ao processamento de informações (Beck & Haigh, 2014). Quatro estudos (n. 4, 6, 10 e 11) descrevem essa etapa detalhadamente. Além disso, verificou-se, na análise das produções que integram a revisão, uma variedade na nomenclatura envolvendo esse processo, que ocorre por meio de dois subsistemas que interagem mutuamente e são conduzidos pelos esquemas (Beck & Haigh, 2014). Inicialmente, estímulos externos e internos são processados e avaliados por protoesquemas, que exercem a função de monitorar, detectar, abstrair e categorizar os dados do ambiente externo e as experiências subjetivas que podem ser relevantes para o indivíduo, seja por envolver questões vitais, ganhos ou perdas pessoais, ameaças ou mesmo questões do dia a dia. Entende-se que os protoesquemas funcionam como uma “porta de entrada” para o processamento dos estímulos e podem ser considerados esquemas evolutivamente primitivos (Beck, 1996; Beck & Haigh, 2014). As ações dos protoesquemas ocorrem por meio do que foi denominado inicialmente de esquema orientativo (Beck, 1996), depois, de modo de orientação (Beck & Clark, 1997) e, por fim, de sistema de processamento automático (Beck & Haigh, 2014).
Nessa primeira etapa, os dados são processados de forma rápida, involuntária e, geralmente, não consciente, e categorizados com alta probabilidade de conter erros de significado (Beck & Haigh, 2014) e de ativar os sistemas afetivos, motivacionais e comportamentais (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020). Por exemplo, ao descreverem o modelo de processamento de informações da ansiedade, Beck e Clark (1997) afirmaram que o referido subsistema pode conter vieses no foco atencional, pois o indivíduo direciona sua atenção aos estímulos negativos ambientais, a fim de atribuir significados. Ademais, pessoas que realizaram diversas tentativas de suicídio orientam-se com maior frequência para situações, experiências e dados do meio que ativam o modo suicida, em comparação aos indivíduos não suicidas, devido ao seu esquema orientativo (Rudd, 2000).
A etapa final do processamento de informações ocorre pelo subsistema nomeado sistema de controle consciente ou metacognição (Beck, 1996), elaboração secundária ou modo metacognitivo (Beck & Clark, 1997), sistema de processamento reflexivo (Beck & Haigh, 2014) ou, mais recentemente, processamento reflexivo/superordenado (Beck et al., 2020). Ao funcionar sobreposto ao modo (Beck et al., 2020), seu papel é refinar ou corrigir o significado atribuído no primeiro subsistema automático (Beck & Haigh, 2014), ou seja, diante dos dados avaliados pelo processamento automático, ocorre uma nova análise, consciente e deliberada, durante a qual o indivíduo pode utilizar estratégias de resolução de problemas, tomada de decisão e raciocínio (Beck et al., 2020). Dessa forma, o processamento reflexivo/superordenado exerce uma função essencial para manter os modos adaptativos ativados ou para desativar ou reduzir os impactos da ativação dos modos desadaptativos, pois possibilita a ocorrência de restrição ou desinibição de reações comportamentais (Beck et al., 2020).
Contudo, verificou-se que, no decorrer do tempo, não houve atualização da primeira representação gráfica da ativação do modo apresentada por Beck (1996). Porém, dois estudos expuseram ilustrações adaptadas, ao descreverem o modelo cognitivo da disfunção erétil (Nobre & Gouveia, 2000) e o modo suicida (Rudd, 2000). Elaborado pelos autores da presente revisão, a fim de sintetizar os achados encontrados e facilitar a compreensão de tal processo, sugere-se, na Figura 2, um esquema de representação da estrutura de ativação do modo.
No que se refere à funcionalidade do modo, quando esse é disfuncional/distorcido ou, ainda, quando o processamento de informações contém tendenciosidades, pode gerar modos desadaptativos compostos, dentre outros elementos, por crenças rígidas ou distorcidas; elementos cognitivos enviesados, como interpretações, memória e atenção; e, por fim, repercussões nos outros sistemas, de acordo com o contexto, incluindo afeto demasiado ou inadequado e comportamentos disfuncionais (Beck & Haigh, 2014). Assim, apesar de existirem mais modos adaptativos do que não adaptativos nos indivíduos, os modos configuram-se como desadaptativos ou “latentes” quando estão excessivamente ativados ou hipertrofiados, ou seja, quando as pessoas se veem como fracas, incompetentes e incapazes, veem os outros como ameaçadores, que lhes rejeitam, e veem seu futuro como incerto e negativo, o que aumenta a probabilidade da presença de psicopatologias (Beck et al., 2015, Beck, Grant, et al., 2021).
Entretanto, o processamento reflexivo/superordenado pode funcionar como uma espécie de fator protetivo, pois pode inibir uma resposta desadaptativa ou reduzir a implementação de um modo específico, além de promover uma resposta funcional. O modo adaptativo é aquele em que toda a rede com as dimensões da personalidade do indivíduo (cognição, afeto, motivação e comportamento) está respondendo funcionalmente às necessidades internas e aos fatores externos, promovendo um equilíbrio entre os meios (Beck et al., 2020).
Em síntese, os conteúdos dos estudos incluídos nesta revisão sugerem que a personalidade é composta por um sistema de modos, integrados por componentes cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais (Beck et al., 2020), que irão influenciar no processamento dos estímulos ambientais até a formação de uma resposta (Beck et al., 2015). A ativação dos variados modos, incluindo a passagem de ativação de um modo para outro, dependerá, dentre outros fatores, de como os indivíduos interpretam os dados do contexto que lhe é imposto, bem como do seu foco atencional, possibilitando, portanto, a adaptação ou não às situações (Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020).
Especificidades dos modos
De modo geral, Beck (1996) define três categorias de modos: a) modos primitivos, com foco nas demandas relacionadas à evolução, como sobrevivência, proteção e segurança; b) modos construtivos, a fim de aumentar os recursos individuais; e c) modos menores, direcionados à realização das atividades cotidianas e cujo processo de ativação e desativação é controlado mais facilmente pelo indivíduo, completamente diferente nos quadros psicopatológicos.
Ademais, além da classificação quanto à funcionalidade do modo (modo adaptativo e desadaptativo), conforme discutido na subseção anterior, os estudos incluídos na revisão revelam que existe uma categorização dos modos no que se refere à psicopatologia, ou seja, pertencendo ao grupo mais amplo de modos desadaptativos. Assim, os variados modos psicopatológicos (Beck, 1996) podem ser considerados modos primitivos, como, por exemplo, depressivo, ansioso, suicida, pânico, fóbico específico e obsessivo-compulsivo, o que corresponde aos transtornos mentais ou problemas de saúde mental. Além disso, a classificação pode contemplar transtornos da personalidade, comportamentos compulsivos (uso de drogas, comer excessivo, anorexia e autolesões) e quadro psicótico. Três textos (Beck, 2018; Beck et al., 2020; Beck, John, et al., 2021) trataram especificamente sobre os modos relacionados à esquizofrenia, um (Beck et al., 2015) acerca dos modos nos transtornos da personalidade, um no que diz respeito ao modo depressivo (Moorey, 2010), um quanto ao modo associado à disfunção erétil (Nobre & Gouveia, 2000), um com relação ao modo ansioso (Beck & Clark, 1997) e dois referentes ao modo suicida (Ghahramanlou-Holloway et al., 2015; Rudd, 2000). Ao abordar o modo suicida, Rudd (2000) diferencia os modos suicidas dos modos não suicidas ou modos facilitadores, que são integrados por cognições, afetos e comportamentos que aumentam o risco da ativação do modo suicida, por incluírem comportamentos autodestrutivos, por exemplo. Ainda, o autor propõe mais uma categoria: os modos compensatórios, que abrangem condutas que diminuem a ocorrência de comportamentos associados ao risco de suicídio, bem como incluem crenças funcionais que são importantes para a realização de uma reestruturação de cognições desadaptativas pelos indivíduos. Beck e Haigh (2014) também descrevem dois tipos de modos relevantes para a compreensão de depressão endógena, mania, sintomas de ansiedade e paranoia: o modo autoexpansivo e o modo autoprotetivo. O modo autoexpansivo é uma rede direcionada ao aumento dos recursos pessoais ou do valor que o indivíduo atribui a si. Por sua vez, o modo autoprotetivo é constituído por uma rede orientada para a identificação de perigos e ameaças, bem como para seu enfrentamento.
Beck et al. (2015) resumem, de modo preciso, a relação entre a especificidade e a ativação dos modos nos processos psicopatológicos. Os autores apontam para o fato de que a forte ativação dos esquemas e modos disfuncionais está na essência dos transtornos mentais. Por exemplo, no quadro ansioso, o modo da ameaça fica ativado excessivamente; no quadro depressivo, o modo possui esquemas dominantes referentes a uma autodesvalorização do indivíduo; e, no quadro de pânico, o modo envolve componentes que se associam à iminência de uma catástrofe. Quanto aos modos nos transtornos da personalidade, Beck et al. (2015) afirmam que esses tendem a ser mais densos, estáveis e facilmente ativados, em comparação aos modos dos quadros mencionados anteriormente, e o que diferenciará cada transtorno da personalidade são as crenças e estratégias predominantes. Por exemplo, no modo narcisista, preponderam as crenças para alcançar maior status; no dependente, dominam conteúdos referentes à busca por alívio e vínculo; no obsessivo-compulsivo, a finalidade de conquistar maior controle sobre si mesmo e os outros.
Intervenções direcionadas aos modos
A maioria das produções incluídas na revisão abordou elementos de intervenções que consideram aspectos referentes à TM, exceto Nobre e Gouveia (2000), que enfatizaram o processo de elaboração do modelo cognitivo da disfunção erétil com base na TM. A seguir, são descritas as intervenções propostas pelos estudos da revisão que têm como foco todo o modo ou os componentes que o integram. Ressalta-se que, por não se tratar do escopo do presente artigo, não será detalhada a descrição das estratégias e técnicas.
Na primeira descrição detalhada da TM, Beck (1996) indicou três ações essenciais para o “tratamento” do modo desadaptativo: desativá-lo, modificar suas estruturas e conteúdo, e construir ou reforçar modos adaptativos a fim de neutralizá-lo. Para isso, além de estratégias de distração e de treinamento de habilidades, o autor enfatiza a modificação de crenças disfuncionais, principalmente as incondicionais categorizadas como centrais básicas. Por sua vez, Beck e Clark (1997) foram específicos ao proporem intervenções cognitivas e comportamentais para o tratamento de pacientes que sofrem de ansiedade a fim de desativar o modo de ameaça primitivo e fortalecer a ativação de modos de pensamentos mais construtivos e reflexivos. Contudo, os autores não pormenorizam quais técnicas e estratégias são indicadas, apenas citam a importância de reduzir os erros cognitivos associados aos quadros ansiosos e a técnica de exposição.
Ghahramanlou-Holloway et al. (2015) também propuseram intervenções para um único modo, o suicida. Para tanto, descreveram a terapia cognitiva pós-admissão, uma adaptação de um protocolo da TCC destinada à prevenção do suicídio em pacientes internados. O tratamento é composto por quatro fases: conceitualização de caso, aquisição de habilidades, prevenção de recaídas e pós-tratamento ambulatorial. Além das estratégias comuns a outros protocolos, como reestruturação cognitiva, de regulação emocional, de aquisição de habilidades (p. ex., resolução de problemas), a terapia cognitiva pós-admissão apresenta intervenções específicas para desativar o modo suicida e ativar modos adaptativos dos pacientes. Ademais, resumidamente, Rudd (2000) descreveu o tratamento direcionado aos pacientes suicidas. Apesar do destaque da reestruturação cognitiva no tratamento, o autor compreende que os indivíduos não podem realizá-la sem ativação do modo suicida com todos os seus componentes. Consequentemente, aspectos como o processo de ativação do referido modo e os aspectos emocionais, motivacionais e comportamentais que o integram são fundamentais para que ocorram mudanças significativas e prolongadas na personalidade dos pacientes. Portanto, a ocorrência das crises suicidas deve ser esperada pelos terapeutas, pois é uma etapa importante do tratamento para que ocorram alterações nos conteúdos, redução dos estímulos que funcionam como gatilhos e limiar de ativação do modo suicida. Rudd (2000) enfatiza que, no início do tratamento, concentrar o trabalho nos modos facilitadores e no desenvolvimento e refinamento dos compensatórios (ver definições na subseção “Especificidades dos modos”) não contribui para a melhora dos pacientes, pois os referidos modos não estão na essência do suicídio.
Já Moorey (2010), ao abordar os ciclos de manutenção da depressão, indicou que o modelo proposto com base na TM é útil para a primeira fase do tratamento. Ou seja, o modo desenvolvido deve ser utilizado no processo da conceitualização do caso, tanto para sessões iniciais, a fim de que os pacientes tenham uma visão geral dos fatores que mantêm ativado o modo depressivo e recebam psicoeducação sobre o modelo cognitivo, quanto para especificar os componentes modais referentes aos indivíduos. Aos benefícios do uso dos ciclos de manutenção da depressão, acrescenta-se a elucidação para os pacientes de que a presença de sintomas depressivos se deve ao quadro psicopatológico, e não aos aspectos pessoais dos pacientes, bem como o auxílio na definição dos objetivos do tratamento.
No que se refere ao tratamento dos indivíduos com transtorno da personalidade, Beck et al. (2015) enfatizaram que os objetivos principais são diminuir a valência dos modos desadaptativos e possibilitar a intensificação e maior disponibilidade dos adaptativos, seja pela modificação dos esquemas disfuncionais, seja pelo desenvolvimento dos funcionais, respectivamente. Ademais, Beck et al. (2015) evidenciaram o papel das intervenções cognitivas como principais provocadoras das mudanças almejadas; contudo, ressaltam que, comumente, é essencial a utilização mais duradoura de uma diversidade de estratégias com foco na reestruturação das cognições dos pacientes com transtornos da personalidade. Apesar de haver especificidades na seleção de intervenções de acordo com cada transtorno da personalidade, em geral, a intervenção para esse grupo clínico é composta por técnicas e estratégias cognitivas (p. ex., rotulação de inferências imprecisas ou distorções, exame de possíveis explicações para o comportamento das pessoas, análise das informações nos diários de esquemas e definição de ideias ou construtos relevantes ao autoconceito ou à atual situação do paciente), comportamentais (p. ex., registro e programação de atividades, ensaio comportamental, modelação, treinamento de assertividade, técnicas de redirecionamento comportamental, análise da cadeia comportamental, tarefas graduadas, controle de estímulos e manejo de contingências) e experienciais (p. ex., role-play, recordar experiências e revisar a infância, imagens mentais, exercícios tranquilizantes e expressivos, clarificação de valores e exercícios com base na atenção).
Apesar da existência dos protocolos tradicionais de TCC para transtornos mentais específicos (Beck & Haigh, 2014), há uma unicidade de método para a ocorrência de desativação do modo desadaptativo e ativação do adaptativo, para casos psicopatológicos ou não, conforme descrito por Beck et al. (2020). Similarmente a Beck et al. (2015), Beck e Haigh (2014) elencaram uma série de intervenções de acordo com os componentes do modelo cognitivo geral. A seleção inclui intervenções cognitivas (p. ex., psicoeducação e reestruturação cognitiva), comportamentais (registro e monitoramento das atividades, identificação, engajamento em comportamentos pró-sociais e em atividades significativas ou prazerosas, relaxamento, distração, uso de comportamentos competitivos de neutralização, tarefas de exposição graduais e ensaios comportamentais) e de foco atencional (p. ex., revisão minuciosa dos registros, experimentos comportamentais e práticas de atenção plena) (Beck & Haigh, 2014).
Beck et al. (2021), Beck et al. (2020) e Beck (2018) propõem intervenções modais que integram a CT-R para pacientes com esquizofrenia, e Beck, Grant, et al. (2021) e Beck et al. (2020), para indivíduos com condições psicopatológicas graves, como casos com sintomas negativos, delírios, alucinações, desafios de comunicação, trauma, automutilação, comportamento agressivo e uso de drogas, por exemplo.
A CT-R, que tem influência de alguns aspectos dentro da abordagem cognitivo-comportamental, como o fato de ser transdiagnóstica, é baseada nas potencialidades dos pacientes e focada na construção de uma vida significativa por meio dos valores (Beck, Grant, et al., 2021; Beck et al., 2020), e pressupõe conceitualização de caso, aprendizagem por meios experienciais, fortalecimento de crenças e ações positivas, e tem ênfase em uma boa relação terapêutica. O conceito de recuperação da CT-R engloba a recuperação de interesses, capacidades e aspirações, a habilidade de resolução de problemas e comunicação efetiva, e resiliência (Beck, Grant, et al., 2021). Os componentes essenciais do tratamento consistem em acessar e ativar o modo adaptativo do paciente, incentivando seu desenvolvimento e manutenção, e trabalhando no fortalecimento do modo para a construção da resiliência, bem como para reduzir a força do modo desadaptativo (Beck, Grant, et al., 2021; Beck et al., 2020; Beck, 2018).
Ao focar a ativação e a manutenção do modo adaptativo, a CT-R (Beck, Grant, et al., 2021) tem quatro objetivos essenciais: 1) acessar e energizar o modo adaptativo, por meio da conexão humana mediante interesses e atividades que estimulam o indivíduo, para que o modo ocorra com mais frequência e de forma previsível; 2) desenvolvê-lo por meio da eliciação e do enriquecimento de aspirações, ou seja, extrair significado do que as pessoas realmente desejam em suas vidas; 3) atualizá-lo com ações diárias positivas, para que se realizem os significados valorizados pelo indivíduo, o que aumenta a probabilidade de fortalecer as crenças positivas e enfraquecer as negativas; e 4) fortalecê-lo ao obter conclusões no decorrer das experiências vivenciadas no processo terapêutico, o que promove o desenvolvimento de resiliência e autonomia. Todo o tratamento é guiado pelo Mapa de Recuperação, utilizado para coleta de informações e planejamento de estratégias e intervenções.
Agenda futura
Dos 11 estudos analisados nesta revisão, somente duas produções (Beck et al., 2020; Rudd, 2000) abordaram a necessidade de realizar avanços no que diz respeito à TM. Apesar de Rudd (2000) enfatizar a importância de refinar a teoria do modo suicida, ele não especifica os aspectos teóricos que precisam de maior profundidade. Porém, o autor indica que é fundamental realizar estudos de caráter experimental que validem o modo em questão, como, por exemplo, investigações que explorem as particularidades do sistema de crenças e as diferenças modais de acordo com o transtorno mental do indivíduo, e que desenvolvam e validem uma escala de tolerância ao sofrimento baseada no modelo modal.
A imprescindibilidade da presença de instrumentos para medir os diversos componentes dos modos também foi indicada por Beck et al. (2020). São duas as recomendações: 1) medir a intensidade ou velocidade de ativação dos modos e 2) examinar cognições e atitudes específicas relacionadas ao processo de desativação de um modo para a ativação de outro. Ressalta-se que, dentre os estudos incluídos na presente revisão, somente o de Nobre e Gouveia (2010) descreveu e utilizou uma medida com tal foco. O Questionário de Avaliação do Modelo Sexual avalia especificamente três integrantes do modo: pensamentos automáticos em situações sexuais e respostas afetiva e fisiológica associadas a cada pensamento.
DISCUSSÃO
O objetivo deste artigo foi identificar, mapear, sintetizar e relatar, de forma abrangente, a literatura relevante disponível sobre a TM relacionada ao modelo cognitivo de Beck. A revisão de escopo elucidou cinco categorias principais de achados acerca da TM, que são discutidos com maiores detalhes nesta seção. Inicialmente, os estudos revelaram uma escassez de investigações empíricas que demonstrem a validade da TM e, no que se refere aos estudos inclusos com tal característica, eles apresentam limitações, pois se restringem a modos específicos - o depressivo (Moorey, 2010) e o da disfunção erétil (Nobre & Gouveia, 2000) -, não avaliando aspectos teóricos mais globais da TM.
Uma hipótese para o quantitativo reduzido de pesquisas empíricas sobre a TM é a compreensão não total de aspectos importantes da teoria por parte dos terapeutas e pesquisadores do campo da TCC. Apesar de ATB ter identificado a existência de modos no início da elaboração da teoria cognitiva, entre as décadas de 1960 e 1970 (Beck et al., 2020), somente na década de 1990 foi apresentada à comunidade científica a primeira formulação da TM com a descrição dos componentes modais e o processo de ativação, dentre outros elementos (Beck, 1996). Contudo, alguns dados teóricos só foram esclarecidos depois de quase 20 anos, envolvendo o continuum entre adaptação e desadaptação, o processamento de informação e a ativação do esquema, por exemplo (Beck & Haigh, 2014). Por fim, novas contribuições, como a relevância do papel dos aspectos socioculturais na ativação dos modos e, pela primeira vez, a indicação explícita por ATB da necessidade de se produzir investigações acerca da TM, só foram realizadas recentemente (Beck et al., 2020). Desse modo, o fato de a formulação da TM ter ocorrido em um processo longo e, ainda assim, com dados não totalmente esclarecidos pode ter sido uma razão para os pesquisadores do campo da TCC não terem se aprofundado empiricamente sobre a ela. Acrescenta-se que, devido à primeira descrição da TM ter sido publicada por meio de um capítulo de livro (Beck, 1996), a dificuldade de acesso à produção também pode ser um fator que afeta os profissionais ao redor do mundo. Ademais, não dissociado das mencionadas hipóteses, supõe-se que, pelo fato de o modelo cognitivo linear conseguir explicar quase que totalmente os diversos quadros psicopatológicos e ser útil em seu tratamento, os pesquisadores podem não ter sentido a necessidade de englobar a TM de forma tão sistemática nos seus estudos. No entanto, parece que sua inclusão será fundamental, pois uma das vertentes atuais da TCC, a CT-R, dedica-se ao tratamento de condições psicopatológicas graves e tem como base a TM (Beck, Grant, et al. 2021). A essa necessidade, soma-se a existência de revisões e possíveis atualizações dos protocolos clínicos existentes com a integração da TM (Beck, 2021).
Outro achado desta revisão é que, ao longo dos anos, a produção acerca da TM permaneceu concentrada nos Estados Unidos, congruente com o concluído por Fordham et al. (2021), ao revelarem a limitação da existência de investigações no campo da TCC em países fora dos EUA. Além disso, nas produções revisadas, verificou-se uma contribuição majoritária do autor principal do modelo modal, ATB. Os achados evidenciaram a necessidade do aumento da realização de estudos, principalmente ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas e metanálises, que abordem a aplicação clínica com base na TM sob diferentes condições, populações e contextos a fim de promover avanços teóricos e práticos no campo da TCC.
No que se refere à definição e à composição dos modos descritos, constatou-se que, no decorrer do tempo, a conceitualização e a função do construto mantiveram-se com poucas alterações, o que revela a consistência da TM. Entretanto, os resultados indicam que a descrição mais detalhada dos componentes que integram os modos e suas interações é algo que ainda precisa ser mais bem explorado nas produções. Supõe-se que a insuficiência de aprofundamento quanto aos elementos modais pode dificultar a melhor compreensão do processo de ativação dos modos. Possivelmente, em decorrência dessa dedução, dentre outras justificativas, Beck et al. (2020) sugerem a necessidade do desenvolvimento de instrumentos para medir os diferentes componentes dos modos. Portanto, verifica-se que, apesar de os modos serem uma rede composta por domínios cognitivos, emocionais, motivacionais e comportamentais que atuam de forma síncrona e interagem mutuamente, os estudos enfatizam predominantemente os elementos e o funcionamento do componente cognitivo (p. ex., Nobre & Gouveia, 2000). Beck et al. (2020) alertam para o fato de que, mesmo considerando que os esquemas cognitivos sejam cruciais dentro de um modo, pois, por exemplo, controlam o processamento de informações (Beck & Haigh, 2014), o modo deve ser compreendido de forma holística com todos os domínios integrantes da personalidade. Esse entendimento é uma mudança paradigmática da passagem do Modelo Cognitivo Linear para o Modelo Cognitivo Modal, ou Modelo Cognitivo Geral (MCG), sendo observado no histórico de construção e aperfeiçoamento da TM (Beck, 1996; Clark & Beck, 1999; Beck & Haigh, 2014; Beck et al., 2020).
Ademais, a maioria dos estudos revisados não explora características mais específicas dos modos, como aspectos da intensidade, da carga e da durabilidade de modos adaptativos e não adaptativos. É preciso não somente desenvolver estudos que meçam os referidos elementos modais, conforme explicitado por Beck et al. (2020), mas também que contemplem tais variáveis na formulação dos modos desadaptativos. Produções incluídas na revisão são limitadas nesses aspectos, como Ghahramanlou-Holloway et al. (2015), Moorey (2010), Nobre e Gouveia (2000) e Rudd (2000).
Ainda no que diz respeito à visão global do modo, a revisão é congruente com explicações recentes sobre como ocorre a ativação de modos desadaptativos ao envolver a presença de erros no processamento de informações e vieses cognitivos que desencadeiam afeto positivo ou negativo, e motivações e comportamentos disfuncionais, por exemplo (Beck, John, et al., 2021). Possivelmente, devido ao primeiro componente a ser ativado no modo geralmente ser o cognitivo, que ativa outras funções da personalidade (Beck et al., 2020), isso contribui para que os investigadores que utilizam a TM enfatizem essa via de desadaptação do modo. Tal conjuntura é um campo fértil para compreensões imprecisas do modelo cognitivo e para intervenções advindas dele. Portanto, o uso exclusivo do modelo cognitivo linear original trata-se de uma visão limitada da abrangência atual da teoria cognitiva. Essa suposição tem como base a mais nova edição de um dos livros mais importantes do campo da TCC (Beck, 2021), que já contempla importantes elementos da CT-R, fundamentada expressivamente na TM, no tratamento de pacientes que não apresentam problemas severos de saúde mental. Ressalta-se que Beck (2021) indica, no prefácio da produção, que atualmente a CT-R está sendo adaptada para clientes não hospitalizados com a maior variedade de transtornos mentais ou com problemas psicológicos ou, ainda, que sejam portadores de condições médicas com componentes psicológicos.
Além disso, os achados revelam que uma das maiores contribuições da TM para o campo da TCC é que, a partir do processo de ativação dos modos, é possível elucidar que os sintomas pertencentes aos transtornos mentais são um continuum com as reações cognitivas, emocionais, motivacionais e comportamentais “normais” e com os erros da vida cotidiana (Beck, John, et al., 2021). Ou seja, comumente, os indivíduos conseguem se ajustar às demandas específicas do meio com a ativação de um modo adaptativo, por sentirem ansiedade em situações de perigo real, raiva como resposta a ofensas, tristeza diante de perdas ou alegria e prazer quando têm um ganho, ocasionando reações síncronas funcionais. Porém, quando esse processo é exagerado, torna-se desadaptativo, e sintomas podem surgir (Beck, John, et al., 2021; Beck et al., 2020). Portanto, os vieses no processamento cognitivo e a alternância na ativação dos modos ocorrem, também, na ausência de psicopatologias, uma vez que as estruturas de composição do modo podem ser observadas em seu funcionamento e ativação (Beck et al., 2020). A discriminação de determinados transtornos facilita a identificação dos gatilhos de ativação, cognições, emoções e comportamentos, porém isso não constitui uma limitação do uso do modelo, justamente por ser transdiagnóstico (Beck & Haigh, 2014) e por ter foco de intervenção na ativação e desativação dos modos. Beck aponta, desde a década de 1990, a necessidade de olhar para além da psicopatologia (Beck & Clark, 1997), sendo congruente com o novo direcionamento apontado por Beck (2021).
Além da necessidade de uma representação gráfica atualizada do processo de ativação do modo que incorpore elementos como o processamento de informações, já contemplada pelo esquema proposto na presente revisão (ver Figura 2), é preciso, ainda, incluir formas distintas de resultados funcionais e disfuncionais para os indivíduos. Ademais, verificou-se que os estudos revisados precisam de atualizações que considerem avanços recentes da TM (Beck, John, et al. 2021; Beck et al., 2020) acerca do funcionamento dos modos desadaptativos, como os modos suicida (Ghahramanlou-Holloway et al., 2015; Rudd, 2000), depressivo (Moorey, 2010) e de disfunção erétil (Nobre & Gouveia, 2000).
Outro aspecto identificado em decorrência da revisão de escopo realizada foi o maior detalhamento da influência de outros fatores na ativação do modo. Segundo Beck et al. (2020), além do equilíbrio entre o meio externo e interno das pessoas, as suas expectativas socioculturais também exercem um papel nesse processo. Por exemplo, é consenso que a formação e os conteúdos das cognições inseridas no sistema de crenças dos indivíduos variam de acordo com o contexto cultural, e esse também repercute nos comportamentos (Naeem, 2019). Portanto, a TM de Beck contribui para que o campo da TCC consiga contemplar os componentes socioculturais em pesquisas e tratamentos.
No tocante às intervenções direcionadas aos modos, verificou-se que predominaram produções que enfatizam a desativação dos modos desadaptativos. Contudo, somente a partir das implicações no tratamento de clientes portadores de esquizofrenia é que se passou a utilizar, de forma mais consistente, estratégias e técnicas com a finalidade de construir e ativar modos adaptativos, bem como de mantê-los ativados. Tal conjuntura, diante dos resultados promissores da CT-R (Grant et al., 2018; Grant et al., 2017), culminou em novas tendências no campo da TCC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão tem algumas limitações. Recentemente, tem-se investido mais em pesquisas sobre a CT-R, que é baseada na TM; mas devido à janela de busca estipulada para esta revisão, não foi possível incluir estudos mais recentes que demonstrem as intervenções e explicitem de forma mais concreta o uso da TM, como o estudo de Beck, John, et al. (2021). Além disso, optou-se por restringir as buscas a produções cujo foco era a TM de Beck e suas implicações clínicas, e não abranger estudos que tangenciavam o tema ou que traziam outras definições de modos e esquemas. Sugere-se que estudos futuros façam comparações mais amplas sobre semelhanças e diferenças entre a definição de modos de Beck e a de outros autores, podendo, assim, impactar a prática clínica. Além disso, também são sugeridos estudos que tragam conceitualizações cognitivas baseadas no modelo modal e intervenções que englobem tal modelo, tal como a CT-R. Outra limitação foi a ausência, nesta revisão, de produções que não sejam oriundas das buscas realizadas nas bases de dados selecionadas, como Clark e Beck (1999), Beck (2008) e Clark e Beck (2010). Nessa mesma direção, não foram encontrados estudos nacionais, o que pode indicar insuficiência na atualização dos terapeutas e pesquisadores brasileiros no campo da TCC.
A partir dos textos selecionados, nota-se, ainda, uma lacuna importante na literatura sobre o uso nas intervenções e sobre os aspectos teóricos do modelo modal. Como o modelo linear é amplamente utilizado nas intervenções em TCC, o modelo modal acabou sendo menos explorado pela literatura. Ainda são necessários estudos que aprofundem, por exemplo, quais são os modos adaptativos e como eles são formados, bem como o funcionamento do processamento reflexivo, recentemente denominado dessa forma. Além disso, a necessidade de aprofundar intervenções para pacientes sem diagnóstico torna-se premente, uma vez que Beck postula a abrangência do modelo modal também para esse público.
Contudo, a revisão de escopo realizada demonstra que o modelo modal postulado por Beck na década de 1990 foi sendo construído e repensado ao longo dos anos, de forma a expandir-se e abarcar novas possibilidades. A utilização do modelo modal é possível em casos de transtornos como ansiedade e depressão, transtornos mentais graves como a esquizofrenia e em casos sem diagnóstico, de forma a abarcar o funcionamento do indivíduo. Baseando-se na cultura e no contexto para entender o que é adaptativo ou não para cada pessoa, a utilização do modelo modal abrange aspectos importantes que vão além da compreensão e do tratamento de sintomatologia.