A TE, desenvolvida por Jeffrey Young, é uma abordagem que amplia a terapia cognitivo-comportamental (TCC) clássica ao enfatizar a investigação das origens infantis dos problemas psicológicos, as técnicas vivenciais, a relação terapeuta-paciente e a modificação de estilos desadaptativos de enfrentamento (Bishop et al., 2022). O principal conceito que permeia a TE são os EIDs, caracterizados como padrões cognitivo-emocionais impostos à realidade ou a experiências do indivíduo que o auxiliam a perceber o mundo, a si mesmo e os outros (Young, 2003). Assim, são originados pela não satisfação das necessidades emocionais básicas e podem influenciar a vida das pessoas de forma frequente (Rafaeli et al., 2023).
Os EIDs se manifestam por meio de representações estáveis e duradouras que se desenvolvem precocemente, perdurando ao longo da vida e associando-se a diversas psicopatologias. Em sua maioria, são causados pela vivência de experiências nocivas que se repetem regularmente e que prejudicam a satisfação de necessidades emocionais básicas do ser humano (Young et al. 2008). A teoria indica que todas as pessoas têm, em diferentes intensidades, cinco necessidades emocionais básicas: vínculos seguros com outros indivíduos; autonomia, competência e sentido de identidade; liberdade de expressão, necessidades e emoções válidas; espontaneidade e lazer; e limites realistas e autocontrole. A falta, em maior ou menor grau do atendimento dessas necessidades emocionais fundamentais, devido a uma combinação das primeiras experiências de vida e ao temperamento da criança, pode predispor ao desenvolvimento dos EIDs (Pessoa, 2020; Soares & Carlesso, 2021).
Outrossim, os EIDs podem acarretar certos transtornos mentais crônicos (Young, 2003), devido a experiências negativas que geram um conjunto de crenças estáveis na construção da identidade da criança, sendo mantidas e fortalecidas por vieses cognitivos, além de gerarem padrões autoderrotistas (Baldissera et al., 2021; Young et al., 2008). Dessa forma, o objetivo da TE é colaborar para que os pacientes, sejam eles crianças, adolescentes ou adultos, encontrem formas adaptativas de satisfazer suas necessidades emocionais básicas que não foram adequadamente satisfeitas, evitando ou amenizando os transtornos relacionados (Bishop et al., 2022).
Young et al. (2008) identificaram e agruparam 18 EIDs em cinco domínios esquemáticos, de acordo com as necessidades emocionais não satisfeitas que os originaram (Berticelli et al., 2021): desconexão e rejeição (expectativa de que as necessidades de proteção, segurança, cuidado e aceitação não serão devidamente satisfeitas); autonomia e desempenho prejudicados (noções de incapacidade de se separar, sobreviver e funcionar de forma independente); limites prejudicados (dificuldade com limites internos, responsabilidade com os outros e objetivos de longo prazo); direcionamento para o outro (foco excessivo nos desejos e necessidades alheias à custa das próprias vontades para obter aprovação e/ou evitar rejeição); supervigilância e inibição (supressão dos próprios sentimentos, impulsos e escolhas espontâneas, ou ênfase no cumprimento de regras e expectativas elevadas). Na Tabela 1, é possível verificar os domínios e seus respectivos EIDs.
Tabela 1 Esquemas iniciais desadaptativos e respectiva conceituação.
Desconexão e rejeição | |
---|---|
Privação emocional | Sensação e crenças de solidão, desamparo e falta de compreensão. |
Abandono | Crença de que perderá a pessoa amada e não suportará ficar só. |
Desconfiança/abuso | Expectativa de que os outros lhe farão algum mal intencional. |
Defectividade/vergonha | Crença de ser defeituoso, sem valor e indigno de ser amado. |
Isolamento social | Sensação de não pertencimento e diferença em relação aos outros. |
Autonomia e desempenho prejudicados | |
Fracasso | Crenças de que o seu desempenho é inferior ao de seus pares. |
Dependência/incompetência | Crenças de ser incapaz de resolver problemas sozinho. |
Vulnerabilidade | Crenças de ser vulnerável a doenças e possíveis catástrofes. |
Emaranhamento | Sensação de não conseguir se individualizar dos pais e dos outros. |
Limites prejudicados | |
Arrogo/grandiosidade | Crenças de ser superior as outras pessoas e de merecer privilégios. |
Autodisciplina insuficiente | Ênfase no alívio de desconforto às custas de realizações e cuidado. |
Orientação para o outro | |
Autossacrifício | Crença de que é preciso satisfazer os outros sempre. |
Subjugação | Preocupação em agradar para não ser rejeitado ou retaliado. |
Busca de aprovação | Crença de que só terá valor se tiver a aprovação dos outros. |
Supervigilância e inibição | |
Inibição emocional | Intensa inibição de sentimentos, ações e comunicação. |
Padrões inflexíveis | Crença de que é preciso sempre fazer e ser o melhor. |
Negativismo/pessimismo | Foco extremo nos aspectos negativos da vida. |
Postura punitiva | Crença de que as pessoas precisam ser punidas por seus erros. |
Fonte: Algarves et al. (2023) e Paim et al. (2020).
A entrada na universidade é o objetivo de diversas pessoas que idealizam ascensão profissional e pessoal atravessada pelo ensino superior. A graduação oferece diversas experiências, tanto individuais quanto em grupo, como a inserção em novos grupos sociais e a busca por independência, sendo uma fase marcada por mudanças (Ariño & Bardagi, 2018). Entretanto, esse processo de transição concomitante às novas demandas e rotinas exigidas no ambiente acadêmico podem ser fatores estressores na vida dos estudantes. Há um aumento de carga horária, sentimento de solidão, mudanças na qualidade do sono, cobranças pessoais e familiares, entre outros aspectos que afetam diretamente a saúde mental do sujeito (Louzada & Pacheco, 2022).
De acordo com Souza et al. (2022), há predisposição para o desenvolvimento de transtorno de ansiedade no contexto universitário, visto as altas cobrança e demanda exigidas pela academia. Além disso, os estudantes também enfrentam adversidades no âmbito pessoal, como estar longe da família e não ter rede de apoio. Ademais, nesse cenário, é comum a vivência de sintomas depressivos, gerando prejuízos para as vidas pessoal e social, podendo levar a ações autodestrutivas e, em casos mais graves, ao comportamento suicida (Barroso et al., 2019). No estudo de Gadassi et al. (2015), por exemplo, foi investigada a relação de indicadores de depressão com fatores de decisão de carreira em universitários em final de curso, indicando que fatores vocacionais e dificuldades na carreira envolvendo autoconceito e identidade estão relacionados a maiores níveis de sintomas de depressão (Ariño & Bardagi, 2018).
No que concerne à TE, as pesquisas relacionando indicadores de saúde mental e os EIDs têm demonstrado a importância da investigação na área. Por exemplo, o estudo de Bishop et al. (2022) indicou que todos os EIDs têm relação com sintomas de depressão. No mesmo contexto, Salmalian et al. (2020) indicaram que os EIDs desempenham um importante papel na ocorrência de variáveis relacionadas à saúde mental de estudantes, demonstrando associação entre ansiedade social e burnout estudantil. Em uma metanálise realizada por Tariq et al. (2021), que objetivava avaliar a força da associação entre EIDs e sintomas de ansiedade entre adolescentes e adultos jovens (de 10 a 29 anos), os resultados demonstraram que esquemas relacionados aos domínios de desconexão/rejeição, autonomia/desempenho prejudicados e direcionamento ao outro são preditores de sintomas de ansiedade. Por fim, cita-se também um estudo com universitários que apresentou relações significativas e positivas entre abandono/instabilidade, defectividade/vergonha e dificuldades de regulação emocional (Nicol et al., 2022).
Além da pertinência em compreender a situação atual da saúde mental de universitários e a relação com os EIDs, Zanini et al. (2021) reforçam a importância da prevenção e da intervenção em saúde no contexto dos estudos, visto que o ambiente educacional exige do estudante estratégias de enfrentamento, tornando essencial explorar fatores de proteção para essa população. Buscando suprir tal necessidade, destaca-se o uso de intervenções vinculadas à psicologia positiva, visto que compreende variáveis focadas no bem-estar e elementos que auxiliam os indivíduos a se desenvolverem de maneira saudável (Zanini et al., 2021).
Nesse contexto, destaca-se o capital psicológico, considerado um construto de ordem superior, que abarca recursos psicológicos (autoeficácia), motivacionais (esperança) e outros recursos psicológicos positivos (otimismo e resiliência) (Luthans et al., 2007). Trata-se de um estado psicológico positivo, que pode ser desenvolvido pelo indivíduo, sendo composto por: autoeficácia - confiança para assumir tarefas desafiadoras, elevando os esforços necessários para obtenção de êxito, o que resulta em desempenho satisfatório; otimismo - adesão à uma abordagem positiva em relação ao sucesso, o que ocasiona o aumento de expectativas positivas para a execução de tarefas futuras; esperança - determinação em alcançar objetivos e, quando necessário, redirecionar os caminhos para alcançar o sucesso; e resiliência - capacidade de superar obstáculos e adversidades para o alcance das metas, adaptando-se conforme a necessidade (Geremias et al., 2020; Matos & Andrade, 2021).
Esses quatro fatores estão inter-relacionados, assim, caso algum seja afetado (p. ex., o otimismo), os outros (esperança, autoeficácia e/ou resiliência) poderão ser afetados ao longo do tempo (Geremias et al., 2020). Nesse cenário, estudantes que avaliam sua situação atual e a probabilidade de sucesso mantendo uma perspectiva positiva (otimismo), acreditando em si mesmos (autoeficácia), agindo com determinação para alcançar os objetivos (esperança), e aprendendo e crescendo a partir de desafios (resiliência), apresentam indicadores de melhor desempenho no ambiente dos estudos (Martínez et al., 2019).
Esses recursos proporcionam os processos necessários para a atenção, a interpretação e a retenção de memórias positivas e construtivas que norteiam o bem-estar e o bom desempenho, sendo positivamente relacionados ao envolvimento com a aprendizagem (Carmona-Halty et al., 2019). O indivíduo que os desenvolve, apresenta habilidades e comportamentos necessários para atender aos requisitos educacionais e, portanto, obter sucesso acadêmico (Carmona-Halty et al., 2019).
Khamseh e Afshar-Jalili (2020) indicaram que o capital psicológico e os EIDs são construtos cognitivos, assim, espera-se que possam ter relação entre si. Até o momento, não foram encontrados estudos no Brasil que apresentem associações entre EIDs e os fatores de capital psicológico em universitários. Desse modo, verificar a presença de EIDs em universitários, bem como os recursos de capital psicológico, pode proporcionar ações de caráter preventivo quanto à prejuízos na saúde mental dessa amostra. O objetivo deste artigo, portanto, é investigar a relação entre EIDs, capital psicológico e indicadores de saúde mental em universitários brasileiros.
MÉTODO
Participantes
Participaram 909 universitários, cuja maioria se identificava com o gênero feminino (68,3%; N = 621), com média de idade de 24,5 anos (DP = 7,8), em maioria de raça branca (57,9%; N = 526), pertencendo ao Estado do Rio de Janeiro (62,5%; N = 568), seguido de Minas Gerais (22,1%; N = 201). Quanto ao estado civil, houve maior concentração de pessoas solteiras (90,5%; N = 823). Do total de respondentes, 59,8% não trabalhavam no momento da coleta, 91,9% não tinham filhos e 35,3% apresentavam renda de um a três salários-mínimos considerando o grupo familiar. No que concerne às características relacionadas ao contexto estudantil, a maior parte da amostra estava na graduação de psicologia (12,5%; N = 114), letras (6,5%; N = 59) e farmácia (5,3%; N = 48), sendo que a maioria estava no 4º semestre (14,6%; N = 133).
Instrumentos
a) Questionário de Esquemas de Young - versão breve (YSQ-S3; Souza et al., 2020). É composto por 90 itens e propõe 18 subescalas referentes aos EIDs, sendo classificadas em uma escala do tipo Likert de seis pontos (1 = “Completamente falso sobre mim” a 6 = “Me descreve perfeitamente”).
b) Escala de Capital Psicológico no Contexto de Estudos (PsyCap-E) (Matos & Andrade, 2021). Visa mensurar o capital psicológico nos estudos e é composta por quatro dimensões: autoeficácia, otimismo, esperança e resiliência. A escala tem 12 itens, sendo três para cada dimensão, respondidos em uma escala do tipo Likert de cinco pontos (1 = “Discordo completamente” a 5 = “Concordo completamente”).
c) Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21) (Vignola & Tucci, 2014). Composta por três subescalas para avaliar sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Cada subescala contém sete itens, respondidos por uma escala do tipo Likert de quatro pontos (0 = “Não se aplicou de maneira alguma” a 3 = “Aplicou-se muito, ou na maioria do tempo”).
d) Questionário sociodemográfico: perguntas para caracterização da amostra, como idade, gênero, estado, raça/etnia, estado civil, renda, entre outras.
Procedimentos
Inicialmente, a pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Minas Gerais, sendo aprovada pelo CAAE nº 67845723.7.0000.5525. Foram seguidas todas as normativas e parâmetros éticos, atendendo à Resolução nº 466 (2012), de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Após a aprovação, os estudantes foram convidados a participar da pesquisa, na modalidade on-line, por meio da divulgação via e-mail e redes sociais para instituições de todo o País. A coleta foi realizada por questionário com os instrumentos utilizados. Os participantes manifestaram sua concordância em responder à pesquisa mediante o preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Procedimentos de análise de dados
No primeiro momento, foram avaliados e tratados os casos omissos e discrepantes, havendo preparação do banco de dados para as análises. Em seguida, estatísticas descritivas foram empregadas para descrever a amostra e analisar a distribuição dos dados, utilizando medidas como frequência, média e desvio padrão. Dado que os instrumentos utilizados envolvem vários fatores, os resultados foram analisados separadamente por dimensão. Assim, o resultado da amostra (ou média fatorial) ocorreu somando-se os valores marcados pelos respondentes em cada item de cada fator e dividindo-se o resultado total pelo número de itens, havendo apuração do escore conforme publicações originais das medidas. Por fim, foram realizadas análises de correlação e regressão linear múltipla. Os dados foram analisados com o suporte do software SPSS.
RESULTADOS
Posterior à realização de estatísticas descritivas para caracterização da amostra, verificou-se a normalidade por meio do teste de Shapiro-Wilk. Os valores demonstraram ausência de normalidade para as variáveis de interesse, como em privação emocional, em que se obteve S-W (909) = 0,900, p < 0,001. Com isso, efetuou-se a correlação de Spearman entre as variáveis. Observa-se, na Tabela 2, a média fatorial e o desvio padrão de cada um dos EIDs.
Tabela 2 Descrição das variáveis correlacionadas.
Capital psicológico | Saúde mental | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Esquemas iniciais desadaptativos | M | DP | Espe. | Auto. | Otim. | Resi. | Estr. | Ansi. | Depr. |
Privação emocional | 2,40 | 1,27 | -0,21** | -0,16** | -0,29** | -0,18** | 0,29** | 0,32** | 0,53** |
Abandono | 3,13 | 1,42 | -0,10** | -0,20** | -0,23** | -0,25** | 0,48** | 0,50** | 0,47** |
Desconfiança/abuso | 3,20 | 1,23 | -0,06 | -0,11** | -0,13** | -0,10** | 0,43** | 0,44** | 0,44** |
Isolamento social/alienação | 3,48 | 1,43 | -0,20** | -0,17** | -0,25** | -0,25** | 0,33** | 0,35** | 0,55** |
Defectividade/vergonha | 2,38 | 1,39 | -0,22** | -0,19** | -0,34** | -0,26** | 0,35** | 0,42** | 0,58** |
Fracasso | 3,08 | 1,59 | -0,25** | -0,48** | -0,36** | -0,41** | 0,36** | 0,38** | 0,56** |
Dependência/incompetência | 2,39 | 1,07 | -0,22** | -0,32** | -0,31** | -0,32** | 0,34** | 0,36** | 0,48** |
Vulnerabilidade ao dano e à doença | 3,28 | 1,28 | -0,10** | -0,18** | -0,21** | -0,19** | 0,51** | 0,56** | 0,51** |
Emaranhamento | 2,51 | 1,13 | -0,12** | -0,17** | -0,16** | -0,19** | 0,33** | 0,36** | 0,35** |
Subjugação | 2,95 | 1,31 | -0,16** | -0,22** | -0,27** | -0,27** | 0,37** | 0,44** | 0,47** |
Autossacrifício | 3,61 | 1,22 | -0,04 | -0,11** | -0,09** | -0,12** | 0,32** | 0,40** | 0,28** |
Inibição emocional | 3,30 | 1,32 | -0,13** | -0,08* | -0,17** | -0,11** | 0,21** | 0,28** | 0,41** |
Padrões inflexíveis | 4,13 | 1,10 | 0,08* | 0,06* | 0,03 | -0,04 | 0,41** | 0,38** | 0,32** |
Arrogo/grandiosidade | 2,88 | 0,93 | 0,03 | 0,03 | 0,00 | 0,06 | 0,27** | 0,22** | 0,21** |
Autocontrole/autodisciplina insuficientes | 3,38 | 1,25 | -0,13** | -0,33** | -0,22** | -0,31** | 0,32** | 0,32** | 0,51** |
Busca de aprovação/reconhecimento | 3,41 | 1,25 | 0,06 | -0,07* | -0,03 | -0,12** | 0,28** | 0,26** | 0,25** |
Negatividade/pessimismo | 3,65 | 1,36 | -0,09** | -0,21** | -0,25** | -0,25** | 0,54** | 0,58** | 0,61** |
Postura punitiva | 2,69 | 1,27 | -0,10** | -0,11** | -0,17** | -0,14** | 0,32** | 0,32** | 0,39** |
Legenda: M = média; DP = desvio padrão; Espe. = esperança; Auto. = autoeficácia; Otim. = otimismo; Resi. = resiliência; Estr. = estresse; Ansi. = ansiedade; Depr. = depressão.
* Nível de significância para p < 0,05;
** Nível de significância para p < 0,001.
Conforme a Tabela 2, em relação às médias fatoriais, o esquema que demonstrou ser prevalente nos universitários foi o de padrões inflexíveis (M = 4,13; DP = 1,10), seguido de negatividade/pessimismo (M = 3,65; DP = 1,36) e autossacrifício (M = 3,61; DP = 1,22). A partir da análise de correlações, indica-se que as variáveis que mensuram indicadores de saúde mental apresentaram correlações positivas e significativas com todos os EIDs. Entre elas, destacou-se a de depressão, que apresentou diversas correlações fortes, como com privação emocional (rho = 0,53), isolamento social/alienação (rho = 0,55), defectividade/vergonha (rho = 0,58), fracasso (rho = 0,56), vulnerabilidade ao dano e à doença (rho = 0,51), autocontrole/autodisciplina insuficientes (rho = 0,51) e negatividade/pessimismo (rho = 0,61). A ansiedade destacou-se com correlações significativas, fortes e positivas com abandono (rho = 0,50), vulnerabilidade ao dano e à doença (rho = 0,56) e negatividade/pessimismo (rho = 0,58). Por fim, estresse associou-se de modo forte, significativa e positivamente com vulnerabilidade ao dano e à doença (rho = 0,51) e negatividade/pessimismo (rho = 0,54).
No que concerne às dimensões de capital psicológico, autoeficácia apresentou correlação moderada, significativa e negativa com fracasso (rho = -0,48), dependência/incompetência (rho = -0,32) e autocontrole/autodisciplina insuficientes (rho = -0,33). Otimismo se correlacionou de modo moderado, negativo e significativamente com fracasso (rho = -0,36), dependência/incompetência (rho = -0,31) e defectividade/vergonha (rho = -0,34). A dimensão de resiliência apresentou associação com fracasso (rho = -0,41), dependência/incompetência (rho = -0,32) e autocontrole/autodisciplina insuficientes (rho = -0,31). Por fim, a dimensão de esperança apresentou apenas correlações fracas, conforme Tabela 2.
Considerando-se a magnitude da correlação de fracasso e dependência/incompetência com as variáveis de capital psicológico e os indicadores de saúde mental, realizou-se a análise de regressão linear múltipla para avaliar como funcionavam como variáveis preditoras. Os resultados indicaram que fracasso prediz significativa e negativamente as dimensões de autoeficácia (β = -0,33, p = 0,00), otimismo (β = -0,21, p = 0,00) e resiliência (β = -0,19, p = 0,00). As dimensões de capital psicológico podem, então, explicar 30% (r2 = 0,30) de variância de fracasso, uma vez que F(905) = 97,8, p = 0,00. No que concerne às dimensões de saúde mental, fracasso prediz significativa e positivamente apenas a dimensão de depressão (β = 0,53, p = 0,00).
Em relação ao esquema de dependência/incompetência, este prediz significativa e negativamente as dimensões de autoeficácia (β = -0,20, p = 0,00), otimismo (β = -0,19, p = 0,00) e resiliência (β = -0,17, p = 0,00). As dimensões de capital psicológico podem, então, explicar 18% (r2 = 0,18) de variância de dependência/incompetência, uma vez que F(905) = 49,7, p = 0,00. Por sua vez, no que se refere às dimensões de saúde mental, dependência/incompetência prediz significativa e positivamente apenas a dimensão de depressão (β = 0,39, p = 0,00).
DISCUSSÃO
Esta pesquisa investigou a relação entre EIDs, capital psicológico e indicadores de saúde mental em universitários brasileiros. Os resultados destacaram a prevalência do esquema de padrões inflexíveis na amostra, relações significativas de estresse, ansiedade e depressão com todos os EIDs, bem como relações preditivas de fracasso e dependência/incompetência com variáveis de capital psicológico e saúde mental.
O predomínio do esquema de padrões inflexíveis indicou que os universitários da amostra tendem a se esforçar excessivamente para atingir elevados padrões internalizados de desempenho. Esse esquema implica em uma percepção de pressão constante e dificuldade em relaxar, relacionados às críticas exageradas em relação a si mesmo. Assim, compreende-se que os universitários podem apresentar sentimentos de inadequação e frustração quando não conseguem atender aos seus altos padrões de desempenho, havendo possível inflexibilidade e postura rígida. Toda essa vivência, acarretada pela ativação do esquema de padrões inflexíveis, pode gerar vasto sentimento de que há muito a se fazer em relação aos estudos e às demandas educacionais, porém pouco recurso ou tempo para tanto. Em consequência, a presença de sintomas de ansiedade e de exaustão podem se fazer presentes, impactando significativamente o bem-estar geral do estudante. Nesse cenário, Oliveira et al. (2023) apresentaram resultados que indicam a correlação desse EID com um padrão de comportamento perfeccionista e workaholic (excesso de trabalho).
O segundo esquema mais prevalente foi o de negatividade/pessimismo, que envolve expectativa negativa excessiva em relação à vida em detrimento de eventos positivos (Young et al., 2008). Infere-se que a amostra de estudantes pode apresentar foco em aspectos negativos, como temores relacionados aos contextos estudantil (reprovações, receio de apresentações de trabalho, atividades avaliativas), profissional (fracassar na carreira, não conseguir inserção no mercado de trabalho, preocupações financeiras) ou mesmo pessoal (conflitos entre colegas/professores, sentimento de culpa ou sofrimento, sensação de que algo de errado poderá acontecer). Ao minimizar aspectos positivos da vida, os estudantes podem vivenciar angústias, preocupações em excesso, indecisões ou alta vigilância a tudo o que lhe ocorre (Young et al., 2008). Assim, esse esquema tem correlação positiva com autocriticismo e negativa com autocompaixão (Pfeiffer & Pureza, 2022), além de, quando ativo, tornar o indivíduo mais propenso ao uso de substâncias (Sinha et al., 2023).
O EID autossacrifício também se destacou nos universitários, sendo um esquema que remonta ao compromisso excessivo e voluntário do indivíduo com as necessidades alheias em detrimento das suas, sentindo-se culpado e egoísta caso não as realize (Kleinschmitt et al., 2023). Pode-se inferir que os universitários da amostra acreditam que as suas necessidades emocionais são supridas ao atender demandas de colegas (se sobrecarregar de trabalhos, fazer parte de grupos aos quais não se sente bem), pais (cumprir desejos profissionais, seguir carreiras as quais não possui afinidade) ou professores (não estabelecer limites ou questionar conteúdos), buscando evitar punições ou não sofrer algum dano. Dessa forma, o sujeito pode renunciar aos seus desejos para obter autoestima, poupar outras pessoas de sofrimento, manter vínculos e evitar sentimento de culpa. Mansano (2020) também apresentou resultados semelhantes a esses em sua dissertação, cuja amostra era de universitários brasileiros, indicando que tais padrões cognitivos e comportamentais tiveram correlação com o uso de álcool.
No que concerne aos indicadores de saúde mental, a dimensão de depressão destacou-se com correlações significativas e de alta magnitude com os EIDs de privação emocional, isolamento social/alienação e defectividade/vergonha. Esses esquemas têm em comum o sentimento de falta de ambiente seguro e estável, podendo haver vivências precoces de experiências sociais negativas. Assim, os universitários podem apresentar padrões disfuncionais, nos quais isolamento, solidão, rejeição e inadequação, fomentam as percepções de que as necessidades de proteção, segurança, cuidado e aceitação não serão devidamente satisfeitas. Tais padrões podem influenciar no desenvolvimento ou na manutenção de sintomas depressivos, visto que impactam a autoimagem, os relacionamentos sociais e os pensamento desadaptativos que causam sofrimento. A associação desses esquemas com a dimensão de depressão também foi confirmada no estudo de metanálise de Tariq et al. (2021) e na revisão sistemática de Nicol et al. (2022), enfatizando a associação aos sintomas depressivos aos esquemas específicos de defectividade/vergonha e isolamento social/alienação.
Os achados da investigação aqui realizada apontaram que fracasso e dependência/incompetência predizem indicadores depressivos. Assim, crenças de que o desempenho é inferior ao de seus pares (fracasso) e de ser incapaz de resolver problemas sozinho (dependência/incompetência) podem predizer sintomas de depressão, como humor deprimido, baixa autoestima, pessimismo, entre outros. Resultado semelhante também foi encontrado na revisão realizada por Bishop et al. (2022) e na pesquisa de Cudo et al. (2022). Por fim, concernente a este trabalho, correlações de magnitude significativa também foram encontradas entre depressão e negatividade/pessimismo e fracasso, relacionando-se ao estudo de Bishop et al. (2022).
O esquema de abandono é caracterizado pela crença de que o indivíduo perderá a pessoa amada e não suportará ficar só, e seu conteúdo se relaciona ao medo que é provocado pelos sintomas da ansiedade, acarretando angústia e sofrimento. De maneira semelhante à esta pesquisa, Cámara e Calvete (2012) encontraram associações significativas de abandono com transtornos de ansiedade em jovens adultos e relataram que vulnerabilidade ao dano e à doença predizem diretamente a ansiedade. Esse esquema envolve a crença de ser vulnerável a doenças e a possíveis catástrofes, assim, há excessivo medo e fobias, aumentando o nível de ansiedade e preocupações negativas (Young, 2003). Trata-se de um esquema típico de pessoas mais ansiosas e está relacionado com os seus sintomas mais comuns. Por fim, quanto ao esquema de negatividade/pessimismo, que envolve expectativa negativa excessiva em relação à vida em detrimento de eventos positivos (Young et al., 2008), houve correlação com a ansiedade, compreendendo que a relação entre essas variáveis se dá pela expectativa e perspectiva negativa quanto a situações da vida, o que pode acarretar reações sintomatológicas de ansiedade quanto àquilo que pode ocorrer. Em consonância com o resultado desta pesquisa, Borges e Dell’Aglio (2020) indicaram em seu trabalho, realizado com adolescentes brasileiros, que, para o sexo feminino, o esquema de negatividade/pessimismo contribuiu como um dos preditores específicos para sintomas de ansiedade.
Finalizando a análise das correlações relacionadas a indicadores de saúde mental, quanto ao estresse, os resultados indicaram correlação positiva e significativa com todos os EIDs, destacando-se os de maior magnitude, que foram vulnerabilidade ao dano e à doença e negatividade/pessimismo. Um estudo realizado na Romênia com mulheres adultas com câncer apresentou resultado semelhante, no qual negativismo/pessimismo apresentou correlação com estresse (Bredicean et al., 2020). Por fim, de maneira semelhante a este estudo, também foi encontrada correlação positiva entre estresse e vulnerabilidade ao dano e à doença em adultos brasileiros (Silva, 2023).
No que concerne às dimensões de capital psicológico, autoeficácia apresentou correlação moderada, significativa e negativa com fracasso, dependência/incompetência e autocontrole/autodisciplina insuficientes. Esse resultado assemelha-se ao de Hosseinzadeh et al. (2021), em pesquisa realizada com universitários iranianos, indicando a relevância de que intervenções de treinamento em atenção plena sejam usadas para reduzir os efeitos destrutivos dos EIDs e aumentar a autoeficácia. Dessa forma, os estudantes que desenvolvem a crença em sua capacidade de exercer adequadamente suas atividades podem também ter menor ativação de EIDs, em especial os que têm crenças de que o seu desempenho é inferior ao de seus pares (fracasso), sendo incapazes de resolver problemas sozinhos (dependência/incompetência) e a ênfase no alívio de desconforto, às custas de realizações e cuidado (autocontrole/autodisciplina insuficientes).
Otimismo se correlacionou de forma moderada, negativa e significativamente com fracasso, dependência/incompetência e defectividade/vergonha. Concernente a esse resultado, na pesquisa de Ke e Barlas (2020) com universitários de Singapura, aqueles que relataram maior otimismo também apresentaram EIDs em menor magnitude em todos os domínios (exceto limites prejudicados). Dessa forma, ao ser otimista, o indivíduo pode evitar a vivência das crenças relacionadas ao desempenho inferior, sentir-se incapaz de resolver problemas ou ser defeituoso, sem valor e indigno de ser amado.
A dimensão de resiliência apresentou associação moderada e negativa com fracasso, dependência/incompetência e autocontrole/autodisciplina insuficientes. Em estudo realizado por Faraji et al. (2022), com adultos turcos, demonstrou-se ligação negativa entre resiliência e os esquemas de fracasso, dependência/incompetência e autocontrole/autodisciplina insuficientes, entre outros. Compreende-se, portanto, que comportamentos que auxiliam nas recuperações física e emocional após um evento adverso estão associados de modo inverso às crenças relacionadas ao desempenho inferior, sentir-se incapaz de resolver problemas e à ênfase no alívio de desconforto, às custas de realizações e cuidado (Faraji et al., 2022).
Em conclusão, os resultados indicaram que fracasso e dependência/incompetência, separados, predizem significativa e negativamente as dimensões de autoeficácia, otimismo e resiliência. Dessa forma, pode-se indicar que crenças relacionadas a falhar nos estudos, ter desempenho inferior em relação aos outros e se sentir incapaz de resolver problemas, podem diminuir a vivência de perspectivas positivas no cotidiano (otimismo), a crença em si mesmo para a execução de atividades (autoeficácia) e a crença de que se desenvolverá com o enfrentamento de desafios (resiliência).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo apresentou dados recentes de EIDs predominantes em amostra universitária, bem como associações relevantes com fatores de saúde mental e recursos de capital psicológico. Observou-se que menores sintomas de depressão e níveis mais elevados de capital psicológico podem ser favoráveis para a evitação de padrões de pensamentos que envolvam crenças relacionadas a ter desempenho inferior e sentir-se incapaz de resolver problemas, conforme EIDs relacionados.
Os dados desta pesquisa fomentam a necessidade do cuidado preventivo quanto à saúde mental de universitários, visto que tanto os EIDs ativados quanto as associações encontradas podem provocar prejuízos significativos na vida dos estudantes. A relação positiva existente entre indicadores de depressão, ansiedade e estresse com todos os EIDs, reforça que o tempo durante o qual os estudantes estão se ajustando à vida universitária pode ser um período de maior vulnerabilidade devido à variedade de estímulos estressores, como exigências acadêmicas, mercado de trabalho e relacionamentos interpessoais. Ressalta-se, por fim, a relevância da associação entre os recursos psicológicos com a menor vivência dos padrões cognitivos e comportamentais dos EIDs.
Apesar das contribuições já citadas desta pesquisa, menciona-se as limitações que envolvem a participação majoritária de estudantes do Sudeste, o que pode minimizar a representatividade da amostra brasileira. Cita-se também a dificuldade em relacionar os resultados deste estudo a outros da área, devido à escassez de pesquisas realizadas no escopo da temática. De modo geral, esta pesquisa se destaca pelas contribuições importantes para estudos que exploram EIDs, saúde mental e capital psicológico, abordando tanto os recursos psicológicos necessários de serem desenvolvidos em universitários quanto possíveis impactos na saúde mental ao apresentar as associações entre os construtos. Incentiva-se que estudos futuros sejam realizados focando o cuidado com a saúde mental por meio de recursos como o capital psicológico.