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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. v.59 n.1 Rio de Janeiro jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Construções em torno da crise. Saberes e práticas na atenção em Saúde Mental e produção de subjetividades1

 

Thoughts on crisis: knowledge and practice involving attention in mental health, and the production of the subjectivity

 

 

Mônica Silva da Costa

Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como tema os saberes e práticas em Saúde Mental referentes às situações de crise. Suscitado por experiências e questões clínico-institucionais vividas no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (IMAS), este trabalho foi posteriormente desenvolvido por meio de entrevistas com profissionais do Instituto e com um integrante do Movimento da Luta Antimanicomial. Além disso, foi feita uma revisão da bibliografia sobre a Reforma Psiquiátrica e sobre a questão da crise. Tomando os dados resultantes como base, o texto aponta a importância da atenção à crise como ponto de enfoque analítico das práticas em Saúde Mental e da produção de subjetividades. São desenvolvidos dois aspectos centrais: 1) a institucionalização e transformação do sofrimento, da vida e das variações comportamentais de toda ordem em patologias, assim como a naturalização do ato de recorrer aos serviços de saúde mental como resposta; 2) a proposta da Reforma Psiquiátrica Italiana, para a qual a denominação crise só se aplica com relação aos dispositivos de atenção existentes. Foi possível, assim, discutir as noções de crise e de como a sua presença atua na configuração das formas de assistência em Saúde Mental, tanto na visão dos profissionais entrevistados, como na prática dos serviços de Saúde Mental aqui referidos.

Palavras-chave: Serviços de Saúde Mental; Situações de crise.


ABSTRACT

This article focuses on the knowledge and practice involved in mental health issues connected to the so-called crisis. Resulting from experiences at the Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (IMAS), a county center for health care in Rio de Janeiro, this work was also developed by interviews with health professionals working at IMAS and one member of the Movimento da Luta Antimanicomial, a group that fights against the idea of psychological treatments in mental hospitals. Besides that, the literature about the Psychiatric Reform and about the topic of crisis was reviewed. Based on the data thus collected, this article points out the importance of the attention to the crisis as a means to instruct mental health practices and the production of subjectivities. Two central aspects are unfolded: 1) the turning of the human life troubles and pains, and subsequent behavioral problems, into institutionalized pathologies, as well as the acceptance as natural of the act of resorting to mental health services as a customary response; and 2) the proposal of the Italian Psychiatric Reform, according to which crisis is a word that can only define something related to the existing mechanisms of care giving. This approach made it possible to discuss the concept of crisis and the ways in which it interferes with the mental health services, both in the point of view of the professionals interviewed and in the practical issues of the services considered in this article.

Keywords: Mental health services; Crisis.


 

 

Este trabalho trata da crise, termo geralmente utilizado no campo da Saúde Mental para designar um momento individual específico, no qual efervescem questões, afetos, gestos e comportamentos variáveis e singulares, que afetam em graus variáveis a vida cotidiana da própria pessoa e daqueles de seu convívio, e costumam ser determinantes das demandas e intervenções em serviços de Saúde Mental.

Partindo de questões presentes em um campo institucional e organizacional específico,  a Enfermaria de Agudos Feminina e o Centro de Convivência da "Casa do Sol", unidades do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (IMAS Nise da Silveira) , o desenrolar deste trabalho teve como ponto de partida a percepção de diferenças significativas entre os modos de viver uma crise e as formas como os técnicos, familiares e outros &– todos incumbidos, de algum modo, de responsabilidades com a "pessoa em crise" &– avaliam essa experiência e decidem o que se tem a fazer a partir de tais "julgamentos". Levcovitz (2000) considera que o desencontro e as diferenças culturais entre técnicos e clientes são temas que podem abrir muitos caminhos em regiões obscuras no campo da Saúde Mental.2

O trabalho surgiu principalmente do fato de eu questionar certas concepções, ainda existentes, que tendem a generalizar a crise, a não contextualizá-la, a não colocar em relevo a singularidade de cada uma, a de entendendê-la, reiteradamente, como desvio de uma conduta normal (aquela que a pessoa costumava ter ou que se espera que tenha), como um erro de percurso, um distúrbio, uma dificuldade de adaptação e outros sentidos similares.

Buscando compreender a relação entre saberes e práticas de atenção "à crise" em Saúde Mental, ou mesmo entre os discursos sobre a crise e modos "correspondentes" de lidar com a mesma, realizei uma revisão bibliográfica sobre o tema e entrevistas com profissionais de duas diferentes unidades do IMAS Nise da Silveira: dois psiquiatras da enfermaria, sendo que um atuava somente como supervisor da equipe,  e  um psiquiatra e uma psicóloga do Espaço Aberto ao Tempo (EAT),3 os quais, durante o período de estágio, trouxeram contribuições para germinar o tema deste trabalho. Além desses técnicos, entrevistei igualmente um integrante do Movimento da Luta Antimanicomial.

A revisão bibliográfica, aliada a alguns Encontros e Fóruns de Saúde Mental recentes,4 já indica que as questões referentes aos modos de lidar com as situações e experiências convencionalmente denominadas de crise, e as respostas que têm sido (e que podem ser) oferecidas à mesma, de modo geral, possuem um lugar de grande importância nas tentativas diárias de transformação das relações com a loucura, assim como nas experiências da Reforma Psiquiátrica Brasileira &– com destaque, nesse sentido, para as experiências dos Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) de Santos e dos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs) de Minas Gerais.

Apontando essa centralidade, Desviat (1999, p. 92) atenta para um desafio na conjuntura atual da Saúde Mental: o de lidar com a cronicidade da crise, uma nova cronicidade que vem surgindo, de modo diferenciado, com o que o autor chama de "demanda aguda nos serviços de emergência", por parte dos denominados "chronic crisis patients".

Na história da psiquiatria e da Reforma Psiquiátrica, alguns modelos, voltando-se para a crise e sua centralidade, buscaram oferecer respostas diversas, que não apresentaram resolubilidade a longo prazo e consistiram em procedimentos de violência e tentativas de normalização, além de terem contribuído para um circuito eterno de dependência do hospital psiquiátrico. No discurso e nas práticas do que aqui chamarei de psiquiatria tradicional, de modo geral, "as crises" (para alguns autores também denominadas de "emergências psiquiátricas"), e as tentativas de respostas às mesmas, poderiam ser resumidas e esquematizadas em torno das seguintes características:

  • Exacerbação da noção de periculosidade ligada à pessoa em crise;
  • Redução da experiência a sintomas e a comportamentos considerados "bizarros"; com tendência ao reconhecimento apenas de "traços" patológicos, anormais e insanos;
  • Intervenções mais direcionadas à remissão dos sintomas em curto período de tempo;
  • Tentativa de normalizar e impor hábitos morais;
  • Ênfase na negatividade da loucura e da crise; ênfase na desrazão, nas incapacidades e nas impossibilidades;
  • Separação entre a crise e a vida global do sujeito;
  • Uso freqüente e mecanizado das contenções físicas, da eletroconvulsoterapia; uso generalizado e padronizado da medicação como recurso terapêutico mais importante ou prioritário;
  • Ênfase no controle e na tutela; uso do espaço físico para contenção das crises; e
  • Internação como recurso predominante.

Segundo Norcio (2001), na experiência de Trieste no modelo anterior à Reforma havia uma relação fechada entre o hospital geral e o hospital psiquiátrico no itinerário da pessoa em crise: quando ela chegava à sala de emergência do hospital geral, sem que se considerasse a natureza ou os motivos para a crise, após um exame superficial era enviada compulsoriamente ao hospital psiquiátrico.

Contrapondo-se em todas as dimensões ao modelo manicomial, criticando o paradigma científico cartesiano e buscando superar o poder psiquiátrico, surgem os movimentos de desinstitucionalização da loucura e a Reforma Psiquiátrica.5 A desinstitucionalização assumiu formas diversas e direcionou políticas de Saúde Mental divergentes, em diferentes países. Nos Estados Unidos, foi modelada principalmente de acordo com a Psiquiatria Preventiva de Gerald Caplan, e na Europa, de modo geral, encaminhou-se para as "psiquiatrias reformadas", iniciadas desde a década de 1940 na Inglaterra, com Maxwell Jones, consistindo mais em uma tentativa de desospitalização, acompanhada da modernização dos serviços e das técnicas de assistência, e menos em uma crítica de fato à instituição psiquiátrica, que implicasse a transformação dos conceitos e dos modos de lidar com a loucura ou com a "doença mental". Tal transformação, por sua vez, implica o direcionamento de políticas no sentido da substituição do hospital psiquiátrico por ações e serviços de saúde ditos, coerentemente, substitutivos.

Não obstante as características particulares de cada uma das reformas mencionadas, segundo Rotelli (2001) a desinstitucionalização adotada na Europa e nos EUA nos anos 1960 teve, sobretudo, um sentido administrativo, materializando-se como desospitalização, ou melhor, como um programa de racionalização administrativa e financeira direcionado para a política de altas hospitalares, redução gradual do número de leitos psiquiátricos, fechamento de hospitais etc. Embora todas essas medidas tivessem a intenção de superar o modelo clássico da psiquiatria &– pautado na segregação e na prática da internação &–, criando serviços extra-hospitalares para prestar assistência aos egressos dos hospitais e evitar futuras hospitalizações, segundo alguns autores (ROTELLI, 2001; NORCIO, 2002; DELL’ACQUA; MEZZINA, 1991) tais iniciativas não conseguiram abrir mão do hospital psiquiátrico, tampouco alcançaram desconstuir a demanda pela função social e política do saber psiquiátrico ou superar o modo de intervenção denominado problema-solução ou doença-prevenção/cura.6 Gondim (2001) relata um aumento, tanto na taxa de internação de psicóticos, como na demanda ambulatorial nos EUA, logo após as primeiras implementações da Psiquiatria Preventiva Comunitária.

Rotelli (2001) ressalta os limites quanto aos efeitos produzidos por tais reformas na prática e quanto à eficácia em relação ao objetivo de superar a internação:

1 - Quanto à internação:

  • As internações continuaram a ocorrer, mas com redução de tempo; houve um aumento de altas,  mas também de recidivas;
  • Novas formas de internação menos explícitas;
  • Criação de estruturas acopladas aos hospitais psiquiátricos; e
  • Abandono de pacientes egressos em albergues e casas de repouso.

 

2 - Quanto aos serviços territoriais:

  • Convivem com a internação, sem substituí-la, e acabam por confirmar sua necessidade; e
  • Nova cronicidade.

3 - Quanto ao sistema de Saúde Mental:

  • Funciona como um circuito de serviços fragmentados, que acabam por nutrir a cronicidade.

O autor afirma que, naquele momento &– o livro data de 1991 &–, o principal dilema dos sistemas de saúde nascidos com as reformas não estava relacionado aos pacientes crônicos egressos dos hospitais, mas sim aos novos crônicos.

Assim, por exemplo, no que se refere especificamente aos Centros para a Crise, criados nos países anglo-saxões na década de 1950, e cujos objetivos incluíam a redução das internações, Dell’Acqua e Mezzina (1991) apontam que, geralmente, trabalhavam com intervenções rápidas que pudessem solucionar imediatamente o problema fora do hospital psiquiátrico, e acabaram por não oferecer suporte global ao paciente, iniciando uma série de encaminhamentos para outros serviços e, finalmente, para o hospital. Os autores atentam ainda para o fato de que os diversos serviços comunitários criados nesse âmbito, marcados por propostas terapêuticas desarticuladas entre si, não davam conta do enfrentamento dos momentos de crise dos usuários, por responderem de forma padronizada e fragmentada e, principalmente, porque não superavam o modelo cultural de referência ao hospital psiquiátrico como recurso de recepção dos "fracassos" dos serviços comunitários. Tal funcionamento acabava por manter a sustentação prática, técnica e ideológica do hospital.

Na experiência brasileira da Reforma Psiquiátrica, lidar com os momentos de crise tem sido ainda uma grande dificuldade, seja no cotidiano das relações sociais em geral, seja no dos serviços substitutivos de Saúde Mental. Aqui não serão trazidas discussões ampliadas sobre experiências nacionais, mas apenas o que decorre das entrevistas realizadas e de algumas experiências vividas no IMAS Nise da Silveira, conforme esclarecido no início do texto.

As entrevistas seguiram o seguinte roteiro de questões:

  • 1- Você poderia falar sobre uma concepção de crise predominante na psiquiatria?
  • 2 - Você possui uma concepção própria sobre a crise?
  • 3 - Gostaria que você falasse um pouco sobre a seguinte idéia: de que forma o modo como vemos a crise e os recursos que temos para lidar com a pessoa em crise interferem no modo como este momento é vivido e nos desdobramento do mesmo?
  • 4 - Partindo das referências que normalmente se tem sobre saúde, normalidade, doença, como são referidas na prática?  Peço que você fale um pouco sobre como isso se dá na psiquiatria e sobre a possibilidade de construção de outras referências.
  • 5 - Gostaria que você falasse um pouco sobre as práticas da Internação e da Atenção Diária e de suas vantagens e desvantagens na atenção à pessoa em crise.
  • 6 - Com todo o Movimento da Reforma, você vê mudanças significativas nas práticas em Saúde Mental? Mudanças nos modos de lidar com as diferenças, com a loucura? Quais são essas mudanças? Quais seriam os impasses e lutas atuais neste campo?

Com a análise das entrevistas e com leitura da bibliografia sobre o tema, recortam-se aqui dois aspectos centrais sobre a crise,os modos de lidar com a mesma e os processos de produção de subjetividades.

Um deles se refere ao que podemos chamar de institucionalização e patologização do sofrimento, da vida e das variações de toda ordem, assim como de naturalização do ato de recorrer aos serviços de Saúde Mental como resposta. A outra idéia a ser debatida, a partir da qual foi possível encontrar formulação e sentido para idéias e impressões que andavam soltas e desencorajadas, foi a proposta da Reforma Psiquiátrica Italiana, para a qual algo só se denomina crise enquanto referido aos dispositivos de atenção existentes (DELL’ACQUA; MEZZINA, 1991). Uma das implicações principais dessa perspectiva é perceber que, para a lógica manicomial, é natural que quase tudo seja crise, ao passo que quanto mais desinstitucionalizada a loucura, possivelmente  menos "crise" teremos.

Situações e pessoas diversas, na enfermaria e no Centro de Convivência da Casa do Sol, chamaram atenção para o primeiro aspecto mencionado. Dentre elas é possível citar: pessoas que estavam internadas por dificuldades concretas de continuarem morando em locais de alta violência, ou marcadas por lembranças causadoras de sofrimento; pedidos de internação para "descansar", para se afastar dos problemas da família e da vizinhança, por não suportar a solidão em casa etc.

Os relatos e queixas trazidos por Maurício e Cristina &– utilizarei nomes fictícios &– remeteram-me especialmente a isso. Maurício, em atendimento no Centro de Convivência da Casa do Sol, logo após sair de uma internação de mais de um mês de duração, encontrou-se com uma das estagiárias desse setor nas proximidades do hospital. Contou sobre a morte recente de um tio, e disse que estava em crise e pediria uma internação.

Cristina, em tratamento há aproximadamente vinte anos no Centro de Convivência (passei a atendê-la durante a internação e continuei acompanhando-a durante alguns meses após a mesma), fazia freqüentemente pedidos de internação motivados por problemas com o marido e a filha, e com parentes vizinhos, moradores do mesmo quintal, dentre outros. Em um dos atendimentos, disse que toda a sua família precisava de internação e tratamento, e que ela já tinha feito a sua parte. Ao mesmo tempo que tais pedidos podem ter o sentido de solicitação de uma atenção especial e até mais global, não apenas individualizada, em um dado momento, o que se torna problema neste trabalho é que esse pedido se efetiva como um pedido de internação ou de tratamento, um pedido que carrega a patologização, se não houver a possibilidade de outros caminhos e recursos.

Muitas pessoas diziam "estar entrando", ou "quase entrando", em crise, diante de qualquer sentimento diferente, uma angústia ou ainda um acontecimento marcante e difícil. Tais questões podem ser vistas como um nó, como situações para as quais muitas vezes é difícil ter respostas, e diante das quais se termina por responder com recursos já conhecidos ou de mais fácil alcance. O problema é certamente complexo, e demanda avaliações singularizadas, ou seja, que não enquadrem situações apenas aparentemente similares no rol das institucionalizações, respondendo necessariamente com internação ou aumento da medicação, nem tampouco despachando a pessoa com o seu pedido, o que não constituiria a invenção de um novo recurso, mas a disfarçada reafirmação de antigas estratégias.

Um acontecimento na enfermaria que trouxe a singularização de algumas decisões, fugindo dos pólos citados no parágrafo precedente, consistiu na internação voluntária de uma senhora, à qual darei o nome de Joana, que se internou tentando se afastar do lugar onde morava, por conta da grande violência do local e, principalmente, do assassinato de um dos filhos dentro da própria casa. A essa situação não houve nenhuma resposta no sentido de forçar um diagnóstico e uma medicação, apenas uma preocupação com sua tristeza e dificuldade de encontrar recursos alternativos. Embora para nós não houvesse, a princípio, nenhum motivo forte ou evidente para a internação, foi aceito que Joana ficasse na enfermaria por um tempo. O trabalho consistiu, principalmente, em participar, com a família e vizinhos, da busca de soluções. Foram feitos atendimentos a Joana com e sem a família, e a maior parte do trabalho foi feito pela própria família, até que, finalmente, conseguiram provisoriamente mudar de residência e continuaram tentando vender a antiga casa.

Dell’Acqua e Mezzina (1991, p. 55) põem em evidência o problema da simplificação e da patologização como uma construção no circuito psiquiátrico, assinalando:

    O momento em que se dá atenção à pessoa em crise pode ser identificado como o ponto de máxima simplificação de uma relação onde, por um lado, o sujeito que está por mostrar-se já fez, progressivamente, uma simplificação e reduziu a um sintoma a complexidade de sua existência de sofrimento e, por outro lado o serviço [...]  equipou-se de modo especular para perceber e reconhecer, oferecendo-se como modelo de simplificação  o próprio sintoma.

Um entrevistado articula essa abordagem à sua experiência no EAT e, especialmente, a uma das ferramentas da gestão do serviço, que constitui ao mesmo tempo uma política, um modo de se relacionar na "crise":

    [...] a tendência maior nossa, quando alguém está em crise, é incorporar a pessoa ao EAT, não afastá-la para que viva a crise patologizadamente. É verdade, eu não tenho dúvida de que é algo muito traumático uma pessoa quando entra em crise. Mas a gente tem que preparar os outros clientes para essa situação, até mesmo os funcionários para essa situação de crise. É uma questão de preparo, uma questão de experiência e também é uma questão de você usar outras tecnologias, que não somente a medicação, para lidar com a crise. E eu não abro mão de pessoas com crises violentas aqui dentro; por exemplo, o R. não saiu. Mas tem uma coisa também: se você retira o sujeito para tratar da crise, você focaliza a crise como se fosse uma patologia que veio do céu e tomou o sujeito, você busca sempre o ato eficaz para tratar da crise. Uma pessoa que está sofrendo nem sempre necessita que todos os nossos atos sejam eficazes. [...] é tudo feito para reduzir a experiência humana para que ela fique unicamente medicamentosa. É uma coisa que eu tento quebrar, mesmo com uma pessoa em crise, como qualquer pessoa que sofre.  Não afastá-la da vida. (Psiquiatra do Espaço Aberto ao Tempo.)

É possível que haja objeções a tal formulação, em geral fundadas na liberdade que as pessoas possuem para buscar, conforme sua vontade e necessidade, os recursos que julgam capazes de solucionar seus problemas e angústias. Contudo, tal forma de olhar não está atenta à institucionalização, ao poder dos saberes e dos procedimentos naturalizados, à falta de alternativas; como conseqüência, pode tamponar questionamentos sobre acontecimentos graves, pode fazer estacionar, tendendo a impedir uma análise das implicações do nosso lugar, do nosso trabalho, favorecendo assim uma dependência cada vez maior dos serviços de Saúde Mental, em vez de contribuir para a criação de recursos, sentidos e modos de viver que se somem a eles.

Os impasses na gestão dos serviços, conforme seu posicionamento em relação às demandas de intervenção, e na medida em que contribuem para construir ou desconstruir essas demandas, são bastante familiares aos Centros de Atenção Psicossocial e Centros de Atenção Diária no Município do Rio de Janeiro: superlotação, filas de espera, fechamento de alguns serviços para reorganização interna e encaminhamento da clientela atendida, trabalhadores sobrecarregados, dentre outros. Certamente, na base desses problemas, também estão as precariedades na rede básica de atenção à saúde, as crises financeiras, a reestruturação do Estado, o modelo de financiamento destinado aos serviços etc. Mas seria errôneo negar que se acrescentam, aos itens anteriores, uma demanda historicamente construída e as dificuldades singulares ou subjetivas de criar novos espaços, novas redes e modos de vida, por meio dos quais as pessoas consigam lidar com suas angústias e construir projetos, vivendo melhor e com um pouco mais de independência em relação aos serviços de Saúde Mental.

Outro viés da naturalização das demandas e das ações para a elas responder, na contramão das quais se poderia fazer uma análise das implicações, consiste em focalizar apenas a "crise do indivíduo". Individualizando e remetendo exclusivamente ao "paciente" problemas que tocam em dificuldades institucionais, acaba-se por não problematizar o serviço e a instituição psiquiátrica &– atividade cotidiana, certamente difícil, que ainda hoje urge ser feita. Tal problematização, porém, decerto tem sido a grande contribuição engendrada pelos atores da desinstitucionalização: criar condições de possibilidade para uma crise de paradigmas, de afetos, de instituições. À naturalização e à individualização, Dell’Ácqua e Mezzina (1991, p. 55) se referem como uma impossibilidade de o serviço se colocar em crise: "Naturalmente, é sempre a ‘crise do paciente’ que se evidencia [...]. Jamais, diante das necessidades e das demandas excessivas e impróprias da clientela, este sistema de serviços tem a capacidade de colocar-se em crise".

Outro entrevistado conta uma situação vivida que remete tanto à individualização das questões que surgem em uma crise e durante a internação, sinalizadora de uma impostura ética e de uma impossibilidade institucional de colocar-se em crise, quanto a uma certa patologização da experiência e das expressões singulares, aliada ao descrédito quanto à pessoa e a um afastamento da vida. Quando falávamos dos valores morais que ainda circulam intensamente nas relações atuais com a "loucura", citou um recurso por ele utilizado durante sua própria internação:

    [...] tem uma coisa que eu fiz na minha internação que foi o seguinte: à medida que eu falava das coisas que tinham acontecido comigo, eu sentia que meu psiquiatra não me dava muita atenção e me mandava para o leito, para continuar na internação. Aí eu percebi isso e comecei a parar de falar sobre os problemas. Eu estava num grau em que dava para ter uma visão legal. Quando eu saí da internação, eu fui procurar uma advogada minha e fui processar o Jornal O Dia, no qual eu trabalhava. Aí o cara: "Você não falou que tinha esquecido isso" ? Eu respondi: Não, esqueci naquele momento em que eu estava ali, porque se eu continuasse falando eu não ia sair dali nunca, mas esses problemas me afetaram e eu não vou conseguir esquecer isso nunca (Integrante do Movimento da Luta Antimanicomial).

Dessa forma, percebe-se que a segunda idéia por nós proposta, a da definição de crise enquanto construída conforme os dispositivos, atravessa nitidamente a primeira. Nesta linha, Dell’Ácqua e Mezzina (1991) propõem uma definição de crise que considere os dispositivos que participam da produção cultural da mesma, de sua leitura enquanto acontecimento social e subjetivo, e das respostas que lhe são dadas. Situam a definição de crise em relação a um contexto histórico específico e a acontecimentos sociais, familiares etc, que geralmente acabam sendo lidos do ponto de vista psiquiátrico. Retiram, assim, a crise do mero estatuto de acontecimento psicopatológico individual e reafirmam sua complexidade:

    É seguramente difícil uma definição única da crise em psiquiatria. Qualquer esquema para defini-la deve, em todo caso, considerar a organização psiquiátrica existente naquela área e naquele momento histórico particular. Existe, de fato, um valor-limite a estas duas contingências, além do qual os problemas emocionais, psicológicos, de relação, sociais e os fatos da vida assumem as características da crise e se tornam de interesse psiquiátrico específico (DELL’ÁCQUA;  MEZZINA, 1991, p. 53).

O recorte de problematização dessa idéia será feito por meio de concepções de crise e dos modos de subjetivação envolvidos, seguindo o caminho das entrevistas e dos autores consultados, e ensaiando algumas formulações próprias, em construção desde as experiências vividas no estágio no IMAS Nise da Silveira.

 

ATRAVESSAMENTOS ENTRE CONCEPÇÕES E PRÁTICAS EM REFERÊNCIA AO MOMENTO DA CRISE

Dentre as primeiras impressões que me surgiram na confrontação com pessoas ditas "em situação de crise", uma, fundamental, foi a irredutibilidade da experiência subjetiva a qualquer categoria ou conjunto de sintomas, a impossibilidade de fixar traços de homogeneidade.  Não era, pois, por olhos e sentidos ligados às noções de categoria diagnóstica, de síndromes ou transtornos, de sinais e sintomas comuns que passavam minhas impressões.

Sendo assim, o que pretendo expor são questões a respeito de posicionamentos, seja nos discursos, nas práticas ou nas relações, que necessariamente pontuam, na crise, a negatividade, o distúrbio, a falta de adaptação, entre outros atributos. Procuro, ao contrário, defender a complexidade e a singularidade das experiências de crise, que são irredutíveis, por exemplo, às características que lhes imputam perspectivas que visam a prevenção, que enxergam a crise conforme o critério de estar a pessoa seguindo, ou não, uma conduta padronizada, contínua, perspectivas essas que invariavelmente intervêm no sentido de fazer tornar a um equilíbrio anterior.

No artigo inúmeras vezes aqui citado, Dell’Acqua e Mezzina (1991, p. 55), fazendo referência a experiências vividas no Serviço de Saúde Mental de Trieste, Itália, têm por intuito "tentar demonstrar o quanto à condição de crise corresponde uma complexa situação existencial e quão complexos devem ser os instrumentos e os recursos para afrontá-la". Julgando que a crise tem a potencialidade de exprimir uma demanda de investimento na vida, no sentido de tornar possível continuar a vivê-la, os autores propõem a criação de condições, mesmo que no âmbito de relações institucionais pré-formuladas, para que tal expressão possa ocorrer.

Essa complexidade dos instrumentos para lidar com a crise é considerada um dos recursos primeiros a se lançar mão, em lugar de responder prontamente, e quase indiscriminadamente, com tecnologias de contenção e apaziguamento, tal como se vê no paradigma manicomial. Este aspecto, o de que a instrumentação no trabalho em Saúde Mental precisa contar com linguagens múltiplas,  foi igualmente ressaltado em uma das entrevistas que realizamos: 

    Uma enfermaria psiquiátrica é o lugar mais errado para se tirar uma crise. Um lugar completamente errado, porque mantém uma transposição da crise da clínica médica, que não se adapta: é o leito e a medicação. Então é um afunilamento do tempo e do espaço. O espaço é diminuto, o espaço que você guarda é o da cama, e o gesto é diminuto, o gesto que tem é tomar a medicação. Não há acaso, não há nada que você possa fazer além disso. O ideal seria que a gente acabasse com esse modelo de internação. Não que haja situações em que o cara tenha se colocado em outro lugar; mas é mais raro do que a gente imagina. E isso podia ser feito de forma diferente. Há pouco tempo uma profissional da enfermaria de crise aqui do bloco médico [disse]: "olha, eu tenho um caso muito difícil aqui e queria que você ajudasse a gente a fazer a estruturação do self". O EAT tinha que buscar e ela [a pessoa internada] vinha para cá para se tratar até sair da crise. Eu fico pensando, e por que não se faz isso lá? Se é bom para a crise e lá é um lugar de crise... Não se faz, todas essas modalidades de oficinas, experimentações de linguagem... Você usa, usou a estruturação do self e as oficinas do EAT como último recurso, quando na verdade deveria ser o primeiro. Deveria ser o primeiro recurso, e depois a medicação etc. Mas não invertido: quando não se consegue nada é que se pensa nesse recurso. Ora, se esses recursos são para os casos mais graves...  como fariam bem para qualquer pessoa. Mas não se ventila porque se pensa que crise é coisa de enfermaria psiquiátrica, que é uma tradição médica e a enfermaria psiquiátrica é uma transposição da enfermaria clínica. Por mim, acabavam com essas enfermarias e passavam a ser uma casa, dinâmica [...]." (Psiquiatra do Espaço Aberto ao Tempo.)

O trabalho com necessidades, situações e mudanças concretas, na imanência, enfim, da subjetividade com a materialidade &– um dos aspectos de maior riqueza do campo da Saúde Mental, um dos motores cotidianos de obtenção de sentido no trabalho &– ainda não consiste em algo simples ou óbvio. Segundo Dell’Ácqua e Mezzina (1991, p. 72), um trabalho com necessidades concretas "bloqueia a tendência da psiquiatria a expelir da intervenção, como escórias, tudo aquilo que se relaciona à materialidade da vida; favorece um intercâmbio concreto entre os diversos sujeitos que atuam; promove um ‘caminhar com’ o paciente".

A temática relativa à temporalidade ou pontualidade da mudança, contraposta ao que é estrutural, àquilo que permanece, constitui um nó e é, muitas vezes, o ponto que dificulta a valorização das mudanças sutis, dos detalhes, e bloqueia o fomentar de acontecimentos junto ao sujeito e sua rede social. O momento da crise às vezes propicia a criação de recursos e estabelece uma urgência de realizações que, no curso habitual da vida, geralmente vão sendo proteladas. Alguns processos evidenciam "uma relação entre mudança da realidade empírica e mudança da subjetividade que é verificável não tanto em termos de uma ‘grande’, quanto impossível, transformação existencial" (Dell’Acqua; Mezzina, 1991, p. 72), mas de algumas pequenas mudanças, que podem ser produzidas com simples gestos, atitudes e colaboração dos profissionais. E esses simples comportamentos podem ser de extrema importância no que concerne às alternativas de vida, transitórias ou permanentes, para o "paciente" em crise.

Demandas e processos similares aos citados também foram reportados nas entrevistas, apontando para a possibilidade de serem realizadas, em alguns momentos de crise, mudanças, remanejamentos e reconstruções, válidas para a pessoa que vive a crise, para sua rede social e para o serviço:

    Uma coisa que eu lembrei que você falou da crise, me lembrei do C.H. Ele morava na casa dos pais, que morreram e que foi a casa onde ele cresceu. Os pais eram muito austeros e ele tem muitas recordações naquela casa. Ele há muito tempo vinha pedindo para sair daquela casa, principalmente quando ele estava "em crise", quando ele não estava "bem". Quando algumas coisas aparecem, a agressividade, por exemplo, é um dos sinais de quando ele está em crise; aquela doçura dele toda não aparece, aparece mais uma agressividade, uma irritabilidade. No caso dele parece que são duas pessoas, parece que duas pessoas habitam o mesmo corpo. E ele falava muito de querer sair e quando ele melhorava acabava que... O tempo passou, eu não sei muito bem montar essa história, um trabalho que a Carla fez, e a família entendeu que era mais do que quando ele não estava bem que ele não queria ficar lá; que aquela casa era muito complicada e a relação com os vizinhos estava muito difícil também e aí se começou a procurar a casa. E aí teve um período − porque ao mesmo tempo em que ele queria sair, quando ele viu a saída isso mexeu − em que ele não ficou bem e pedia para ficar no hospital, porque para ele era insuportável ficar naquela casa, mas a outra casa ainda não tinha saído, e a gente "Não, mas aqui no hospital não, vamos negociar, você fica um dia...". E aí acabou que ele conseguiu alugar a casa dele, está superfeliz. Mas esse período da procura da casa foi um período em que ele pode até não ter entrado numa crise, mas ele não estava bem, não estava bem por todas essas mudanças, porque ele não queria também, é difícil mudar. Eu não sei, mas numa lógica psiquiátrica tradicional talvez nunca se mexesse na casa e talvez diriam: "Viu só como não foi bom, já está voltando a sintomatologia". (Psicóloga do Espaço Aberto ao Tempo.)

A capacidade, portanto, de dar crédito ao que o sujeito aponta (e, se demandado, avaliar e construir com ele uma mudança) tem aparecido como uma ferramenta extremamente importante nos dispositivos em Saúde Mental. Em muitos casos, este trabalho inclui esforços da equipe em conjunto e a formação de redes com outras instituições e recursos coletivos. Este é um dos pontos inscritos no que se denomina construção de rede e trabalho com território.

Conforme salienta Teixeira (1996, p. 74), tenta-se então não perder de vista o fato de que lançar mão de qualquer recurso em curto prazo, inclusive o de estabelecer trocas com o sujeito sobre sua realidade e possibilidades, deve visar contribuir para que este último possa "ganhar em autonomia, em respeito por si próprio e pelo outro, em possibilidades de construir um percurso singular de existência que seja o melhor possível".

Ao enfocar a experiência subjetiva, e as implicações que as noções e práticas comuns na assistência à crise podem ter em seus desdobramentos, o discurso dos entrevistados reafirmou a centralidade do que se faz com os dispositivos de que se dispõe:

    É, eu acho que é um pouco isso. É a forma como você lida com os dispositivos que você tem. A crise pode ser uma grande chance de você produzir alguma coisa com aquele indivíduo, alguma coisa diferente, produzir a mudança. Ou pode ser a chance de você fazer exatamente nada, no sentido de que tirou da crise, o cara volta para a vida exatamente igual. (Psiquiatra da enfermaria de agudos feminina.)

Nesse sentido, Dell’Acqua e Mezzina (1991) ressaltam a contínua discussão com o paciente sobre o modo com este vive sua própria transformação e as transformações empíricas, relacionando-as. Reconhecem o alcance restrito de algumas respostas do serviço diante de um pedido ou necessidade, talvez contingente, mas cuja legitimação e compartilhamento contribuem para que a pessoa se sinta respaldada e avance na direção de um certo lugar, de um sentido coletivo para suas vontades e possibilidades, de sua capacidade de estabelecer acordos, relações e compromissos.

Muitas pessoas, nessas circunstâncias, reformulavam questões ligadas à sua crise, criando novos posicionamentos diante de limitações e possibilidades, de algumas de suas relações e até mesmo da maneira de conduzir seu tratamento. Tais situações se revelam, pois, extremamente importantes, tanto pois sugerem um repensar dos pressupostos da assistência às pessoas em crise, como porque não eram, anteriormente, tão reconhecidas, ou o eram apenas sob formas que se expressavam em expectativas idealizadas, quer por parte de  alguns familiares, quer por nós mesmos, envolvidos na assistência.

Um dos fatores intervenientes nas ações das equipes parece ser o cuidado, a cautela com o momento "crítico".  Esse cuidado, termo que pode se confundir com a advertência CUIDADO!, usando um trocadilho criativo, não se dá apenas nos momentos de crise, mas é indubitavelmente intensificado durante os mesmos. Decerto é uma atenção necessária, cujos efeitos devem ser avaliados em cada caso singular. Por outro lado, todavia, é importante que a cautela não se configure como tutela, tampouco como paralisação; que não se torne um exercício de poder ou, ao contrário, um "deixa estar" que, fundamentado na espera de um tempo singular do desejo, no "não atendimento de demandas" e das "angústias próprias", pode ter efeitos que beirem os da indiferença. Pode-se dizer que há, ainda, no momento de tomar decisões em equipe sobre modos de lidar com alguns clientes, certa dificuldade de diálogo e de modulação entre diferentes perspectivas: muitas vezes, no cotidiano do trabalho, cada um acaba agindo à sua maneira e dentro de suas possibilidades, principalmente quando se trata de tomar decisões inusitadas e/ou imediatas.

Diante das questões acima levantadas, houve certo consenso entre os entrevistados: eles enfatizaram um cuidado singular, especial, na atenção ao sujeito em momentos de crise. Seguem-se três trechos de entrevistas que falam da crise como um tempo de delicadeza e, em acréscimo, nas quais se tecem sugestões sobre uma forma de intervenção que não embarque em um "fazer por", e que se mantenha atenta a esse risco.

    Eu não tenho um conceito meu de crise. Eu posso falar de algumas coisas da prática. Por exemplo, quando uma pessoa está em crise eu tomo o dobro de cuidado para me chegar, porque eu acho que pode ser muito violento. Uma coisa que eu falaria de um jeito, talvez com uma pessoa em crise aquilo pode colar com alguma coisa e você magoar, fechar um vínculo, ficar em um lugar no qual a pessoa te rechace. Então, é da ordem de um cuidado. (Psicóloga do Espaço Aberto ao Tempo.)

     [...) às vezes o cliente não suporta aquilo, não suporta, por exemplo, ir três vezes na semana em um serviço de atenção diária, prefere ficar em casa. A gente que diz, a gente meio que normatiza isso de alguma forma. Mas esse movimento dá trabalho, promover mudança dá trabalho, tanto num grau concreto como em um mais subjetivo, é complicado mesmo. E de repente ele já se acostumou a isso, ele não quer. Pode achar que bom é ir uma vez por mês, pegar os remédios. E você vai fazer o que com isso? É difícil, tratar não é fácil. Eu acho que tanto a clientela como quem trabalha responde frente ao olhar que tem em relação à clínica. Para a gente que acredita que é possível fazer algo diferente, você acaba tendo mais delicadeza para lidar com isso, você investe mais. Para quem acredita que é simplesmente aceitar, ‘ah, o paciente não quer’ ou então ‘ah, tratar é isso mesmo, é tá em crise, interna, médica, sai da crise, vai embora para casa’, isso não dá trabalho na verdade, não tem investimento de desejo. (Psiquiatra da enfermaria de agudos feminina.)

    [...] Então muitas vezes o que a gente acredita, o que gente constrói a partir da nossa prática, é que a possibilidade de alguém estar intervindo, trabalhando junto na crise pode muitas vezes, em algumas situações, facilitar a possibilidade de construção ou reconstrução de referências. Quais vão ser, em princípio, a gente sugere que não se sabe. Porque tem uma série de fatores sociais em volta, próximo do sujeito, no contexto da família, que tendem muitas vezes a querer recobrar ou retomar uma situação anterior. [...] eu acho que quando a gente está intervindo junto na crise, a gente tem que ter o cuidado de não querer construir novos sentidos ou tão pouco querer reconstruir os velhos, porque a gente não sabe. Porque é possível que alguns não suportem retomar aquilo, nem tenham a menor condição... a gente não tem como saber isso antes. A gente tem que estar acompanhando junto, com cuidado, fazendo o que for preciso. Agora é claro que, por isso mesmo, a crise é um momento privilegiado de possibilidades de emergirem novos sentidos, muitas vezes essa produção de sentido é do próprio sujeito. Pode ser um sentido delirante, mas enfim é delirante no sentido positivo. E aí é claro que se espera que a intervenção não seja para calar esse sentido. (Psiquiatra, supervisor da equipe da enfermaria de agudos feminina e do Centro de Convivência.)

Trata-se, portanto, de ressaltar as noções de crise como instrumentos, como ligadas a formas específicas de realizar o trabalho em Saúde Mental. A atitude de lidar com a crise para além do reparo, sem a avidez por restituir algum suposto equilíbrio perdido, ou de intervir na direção de um retorno ao habitual, abre um leque de alternativas importante, tanto para levar em conta a complexidade das situações de crise, quanto para apreciar éticas possíveis no lidar com as mesmas. Nessa linha, alguns autores enfatizam a importância conferida à subjetividade no cenário da Saúde Mental:

    A introdução da dimensão da subjetividade neste cenário [da assistência no momento da crise, nos serviços de emergência] pode ressignificar tanto a idéia de crise quanto o objetivo a ser alcançado pelo serviço de emergência psiquiátrica. Desaparece a urgência de se restabelecer um equilíbrio perdido: a crise passa a ser considerada um momento privilegiado no qual o sujeito pode, eventualmente, ter acesso a novas formas de organização para si próprio e/ou para seu cotidiano (RECHTAND; LEAL, 2000, p. 93).

No EAT, por exemplo, acena-se com a possibilidade de desenvolvimento de certa autonomia, por parte do sujeito, no manejo da própria crise: "[...] ou seja, quando você não retira o sujeito da sua vida cotidiana para tratar da crise, ele desenvolve uma certa autonomia diante da crise" (Psiquiatra do EAT).

De modo similar, outro entrevistado sinaliza a possibilidade de uma gerência da crise pela própria pessoa, desde que existam condições favoráveis para tanto: "[...] Então se você conseguir trabalhar aquela crise, a minha idéia, a minha percepção é que essas crises vão diminuir cada vez mais até que a pessoa, o usuário consiga ter um controle dessas crises. É o que eu tenho feito [...]" (Integrante do Movimento da Luta Antimanicomial).

Não impedir e respeitar a possibilidade ativa do sujeito, dentro de seus limites, diante de certo momento ou de acontecimentos relevantes, é um fato que se encontra na contramão das relações manicomiais de aniquilamento da normatividade do sujeito &– conforme concebe a perspectiva de Canguilhem &– e pode constituir um diferencial significativo nos desdobramentos da vida dessa pessoa.

Ainda no âmbito dos processos de encontro entre a subjetividade em crise e as instituições é possível destacar o que alguns autores chamam de capacidade da crise de investir na vida, e que ligam à invenção de condições e espaços em que esse investimento, essa expressão, possa se dar. Marcelo Percia nos remete à abordagem desses aspectos em Winnicott, autor que defende o valor terapêutico do adoecer, retomando a idéia freudiana do delírio enquanto possibilidade de cura, ou tentativa falida de reconstrução <http://www.campogrupal.com>. Winnicott lamenta, por sinal, a carência de espaços nos quais uma pessoa possa se hospedar sem que haja a intenção de "resgatá-la" ou "direcioná-la" na vida, em face de um estado de fratura que retorna ao seu presente.

Para Freud (1924/1976, p. 231), o comportamento sadio "[...] é uma conduta que reúne determinados traços de ambas as reações: como a neurose, não dissimula a realidade, porém, como a psicose, empenha-se para modificá-la." Contudo, a psicose "se detém em efetuar mudanças internas" (FREUD, 1924/1976, p. 232). Esse ponto de vista merece ser discutido, considerando principalmente que ainda se faz presente em inúmeras teorias e práticas. Já foi discutida anteriormente a imanência de mudanças subjetivas e "empíricas". A possibilidade de efetuar mudanças não pode ser vista isoladamente, por conseguinte. Sua realização depende de encontros, dos recursos possuídos e construídos, da existência de condições favoráveis etc. Em uma perspectiva de atravessamento entre interioridade e exterioridade, torna-se quase impossível uma mudança interna ou individual sem que os outros em torno sejam afetados. Falamos, pois, da "psicose", assim como de qualquer modo de subjetivação, como ligada às transformações concretas e coletivas.

Em uma das entrevistas, em resposta às perguntas sobre a concepção de crise, foi enfatizado o fato de que aquela da qual se pode falar é a crise que chega aos serviços e aos profissionais de Saúde Mental, sendo, justamente, uma crise remetida a dispositivos e a uma ética específicos. O entrevistado acrescenta que há diferenças significativas, quanto à intervenção a ser feita, entre os casos nos quais quem pede ajuda é a própria pessoa para a qual "começa a crise" &– "aquela que está de dentro, que está gerenciando a crise" &–, e os casos nos quais quem solicita auxílio é alguém de fora: um familiar, um vizinho, ou até mesmo um policial. Neste último caso, torna-se mais difícil uma intervenção.

O mesmo entrevistado remete às implicações da intervenção nos desdobramentos da vida da pessoa em crise:

    [...] Pelo menos como eu vejo, o surto psicótico é exatamente a colocação em xeque das referências que sustentavam uma situação, sustentavam um estado de coisas, que de repente rui ou ameaça ruir, ou começa a ficar em questão. Então, a maneira como se lida com isso revela um pouco as perdas de referências, o que aparece é um pouco efeito disso. E aí, é claro, se há perdas, eu acho que no mínimo perda de algum sentido, que pode ser recuperado, pode ser preenchido, pode ser substituído, pode ser completamente esvaziado. Muitas vezes o que a gente vê na loucura é uma perda mesmo de sentido. Ou seja, desdobrando um pouco, o encaminhamento das crises, o desdobramento, muitas vezes, vai se dar quase que independentemente [...] De certa maneira, qualquer sujeito pode sair de uma crise sozinho. Então eu acho que a crise é isso. É uma certa colocação em xeque do sentido, que pode se dar de uma maneira leve ou muito radical. Mas, em geral, é possível que haja alguma relação da forma de manifestação ou da intensidade da manifestação com a situação da perda de sentido. [...] Determinados sujeitos vão ter mais facilidade ou mais tendência a construir ou reconstruir sentidos, mas outros provavelmente vão ter mais dificuldades e muitas vezes as perdas de sentido vão ser muito mais radicais, muito mais irreversíveis. (Psiquiatra, supervisor da equipe da enfermaria de agudos feminina.)

Cabe aqui um pequeno relato sobre uma pessoa que acompanhei durante o estágio. L., com 21 anos, passando pela primeira internação, teve uma crise bastante intensa e longa. Sua mãe havia morrido três meses antes e L. estava morando com um tio e uma avó bastante doente. No início, apresentava-se muito quieta e isolada. Falava raramente. Em seguida, passou por um período, de aproximadamente uma semana e meia, em que se agitou muito: conversava com as vozes de almas do outro mundo o tempo inteiro (o que me disse depois de passado esse período), mas em silêncio, apenas mexendo os lábios. Algumas vezes eu conseguia ler seus lábios. De repente vinha até mim e dizia algo ou fazia uma pergunta, mas logo voltava ao movimento anterior, andando, mexendo o corpo em uma espécie de reverberação e falando com as vozes sem cessar. Antes dessa fase em que conversava com as vozes, dizia não saber o que havia acontecido com ela , que ficara muito nervosa e fora levada ao Centro de Macumba, do qual saiu pior. Seu tio dizia que L. já estava estranha há alguns meses e, por isso, seguindo o conselho de alguns vizinhos, resolveu levá-la ao Centro, acreditando tratar-se de um problema espiritual.  Com a utilização de alguns recursos &– participação semanal nas atividades do Centro de Convivência (Oficina da Palavra e de Bijuteria); a referência de uma pessoa na equipe para conversar, fazer com ela os telefonemas para casa, cuidar de seu encaminhamento etc &–, aliados a uma alteração de medicação, em aproximadamente um mês aconteceram mudanças. Um dia, andando no pátio, L. disse ter ficado assim porque sua mãe morrera e ela não estava agüentando isso. Pareceu ter encontrado um sentido para seu sofrimento radical, um sentido, pelo menos, bastante palpável. Em supervisão de estágio, consideramos essa conexão muito importante e indicativa de um grande avanço. Logo depois, L. saiu da internação, já tendo um contato com o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da região onde morava.

Também no discurso dos profissionais do EAT se evidencia uma ausência de regra geral na concepção do que seja uma crise, o que não implica, de maneira alguma, falta de projeto ou planejamento, tarefismo ou falta de sentido, mas uma prática aberta à invenção, à singularidade, cuja tecnologia se vai construindo, permeável aos elementos de vida. O trecho da entrevista abaixo fala desse aspecto do trabalho:

    Mas é um destaque... Nos antigos, como as pessoas já conhecem, então são alguns sinais que, ao longo de uma história que fizeram, sabem que são sinais que levam a uma determinada coisa que já viveram numa história, entendeu? Mas não necessariamente tem um padrão. O que é para um não é para outro. Para mim é isso, crise é isso. Por exemplo, o J. S. [...] Ele entrou em crise quando o sobrinho dele morreu assassinado, era um sobrinho que ele amava [...]. Tinha a ver com uma situação que ele viveu insuportável. E a gente lidou. Mas, por exemplo, ele continuou trabalhando na cantina, a gente foi acompanhando o percurso dele de trabalho. E eu me lembro que ele queimou todos os documentos, então eu fui com ele tirar todos os documentos. E aí a gente foi lá em Copacabana onde tinha o registro do nascimento dele, e ele me mostrou o Parque da Catacumba, que foi onde ele morou e nasceu, e contou história. A gente foi meio que montando uma história de novo com ele, porque ele explodiu.[...] E nessa confusão toda ele pediu para tirar os documentos de novo. E a gente entendeu que isso era um pedido meio de tentar... Porque ele pedia muito que a gente o ajudasse, é como se ele pulverizasse, e a gente entendia que ele tinha um pedido de organização. Tanto é que ele pediu para arrumar a cantina, ele queria arrumar as coisas da cantina depois do expediente. Os documentos, eu acho que tinha a ver com uma arrumação dessa história dele, que ele acabou, entre aspas, perdendo. Acho que a coisa foi meio por aí, mas isso foi a história dele, com J seria outra coisa, com N seria outra. Eu acho que vai muito por aí. Por isso que eu não tenho uma coisa pronta. Mas nas vivências a gente vai vendo como vai fazendo. (Psicóloga do Espaço Aberto ao Tempo.)

Assim, essa psicóloga se contrapõe a uma perspectiva "mais tradicionalista", que "vai dizer que [a crise] é um sintoma, que ela está descolada da realidade e você tem que fazer a remissão do sintoma; então quando ele [o paciente] melhora é porque ele pára de delirar e funciona em um registro mais normal, mesmo que seja dopado de medicação, mesmo que você esteja matando... é isso".(Psicóloga do Espaço Aberto ao Tempo.)

Outro aspecto da concepção e da experiência de crise trazido acima &– a presença de um destaque em relação ao corriqueiro &– também apareceu em outra entrevista, novamente sem conotações negativas, ao contrário do que é costume nas concepções tradicionais:

    Para mim, a concepção que eu tenho de crise é a seguinte: é quando seus pensamentos estão de tal ordem bagunçados que você não consegue fazer coisas corriqueiras que você geralmente costuma fazer. Para mim, isso é uma crise. Não significa que isso seja uma coisa violenta, que você tenha uma crise e fique violento. Você pode ter uma crise de depressão, pode ficar muito triste, não conseguir se relacionar com as pessoas. Então, para mim, crise é quando você está em um estado tal de confusão, de imobilidade, que você não consegue fazer suas coisas corriqueiras. Isso para mim é uma concepção. (Integrante do Movimento da Luta Antimanicomial.)

Já o psiquiatra do EAT, indagado acerca de sua concepção de crise, traz alguns aspectos gerais da proposta do serviço, em que se destaca uma ética da gestão:

    Minha formação psiquiátrica não é tão pontuada de conceitos, porque eu entrei muito tardiamente na psiquiatria, já com a carreira de artista. Mas existem umas divisões que a psiquiatria faz, que eu nunca pego ao pé da letra. Essas divisões são: a crise aguda, o surto psicótico agudo, depois a evolução e outros, até a cronicidade. [...] e para cada uma a psiquiatria guarda um lugar diferente a tratar. Eu tendo a não ter uma concepção. [...] na prática a gente sempre utiliza "Ah, fulano está em crise" [...] mas  eu tendo a não fazer essas divisões muito nítidas e a não reservar espaços particulares para elas. Traduzindo em miúdos: quando uma pessoa tem uma crise, em geral você tende a colocá-lo fora do serviço de atenção diária, para que ela melhore da crise, para voltar. Eu trabalho muito com um conceito de corporativo: quando alguém tem uma crise, ele se sente partido de um corpo [...], da instituição; a grande tarefa minha é incluí-lo, não tirá-lo. Então eu trabalho muito com os clientes aqui para eles suportarem a crise do outro, para que ele viva o período da crise sem uma modificação muito drástica no seu cotidiano. Toda vez que alguém tem uma crise aqui e que não consegue vir ao EAT, se eu vou até lá, ele traz sempre a dor dessa partida do EAT, recorda os outros clientes, recorda o que faz aqui. Minha tarefa é trazê-lo de volta. (Psiquiatra do Espaço Aberto ao Tempo.)

Todos os entrevistados fizeram, à sua maneira, uma articulação entre o modo particular de lidar com a crise e o que isso produz.  Por um lado, o que produz nas pessoas com quem lidam mais particularmente; por outro, de modo mais geral, o que produz quanto ao que aqui chamamos de uma política e uma ética em relação à desinstitucionalização. Neste último caso, cumpre ressaltar alguns contrapontos: singularidade x normalização; afirmação da vida e do cotidiano x isolamento; deslocamento do foco da patologia na determinação das ações "terapêuticas" x patologização da crise e ações previamente estabelecidas, entre outros.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizando, reafirmo que as transformações necessárias à possibilidade de conviver com a loucura e outras diferenças, sem expurgá-las e sem tanto sofrimento, passam pela incorporação das perspectivas de desnaturalização da crise nas ações territoriais, nas relações cotidianas, na construção dos saberes, na articulação comunitária e intersetorial.

As concepções encontradas pelas entrevistas expressam um saber-fazer e experiências singulares que, mesmo possuindo referenciais já formulados e sistematizados, não se aprisionam em explicações estacionadas: seus porquês e para quês são continuamente gerados em uma experiência cotidiana, atenta e propícia à heterogeneidade e às experimentações. Falam, portanto, de um trabalho coletivo, que se esforça menos por vislumbrar um produto acabado, por pré-formular diretrizes para o mesmo, do que por ligá-lo a um processo de construção permanente: o trabalho vai se modificando e fermentando, permeável a acontecimentos inusitados, a riscos e contribuições múltiplas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Mônica Silva da Costa
E-mail:nicacosta9@hotmail.com

 

Recebido em: 28/05/2006
Revisado em: 02/12/2007
Aprovado em: 02/04/2007

 

 

1Este artigo, resultado de apresentação realizada no VI Encontro Clio-Psyché, foi gentilmente cedido pelo Programa de estudos e pesquisas em História da Psicologia - Clio-Psyché, da UERJ, para publicação nos Arquivos Brasileiros de Psicologia.
2Relatando um trabalho do qual participou no Hospital Jurandir Manfredini, Levcovitz (2000, p. 21) aponta diferenças entre o que pensavam os clientes e seus respectivos terapeutas a respeito dos motivos de "abandono" do tratamento. Enquanto os técnicos consideravam tais casos como representantes de um "fracasso na terapia (...) uma falha no processo terapêutico", grande parte dos clientes informava ter interrompido o tratamento por se sentir capaz de viver com autonomia, considerando-o bem-sucedido e finalizado.
3O EAT é atualmente cadastrado na Secretaria Municipal de Saúde como um Hospital-dia. Situa-se no IMAS Nise da Silveira e vem sendo construído há dez anos, a partir de um processo de desmontagem de uma enfermaria fechada. A partir da leitura de seus projetos e documentos, da participação esporádica em algumas atividades, e de conversas informais anteriores à realização deste trabalho, foi possível perceber uma proposta de funcionamento marcada pela multiplicidade de linguagens e recursos, pelo valor conferido às ações cotidianas e aos vínculos afetivos, e pela tentativa de transformação de modos "tradicionais" de lidar com a loucura.
4Podem ser citados o I Congresso Brasileiro dos Centros de Atenção Psicossocial, realizado em junho de 2004, em São Paulo, e o Seminário Clínico: O Manejo da Crise nos CAPS, com a presença das equipes e representantes dos CAPS e outros Serviços de Saúde Mental localizados no município do Rio de Janeiro, em dezembro de 2004.
5Para Barros (1990, p. 44), de modo geral, o processo de "desinstitucionalização deveu-se à confluência de quatro fatores interdependentes: o alto custo dos pacientes, a recusa da violência e segregação, a descoberta da eficácia de tratamentos ambulatoriais e, finalmente, o momento histórico que propiciava a extensão dos direitos sociais a todos os excluídos".
6Modo de intervenção no qual aquilo que o paciente traz é visto, a cada vez, como problema para o qual existe uma solução, geralmente padronizada, pré-formulada e mais imediata; modelo pelo qual se prioriza, por exemplo, a remissão dos sintomas da doença, sem pensar na complexidade da situação que leva o paciente a buscar assistência, e que consiste em uma intervenção pontual, não integrada a outros recursos e sem continuidade.

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